Introdução
A chegada dos Salesianos, no Brasil, ocorreu na cidade de Niterói, província do Rio de Janeiro, em 1883, e na província de São Paulo, em 1885, com o objetivo de incutir a fé católica nos brasileiros e libertá-los daquilo que era considerado ignorância e superstição (SILVA, 2009). Na área educacional, os Salesianos atuaram com o desígnio de educar a sociedade brasileira nos princípios e moldes da Igreja Romana. Assim, a educação era concebida por eles como um instrumento de controle da população e garantia de que as futuras gerações professassem e defendessem a fé cristã. A presença dos missionários Salesianos em terras brasileiras também favoreceu a vinda das Filhas de Maria Auxiliadora, ala feminina da Ordem Salesiana, em 1892. Nas comunidades onde eram requisitadas para desenvolver a obra educativa, essas religiosas trabalhavam como educadoras, catequistas e missionárias.
Os missionários Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora inauguraram escolas de ensino primário e ensino secundário, que, segundo Boto (2010, p. 37), funcionavam como passaportes para o mundo dos adultos, isto é, “[...] estratégias escolares de instrução, formação e civilização instituem maneiras de preparar a infância e a adolescência para habilidades e saberes que lhes serão, por suposto, requeridos na vida adulta”.
As práticas educativas salesianas baseiam-se no Sistema Preventivo de Dom Bosco, que “[...] não contempla expressamente um método didático, uma seriação de estudos, como a Conduite des Écoles de La Salle ou a Ratio Studiorum da Companhia de Jesus [...]” (CAVIGLIA, 1987, p. 29). Como afiança Scaramussa (2013), embora Dom Bosco não fosse teórico da educação, sua prática tinha caráter sistemático, esboçado no seu “Sistema Preventivo”, o que proporcionou o arranjo da própria mentalidade pedagógica de seu tempo em termos de práticas educativas fundamentadas em três pilares: religião, razão e amorevolezza. A respeito dos três pilares, Fonseca (1999, p. 52) explica:
- a razão é o primeiro elemento do segredo educativo de Dom Bosco. Se o educador usa da Razão no trato com os educandos provoca neles uma resposta amadurecida, racional, crítica.
- a religião (caridade transformadora) - norteia a Razão e a “Amorovelezza”. No Sistema Preventivo de Dom Bosco não se trata de religião no sentido de práticas religiosas ou práticas de piedade e sim de religião que leva o jovem ao exato cumprimento de seus deveres, como cidadão e como cristão.
- amorevolezza (amor que se tem e se manifesta) - é o amor do educador para o educando. Dom Bosco usa literalmente amorevolezza, que é o amor que se externa em palavras, ações e até mesmo na expressão dos olhos e do rosto. (FONSECA, 1999, p. 52).
A práticas como esta, Elias (1994) entende que:
Torna-se imediatamente claro que esta maneira polida, extremamente gentil e relativamente atenciosa de corrigir alguém, sobretudo quando exercida por um superior, é um meio muito mais forte de controle social, muito mais eficaz para inculcar hábitos duradouros do que o insulto, a zombaria ou ameaça de violência física. (ELIAS, 1994, p. 93).
Nesse sentido, investir na criação de escolas sob a orientação salesiana significava muito mais do que ensinar a ler, escrever, contar; implicava civilizar. Segundo Boto (2010, p. 47), “Tornar civilizada uma sociedade supõe ampliar sistematicamente o raio da racionalidade no trato. Abrandam-se as maneiras, criam-se sutilezas para o intercâmbio social, oferece-se um padrão de conduta de distinção [...]”. Assim, os Salesianos educavam e civilizavam por meio de práticas gentis e amorosas, a fim de incutir saberes e valores na infância e na juventude, com vistas a formar cidadãos adequados e úteis à Pátria que se encontrava em ampla modernização.
