Introdução
Tomar a História Digital (HD) como base teórica e metodológica para olhar para a História da Educação (HE) pode ser um caminho promissor para o estabelecimento de novas perspectivas de abordagem, tanto teóricas quanto metodológicas, em razão das mudanças epistemológicas da aproximação com o universo digital que nos impõe novas formas de relação com o presente, futuro e com o passado. Embora as discussões sobre a HE e sua relação com o digital sejam realizadas por alguns profissionais, ainda não temos frentes de trabalho suficientemente estabelecidas de modo sistematizado que contemplem os diversos níveis de relação com os ambientes digitais. Neste cenário, consideramos necessária a abordagem do tema a partir de questões referentes à formação do pesquisador, a construção de agendas para as políticas de digitalização de acervos junto com instituições de guarda, a criação de GT nas sociedades e associações em que a HE se faz presente bem como a realização de eventos, congressos e publicações especializadas, dentre outras, discorrendo sobre a problemática. Situação similar foi apontada por Ryuskensvelde (2014) para o contexto internacional.
Se por um lado urge a necessidade do enfrentamento da temática por outro não é coerente pensar que os historiadores da educação têm se negado a discutir as relações do campo com os ambientes digitais. Desde 1990, acompanhando a virada digital, é possível localizar os primeiros investimentos sobre o assunto colocando-se ao lado de outras disciplinas acadêmicas no enfrentamento do tema. Neste contexto, o livro organizado por Faria Filho (2000) pode ser entendido como um testemunho deste momento. A obra é resultado do seminário intitulado “O impacto das novas tecnologias na pesquisa e na formação do pesquisa em História da Educação”, que foi promovido pelo GT História da Educação da Associação Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (ANPEd) e organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, pelo programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas e pelo Centro de Referência do Professor, da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. O livro é composto por 12 textos que contemplaram a temática e questões recorrentes sobre o uso tecnologias na pesquisa e na disponibilização das fontes, a formação de pesquisadores e a apresentação de iniciativas e experiências.
Este artigo, por meio da análise da frequência absoluta de termos nos números publicados da revista The New Era (TNE) entre 1920 e 1930 com o uso do software ATLAS.Ti (versão 9), apresenta possibilidades de integração e interação entre as proposições da HD com a HE. A abordagem utilizada se apropria das discussões sobre o uso de software e outras ferramentas digitais em pesquisa qualitativa frente as dinâmicas da digitalização massificada de fontes históricas e pelas facilidades de acesso aos diferentes documentos que a web atualmente nos oferece (de modo gratuito ou não). A escolha do software se deu pela sua interface amigável, por não exigir conhecimentos em programação e por corresponder com as demandas da pesquisa a partir das ferramentas disponíveis para o uso.
A análise do objeto e a surpresa da resposta encontrada
A revista TNE, órgão oficial em língua inglesa da New Education Fellowship, exerceu um importante papel no contexto do movimento internacional da educação nova, principalmente nos países de língua inglesa. Criada em 1920 por Beatrice Ensor (1885-1974) e ainda em circulação até os dias atuais, vinculada à World Education Fellowship, era composta por textos referentes às diversas temáticas em discussão no contexto da renovação escolar e em prol da renovação da sociedade como educação para a paz, cidadania, coeducação, disciplinas escolares, métodos e modelos pedagógicos, além de notícias relacionadas às inúmeras associações filiadas, congressos, indicações bibliográficas e outras informações.
Nos últimos anos a coleção da revista, pertencente ao acervo ao Instituto de Educação da Universidade de Londres, passou por um processo de digitalização e foi disponibilizada para download no site da instituição e no repositório digital Internet Archive (IA)2, na qual realizamos os downloads dos volumes no formado em PDF referentes aos anos 1920 e 1930. Tendo em vista as características apresentadas pelo material, optamos por estabelecer uma metodologia de trabalho que conjugou a prática do ofício historiográfico analógico com o digital. A título de contextualização, cada arquivo da revista baixado se refere a um volume formado pelos números publicados da revista a cada ano, com exceção do volume 1 que contempla os números publicados em 1920 e 1921. No processo de compilação dos números individuais em volumes anuais algumas partes do material foram suprimidas, como as páginas, contracapas e folhas de rosto; e em cada anuário foi inserido um índex geral. Para identificarmos o início e fim de cada número, optamos por construir um sumário através de tabelas no Excel.
