Introdução
O presente artigo apresenta a primeira operação técnica do historiador, a de produção de documentos e da criação de uma coleção, como afirma Certeau (2011[1975]). Objetiva, portanto, trazer reflexões de natureza metodológica decorrentes da experiência de se organizar, inventariar e repertoriar fontes que potencialmente contribuam para pesquisas no campo da História da Educação, mas que não estão disponíveis em grandes acervos digitais, como é o caso da imprensa periódica estudantil. Além disso, o artigo objetiva levantar, com base nos periódicos localizados, as potencialidades de análise dos impressos, tendo em vista o estudo do processo de configuração do ensino secundário no Brasil e, particularmente, no sul de Mato Grosso.
Consideramos que a análise da imprensa estudantil, inserida no conjunto de publicações que denominamos de imprensa periódica educacional, pode contribuir para compreender, particularmente, a história do ensino secundário a partir de elementos como a cultura escolar, as práticas pedagógicas, o cotidiano das instituições e as representações sociais dos estudantes referentes à educação e ao contexto em que estavam inseridos, pois, como afirma Caspard (1993, p. 93), a análise da “imprensa de educação e de ensino”1 permite escrever a história da educação “menos centrado[a] no papel do Estado ou dos grandes pedagogos e mais atento[a] à riqueza das iniciativas locais, institucionais, ideológicas, sócio profissionais e também ao atendimento de expectativas”, compreendendo que, “diferentemente do livro, a imprensa periódica é uma mídia interativa na orientação da qual os leitores participam de um modo ou de outro, quer escrevendo para ela, quer assinando-a ou deixando de fazê-lo”.
A imprensa estudantil pode ser compreendida, assim, como um conjunto de impressos que possuem características comuns e que têm, em seus processos de produção, destinação e/ou circulação, o protagonismo dos estudantes. Como afirma Amaral (2002, p. 124), nesses impressos estudantis “é possível observar-se valores, costumes e interesses que balizavam as relações dos jovens estudantes, bem como os reflexos das apropriações feitas a partir da cultura escolar da instituição a qual estavam ligados”. Sua análise “possibilita o contato com conteúdos e dispositivos textuais que configuram práticas de leituras dos alunos” traduzindo “uma certa conduta e um comportamento desejável (e às vezes indesejável) por parte das diversas instituições educacionais”.
Assim, podemos afirmar que a imprensa estudantil secundarista, compreendida como a imprensa produzida e destinada aos estudantes surge, no sul de Mato Grosso2, na medida em que as primeiras instituições de ensino secundário vão sendo implantadas. Em 1925, o Colégio Dom Bosco, originário do Instituto Pestalozzi, foi a primeira instituição a oferecer o ensino secundário, em nível ginasial, na cidade de Campo Grande, hoje capital de Mato Grosso do Sul 3. Em 1939, foi instalado o primeiro Ginásio público, terceiro dessa modalidade no estado de Mato Grosso uno (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2009). Em 1940, havia apenas três ginásios oficiais sob a inspeção federal, nas principais cidades de Mato Grosso: Cuiabá, Corumbá e Campo Grande (MATO GROSSO, Relatório..., 1940). Paralelamente às instituições públicas de nível médio, as instituições privadas e, particularmente, confessionais, foram se estabelecendo, sendo responsáveis, inclusive, por grande parte dos impressos estudantis a que tivemos acesso.
A situação do sul de Mato Grosso em relação à oferta do nível secundário de ensino era muito semelhante ao que ocorria no restante do País. Dallabrida (2012, p. 170) afirma, por exemplo, que, na década de 1950, o ensino secundário em Florianópolis era “formado por três educandários, sendo dois católicos, privados e distintos em gênero, e um de caráter público, gratuito e coeducativo”. Ao analisar o jornal O Estado de São Paulo, entre 1947 e 1957, Bontempi Jr (2012, p. 143) afirma que o ensino secundário foi apresentado nesse impresso como o mais “sério e mais grave de todos os problemas educacionais” no sistema brasileiro. Em 1961, como correlator4 do ensino secundário, Jayme Abreu afirmou que “o problema-chave na problemática universal da educação de nosso tempo é o da educação de segundo grau ou pós-primária” (ABREU, 1961, p. 8).
A Reforma Francisco Campos, de 1931, estabeleceu, pela primeira vez, a “homogeneização” do ensino secundário no Brasil, e na década de 1940 se iniciou a expansão sistemática desse nível de ensino, com a criação de ginásios nas capitais dos estados da federação, orientada pela Lei Orgânica do Ensino Secundário (LOES) de 1942 5. Nesse contexto, o ensino secundário é compreendido como o ensino pós educação primária, organizado em dois ciclos de estudos (um primeiro ciclo de quatro anos de duração, denominado ginasial6 e um segundo ciclo, de três anos, nas modalidades de clássico e científico), com currículo que se caracterizava pela predominância enciclopédica, valorizando a cultura geral e humanística. A própria LOES afirmava, explicitamente, em seu artigo 23, que esse nível de ensino deveria estar voltado para a formação das “individualidades condutoras” do País (BRASIL, 1942). Nesse contexto, o investimento do poder público na criação de instituições de nível secundário era precário, deixando a cargo da iniciativa privada e, particularmente, da Igreja Católica, o suprimento dessa carência, aumentando o elitismo desse nível de ensino, como expõe, entre outros, Dallabrida (2012).
A década de 1950 foi um período de ações em torno do ensino secundário brasileiro, como a criação das normas de funcionamento da escola secundária nacional, com a Lei n. 1.920/25 de julho de1953 (BRASIL, 1953) que, além de estabelecer a Diretoria do Ensino Secundário 7, tornou equivalentes os diversos cursos de grau médio para efeito de matrícula no ciclo colegial e nos cursos superiores, o que, de certo modo, representou uma medida importante no processo de sua democratização. No entanto, como afirmou Abreu (1955, p. 37), com base nos dados estatísticos de 1954, apesar de as matrículas no ensino secundário, entre 1933 e 1953, terem aumentado em torno de 490%, o referido nível de ensino ainda era marcado pela precariedade, “salvo nas aparências do formalismo legal, que é a forma usual de contrafação decorrente da irrealista abstração legal”. Para Nunes (2000, p. 35), o ensino secundário “se tornou um desafio para os educadores nos anos 30, 40 e 50, pelas transformações que sofreu na democratização do seu acesso e no seu currículo, transformações essas que traziam implícito um profundo questionamento da sua função formativa”. 8
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 4.024/1961 equiparou o ensino secundário previsto pela LOES com os cursos técnico-profissionalizantes e o normal, criando o ensino médio e representando mais um passo em direção à sua democratização. A Lei n. 5.692/1971, por sua vez, estabeleceu novas diretrizes para os então criados ensinos de 1º. e 2º. Graus. Como referido, entre 1931 e 1971, o ensino secundário estava organizado em dois ciclos de estudos (“ginásio” e “colegial” 9) e o acesso ao ensino secundário se dava, prioritariamente, pelo exame de admissão. A Lei n. 5.692/1971 aglutinou o ensino primário ao curso ginasial e o denominou de ensino de 1º. Grau, eliminando o exame de admissão. O ensino secundário passou a corresponder ao ensino de 2º. Grau.