O presente artigo analisa a expansão das escolas secundárias confessionais salesianas em Mato Grosso e a contribuição da formação civilizadora dos jovens de maior poder aquisitivo desse estado. O período justifica-se pela criação do primeiro estabelecimento de ensino secundário em Mato Grosso, em 1895, e se estende até a emissão da Portaria nº 614, de 10 de maio de 1951, que alterou os direcionamentos do Ensino Secundário vigente no período. É fato que a Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942), de autoria do ministro Gustavo Capanema, sofreu críticas tanto pela sua inadequação ao momento nacional quanto pela sua tradição livresca. Nesse cenário, tal Lei acabou tendo um curto período de vigência decorrente da emissão da Portaria nº 614, de 10 de maio de 1951, assinada pelo ministro Simões Filho, que encarregou a congregação do Colégio Pedro II da simplificação e da eliminação dos excessos dos programas das diferentes disciplinas do ensino secundário (OLIVEIRA; CARDOSO, 2010). Pode-se afirmar que essa reforma no currículo do ensino secundário insere-se nos debates e nos processos de expansão dessa modalidade de ensino no Brasil1 (BRAGHINI, 2005; RIBEIRO JUNIOR; MARTINS, 2018).
Inicialmente, consultamos dissertações e teses sobre o ensino secundário no estado e obras produzidas sobre a Ordem Salesiana no Brasil e no estado de Mato Grosso. Após, voltamo-nos para as fontes documentais, priorizando os periódicos consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. As análises tiveram como referencial teórico o conceito de processos civilizadores de Norbert Elias (1994).
Para uma aproximação ao objetivo, tratamos, primeiramente, sobre a chegada dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora em Mato Grosso, a fim de compreender os objetivos que os levaram a atuar nesse estado. Posteriormente, abordamos a expansão das escolas de ensino secundário sob a direção dos salesianos, com vistas a percebermos os locais em que eles se instalaram e, consequentemente, a clientela que preparariam para a vida adulta e sua atuação na sociedade.
A chegada da Ordem Salesiana em Mato Grosso
A estada dos missionários e missionárias no Mato Grosso foi estimulada por interesses políticos, buscando, por meio da ação catequética, a civilização dos indígenas, pois, no imaginário dos governantes, pesava a ideia dos indígenas como bárbaros e incivilizados, o que não permitiria progresso. O governo do estado tentava, por meio da administração pública, se livrar da imagem da terra da barbárie: “[...] a noção de barbárie estava atrelada à de sertão, sobretudo quando a referência eram as regiões interiores, habitadas por sociedades indígenas caracterizadas como inteiramente selvagens” (GALETTI, 2012, p. 57). Acreditava-se ser o Mato Grosso um estado vocacionado à produção agrícola, mas os embates com os indígenas causavam desconforto não apenas para fazendeiros e cultivadores, mas também para futuros investidores da região.
Ansioso pela ajuda dos Salesianos, o governador de Mato Grosso, Manoel José Murtinho, escreveu uma missiva em 1891 endereçada a Dom Carlos D’Amour, Bispo de Cuiabá, solicitando a presença dos religiosos para a catequização dos índios.
Nesse cenário, Corumbá foi a primeira cidade visitada pela expedição salesiana com o objetivo de implantar um projeto missionário. Na ocasião, os religiosos apresentaram planos de fundar uma escola e um oratório festivo2 (FRANCISCO, 2010). De Corumbá, a expedição seguiu em direção a Cuiabá, conforme solicitação do governador do estado de Mato Grosso, chegando em 18 de junho de 1894, sob a direção do Bispo Dom Luis Lasagna.
O padre Antônio Malan, um dos membros da expedição, foi nomeado pelo bispo de Cuiabá para a função de vigário da paróquia de São Gonçalo, que se constituiu como a primeira paróquia confiada aos Salesianos em terras brasileiras. Ao lado dessa paróquia, os religiosos instalaram um Oratório Festivo para meninos e fundaram o “Liceu Salesiano de Artes e Ofícios”. Além disso, receberam a incumbência da civilização dos índios, ou seja, tiveram como tarefa missionária a catequização e a incorporação das populações indígenas à nação brasileira. É certo, contudo, que o governo de Mato Grosso buscava ajuda junto aos Salesianos para pacificar os indígenas em um processo civilizatório.
