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Reflexão e Ação

On-line version ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.29 no.3 Santa Cruz do Sul Sept./Dec 2021  Epub Oct 02, 2023

https://doi.org/10.17058/rea.v29i3.16401 

Dossiê temático: Ensino Médio e Educação Integral na América Latina

ENSINO MÉDIO INTEGRADO E ABANDONO ESCOLAR: UMA ANÁLISE DO INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (2017-2019)

INTEGRATED HIGH SCHOOL AND SCHOOL DROPOUT: AN ANALYSIS BY THE INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (2017-2019)

BACHILLERATO INTEGRADO Y ABANDONO ESCOLAR: UN ANÁLISIS DEL INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (2017-2019)

Lucas Barbosa Pelissari1 
http://orcid.org/0000-0003-3659-5424

Patrícia da Silveira2 
http://orcid.org/0000-0002-9017-6848

David José de Andrade Silva3 
http://orcid.org/0000-0003-4103-3557

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - IFPR - Paranaguá, Paraná, Brasil, lucas.pelissari@ifpr.edu.br

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - IFPR - Paranaguá, Paraná, Brasil

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - IFPR - Paranaguá, Paraná, Brasil


Resumo

O artigo objetiva analisar as relações entre o abandono escolar e os arranjos curriculares do Ensino Médio Integrado (EMI) no Brasil, especificamente observando cargas horárias e tempos de duração dos cursos. Para isso, foi investigado um conjunto de 69 cursos do Instituto Federal do Paraná (IFPR), ofertados entre 2017 e 2019. Os dados foram extraídos da Plataforma Nilo Peçanha (PNP) e analisados à luz de metodologia quantitativa própria. Foram apresentadas duas conclusões principais, que poderão contribuir para a formulação de políticas públicas e para pensar os desafios da concepção político-pedagógica da formação humana integral na atual conjuntura educacional do país.

Palavras-chave: Ensino Médio Integrado; Abandono escolar; IFPR

Abstract

The article aims to analyze the relationships between school dropout and the curricular arrangements of the Integrated High School (EMI) in Brazil, specifically observing time loads and course duration times. For this, a set of 69 courses from the Instituto Federal do Paraná (IFPR), offered between 2017 and 2019, was investigated. The data was extracted from the Nilo Peçanha platform (PNP) and analyzed in the light of its own quantitative methodology. Two main conclusions were presented, which may contribute to the public policies formulation and to think about the challenges of the political-pedagogical conception of integral human formation in the current educational situation of the country.

Keywords: Integrated High School; School dropout; IFPR

Resumen

El artículo tiene como objetivo analizar las relaciones entre el abandono escolar, y los arreglos curriculares del Bachillerato Integrado (EMI) en Brasil, específicamente observando cargas horarias y tiempos de duración de los cursos. Para eso, fue investigado un conjunto de 69 cursos del Instituto Federal do Paraná (IFPR), ofertados entre el 2017 y el 2019. Los datos fueron extraídos de la plataforma Nilo Peçanha (PNP) y analizados a la luz de la metodología cuantitativa propia. Fueron presentados dos conclusiones principales, que podrán contribuir para la formulación de políticas públicas y para pensar en los desafíos de la concepción político-pedagógica de la formación humana integral en la actual coyuntura educacional del país.

Palabras clave: Bachillerato Integrado; Abandono escolar; IFPR

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta os resultados de pesquisa desenvolvida ao longo do ano de 2020 sobre a Educação Profissional Técnica de Nível Médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR). Os dois focos da pesquisa são as concepções e práticas curriculares que norteiam a principal forma de oferta de cursos técnicos no IFPR, isto é, o Ensino Médio Integrado (EMI). Nesse âmbito, adota-se um recorte para uma primeira discussão, a partir do seguinte problema: Quais as relações que se podem estabelecer entre o abandono escolar e os arranjos curriculares do EMI, especificamente quando são analisadas cargas horárias e tempos de duração dos cursos?

Não se pretende, com este recorte, esgotar a ampla gama de possibilidades de debate sobre o abandono escolar. Ao contrário, trata-se de contribuição preliminar que apresenta uma das possíveis abordagens para os estudos sobre o tema na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), abordagem esta que deve se articular com outros aspectos do fenômeno. De todo modo, como mostram Silva, Pelissari e Steimbach (2013), a migração de estudantes dos cursos de EMI para o Ensino Médio Regular1 tem sido frequente, algo que pode estar, também, relacionado com a concepção dos tempos escolares nos currículos integrados.

Vale destacar, ainda, que uma discussão específica atravessa a pesquisa e articula as duas dimensões investigadas. Trata-se da perspectiva político-pedagógica que orienta a forma integrada de oferta da EPT, ou seja, a formação humana integral de natureza politécnica. Essa noção tem sido objeto da prática teórica de educadores brasileiros há, pelo menos, quarenta anos (BOMFIM, 2018) e acabou por ser incorporada à política pública de EMI a partir do início dos anos 2000. Nesse sentido, o intuito deste artigo é, também, contribuir para a reflexão e os balanços necessários a respeito dessa política, passados quase vinte anos do início de sua estruturação no Brasil.