Com a redemocratização do país a partir de 1985 e a aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/1996), o ensino secundário passa a compor a última etapa da Educação Básica (que inclui a educação infantil e o ensino fundamental), como nível de ensino obrigatório e de oferta gratuita. Trata-se de um novo olhar para o ensino secundário, como base da formação dos jovens e não mais como um ensino restrito a uma classe social, ou apenas um degrau para o ensino superior.
O esforço de sintetizar, neste artigo, a história do ensino secundário no Brasil principalmente a partir de marcos legais, mesmo correndo riscos de simplificação, se justifica como forma de evidenciar que as mudanças de formato e de objetivos propostas para esse nível de ensino, em cada tempo, marcaram as definições sobre o possível estudante de nível médio, o que, consequentemente, influencia na análise da imprensa periódica estudantil secundarista ao longo da história.
Desse modo, com o intuito de localizar e identificar a imprensa estudantil secundarista, produzida e em circulação no sul de Mato Grosso, desde o surgimento das primeiras instituições, como uma das possíveis vias para se compreender o ensino secundário no estado, debruçamo-nos sobre o acervo disponível no Centro de Documentação Regional (CDR) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e, em seguida, levantamos as pesquisas em história da educação que apresentaram a imprensa periódica educacional como fonte. Tais procedimentos resultaram, após uma ginástica interpretativa dos dados disponíveis, na apresentação e análise de 10 impressos periódicos estudantis como fontes potenciais para a história da educação no sul de Mato Grosso entre 1934 a 1998.
Procedimentos de busca: localização, identificação, seleção e acesso
A partir da motivação de criação de um catálogo da imprensa periódica educacional produzida e em circulação no sul de Mato Grosso no século XX 10, e com base na afirmação de Certeau (2011 [1975], p. 75) de que “‘ir aos arquivos’ é o enunciado de uma lei tácita da história”, iniciamos a busca pelos documentos disponibilizados, por coleções, no Centro de Documentação Regional (CDR)11, considerando que:
A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual misterioso decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise, e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que a passagem da lembrança através das gerações (BLOCH, 2002 [1941-42], p. 83).
Ponderando que os documentos arquivados no CDR passaram por processos de seleção e de identificação, de acordo com as intenções previstas na constituição desta instituição, dedicada à produção e reunião de coleções de documentos referentes aos estudos regionais, consultamos as seguintes coleções: “Periódicos Mato-Grossenses (microfilmes)”; “Jornais e Boletins”; “Revistas”; “Documentos Originais”; e “‘Lourival Alves da Silva’ - Lista de jornais impressos e digitalizados (Ponta Porã e Aral Moreira)”.
Ao produzir uma “nova distribuição cultural” dos documentos, recortado “no universo do uso” (CERTEAU, 2011 [1975], p. 69), nossa primeira seleção resultou em 33 impressos que denominamos, pelo título e pela classificação no arquivo, como imprensa periódica estudantil, tanto de nível secundário quanto universitário. Uma segunda seleção, mais rigorosa e precisa, observou que alguns títulos, como, por exemplo, o periódico O Caderno, apesar de fazer referência a um objeto escolar, tratava-se de um periódico de circulação geral, autodenominado como “única revista [da cidade] de Aquidauana”. Tal seleção reduziu a 18 o número de impressos estudantis localizados no CDR (dois referentes aos anos 1930, um à década de 1960, dois publicados nos anos 1970, sete na década de 1980, seis nos anos 1990).
Em busca da imprensa estudantil restrita ao nível secundário no arquivo do CDR, constatamos que os impressos mais antigos a ela se referiam. O primeiro periódico localizado foi o jornal Vida Escolar, com exemplares de 1934 a 1937. A revista Civilização (de cultura e educação, também de 1934), a princípio selecionada, foi eliminada, pois não apresentou vínculo direto com nenhuma instituição escolar ou com grupo de alunos 12. O segundo periódico estudantil localizado nessa década foi o Ecos Juvenis (1936, 1939), das alunas do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. O acervo do CDR não possui nenhum impresso estudantil publicado nas décadas de 1940 e 1950, sendo a próxima ocorrência o jornal escolar O ABC - Grêmio Estudantil Coelho Neto (1961, 1962, 1968), do Colégio Osvaldo Cruz, de Dourados. Na década de 1970, localizamos o jornal O grito do estudante (1974) 13, do Colégio Estadual Presidente Vargas. Nas décadas de 1980 e 1990, os jornais estudantis universitários apresentam maior quantidade de edições no acervo, mas localizamos três impressos destinados ao nível secundário: o jornal Voz do estudante: órgão oficial informativo e cultural da União Douradense de Estudantes (1983, 1991); e dois jornais aparentemente de vida efêmera, um intitulado Futrica e o outro Jornal O interação - Grêmio Estudantil gestão Renovação, ambos da Escola Estadual Reis Veloso e publicados em 1998.
Considerando a distinção entre a imprensa estudantil secundarista e universitária, além das subtrações feitas ao analisar mais de perto alguns periódicos, que não se identificaram como de educação/ensino, apesar da nomenclatura, chegamos a sete impressos periódicos secundaristas. No quadro abaixo apresentamos, por título, instituição, cidade de origem e ano, os periódicos secundaristas localizados e selecionados no acervo do CDR, perfazendo o período de 1934 a 1998.