Em abril de 1895 chegaram em Cuiabá as Filhas de Maria Auxiliadora, com a finalidade de auxiliarem os padres salesianos nas ações missionárias com os indígenas e demais atividades. Assim, os missionários Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora assumiram a direção da Colônia Militar Thereza Cristina, na qual, entre os anos de 1895 e 1898, fizeram seu primeiro contato com a educação indígena, por meio de uma escola já existente. Durante esse período, as Irmãs colaboraram com os Salesianos, oferecendo o ensino das práticas do lar, aulas de costuras e catequese. Segundo Francisco (2010), o fato de os relatórios registrarem que as índias já andavam com vestimentas produzidas na própria Colônia - produção que contava desde o processo de tecelagem dos fios - acabava por demonstrar o alcance da civilização, bem como da ação catequética entre os indígenas de Mato Grosso. Tal atividade era considerada pela Missão Salesiana um sucesso à socialização indígena, no entanto, isso foi pouco a pouco descaracterizando esses habitantes naturais dos seus gostos e modos, e os moldando segundo uma imagem de civilizados do velho mundo.
Além de assumirem a Colônia Thereza Cristina, as Filhas de Maria Auxiliadora foram convidadas, em 1891, por Dom Carlos D’Amour, para substituírem as Irmãs Vicentinas na direção do Asilo Santa Rita. Ao fazê-lo, as Salesianas encontraram muitas dificuldades, uma vez que este educandário, destinado a atender crianças, adolescentes e jovens carentes e órfãs do sexo feminino, passava por dificuldades financeiras, “[...] um problema que perdurou por muitos anos” (LOPES, 2006, p. 179). O Asilo Santa Rita recebia subvenções do Estado para o seu funcionamento, e em regime de internato ofertava cursos de Adorno, Piano e Pintura, trabalhos manuais e noções de caligrafia e desenho, português e aritmética, geografia e história. Além disso, “[...] ofertava aulas de canto, ginástica, recitação, representações dramáticas e cuidados domésticos, como forma de preparar as alunas para as variadas circunstâncias da vida futura” (LOPES, 2006, p. 182-183).
Esse Asilo deu a possibilidade de estudo a muitas meninas e jovens, principalmente as das áreas rurais que encontraram nessa instituição um espaço para estudarem e aprenderem o papel de donas de casa, bem como o estímulo para ingressarem e se matricularem na Escola Normal Estadual. Assim, quando retornassem para as suas pequenas cidades ou para o meio rural, poderiam atuar como educadoras de crianças3 (LOPES, 2006). A motivação dos Salesianos e Salesianas não era apenas a ação catequética indígena; havia também o interesse nas áreas da saúde e, sobretudo, da educação, como aponta Azzi (1999):
A missão dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora na América Latina deveria ser, não apenas o cuidado da juventude pobre e abandonada, mas também a abertura de colégios para formação da classe dirigente, contrapondo o ensino religioso ao ensino leigo. (AZZI, 1999, p.15).
Assim, os Salesianos e Salesianas abriram colégios, faculdades e até mesmo hospitais nos países da América Latina, como o Brasil. De todo modo, com a chegada anual de missionárias vindas da Itália e de São Paulo, em Mato Grosso, as Irmãs Salesianas assumiram o ensino das funções inerentes ao sexo feminino à época, se expandiram e abriram colégios em outras cidades do interior do estado, como o Colégio Imaculada Conceição, em 1904, em Corumbá; o Colégio Maria Auxiliadora, em 1908, em Ladário; o Colégio Maria Auxiliadora, em Registro do Araguaia, em 1917; o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e Escola Normal, em Campo Grande, em 1926; o Instituto Maria Auxiliadora, no Alto Araguaia, em 1927, entre outros (LOPES, 2006).