Pela construção dos sumários foi possível identificamos os nomes das seções, títulos dos artigos, nomes dos colaboradores e de instituições, notícias, propagandas, resenhas, listas bibliográficas, informações sobre conferências, imagens e fotografias, dentre outros elementos. Dessa abordagem identificamos que os 19 volumes contemplam as 138 edições publicadas nas duas primeiras décadas de circulação do periódico (tabela 1). Essa metodologia nos permitiu conhecer o objeto, sua estrutura e topografia, seguindo as orientações para a análise de periódicos conforme apontado por Vidal e Camargo (1992) e Catani (1996). Pela construção dos sumários e através da leitura humana do material, foi possível identificar que o periódico contemplou diferentes debates em torno da educação e escolarização, da educação infantil à formação de professores.
Ano | Números da revista | Quantidade de números | Ano | Números da revista | Quantidade de números |
---|---|---|---|---|---|
1920 | (sem indicação) | 4 | 1930 | (41-48) | 8 |
1921 | (sem indicação) | 4 | 1931 | (49-60) | 12 |
1922 | (sem indicação) | 4 | 1932 | (1-11) | 11 |
1923 | (sem indicação) | 4 | 1933 | (1-10) | 10 |
1924 | (sem indicação) | 4 | 1934 | (1-7) | 7 |
1925 | (sem indicação) | 4 | 1935 | (1-10) | 10 |
1926 | (25-28) | 4 | 1936 | (1-10) | 10 |
1927 | (29-32) | 4 | 1937 | (1-10) | 10 |
1928 | (33-36) | 4 | 1938 | (1-10) | 10 |
1929 | (37-40) | 4 | 1939 | (1-10) | 10 |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Dentre as potencialidades e possibilidades do manuseio de acervos digitais e digitalizados está a análise de coleções de grande porte através de ferramentas que permitem fazer análises complexas e trabalhosas em um curto período de tempo e com pouco esforço físico. Como apontou Lange (2019), em uma série de jornais, por exemplo, é possível realizar a busca por palavras-chave, fazer a varredura e encontrar a quantidade e localização das ocorrências no texto de uma forma automatizada, tanto com o uso de softwares como por ferramentas digitais online3:
Quando um pesquisador está interessado em um tópico muito claro (por exemplo, previsões meteorológicas históricas), uma pesquisa simples por palavra-chave com vários termos estratégicos (“chuva”, “sol”) pode ser suficiente para selecionar um subcorporus vasto e relevante para uma investigação posterior (LANGE, 2019, s/p)4.
Nesta direção, Brasil e Nascimento (2020, p. 213) apontam que não se pode perder de vista os desafios e limitações do uso dessas estratégias digitais na reelaboração da pesquisa histórica. Deve-se levar em conta os problemas de reconhecimento óptico de caracteres (no caso de fontes digitalizadas), a necessidade de “explicitar o método, as ferramentas tecnológicas utilizadas durante a pesquisa e sua experiência no processo, para corroborar sua contextualização e interpretação final das fontes”. Além das dificuldades de gerenciamento e manuseio frente ao denso volume de informações/dados/fontes, o pesquisador deve estar atento ao funcionamento interno do digital para a operação historiográfica, ou seja, os modos de funcionamento, seleção e disponibilização dos dados, dentre outras.
Tendo em vista que o ATLAS.Ti oferece a ferramenta de pesquisa de texto, selecionamos alguns termos identificados na TNE que se referiam às etapas/fases da escolarização: nursery school, kindergarten, pre-school, primary school, elementary school, secondary school e high school.5 Na ferramenta do software, selecionamos a opção no campo de busca “correspondências exatas” e inserimos o termo de interesse no singular acrescido de OU do termo no plural (ex. primary school OU primary schools). Essa escolha permitiu localizar a quantidade de vezes que o termo e variações inseridas no campo de busca pudessem ser contabilizados no corpus analisado.