Título dos impressos | Instituição/Cidade | Ano de circulação (números disponíveis) | N. médio de páginas (por edição) |
---|---|---|---|
Vida Escolar - orgão dos estudantes de Campo Grande/orgão dos estudantes de Campo Grande Colégio Visconde de Taunay | Colégio Visconde de Taunay/ Internato Osvaldo Cruz/ Campo Grande | 1934, 1935 1935, 1936 e 1937 14 | 4 páginas (18 páginas em 1937) |
Ecos Juvenis - orgão das alunas do Colégio N. S. Auxiliadora | Colégio Nossa Senhora Auxiliadora / Campo Grande | 1936, 193915 | 22 páginas |
ABC O ABC Grêmio Estudantil Coelho Neto | Colégio Osvaldo Cruz de Dourados/ Dourados | 1961, 1962, 1968 16 | 6 páginas |
O grito do estudante | Colégio Estadual Presidente Vargas/ Dourados | 197417 (6 números disponíveis) | 14 páginas (12 a 16) |
Voz do estudante - Órgão oficial informativo e cultural da UDE | UDE (União Douradense dos Estudantes) Dourados | 1983, 1991 18 | 8 páginas |
Futrica | Escola Estadual Reis Veloso /Dourados | 199819 | 2 páginas |
Jornal O interação - Grêmio Estudantil gestão Renovação | Escola Reis Veloso /Dourados | 199820 | 4 páginas |
Fonte: Elaboração própria a partir do levantamento das fontes disponíveis materialmente no CDR
O quadro acima permite observar que os sete impressos disponíveis no acervo do CDR estiveram vinculados a quatro instituições privadas, de 1934 até 1968; duas instituições públicas, entre 1974 até 1998; e uma associação de estudantes, a União Douradense de Estudantes (UDE), em 1983 e 1991. Os impressos mais antigos foram produzidos em Campo Grande e os mais recentes no município de Dourados.
Nossas hipóteses explicativas para tais observações - além de considerar a constituição do CDR, a rotina e os critérios utilizados na organização do seu arquivo, como ressalta Marc Bloch (2002/[1941-1942]), são, por um lado, a própria configuração do ensino secundário, garantido, até os anos 1970, a uma pequena parcela da sociedade, principalmente por instituições privadas, com relativa expansão das instituições públicas nas décadas posteriores. A concentração dos impressos nas cidades de Campo Grande e Dourados pode ser explicada, por sua vez, por se constituírem nas duas principais cidades do sul do estado, a partir da década de 1930. Cabe destacar, ainda, que o Centro de Documentação Regional (CDR/FCH/UFGD) está localizado em Dourados.
A limitação quantitativa e geográfica das fontes localizadas no acervo do CDR nos motivou a buscar, nas pesquisas acadêmicas, impressos estudantis secundaristas utilizados em investigações sobre o sul de Mato Grosso, considerando que esse tipo de fonte também pode ser acessado em acervos escolares ou em acervos pessoais, como novos “lugares de memória” (NORA, 1993), além dos arquivos e acervos históricos. Como a intenção era produzir um repertório analítico, com o principal intuito de fomentar novas pesquisas, necessário se fez extrapolar o próprio acervo.
Em busca de pesquisas e fontes sobre a imprensa estudantil secundarista no sul de Mato Grosso, rastreamos, inicialmente, os títulos dos artigos publicados e disponíveis on-line nos cinco periódicos especializados na área de história da Educação: História da Educação (Online)/ASPHE (RHE - 1997 a meados de 2020)21; Revista Brasileira de História da Educação (RBHE - 2001 a meados de 2020)22; HISTEDBR On-line (2009 a meados de 2020)23; Cadernos de História da Educação (CHE - 2002-2020)24; e a Revista de História e Historiografia da Educação (RHHE - 2017-2020)25. Definimos, como descritores de busca nos títulos dos artigos publicados nesses periódicos, as palavras “imprensa”, “impresso”, “jornal”, “periódico”, “revista” e “mato grosso”26 e chegamos ao seguinte resultado, que apresentamos na Tabela 1:
Periódicos (locais de busca) | Artigos sobre/com Imprensa | Artigos sobre/com Imprensa estudantil |
---|---|---|
RHE | 59 | 16 |
RBHE | 30 | 2 |
Rev. HISTEDBR | 42 | 1 |
CHE | 37 | 1 |
RHHE | 5 | 1 |
TOTAL | 173 | 21 |
Fonte: Elaboração própria a partir do resultado do levantamento da produção nos periódicos
Para selecionar a imprensa estudantil, entre os artigos levantados nesse procedimento de busca, definimos, a partir da leitura de cada título, a presença de um termo que indicasse tratar-se desse tipo de impresso, tais como: “aluno”, “estudante”, “escolar”, “escola”, “colégio”27. Pelo procedimento de busca aqui descrito, nenhum dos 21 artigos localizados, que apresentaram a imprensa periódica estudantil como fonte, refere-se a Mato Grosso. Nesse sentido, o levantamento da produção ajudou a compreender o estado da questão, mas não contribuiu para ampliar o repertório de fontes.
Tais lacunas, aliada a escassez de resultados, nos levaram a fazer uma busca da produção indexada no Portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)28. Para tanto, além dos descritores “imprensa” e “mato grosso” acrescentamos a palavra-chave “história educação”. Como resultado, localizamos 153 itens, sendo 66 revisados por pares. A partir da leitura do título/palavra-chave/resumo de cada resultado, não encontramos nenhum item que correspondesse ao nosso objetivo.
Considerando que o levantamento havia sido insuficiente, buscamos pelas teses e dissertações defendidas no Brasil, disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da (CAPES)29 e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/IBICT)30, a partir dos descritores: “imprensa” e “mato grosso” no título, resumo e/ou palavras-chave. Considerando, em um primeiro momento, o sul e o norte de Mato Grosso uno como delimitação espacial, bem como a imprensa de modo geral e não apenas a imprensa educacional, localizamos 11 trabalhos defendidos entre 2008 e 2019. Entre os trabalhos localizados, três utilizaram a imprensa periódica educacional como fonte: aqueles elaborados por Silva (2019); Nolasco (2015) e Silva (2008). Os demais utilizaram a imprensa de circulação geral e/ou a imprensa religiosa.