Muitas famílias mato-grossenses optaram por deixar suas filhas aos cuidados educacionais das Irmãs Salesianas. Contudo, os Salesianos e as Salesianas não foram os únicos a participarem dessa nova implantação de índole romana de Igreja em Mato Grosso, pois outros institutos religiosos também colaboraram, como os Lazaristas, os Jesuítas, as Filhas da Caridade, os Franciscanos, as Irmãs de São José e as Dorotéias. Conforme aponta Lopes (2006), durante o Episcopado de D. Carlos, por exemplo, os Lazaristas aportaram em Cuiabá para assumirem o Seminário da Conceição, e as Filhas da Caridade, o Asilo de Santa Rita. Vieram ainda os Franciscanos da Ordem Terceira de S. Francisco (TOR) e as Irmãs da Imaculada Conceição.
A atuação Salesiana na criação de instituições de ensino secundários em terras mato-grossenses
Com a chegada dos Salesianos e das Irmãs da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora em Mato Grosso, no fim do século XIX, vários educandários foram abertos, levando, segundo a Ordem, “Caridade sem limites. Sciencia sem previlegios” (MARCILIO, 1963, p.166).
Em se tratando da atuação dos religiosos no ensino secundário, a primeira iniciativa ocorreu em Cuiabá, no ano de 1895, quando foi instalado o curso ginasial com os primeiros cursos profissionalizantes, ofertando oficinas de serralheria, carpintaria, alfaiataria e sapataria, de modo que a Escola passou a ser denominada Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo.
Segundo Francisco (2009, p. 95), foi a partir de então que a ação educativa dos salesianos se organizou “[...] como centro irradiador da missão, tornou-se o modelo de instituição e prática educacional para as demais casas do Estado. O Liceu atuava sob a modalidade de internato, externato e semi-internato, oferecendo cursos primário e secundário”.
O ensino secundário, destinado a formação dos bacharéis em ciências e letras, mereceu cuidadosa atenção dos salesianos. Frequentavam-no a classe média e os filhos dos dirigentes locais. Fora equiparado ao Ginásio Nacional Pedro II em 1902, o que representava relativa autonomia para os salesianos, uma vez que seus alunos não mais necessitavam fazer os exames finais junto ao Liceu Cuiabano e podiam implementar a grade curricular, como a oferta do curso de escrituração mercantil, em atendimento às demandas locais. (FRANCISCO, 2009, p.95).
Em 1920, o Lyceu Salesiano São Gonçalo, como era chamado, passou por uma fase de dificuldades e teve algumas de suas atividades interrompidas, retornando em 1935 com o ensino ginasial e os exames de admissão. Em 1944, foi-lhe outorgado o direito de funcionamento permanente por meio do Decreto nº 15.633/1944 (MARCILIO, 1963).
Com a reforma educacional do ensino secundário, sancionada pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, que instituiu, por meio do Decreto-Lei nº 4.244/1942, as bases da organização desse grau do ensino, este foi organizado em dois ciclos: 1º ciclo, chamado de ginásio (secundário, industrial, comercial e agrícola), e 2º ciclo, dividido entre clássico e científico, denominado de Colégio. Assim, o Liceu Salesiano São Gonçalo, até os anos de 1950, funcionou como Ginásio São Gonçalo, ofertando o primeiro ciclo do ensino secundário.
Nas demais localidades do estado, novas escolas foram sendo criadas ou passaram a ofertar o ensino secundário, como o Colégio Santa Teresa, em Corumbá, fundado em abril de 1899, em casa alugada pelos primeiros salesianos que aportaram na cidade. Voltava-se para a educação dos meninos, com curso infantil e elementar em sistema de internato, semi-internato e externato. Para a construção de um espaço adequado, o bispo Dom Carlos doou à Congregação dos missionários salesianos um terreno situado na praça de Santa Teresa e a Câmara Municipal doou lotes. Em “[...] 29 de maio de 1902, foi lançada a pedra fundamental e em 29 de janeiro de 1905, festa do padroeiro da Congregação - São Francisco de Sales - foi inaugurada a primeira ala do Colégio [...] onde se instalaram as salas de aula e a residência dos salesianos” (SILVA, 2009, p. 46).