Do processo de autocoding foi possível verificar que o termo nursery school, entre 1920 e 1939, foi o que apresentou a maior frequência absoluta entre os termos selecionados, contabilizando 1417 ocorrências, seguido por secondary school (908) e elementary school (575) (tabela 2). Nossa hipótese era que a TNE privilegiaria assuntos cujo termos referentes a educação primária fossem mais recorrentes e diante disso, ao longo de seus números e conteúdo, e os termos primary school e elementary school figurariam no topo da lista6.
Termo | Magnitude (ocorrências) |
---|---|
Nursery school | 1418 |
Secondary school | 909 |
Elementary school | 580 |
High School | 535 |
Kindergarten | 355 |
Primary school | 298 |
Pre-school | 230 |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Frente a este resultado surgiram alguns questionamentos: quais são os possíveis significados para a predominância do termo nursery school na TNE? Qual é o comportamento da frequência do termo na série histórica analisada? O tema esteve concentrado em algum período? Qual foi seu ponto de ascensão? É possível indicar relações com eventos internos e externos à NEF?7
Elementar, meu caro Watson?
Muitas vezes, a pesquisa histórica requer ao historiador uma astúcia quase sherlockiana, como já apontou Ginzburg (1989), mas poderíamos adicionar que a dúvida watsoniana também não pode ser deixada de lado. Diante de um problema é necessário buscar e seguir os vestígios, indícios e rastros na busca por solucionar o “mistério” apresentado. No caso desta pesquisa, buscamos analisar as strings (dados coletados pelo uso do software) e relacioná-las com o contexto do objeto e as discussões presentes na historiografia. Partimos da premissa que o software é uma ferramenta de pesquisa, os resultados apresentados por ele diante das análises realizadas devem ser vistos como apontamentos para investimento para o exercício do historiador e não como o resultado pronto e acabado.
Ao invocarmos a expressão “elementar, meu caro Watson”, acrescido da interrogação ao final, apontamos para a relação existente entre Sherlock Holmes e John Watson (personagens da literatura de ficção criados por Arthur Conan Doyle em finais do século XIX) diante do problema. O resultado de encadeamento de fatos nem sempre é tão óbvio quanto pode parecer. Embora, na pesquisa mediada pelos softwares de análise qualitativa, podemos ser acometidos por uma sensação de exatidão do resultado apresentado devemos adotar uma postura de dúvida constante diante dos resultados encontrados. Como nos alertou De Certeau (2017), devemos buscar pelos ditos e não ditos que estão engendrados na complexidade do fazer histórico.
Além da ferramenta “pesquisa de texto”, recorremos à análise dos dados obtidos pelo autocoding pela ferramenta “tabulação cruzada” no ATLAS.Ti onde foi possível verificar a distribuição do quantitativo de termos nos volumes anuais da revista em tabela código-documento. Dessa forma, identificamos o termo nursey school começou a ascendência a partir de 1927, apresentando três picos nos anos seguintes: o primeiro em 1928 com 106 ocorrências, o segundo (e o maior) em 1931 com 253 ocorrências, e o terceiro em 1937 com 173 ocorrências (gráfico 1). De modo a identificar quais conteúdos foram tratados nos respectivos anos, realizamos análise dos sumários e dos números temáticos publicados no decorrer das duas décadas de análise, seguindo os apontamentos feitos por Haenggeli-Jenni (2017) e Monção (2021)8.
Pela análise dos sumários, dos quatro números da TNE publicados em 1928, três se estruturaram a partir de um eixo temático. A edição número 33, dedicou-se a tratar da educação na Rússia e nos países da União Soviética; o número 35 da educação na Inglaterra; e o número 36, sobre o ensino de inglês. Em 1931 foram publicados 12 números da revista, dos quais foram identificadas quatro edições temáticas: o número 51, teatro; o número 53, coeducação; o número 55, geografia; e o número 56, filmes na educação (film in education).