Entre as três autoras, Silva (2019) e Nolasco (2015) utilizaram a imprensa estudantil, mas apenas Silva (2019) utilizou impressos de produção/circulação no sul de Mato Grosso. No entanto, a fonte utilizada por essa autora, o jornal A Vida Escolar, já constava no quadro de fontes disponíveis no CDR. A tese de Nolasco, apesar de limitar-se a investigar os impressos estudantis de Cuiabá, apresenta um quadro dos “Periódicos educacionais entre 1880-1959” que circularam no país (NOLASCO, 2015, quadro 13, p. 422-426). Sobre a parte sul de Mato Grosso, o quadro menciona dois impressos: Primícias (1927, Ginásio Municipal de Campo Grande) e o Vida Escolar (1934-1935, Colégio Visconde de Taunay). 31.
Considerando os parcos resultados, fizemos uma busca no Google Acadêmico32 a partir de dois procedimentos: 1) pelos descritores “jornal escolar”, “mato grosso” e “história da educação” e, em seguida, 2) incluindo cada um dos títulos dos impressos levantados no acervo do CDR como descritores de busca. A partir dos resultados, consideramos, também, as referências bibliográficas constantes nas pesquisas localizadas.
Sintetizamos abaixo, no Quadro 2, o resultado dessa busca, que considerou todas as modalidades de produção acadêmica (artigos em anais e revistas, capítulos de livros, dissertações e teses). Na primeira coluna, apresentamos os impressos estudantis secundaristas citados nas pesquisas localizadas. Na segunda coluna, apresentamos as referências das pesquisas que mencionaram ou analisaram os referidos impressos. Quando a imprensa foi apenas citada na pesquisa, incluímos a página em que foi mencionada. O asterisco, por sua vez, indica que a referência foi localizada no levantamento anteriormente explicitado.
Impresso estudantil Instituição (cidade, década) |
Pesquisas que citam/analisam tal impresso estudantil |
---|---|
O Eco do Collegio Colégio Salesiano Santa Teresa (Corumbá, 1920) |
Stella Oliveira (2014, p. 120) |
Primícias Ginásio Municipal de Campo Grande (Campo Grande, 1927) |
Nolasco (2015, p. 423) |
Vida Escolar - orgão dos estudantes de Campo Grande Colégio Visconde de Taunay (Campo Grande, 1934, 1935, 1936) |
Silva; Moreira (2015) Sá; Moreira (2017) Silva (2019) * Nolasco (2015, p 423) |
Ecos Juvenis - orgão das alunas do Colégio N. S. Auxiliadora (Campo Grande, 1936, 1939) |
Trubiliano (2007) Trubiliano; Martins (2010) Ortiz (2014); Souza (1999). |
O Ginásio Colegio Dom Bosco (Campo Grande, 1943) [1937 a 1940] |
Castro (2014) |
Jornal A Penna Colégio Estadual Campo-grandense (Campo Grande, 1966) [1944?] |
Oliveira; Paes (2013, p. 11) Rosa (1990) |
O ABC
- Grêmio Estudantil Coelho Neto Colégio Osvaldo Cruz de Dourados (Dourados, 1961, 1962, 1968) |
Moreira; Passone Rodrigues (2017) Aguiar; Assis (2018, 2019) |
O Grito do estudante Colégio Estadual Presidente Vargas (Dourados, 1974) |
Marques; Irala (2017) |
Voz do estudante - Órgão oficial informativo e cultural da União Douradense dos Estudantes - UDE (Dourados, 1983, 1991) |
- |
Jornal Enfoque Joaquim Murtinho Colégio Joaquim Murtinho (Campo Grande, 1986) |
Oliveira; Rodríguez (2006, p. 6) Oliveira; Rodríguez (2008, p. 8) |
Futrica Escola Estadual Reis Veloso (Dourados, 1998) |
- |
Jornal O interação - Grêmio Estudantil gestão Renovação Escola Reis Veloso (Dourados, 1998) |
- |
Fonte: Elaboração própria a partir do resultado do levantamento da produção.
O Quadro 2 evidencia uma ampliação quantitativa, temporal e geográfica das fontes, em relação à primeira busca feita no acervo do CDR. A primeira ocorrência data de 1920, acrescenta a cidade de Corumbá, e comporta 12 jornais estudantis secundaristas (cinco a mais). O levantamento sintetizado no quadro também elucida o aparente ineditismo de algumas fontes, que ainda não foram mobilizadas em pesquisas. Nenhuma referência foi encontrada para os jornais Futrica e O Interação (ambos de 1998, da Escola Estadual Reis Veloso), tampouco sobre o Voz do estudante: órgão oficial informativo e cultural da UDE (1983, 1991).
De acordo com Oliveira (2014, p. 120), o Colégio Salesiano Santa Teresa, inaugurado em Corumbá, em 1899, pelos missionários salesianos, iniciou o curso ginasial em 1916 e criou, em 1920, o jornal estudantil O Eco do Collegio. O segundo impresso seria o periódico estudantil Primícias, “órgão crítico e noticioso da mocidade” do Ginásio Municipal de Campo Grande 33, citado por Nolasco (2015, p. 423)34, com data de 1927. No entanto, não encontramos nenhuma outra referência que indicasse pistas para a localização dos referidos impressos. Além das menções pontuais nas referidas obras, nenhum outro trabalho os menciona, de acordo com nosso levantamento. Sobre o jornal Enfoque, vinculado ao Grupo Escolar e Escola Normal “Joaquim Murtinho”, em Campo Grande, a edição ano 1, n. 1, de junho de 1986, foi mencionada por duas pesquisas, mas não conseguimos ter acesso a essa fonte. Em síntese, esses três impressos foram citados pelos pesquisadores (na página indicada no Quadro 2), mas não analisados como fonte/objeto de investigação.
Além dos periódicos disponíveis no acervo do CDR, tivemos acesso a outros dois periódicos a partir do contato com pesquisadores que, muito gentilmente, nos disponibilizaram seus acervos pessoais: foi o caso do Jornal A Penna (algumas páginas de uma edição de 1944? e algumas páginas de uma edição de 1966)35 e da revista O Ginásio (com algumas edições completas, publicadas em 1937, 1939 e 1940) 36. Destacamos os acervos pessoais como parte dos “lugares de memória” (NORA, 1993). Em ambos os casos, os periódicos foram guardados como produto das atividades profissionais dessas pessoas que, como historiadores da educação, valorizam esses impressos como documento histórico.
Desse modo, o repertório da imprensa periódica estudantil no sul de Mato Grosso, identificado, localizado e acessado pelos nossos procedimentos de busca, ficou delimitado em 10 impressos: oito provenientes do CDR (considerando uma subdivisão do jornal Vida Escolar, vinculado a duas instituições distintas) e dois de acervos pessoais.