Segundo Oliveira (2014), os dados da biografia escolar apontam o ano de 1916 como o início do atendimento ao curso ginasial, contando com onze alunos no 1º ano e sete no 2º ano. Porém, o curso ginasial no Colégio só aparece nas mensagens de presidentes de estado a partir de 1919. A referida autora explica que:
Os anos vindouros a 1917 não foram positivos para a consolidação do curso seriado ginasial no Santa Teresa. Entre 1918 e 1923, houve diversas tentativas de se abrir a 2ª série ginasial, mas foram infrutíferas. [...]. Mesmo em 1929, registrou-se a necessidade de fechamento do curso ginasial pelo pequeno número de alunos matriculados. (OLIVEIRA, 2014, p. 120).
O Curso Ginasial só reiniciou em pleno vigor em 1939, formando as camadas médias e superiores da sociedade. “Dessa maneira, alunos oriundos desses setores sociais tinham como opção o ensino secundário e ao concluí-lo seguiam para outros estados, a fim de ingressar no ensino superior, retornando, posteriormente, a Corumbá para assumir cargos de destaque na sociedade” (SILVA, 2009, p. 57).
Seis anos depois da chegada dos padres Salesianos ao estado, as Filhas de Maria Auxiliadora também aportaram em Corumbá, tendo sido recepcionadas no Porto Geral. Instalaram o Colégio Imaculada Conceição em 1904, voltado para a “[...] educação de meninas como instituição de ensino primário e jardim de infância” (SILVA, 2014, p. 63). O Pequeno Mensageiro, periódico do Lyceu Salesiano S. Gonçalo, após visita ao Colégio, publicou: “Corumbá pode se orgulhar de possuir uma casa de ensino como o Collegio Immaculada Conceição, que, no gênero, é, sem dúvida, a melhor de Matto-Grosso” (O PEQUENO MENSAGEIRO, 1927, Edição 116, p. 3). A partir de 1937 passou a oferecer o curso ginasial e, em 1941, o Conselho da Inspetoria adquiriu um terreno para a construção de um prédio, a fim de ampliar o atendimento escolar.
Já o Instituto Pestalozzi foi instalado, primeiramente, em Aquidauana, em 1915, pelo advogado Arlindo Lima, ofertando o ensino primário e secundário. Em seguida, o estabelecimento escolar foi transferido para Campo Grande, atendendo à proposta da prefeitura deste município, que, em decorrência, ofereceu como incentivo subvencionar a instituição. Em 1922, Arlindo Lima arrendou o Instituto para o professor Henrique Corrêa, que por razão de seu adoecimento o vendeu para o professor paulista Tessitori Júnior. Em sua gestão, o Instituto foi denominado Gymnasio Pestalozzi e, por meio da Resolução nº 124, de 10 de fevereiro de 1927, teve seu nome alterado para Gymnasio Municipal de Campo Grande (SÁ; BARROS, 2018). Em 1930, a Missão Salesiana comprou o Ginásio Municipal, tendo sido denominado Ginásio Municipal Dom Bosco e continuado a ofertar os cursos primário e ginásio.
Ainda em Campo Grande, foi fundado em 22 de fevereiro de 1926 o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, que, conforme Trubiliano e Martins (2010, p. 3), “[...] se propunha a educar a ‘filhas do sertão’, oferecendo, num primeiro momento, o curso primário e, posteriormente, os cursos normais, em 1931, comercial, em 1934, e ginasial, em 1938. As alunas poderiam ser matriculadas em regime de internato, semi-internato ou externato”. Embora os autores tenham apontado a oferta do curso ginasial a partir de 1938, encontramos registro no Jornal do Commercio que declara a existência do Curso Ginasial desde 1935:
Nesse contexto, a Irmã Bartira Constança Gardés, ao iniciar a sua vida religiosa em 1930, seguiu para o Colégio Imaculada Conceição, em Corumbá, e, um ano depois, seguiu para Campo Grande a fim de trabalhar no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. O cotidiano, como religiosa e educadora, foi assim explicitado por ela:
Minhas horas eram poucas para tantas atividades. Pela manhã lecionava no curso Comercial e no Ginásio (que foi criado em 19364) Português, Francês, Latim, História Geral e do Brasil, Psicologia, Sociologia, Filosofia, História da Educação, Biologia. A única matéria que nunca lecionei foi Matemática.