Já em 1937 foram publicados 10 números com sete edições temáticas dedicadas à Sex relationships (número 2), Religious education (número 3), Co-education (número 4), Citizenship (número 5), Education for Citizenship (número 6), Nursery School (número 7) e Expect (número 8) (MONÇÃO, 2021). Desta investida, foi possível observar que apenas o número 7, de 1937, oferece indícios que sustente a hipótese da frequência do termo relacionado com um número temático da revista.
Ao nos aproximarmos dos números publicados nestes anos, verificando os títulos dos artigos, buscamos identificar se houve alguma referência à temática da educação da infância e, em particular, o uso do termo em questão. Em 1928 foram publicados 47 artigos dos quais quatro se dedicaram à temática da educação da infância. Destes, três utilizaram o termo pre-school9 e um o termo nursery school10.
Em 1931 foram publicados 117 artigos e seis fizeram referência à educação da infância. Dentre eles, cinco apresentaram o termo nursery school11 em seus títulos e um se utilizou do termo pre-school12. Já em 1937 foram publicados 92 artigos dos quais 14 versaram sobre a educação da infância e estiveram concentrados na edição temática comentada anteriormente. Além desses, identificamos um artigo no número 8 (tabela 3).
Como apontado na seção Outlook Tower (a primeira que abre os números da revista), esta edição em especial não considerou as diversas experiências e contextos internacionais como os “sul-americanos, escandinavos e da Áustria, Bélgica, Canadá”. Mas que, por sua vez considerou oferecer conteúdo suficiente para a discussão da implementação de escolas infantis (creches e escolas maternais) para o cuidado da infância (saúde, social, pedagógico e alimentar) antecedendo a escolarização obrigatória. Nesta mesma seção de abertura, destacou-se a colaboração de Miss Hawtrey e outros membros da Lady Astor’s Ten Year Plan13 e da The Save the Children Found e Nursery School Association (THE NEW ERA, 1937, n. 7, p.).
Ano/Número | Artigo | Autoria | Página |
---|---|---|---|
1937/7 | Physical Care of Children in the Nursery Years | Ethel Dukes | 183 |
1937/7 | Learning the Social Virtues in the Nursery School | Louis Verel | 186 |
1937/7 | Play in the Nursery School | D. E. May | 188 |
1937/7 | The Education of Parents through Nursery Schools | G. M. Berryman | 192 |
1937/7 | A Nursery School in an Egyptian Slum | M. C. Liesching | 194 |
1937/7 | A Note on Nursery Schools in Holland | J. E. Schaap | 199 |
1937/7 | The Day-Nursery School an After-war Problem | Rose Marie Vajkai | 200 |
1937/7 | Infant Schools in Italy | Aurora Beniamino | 203 |
1937/7 | Nursery Schools in the United States | Mary Dabney Davis | 206 |
1937/7 | An English Visitor’s Impressions of the Nursery Schools of America (Eastern States) | C. M. Styer | 209 |
1937/7 | Nursery Education in the Soviet Union | Vera Fediaevsky | 210 |
1937/7 | Notes on Pre-School Education in Zurich | Emmy C. Hiirlimann | 214 |
1937/7 | Points I had in Mind when Designing a Nursery School | A. K. Tasker | 216 |
1937/8 | What the Nursery School expects of the Infants School | E. R. Boyce | 234 |
Fonte: Elaborado pelo autor
Pela análise dos sumários observamos que a quantidade de artigos publicados que traziam no título o termo nursery school é consideravelmente baixo frente ao universo total de artigos publicados a cada ano. Diante desta percepção, sentimos a necessidade de analisar o corpus digitalizado de outra forma. Da análise dos volumes anuais à análise dos números individuais.