Potencialidades e desafios do repertório sobre os impressos estudantis secundaristas no Sul de Mato Grosso
Apresentamos o repertório com os 10 periódicos estudantis secundaristas, produzidos e em circulação no sul de Mato Grosso, selecionados pelos nossos procedimentos de busca, delimitados no recorte temporal de 1934 a 1998, destacando as potencialidades e desafios desse tipo de fonte para a produção de pesquisas em História da Educação. O quadro abaixo expõe o repertório, informando sobre o total de edições (51 edições) e o total de páginas (584 páginas), indicando também o ano, instituição/cidade e acervo de acesso de cada periódico:
Impressos | Período | Instituição(cidade) | Edições localizadas | págs | Acervo |
---|---|---|---|---|---|
Vida Escolar (14 edições) |
1934- 1935 |
Colégio Visconde de Taunay (Campo Grande) | 1934, Ano 1: n.1, 20-maio; n.2, 3-jun.; n.3, 17-jun.; n.5, 15-jul.; n. 6-7 15 ago; n.8, 1-set.; n.9, 23-set.; n. 10, 14-out; Ano 2: n.11, 14-nov.; 1935, Ano 2: n.13, 15-maio; n.14, 31-maio; n.16, 15-jul.; n. 17, 31-jul; n.18-19, 26-ago. | 56 | CDR |
Vida Escolar (3 edições) |
1935 a 1937 |
Internato Osvaldo Cruz (Campo Grande) | 1935, Ano 2: n.20, 1-out; n. 21, 20-nov; 1936, Ano 3: n.22, 13-jun. 1937, Ano 4: n. 28, jun. |
34 | CDR |
Ecos Juvenis (2 edições) |
1934 a 1950 |
Colégio N. S. Auxiliadora (Campo Grande) |
1936; 1939, Ano 6, n. 29, out. |
22 | CDR |
O Ginásio (8 edições) |
1937 a 1940 |
Colégio Dom Bosco (Campo Grande) |
1937, ano II: n. 9, nov./dez.; 1939, ano II: n. 16, maio/jun; ano 3, n. 19; out.; ano 3, n. 20, nov./dez. 1940, ano 3: n. 21, fev./mar.; n. 22, abr./maio; ano 4: n. 24, ago./set.; n. 25, out/nov. | 298 | Pessoal |
A Pena (2 edições) |
1944? 1966 |
Colégio Estadual Campo-grandense (Campo Grande) | Ano II, n. 3, sem data (nov. de 1944? incompleto) Ano IV, s/n., junho de 1966, incompleto) |
8 | Pessoal |
ABC (12 edições) |
1961-2 1968 |
Colégio Osvaldo Cruz de Dourados (Dourados) | O ABC: 1961: n. 2, maio; n. 6, s/data; n. 6, out. 1961;1962: n. 8. Mar.; n. 9, s/data; n. 10, maio. |
56 |
CDR |
O ABC Literário: n. 1, mar. 1968; n. 2, 1968; n. 3, maio 1968, n. 4, 1968; n. 5, ago. 1968; n. 6, set. 1968 | |||||
O Grito (6 edições) |
1974 | Colégio Estadual Presidente Vargas (Dourados) | 1974, ano 1: n. 1, jun; n. 2, ago.; n. 3, set.; n. 4 também de setembro; n. 5, out.; n. 6, nov. |
92 |
CDR |
Voz do Estudante (2 edições) |
1983 1991 |
União Douradense dos Estudantes (Dourados) |
1983: Ano 1 n. 2, out. 1991: Ano 11 n. 4 de 2/5/1991 |
12 |
CDR |
Futrica (1 edição) |
1998 | Escola Estadual Reis Veloso (Dourados) | ano 1, n. 4, 26 de maio de 1998 | 2 | CDR |
Interação (1 edição) |
1998 | Escola Estadual Reis Veloso (Dourados) | n. 1 ano 1898 | 4 | CDR |
Fonte: Elaboração própria a partir dos impressos localizados
O Quadro 3 permite observar que, entre os periódicos localizados, três incluem a primeira edição: o Vida Escolar, de 20 de maio de 1934; O ABC Literário, de março de 1968; e O Grito do Estudante, de junho de 1974. O primeiro número de um periódico costuma explicitar os objetivos e motivações para a criação de tal impresso, assim como indica o público leitor a que se destina, auxiliando nas interpretações sobre os conteúdos nele veiculados.
De alguns dos periódicos localizados constam a segunda ou a terceira edição, mas de outros não foi encontrada sequer uma edição completa, como foi o caso do jornal A Penna, a que tivemos acesso apenas a algumas páginas de duas edições. Tais discrepâncias na sequência e quantidade de edições encontradas de cada impresso, associadas ao largo espaço de tempo que abrange esse repertório, somadas às mudanças que alguns desses impressos sofreram durante seu ciclo de vida (seja na sua forma/conteúdo/nomenclatura, seja na vinculação institucional), geraram dificuldades para interpretar esses documentos.