À tarde lecionava o terceiro e quarto anos primários. Saía de uma classe, entrava noutra, era uma luta exigida pelas dificuldades da época. Éramos poucas irmãs e não podíamos contratar professores de fora, devido aos problemas financeiros que enfrentávamos com a construção do colégio. Tínhamos apenas dois professores de fora: o Major Severino de Queirós que dava Português e o Schimidt que lecionava Inglês. (ROSA, 1990, p. 89).
A documentação indica os esforços das Irmãs para a construção do prédio escolar e a utilização da sobrecarga de trabalho a fim de economizar recursos. Em 1938, a instituição recebeu o nome de Ginásio N. S. Auxiliadora, e, ao atender o 2º ciclo do ensino secundário, recebeu novamente o nome de Colégio.
Segundo Bittar e Ferreira Jr. (1999, p. 41), ambos os colégios campo-grandenses funcionavam em regime de externato e internato e ofereciam o ensino primário e secundário, “[...] o que atraía para Campo Grande, os filhos de fazendeiros de médias posses do sul de Mato Grosso, uma vez que, as famílias mais abastadas encaminhavam seus jovens para as escolas no Rio de Janeiro e, em menor escala, para São Paulo”.
Em 1939, na cidade de Alto Araguaia, foi instalada a escola salesiana denominada Obras de Cristo Redentor, que, em 1951, passou a ser chamada de Patronato Salesiano, recebendo alunos do sexo masculino em regime regular e em regime internato. Dois anos depois, por atender ao 1º ciclo do ensino secundário, a instituição foi denominada Ginásio “Padre Carletti” (MARCILIO, 1963).
Em reportagem, o periódico católico A Cruz (A CRUZ, 1959) publicou a seguinte matéria acerca do Ginásio:
Embora o periódico assinale ser este o “internato mais barato de todo o Estado”, segundo Lima (2001, s/p, grifo do autor), o Ginásio atendia uma clientela favorecida economicamente, preparando os jovens “religiosamente, refinando o espírito, porém, preparando-os para serem os futuros dirigentes da sociedade”. Destinava-se a educar uma camada seleta da sociedade.
Os Salesianos “[...] adquiriram para comodidade dos internos uma ampla chácara, atravessada por um rio, onde os alunos iam tomar freqüentemente banho em seus passeios”, que se tornou motivo de propaganda da instituição, que, conforme anúncio, ofertava “ampla praça de esportes, lugares encantadores para passeios e excursões” (LIMA, 2001, s/p).
Na cidade de Miranda, ainda na porção sul do estado, foi instalado um curso primário mantido pela Congregação Missionária do Santíssimo Redentor, que, em 1955, começou a atender o ensino secundário, sendo denominado de Ginásio Paroquial Nossa Senhora do Carmo (MARCILIO, 1963).
Em 1945, foi criado o Ginásio Coração de Jesus, na capital. A este respeito, o histórico da escola esclarece:
A sua criação teve origem a solicitação do então Arcebispo, Dom Francisco de Aquino Correia, preocupado com a educação da juventude feminina. Na década de 40, os salesianos, em franco desenvolvimento, trabalhavam no campo da instrução e educação dos jovens.