A prevalência do termo nursery school no contexto britânico
Para analisar os números de forma individualizada foi necessário reestruturar o corpus digital. Os volumes anuais coletados foram fragmentados. As páginas da coletânea foram separadas por ferramenta digital online, respeitando a composição dos números da revista, e após a separação agrupamos as páginas referente a cada edição14. Dessa forma, os 19 volumes baixados originalmente foram reagrupados nos 138 números publicados nas décadas de 1920 e 1930, e após a aplicação da metodologia empregada anteriormente para analisar os volumes foi possível identificar em qual edição da revista os termos eram mais frequentes.
Frente ao uso dos diferentes termos referente à educação da infância (nursery school, kindergarten e pre-school), embora haja espaço suficiente para discuti-los nesse trabalho, consideramos importante apontar aquilo que Georges Mounin (1975) considerou sobre a tradução de termos para diferentes idiomas. Para o autor, a tradução está para além de uma simples operação linguística e que é necessário analisar o contexto para entender os sentidos em que os termos estão inseridos. No nosso caso de análise, a variedade de termos utilizados para se referir a educação institucionalizada da infância varia entre contextos e das bases teóricas e metodológicas adotadas por cada país ou região. Analisando os quatro números publicados em 1928, por exemplo, foi possível perceber que a maior frequência do uso do termo nursery school foi no número 35 (101 ocorrências), que tratou da temática da educação na Inglaterra. Seguido de kindergarten e pre-school no número 33 (64 e 37 ocorrências respectivamente), referente à educação na Rússia e estados da União Soviética. Para o contexto soviético15, observamos prevalência do uso do termo kindergarten (64 ocorrências), seguido de pre-school (37 ocorrências) e nursery school (2 ocorrências). Para o contexto inglês observa-se uma predileção pelo uso do termo nursery school (101 ocorrências), e uma baixa adesão aos termos pre-school (3 ocorrências) e kindergarten (1 ocorrência) (tabela 4).
Termos | Ano e número | |||
---|---|---|---|---|
1928_33 | 1928_34 | 1928_35 | 1928_36 | |
Elementary school | 12 | 17 | 8 | 4 |
High school | 6 | 1 | 6 | 3 |
Kindergarten | 64 | 0 | 1 | 3 |
Nursery school | 2 | 2 | 101 | 1 |
Pre-school | 37 | 1 | 3 | 0 |
Primary school | 3 | 0 | 2 | 0 |
Secondary school | 16 | 17 | 31 | 10 |
Fonte: Elaborador pelo autor.
Nos números publicados em 1931, em que não foi identificada edição temática sobre a educação da infância, observamos que o termo esteve presente de forma dispersa durante o ano, porém com maior incidência nos números 52 e 53. A maior frequência do termo nursery school foi registrada no número 53 (71 ocorrências), e concentrada no artigo assinado por Grace Owen e na nota informativa sobre a Nursery School Association of Great Britain. Os termos pre-school e kindergarten registraram cinco e duas ocorrências, respectivamente. Na sequência, o número 52 apresentou 60 ocorrências, concentradas no artigo assinado por Lilliana de Lissa; e os termos pre-school e kindergarten registraram 8 e 0 ocorrências, respectivamente. O número 48 apresentou 32 ocorrências para nursery school que estão concentradas em artigo assinado por C. Winifred Harley, três para kindergarten e um para pre-school. Já o número 57 apresentou 28 ocorrências para nursery school, onde estão distribuídos entre notas informativas, resenha de livros, em artigo sem nome e anúncios de escolas particulares, dois para kindergarten e um para pre-school (Tabela 5). Dos artigos deste ano e destacados aqui, vale apontar que Owen e Lissa eram membros Nursery School Association of Great Britain e ocupavam os cargos na junta diretiva da associação; e Harley era diretora do Nursery School Research Center.