Considerando que não existe texto fora do suporte que se dá a ler, “que não há compreensão de um escrito, [...] que não dependa de formas através das quais ele chega ao seu leitor”, como expõe Chartier (1990, p. 127) e que, para analisar um impresso e a construção de sua significação, faz-se necessário “pôr à luz as [suas] condições de produção”, como afirma Le Goff (1990, p. 525), o quadro abaixo sintetiza algumas características materiais que ajudam a compreender os processos de produção, circulação e usos da imprensa estudantil que compõe o repertório:
Impressos |
Período | Média de págs. |
Impressão | Distribuição (valor) |
Periodicidade | Tamanho em cm 37 | Imagem | Anúncio |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Vida Escolar | 1934- 1935 |
4 | Tipografia Trouy & Cia |
Vendido ($300 38) |
Quinzenal Mensal/ 39 |
16 x 20 | Sim | Sim |
Vida Escolar | 1935 a 1937 |
4/1840 | Tipografia Trouy & Cia |
Vendido ($300 41) |
Mensal | 16 x 20 |
Sim |
Sim |
Ecos Juvenis | 1934 a 1950 |
22/40 42 | Tipografia Trouy & Cia |
Vendido (5$00043) |
Mensal | 16 x 20 | Sim | Sim |
O Ginásio | 1937 a 1940 | 34/50 (37) |
Tipografia Trouy e outras 44 |
Vendido?45 | Mensal/ Bimestral |
16 x 23 | Sim | Sim |
A Pena | 1944? 1966 |
8? | - | Gratuito(?) | Mensal? | 50 x 30? |
Sim |
Sim |
ABC | 1961-2 1968 |
6 | A Folha de Dourados/ Jornal de Dourados 46 |
Gratuito |
Mensal? | 50 x 30? |
Sim | Sim |
O Grito | 1974 | 14 | Gráfica Progresso 47
|
Gratuito | Mensal | 15 x 21 |
Sim | Sim |
Voz do Estudante | 1983 1991 |
6 | Gráfica Alvorada (?) | Vendido (Cr$ 50,00 48) |
Mensal | 50 x 30 |
Sim |
Sim |
Futrica | 1998 | 2 | - | Gratuito | Mensal | 30 x 20 | Sim | Sim |
Interação | 1998 | 4 | WoW! Inglês e Informática | Gratuito | Único? | 30 x 20 |
Sim |
Sim |
Fonte: Elaboração própria a partir da análise dos impressos localizados
Os elementos materiais mencionados permitem algumas conjecturas interpretativas sobre o repertório em questão. Elas evidenciam uma primeira fase de elaboração desses periódicos com algumas características em comum. Os primeiros impressos, produzidos e em circulação na década de 1930, foram confeccionados pela tipografia Trouy, de Campo Grande, tendo mais ou menos as mesmas medidas e formato, com circulação majoritariamente mensal, distribuídos mediante a compra, seja de um único exemplar ou por assinatura. A partir da década de 1960, por sua vez, os impressos são menos homogêneos na sua materialidade, e apresentam menor rigor profissional de produção e impressão em alguns momentos. Cabe perguntar se a qualidade material dos impressos e a impressão gráfica de alto padrão até esse período esteve vinculada à preocupação dos editores com a recepção dos periódicos, por um público mais amplo que os alunos da própria instituição. Questionamos se o apelo estético visual na produção desses impressos estudantis não estaria, de forma consciente, vinculado à produção de uma autoimagem das respectivas instituições (divulgando a arquitetura e mobiliário escolar, corpo docente, etc.) em um momento em que o ensino secundário, inclusive no discurso oficial, era voltado para a formação das elites.
No que diz respeito à forma de distribuição desses impressos, os primeiros se apresentaram com preços, identificando os valores cobrados pelos exemplares avulsos, atrasados e/ou por assinatura (anual), e informando os procedimentos de acesso aos exemplares. A partir da década de 1940, surgem os impressos com distribuição gratuita. A exceção é o jornal Voz do Estudante, em circulação a partir da década de 1980, vinculado à associação de estudantes (UDE), que fazia do seu impresso mais uma forma de arrecadação de fundos para a associação. A gratuidade induz o pesquisador a supor que o financiamento dos periódicos fosse subsidiado pelos anúncios veiculados.
Ainda sobre os elementos materiais, o tamanho do impresso, ou seja, seu formato, bem como o número de páginas, também pode indicar ao pesquisador sobre o “leitor visado”49 e sobre as formas de uso. Em síntese, a atenção aos elementos materiais dos periódicos estudantis pelo historiador da educação considera, parafraseando Darnton (1990, p. 131), que os periódicos “[livros] não se limitam a relatar a história: eles fazem a história”, porque não são meros reservatórios de palavras, não apenas trazem em suas páginas uma história, mas constituem e atuam com e sobre ela. Em outras palavras, os elementos que compõem o suporte do impresso reverberam naquilo que se lê/vê e remete às condições de produção e de consumo disponíveis em determinado momento histórico.
Ainda com esta intenção, apresentamos abaixo alguns dados de identificação e produção dos periódicos que compõem o repertório, em torno do gênero do periódico (jornal ou revista), da vinculação escolar (pública ou privada), da relação com um grêmio escolar (estudantil ou literário) e da autoria e edição, tendo em vista que o impresso só se torna impresso dentro de um circuito e “das relações que se estabelecem nesse circuito entre seus diferentes agentes: autores, editores, impressores, expedidores [...]” (GALVÃO; MELO, 2019, p. 244).
Impressos | Vida Escolar50 | Ecos Juvenis | O Ginásio | A Pena | ABC | O Grito | Voz do Estudante | Futrica | Interação |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Dados | |||||||||
Suporte | Jornal * | Revista | Revista | Jornal | Jornal | Jornal | Jornal | Jornal | Jornal |
Instituição | Privada | Privada | Privada | Pública | Privada | Pública | Pública | Pública | Pública |
Vínculo Grêmio | Literário 51 | Literário 52 | Literário53 | Estud?/ Literário 54 | Estud/ Literário55 | Estudantil | UDE56 | - | Estudantil |
Editoração | Gestão da instituição | Gestão da instituição | Gestão da instituição | Alunxs 57 | Alunxs 58 | Alunxs | Alunxs | Alunxs 59 | Alunxs |
Autoria | Alunos/ Profs/ Diretores | Alunos/ Profs/ Diretores | Alunos/ Profs/ Diretores | Alunxs 60 | Alunxs | Alunxs | Alunxs | Alunxs | Alunxs |
Fonte: Elaboração própria a partir da análise dos impressos localizados
Considerando a dificuldade de classificar o gênero dos periódicos (jornal, revista, magazine, boletim, semanário, etc.), pela ausência de um padrão, e uma vez que editores e proprietários utilizam termos como sinônimos, consideramos a identificação apresentada no próprio impresso para a construção do Quadro 5. Dois impressos identificaram-se como pertencendo ao gênero impresso revista: a Ecos Juvenis e O Ginásio. Ambos estavam vinculados a instituições privadas e à igreja católica, mais especificamente à ordem salesiana, em Campo Grande, e atendiam estudantes em regime de internato e externato. O Vida Escolar, por sua vez, se autodenomina como jornal, mas é citado em outro impresso como “revista ‘Vida Escolar’ do Ginásio ‘Osvaldo Cruz’” (O GINÁSIO, ano 4, n. 24, ago/set de 1940, p. 19).