Dom Aquino entrou em contato com a Madre Marta Cerutti, Inspetora das Filhas de Maria auxiliadora (FMA), pedindo-lhe a criação do ginásio, pois as irmãs trabalhavam com o Curso Primário. As internas do Asilo Santa Rita que faziam o curso ginasial iam à aula no Colégio Estadual de Mato Grosso. As jovens que não queriam estudar no Colégio de Estado, ou ficavam sem continuar os estudos ou conforme a posse da família, iam para outros estados
Com a resposta positiva da Madre Marta, Dom Aquino, amigo do Dr. Gustavo Capanema (1900-1985), Ministro da Educação e Saúde (1934-1945), solicitou autorização para funcionamento do Ginásio em prédio provisório (Asilo Santa Rita). Com essa autorização, agilizou-se o seu funcionamento, assim começou a funcionar com duas turmas em 1945, com 6 irmãs professoras. A diretora do Asilo Santa Rita era a Irmã Carmelita Nebiolo. (COLÉGIO CORAÇÃO DE JESUS, 2022, online).
As aulas iniciaram com 64 alunas internas e 330 externas, as quais “[...] eram divididas em dois turnos: pela manhã funcionava o curso ginasial, da 2ª a 4ª série. Pela tarde o curso primário e admissão, bem como a 1ª série do ginásio” (AZZI, 2004, p. 329). Em artigo intitulado “Ginásio Coração de Jesus: a primeira série ginasial”, do jornal A Cruz (A CRUZ, 1945), as Primícias registraram:
Nós aqui estamos a - PRIMEIRA SÉRIE do Ginásio Coração de Jesus. Somos 64 alunas divididas em duas turmas; recebemos aulas ministradas por professoras devidamente registradas no D.N.E em duas amplas salas de Asilo Santa Rita, até que o majestoso edifício em adiantada construção na Rua Comandante Costa, abra suas grandes portas à nossa álacre e entusiasta entrada.
Iniciamos salesianamente alegres nossas aulas, bem regulares, desde o dia 15 de março. Tomamos um certo ar de importância quando iniciamos o aprendizado das línguas vivas e, também, da morta. Ou francês e o latino mostrando-nos que já não somos mais do curso primário... (A CRUZ, 1945, Edição 1673, p. 4).
Ao assinarem a reportagem como Primícias, referiam-se ao Centro Cívico Primícias do Ginásio Coração de Jesus, que começou a funcionar desde o primeiro ano sob a denominação de Departamento Feminino do Ginásio São Gonçalo (A VIOLETA, 1945, Edição 319).
Assim, entre avanços, recuos e dificuldades, os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora não mediram esforços para criarem e constituírem uma rede de instituições de ensino secundário em Mato Grosso, desde o final do século XIX até a primeira metade do século XX, voltada tanto para a formação de jovens do sexo masculino quanto do sexo feminino, pertencentes às elites mato-grossenses, sobretudo aquelas do sul do Estado.
Considerações finais
Os Salesianos, com sua forte atividade no setor educacional, deixaram marcas profundas no ensino em Mato Grosso. Tratando-se especificamente da atuação no ensino secundário, foi possível observar que algumas das escolas fundadas desde a sua chegada no estado ainda se encontram em pleno funcionamento.
Voltando-nos para o período delimitado, explicitamos que a atuação educacional dos Salesianos foi direcionada, principalmente, para o sul do estado. Isto nos permitiu conjecturar que tal evento ocorreu porque a sua atuação no norte do estado voltou-se, sobretudo, para a catequização e civilização indígena, devido às inúmeras etnias habitando a ampla região de áreas nativas. A maior parte dos municípios encontrava-se na região sul do estado, sendo melhor a comunicação entre eles e ocasionando, por isso, um maior número de habitantes.
É possível observar que, nas cidades centrais, como Cuiabá, Corumbá e Campo Grande, os Salesianos ofereciam o ensino secundário para ambos os sexos, em escolas distintas, visando a formação civilizatória dos jovens que frequentavam tais estabelecimentos, voltada para a formação de líderes que atuariam na sociedade, e de mulheres, esposas e mães instrumentalizadas e cônscias de seus deveres para com a família e a sociedade.
Ainda que os Salesianos não fossem a única Ordem Religiosa a atuar na educação escolar em Mato Grosso, no que diz respeito ao ensino secundário, foram eles que conseguiram construir e institucionalizar uma rede de escolas católicas de iniciativa privada, marcando a cultura, a história da educação e a formação de homens e mulheres das elites mato-grossenses.