Ano e número | Termos | ||
---|---|---|---|
kindergarten | Nursery school | Pre-school | |
1931_49 | 0 | 10 | 8 |
1931_50 | 2 | 2 | 1 |
1931_51 | 4 | 1 | 0 |
1931_52 | 0 | 60 | 8 |
1931_53 | 2 | 71 | 5 |
1931_54 | 0 | 6 | 3 |
1931_55 | 0 | 10 | 0 |
1931_56 | 1 | 8 | 1 |
1931_57 | 2 | 28 | 1 |
1931_58 | 3 | 32 | 1 |
1931_59 | 3 | 12 | 1 |
1931_60 | 1 | 13 | 1 |
Fonte: Elaborador pelo autor.
Por fim, em 1937 destaca-se o número sete como edição temática para nursery school contabilizando 119 ocorrências, seguido de kindergarten (40 ocorrências) e pre-school (7 ocorrências) (tabela 6). Foi possível observar que a edição número oito do mesmo ano apresentou uma frequência consideravelmente alta do termo nursery school, em comparação com os outros dois termos, que estão dispersos pela revista e presentes no artigo assinado por E. R. Boyce, What the Nursery School expects of the Infants School.
Ano e número | Termos | ||
---|---|---|---|
kindergarten | Nursery school | Pre-school | |
1937_01 | 1 | 0 | 0 |
1937_02 | 2 | 4 | 0 |
1937_03 | 2 | 0 | 0 |
1937_04 | 1 | 3 | 0 |
1937_05 | 2 | 1 | 0 |
1937_06 | 0 | 2 | 0 |
1937_07 | 40 | 119 | 7 |
1937_08 | 2 | 32 | 1 |
1937_09 | 1 | 7 | 3 |
1937_10 | 2 | 5 | 0 |
Fonte: Elaborador pelo autor.
Após a identificação dos termos e suas frequências resta-nos questionar, quais motivos se referem à proeminência do termo nursery school em detrimento de kindergarten e pre-school? Embora a resposta não seja simples, é possível apontar para duas linhas interpretativas não excludentes. A primeira refere-se à reorganização da NEF em 1929 e da mudança de lugar que a TNE vai sofrer nesse contexto; e a segunda refere-se às questões sociais e políticas que atravessavam o contexto britânico entre as décadas de 1920 e 1930. Contudo, antes de nos determos na questão específica sobre a frequência do termo analisado, é importante apontar para a reconfiguração da revista, pois percebemos que ela foi um fato que oportunizou o resultado encontrado.
Com relação ao primeiro ponto, Haenggeli-Jeni (2017) aponta para a reformulação da NEF encaminhada no congresso de Elsinore em 1929. As afiliações individuais deixaram de ser feitas exclusivamente pela assinatura das revisas e sob responsabilidade única da sede da NEF em Londres, e passaram para as seções nacionais. Neste contexto, criou-se a modalidade de membresia chamada Federating membership, destinada às associações, instituições de formação, departamentos governamentais e outras modalidades institucionais. Para essa modalidade havia o interesse em criar um boletim internacional destinado à divulgação de eventos internacional no campo educativo que buscaria “manter seus leitores informados sobre o avanço educacional e experiência em todos os países e deve ser de valor especial para departamentos governamentais, associações, diretores de escolas e editores”16 (THE NEW ERA, 1929, p. 232, tradução livre). Nesse caso, é possível identificar a descentralização da NEF em Londres e a valorização das seções nacionais. Seguindo a regra de 1929, a TNE passou a servir ao contexto local, adotando uma perspectiva voltada para os contextos internos da Grã-Bretanha e da Commonwealth.
Seguindo os encaminhamentos de reorganização da NEF, a nova fase da TNE foi inaugurada na edição de julho de 1930. Como apontou Haenggeli-Jenni (2017) a partir da análise das capas, contracapas e folhas de rosto da revista, observou-se a supressão da expressão “the english organ of the New Education Fellowship” logo após o nome da revista, como observado nos anos subsequentes a 1922. A revista passou a se chamar The New Era in home and school. Além disso, desaparecem os princípios e objetivos da associação da sua página de rosto. Outro elemento destacado é a menção do nome de Beatrice Ensor como presidente do conselho internacional, seguido da estrutura da seção inglesa da NEF.17 Embora a mudança editorial tenha como marco o número referente ao mês de julho, alguns aspectos da proeminência da seção inglesa (criada em 1927) podem ser observados em 1929, com a criação da coluna de notícias específica sobre a seção nacional. A coluna não se manteve nos anos seguintes.