Tanto os periódicos autodenominados revista (Ecos Juvenis e O Ginásio) quanto o Vida Escolar (em sua segunda fase, especificamente a partir da edição de 1937, entre os que localizamos) apresentam características semelhantes entre si, com quantidade maior de páginas e riqueza de ilustrações, em comparação com os demais periódicos do repertório. Em síntese, eles apresentam características de um impresso mais robusto e elaborado. Além disso, como expõe Martins (2008, p. 46), ao propor que uma revista se distingue dos jornais pela presença de certos elementos materiais, como a capa, confirmamos que os três impressos podem ser classificados no gênero revista. Os demais impressos, definidos como gênero jornal, expõem um layout identificador do impresso na parte superior da primeira página e em seguida apresentam os conteúdos em colunas, ainda na primeira página, como pode ser observado na Figura 1:
As imagens na Figura 1, contendo a primeira página das primeiras edições localizadas, permitem observar a existência de uma “capa” nos impressos do gênero revista (Vida Escolar, Ecos Juvenis, O Ginásio), assim como permite observar o layout dos impressos do gênero jornal. Diferente do Vida Escolar (1937), que faz uma homenagem ao professor Henrique Correa (imagem de capa), os periódicos Ecos Juvenis e O Ginásio mantêm em todas as edições (localizadas) a imagem arquitetônica da fachada do prédio da instituição escolar que o impresso representa, como uma forma, acreditamos, de propaganda desse “palácio da instrução”, o que nos leva à questão seguinte, sobre a iniciativa pública ou privada das instituições a que os impressos se vincularam.
Observamos que, até a década de 1940, todos os periódicos localizados estiveram vinculados a instituições de iniciativa particular (Colégio Visconde de Taunay; Internato Osvaldo Cruz; Colégio N. S. Auxiliadora; e Colégio Dom Bosco). Nossa hipótese é a de que essas revistas estudantis, criadas e editadas pelos dirigentes das referidas instituições privadas, com textos de alunos, além de outros autores, serviram como divulgadores das respectivas instituições, que objetivavam manter e ampliar o número de alunos matriculados. Desse modo, o historiador da educação pode indagar, já pela capa das revistas, sobre a amplitude dos leitores visados por essa imprensa periódica estudantil, além dos próprios estudantes.
Uma característica comum a estas instituições de ensino secundário foi a presença de “grêmios escolares”, como parte da cultura da escola, sob a responsabilidade dos estudantes61. Os impressos estudantis se apresentaram como uma das atividades mais expressivas dos grêmios, que neste repertório alguns se definiram como “grêmios estudantis” e outros como “grêmios literários”. Os grêmios escolares compuseram, pelo menos no discurso impresso, o núcleo dos agentes da produção da imprensa periódica estudantil secundarista no repertório em questão, com duas exceções (os periódicos Voz do Estudante e o Futrica). Cabe ao pesquisador da história da educação, ao analisar a imprensa estudantil, questionar sobre a autonomia dos estudantes dos grêmios escolares na produção dos referidos periódicos, o que pode ser questionado analisando-se, por exemplo, a composição editorial e a autoria 62 dos textos divulgados nos impressos correspondentes. Cabe questionar se é possível referir-se à autonomia dos periódicos estudantis em contextos em que a escola atua como meio de homogeneização e controle social da juventude. O que significa um grêmio estudantil em contexto de ditaduras, como a do Estado Novo e a Militar? O que dizer sobre autonomia em momentos em que os grêmios e os periódicos estudantis são criados para atender aos interesses da instituição, como instrumentos da escola mais do que dos estudantes?
Na proposta escolanovista de elaboração de “jornais escolares”, sistematizada, entre outros, por Casasanta (1939), a produção de jornais escolares pelos alunos é exposta como uma atividade a ser inserida nos currículos escolares, ressaltando os papéis do aluno e do professor no processo de ensino-aprendizagem 63, como incentivou Freinet, a partir de 1924, ao apresentar as vantagens pedagógicas, psicológicas e sociais dos jornais escolares (FREINET, 1957, p. 62-65). Fica evidenciada, nessa proposta pedagógica, o acompanhamento e a supervisão do professor na elaboração dos jornais pelos estudantes. Nesse debate, Nolasco (2015, p. 209-210) propõe uma distinção terminológica entre “jornais estudantis” como impressos “organizados e produzidos por iniciativa de alunos, podendo ou não contar com apoio de professores e colaboradores externos à escola, mas que dela não dependiam”, sugerindo “emancipação na escolha das pautas e produção final independente da aprovação dos adultos”. Já os “jornais escolares” seriam as produções de alunos, “sob a tutela das autoridades escolares”, com uma “preocupação relativa à formação estudantil”. Considerando a existência de uma autonomia, mesmo que relativa, por parte dos estudantes, na criação e produção da imprensa periódica estudantil, os impressos que compõem o presente repertório carecem de uma análise mais profunda para serem definidos como “estudantis” ou “escolares”, na diferenciação proposta pela autora. No entanto, podemos afirmar que alguns periódicos não podem ser classificados em nenhuma dessas posições, porque não surgiram de iniciativas de alunos e tampouco estavam focados na formação dos estudantes (como propõem Freinet ou Casasanta), e explicitaram o objetivo de divulgação da instituição a qual representavam. É o caso dos impressos Vida Escolar, Ecos Juvenis, e O Ginásio.
Como última proposição analítica, apresentamos algumas categorias temáticas veiculadas na imprensa periódica estudantil secundarista que compõe o presente repertório. A metodologia adotada consistiu na leitura integral de cada edição dos periódicos acessados, com o intuito de identificar temáticas que possam ser de interesse para pesquisadores da história da educação. O largo tempo que abrange esse repertório apresenta a vantagem de poder investigar as mudanças e permanências na proposição de algumas temáticas, tanto na perspectiva dos alunos quanto das próprias instituições. Cultura estudantil; instituição escolar secundária; feminismo/mulher; e cinema e educação foram as categorias inicialmente elencadas, mas muitas outras poderiam ser elaboradas, em decorrência das perguntas de pesquisa propostas por cada pesquisador e da própria riqueza de informações evidenciada pelas fontes.
A categoria temática que delimitamos como “cultura estudantil” pode ser analisada pelas denúncias, expectativas/desejos, idealizações e contradições dos estudantes, sobre a instituição, a educação, os colegas, a sociedade, e/ou a política. Essa cultura estudantil está impressa nos periódicos por meio de críticas, sátiras, caricaturas, poemas, etc., expressando normas de conduta/comportamentos/hábitos, posições político-ideológicas-filosóficas dos estudantes como autores. As atividades extraescolares, tais como a participação em homenagens cívicas, os passeios e as excursões, os piqueniques, campeonatos esportivos, gincanas e festivais de música, também foram incluídos como parte da cultura estudantil. Tais atividades dizem sobre as práticas estudantis que ocorriam além dos muros da escola, ao mesmo tempo em que os estudantes se reconhecem como grupo de determinada instituição em atividade extraescolar. Outro exemplo da cultura estudantil está marcado pela organização de grêmios e outras associações/movimentos estudantis, que expressam a necessidade que tinham os alunos e alunas de definirem-se como “classe estudantil”.