Ainda, como elemento de demarcação da nova fase, foi publicada na primeira página da revista uma mensagem assinada pelo primeiro-ministro inglês James Ramsay MacDonald (1866-1937), acompanhada de sua fotografia.
No mundo de hoje, são os homens e mulheres de caráter que podem cooperar, ouvir responsabilidades, pensar a paz e estender suas simpatias além das fronteiras de sua própria nação e país. Acreditando nisso, me interessa saber que a "Nova Era" está ampliando seu campo para incluir a educação doméstica e escolar. Pois o lar é a primeira escola, e a influência do lar pode ser rastreada ao longo da vida. A melhor escola do mundo será de pouca utilidade se o lar não for digno. É essencial que os pais saibam como educar seus filhos desde o início, antes de irem para a escola, e que então o lar e a escola saibam como trabalhar juntos para preparar meninos e meninas para o trabalho que o mundo vai exigir deles como homens e mulheres. Vou acompanhar com interesse o desenvolvimento da “Nova Era” (MACDONALD, 1930, s/p. Tradução livre).18
A relação entre a fala de MacDonald e a perspectiva adotada pela TNE pode ser percebida pela pauta que a revista aderiu ao longo da década de 1930. Em julho os artigos publicados privilegiaram o debate da cooperação entre pais e professores na educação das crianças, assunto que apareceu em outros números. Foi criado o suplemento Parents and children, que circulou entre os anos 1932 e 1934. A presença da figura do primeiro-ministro e a vinculação da TNE com a temática da educação em casa e pela família19 indiciam para uma adoção pelo editorial da revista à linha política em curso pelo governo britânico e sua vinculação mais estreita com a seção inglesa da NEF e o contexto político-social nacional.
Com relação a frequência do termo nursery school no recorte analisado, em especial com os três picos de ocorrências na TNE, é possível estabelecer relação com os encaminhamentos políticos e sociais estabelecidos no período. Em 1918 foi promulgado o Education Act, que inseriu a escola infantil sob gerenciamento do Estado (OWEN, 1928, p. 144)20. Posterior a lei, observa-se alguns desdobramentos como a criação da Nursery School Association (NSA) em 1923, e a ampliação do Nursery School Movement em 1927. E, como apontou Brehony (2009), entre as décadas de 1920 e 1930 houve um movimento na Grã-Bretanha em prol da nursery school.
Neste contexto, Palmer (2016, p. 108) destacou a participação de alguns personagens na ampla discussão que se estabeleceu pelo ato de 1918 como Michel Sadler, Percy Nunn (professor do Instituto de Educação da London College), Margaret McMillan (pioneira da nursery schools e primeira presidente da NSA), Grace Owen (secretária da NSA). Além de representantes da “Froebel and Montessori Societies; the Birmingham People’s Kindergarten Association e the Workers’ Educational Association”. Das personagens citadas, seus nomes foram identificados em diversos momentos da TNE no decorrer de 1920 e 1930.
Embora as discussões e proposições no estabelecimento das escolas infantis estivessem na esteira da discussão de atenção para a infância das classes operárias, Mcmillan (1919) destacou que a nursery school se diferenciava da creche, do Baby-welfare center, da Baby clinic e da Infant School por seguir a perspectiva educativa apoiada na psicologia da criança. A aproximação com a psicologia pode ser entendida como um acompanhamento da tendência em curso para a educação da infância.21 Dentre as possibilidades de aproximação entre os sentido e significados entre os três termos analisados para a educação da infância é possível compreender a nursery school se diferenciava do jardim de infância, pois não seguia a metodologia desenvolvida por Froebel; e se diferenciava da pre-school porque não estava interessada em oferecer apenas instrução em escrita, leitura e aritmética às crianças em idade anterior ao ingresso na escola primária. Sua proposição pedagógica consistia em uma prática de cuidado com as crianças (sobretudo as crianças pobres) oferecendo alimentação, cuidado físico e higiene, associado com a inserção da criança nos saberes escolares através da observação, atividades musicais, exercícios físicos, e de cores e formas geométricas.