O tema sobre “instituição escolar” de nível secundário foi delimitado considerando a quantidade de informações apresentadas por esses periódicos sobre nome e número de alunos matriculados, notas e classificações dos alunos nos exames, nomes dos professores que compõem o corpo docente, níveis de ensino e horários oferecidos, infraestrutura do espaço escolar, prestação de contas sobre o caixa escolar, etc., além de contar com fotografias sobre o espaço físico e as atividades escolares. Esse tema é abarcado ora para destacar os valores, ora a precariedade da instituição, dependendo de cada período. Tais dados podem trazer contribuições para os pesquisadores interessados na história das instituições de nível secundário.
A categoria temática “feminismo/mulher” chamou a atenção por constar como polêmica desde o periódico mais antigo aqui listado. A disputa por espaço, tendo em vista a questão de gênero, aparece nos periódicos, com mais ou menos ênfase, de acordo com a abertura social possibilitada em cada época e em cada instituição (algumas exclusivas para homens ou para mulheres). Tal temática permite questionar sobre o acesso das mulheres ao ensino secundário, em todas as suas ramificações, ou seja, além da escola normal. A presença da mulher como autora é outra pergunta para ser analisada, quanti-qualitativamente, além do papel desempenhado pelas mulheres como parte do corpo docente nesse nível de ensino.
“Cinema e educação” foi elencado como uma categoria temática considerando a valorização e propagação do cinema na escola (cineclube, cineteatro, cinema educativo gratuito), presentes nos impressos estudantis, começando na década de 1930, provavelmente por influência da obra de Serrano e Venâncio Filho (1930), na perspectiva da escola ativa, que incentiva e explica sobre as vantagens do cinema educativo, além da necessidade de controle dos filmes considerados adequados ou impróprios, até os periódicos mais recentes, que destacam a programação do cinema da cidade, e fazem comentários sobre filmes.
O Quadro 6 sintetiza os temas, como potencial de análises investigativas no campo da História da Educação, destacando em quais periódicos estudantis tais temas podem ser encontrados.
Impressos | Vida Escolar | Vida Escolar | Ecos Juvenis | O Ginásio | A Pena | ABC | O Grito | Voz do Estudante | Futrica | Interação |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Conteúdos | ||||||||||
Ano | 1934- 1935 | 1936 1937 | 1936 1939 | 1937 a 1940 | 1944 1966 | 1961/2 1968 | 1974 | 1983 1991 | 1998 | 1998 |
Cultura Estudantil | ||||||||||
Instituição secundária | ||||||||||
Cinema/ Educação | ||||||||||
Feminismo/ Mulher |
Fonte: Elaboração própria a partir da leitura dos periódicos que compõem o repertório
Cabe destacar o risco de diminuir o potencial de análise que os periódicos estudantis oferecem em sua totalidade, ao propor tais categorias temáticas. Temas como a valorização da língua portuguesa, na região de fronteira, no período do governo Getúlio Vargas, presente nos quatro primeiros periódicos listados, não foram apresentados como uma categoria temática. A presença do patriotismo e do combate ao comunismo é outro exemplo de temática que pode ser encontrada, com certo destaque, nos períodos de democracia mais restritas, assim como o tema da religião/fé/Deus, que aparece em todos os periódicos estudantis até os anos de 1970. Outro tema que não foi incorporado no Quadro diz respeito à valorização de conteúdos científicos encontrados em quase todos os impressos estudantis. Cabe, nessa perspectiva, questionar sobre as ciências mais citadas e valorizadas em cada contexto, bem como a permanência de outras no percurso da longa duração. Há, ainda, a possibilidade de análise desses impressos em seu conjunto seja por décadas ou por períodos específicos, como a Era Vargas e a ditadura militar, por exemplo.
Considerações finais
Essa primeira operação técnica do fazer historiográfico, em busca da imprensa estudantil secundarista no sul de Mato Grosso, remeteu-nos a Prost quando escreve sobre o prazer do historiador no contato com as fontes:
Eu duvido, o reconheço, que um historiador possa deixar de provar uma certa emoção abrindo uma pasta de arquivo ou a coleção de um velho jornal: essas folhas que dormem há tanto tempo conservam o traço de existências múltiplas, de paixões hoje extintas, de conflitos esquecidos, de análises imprevistas, de cálculos obscuros. (PROST, 1999 apud ALVES, 3003, p. 2)
Compartilhamos dessa emoção ao localizar, identificar e nos debruçar sobre os jornais e revistas de estudantes secundaristas produzidos no sul de Mato Grosso, no decorrer do século XX, e vislumbrar o universo de investigação que potencialmente se abre com base na análise desses registros do passado. Como lembra Alves (2003, p. 2), “os dilemas postos no cotidiano da pesquisa não conseguem dissipar o encanto que envolve o mergulho no passado”.
O exercício aqui realizado compreende a primeira fase da pesquisa histórica, como lembra Certeau (2011[1975]), de produção de documentos, da criação de uma coleção, e o primeiro desafio é o de definir o conjunto desta coleção. Os 10 impressos levantados apresentam-se como parte da produção escrita ocidental moderna, abarcando discursos, práticas e representações de/sobre estudantes secundaristas no sul de Mato Grosso, durante o século XX. Cientes das diferentes terminologias adotadas, escolhemos, para definir esse conjunto o termo “imprensa periódica estudantil”, levando em conta o espaço de produção e a destinação dos referidos impressos.
Apesar das várias limitações já anunciadas na descrição deste repertório, acreditamos no seu potencial para a escrita da história da educação, ao compreender a imprensa periódica estudantil como fonte para a história da escrita estudantil, a história das instituições, do ensino secundário, das práticas e do cotidiano escolar e extraescolar, considerando, em conformidade com Jouhaud (2019, p. 450), que o ato do autor/editor (aluno, professor/a, diretor), ao escrever/publicar, “remete a (ou pressupõe) uma confiança no poder do escrito”.