Considerações finais
A partir do uso do ATLAS.Ti foi possível vislumbrar uma possibilidade de análise da revista que, em um primeiro momento, estava submerso nas diversas camadas de informação que o periódico apresenta. Como apontado no início deste artigo, o uso da ferramenta digital se contrapôs à nossa hipótese inicial ao encontrarmos uma alta frequência do uso do termo nursery school em um espaço que julgávamos haver uma maior incidência de termos relacionados com a escolarização primária. Assim, diante da sedução dos números e dos resultados apontados pela análise via software, optamos por seguir a via watsoniana da desconfiança frente a certeza dos dados da análise oferecido pela ferramenta digital.
Em um jogo de escalas, entre o digital e o analógico, da prática da pesquisa digital e os saberes oriundos da oficina analógica do historiador, tornou-se indispensável a leitura da revista (como fontes e como objeto de análise) identificando sua topografia, assuntos, colaboradores e distribuição do termo frente a tantos outros. Dessa forma, a leitura humana foi fundamental para a composição do quadro complexo e nos aproximarmos das questões políticas e sociais que estavam colocadas no período analisado e que atravessavam a TNE. Se a surpresa inicial sugeriu que a revista priorizou assuntos referentes à educação da infância, a desconfiança nos oportunizou compreender que a frequência do termo não sustenta a primeira impressão, em razão de que diversos outros assuntos foram abordados no decorrer das duas décadas. Em finais da década de 1920 a TNE passou a se ocupar de discussões específicas em seus números, acompanhando a especialização do debate educativo no contexto internacional, conforme apontamos (MONÇÃO, 2021) na reconstituição e análise dos sumários.
A proeminência do termo e seus picos de frequência acompanharam as movimentações políticas internas no contexto britânico, com a institucionalização da educação para a infância, via modelo da nursery school e a ampliação das discussões sobre o assunto, o surgimento das associações, a circulação de bibliografias e o estabelecimento de escolas infantis e para a formação de professoras. Identificar que o termo nursery school tenha sido o mais frequente não deve nos induzir a pensar que este modelo de escolarização da infância era o único em voga e unanime entre as mais diversas personagens do campo educativo. Diante disso, podemos considerar que a revista analisada nos oferece um índice de termos sobre os diferentes formas e processos de escolarização dos sujeitos em circulação internacional que estavam ancorados em um debate político existente e não diretamente ao campo acadêmico da educação, que nas décadas de 1920 e 1930 estavam ainda por se constituir.
As proposições para educação da infância de matriz froebeliana, montessoriana, decroliana e outras como apontou Cohen (2006), bem como outras propostas educativas relacionadas com a própria nursery school como nursery class e open air-nursery school, coabitavam o espaço da TNE e disputavam espaço e legitimação. Com relação ao domínio do termo discutido neste artigo, é possível entender a nursery school como uma experiência britânica para a educação da infância e que nos remete as proposições pedagógicas desenvolvidas por Robert Owen (1771-1858) no início do século XIX.
É neste tópico que pensar a história da educação pela perspectiva transnacional pode ser invocada. Modelos, propostas e projetos pedagógicos em circulação oportunizam o surgimento de abordagens, que são frutos de retroalimentação e que, no fim, identificar as origens puras torna-se praticamente impossível se levarmos em consideração que as perspectivas pedagógicas em curso são identificadas em contextos diferenciados. A adoção do termo nursery school pode ser entendida como um elemento da cultural local, mas que por sua vez, não ignora as trocas com as experiências oriundas de outros lugares. Por fim, frente à abordagem teórica e metodológica acionada neste artigo, é possível pensar sobre a importância da constituição de uma História Digital da Educação como braço epistêmico que oportunize ao campo avanços nas discussões e análises de acervos digitais e digitalizados.