A metodologia adotada é, fundamentalmente, quantitativa. Baseada em dados do principal banco de informações oficiais sobre a EPT no Brasil, a Plataforma Nilo Peçanha (PNP), o caminho metodológico prevê, inicialmente, o cálculo das taxas de abandono de 69 cursos de EMI do IFPR, ao longo do período 2017-2019, além de verificar essas taxas em seu aspecto geral, levando em conta a instituição como um todo. Com isso, o trabalho acaba por contribuir com a própria discussão metodológica a respeito do abandono escolar na EPT. Em seguida, os resultados são confrontados com dados relativos às cargas horárias e tempos de duração dos cursos, observando-se relações entre os dois aspectos.

São duas as principais conclusões. Em primeiro lugar, a metodologia aplicada permitiu observar que, no que se refere ao abandono escolar, não há diferenças significativas entre cursos com três ou quatro anos de duração. Em segundo lugar, no entanto, foram identificadas maiores diferenças quando se leva em consideração as cargas horárias de oferta. Cursos com cargas horárias anuais muito distantes da média institucional (1077,6 horas/ano), para cima ou para baixo, obtiveram maiores taxas de abandono, ao passo que cursos com cargas horárias anuais próximas a esse valor correspondem a taxas de abandono menores.

Espera-se que as conclusões sejam úteis para estimular novos olhares ao problema do abandono escolar na EPT e enfatiza-se que os resultados obtidos podem ser enriquecidos com outras perspectivas de análise teórico-metodológicas. Trata-se de um problema complexo, determinado histórica e socialmente no contexto da educação brasileira e da formação social desse país. Algumas dessas concepções gerais acerca do abandono escolar e da formação humana integral de natureza politécnica são discutidas na seção do texto que segue a esta introdução. Na seção seguinte, são apresentados os detalhes da metodologia adotada e, por fim, os resultados obtidos. Conclui-se com considerações finais.

ABANDONO ESCOLAR E ENSINO MÉDIO INTEGRADO

O tema do abandono escolar não é novo no âmbito da EPT. Tem sido abordado a partir de diversas perspectivas, apesar de pouco estudado e sistematizado do ponto de vista científico. Essa é uma importante conclusão obtida por Zanin (2019), em estudo recente que contém, dentre outros aspectos, um estado da arte das pesquisas sobre o tema. A autora destaca uma das abordagens possíveis para o abandono escolar na EPT, que remete ao direito à permanência de jovens trabalhadores na escola, em especial quando se trata da Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Como, na lei brasileira, a modalidade não é garantida como direito de todos os cidadãos, o próprio binômio permanência/abandono acaba sendo objeto de uma contradição fundamental no campo das políticas educacionais.

De um lado, o processo de constituição do sistema de Escola Pública no Brasil foi marcado pela compartimentação de classe no ensino médio. Ao estudar o papel da classe média brasileira nesse processo, Saes (2020) evidencia que o tipo de escola pública e universal nascida no bojo do período nacional-desenvolvimentista representou o núcleo da ideologia prática dominante desse setor social. Caracterizada pela noção de que a transformação brasileira teria como agente uma elite revolucionária e antiescravagista, essa ideologia orientou-se pela busca de uma sociedade livre, racional e branca, reivindicando, como consequência, um modelo de escola pública de acesso restrito e natureza meritocrática. Como resultado, já a partir do início da década de 1940, constrói-se uma escola de nível médio cindida estruturalmente: ensino técnico e manual para os filhos das classes trabalhadoras e educação propedêutica científica para as classes médias e dominantes.

De outro lado, como o acesso ao próprio ensino técnico é também restrito, foram adotadas, ao longo da história, políticas dos mais variados tipos para o apoio à permanência escolar (DORE; LUSCHER, 2014; ZANIN, 2019). Tais políticas variaram de acordo com os próprios modelos de desenvolvimento econômico e industrial assumidos pelos diferentes governos. Fato é que sempre estiveram presentes e estimularam contingentes de mão de obra, reserva de mercado e a constituição do exército industrial de reserva do capitalismo brasileiro. Zanin (2019) mostra, inclusive, que políticas governamentais praticadas em outros setores influenciaram, intencionalmente ou não, as medidas de estímulo à permanência na escola técnica e profissional. Mais recentemente, a questão passou a ser encarada dentro da chave teórica e ideológica do eficienticismo neoliberal:

O slogan da ‘permanência e êxito’ também se relaciona com a noção de desenvolvimento presente nas políticas neoliberais. Através da exigência de resultados produtivos da educação, utiliza-se do slogan “permanência e êxito” como um instrumento de gestão e controle, com o condicionante de retorno para o Estado do investimento por ele realizado. (SPRICIGO; SILVA, 2016 apudZANIN, 2019, p. 122).

Detregiachi Filho (2012) aborda o tema a partir de perspectiva semelhante. Analisando de modo abrangente a EPT, ressalta a contradição entre aspectos subjetivos e objetivos que compõem a condição de jovem trabalhador no Brasil. Nesse sentido, conclui que “[...] apesar da ideologia dominante instilar conceitos com o objetivo de forjar subjetividades apontando para a necessidade e importância da educação profissional, os alunos deparam-se com dificuldades estruturais do sistema [...]” (p. 21). Esses obstáculos são oriundos da própria dualidade estrutural da educação brasileira, que, como mostra o autor, foi estendida ao ensino superior com a criação dos cursos tecnólogos. Ao analisar a evasão escolar nesse tipo de oferta da EPT, focalizando um conjunto de escolas técnicas do estado de São Paulo, o autor evidencia dois fatores principais ressaltados por estudantes evadidos como causas da evasão. Em primeiro lugar, as questões relacionadas às dificuldades de acompanhamento acadêmico, oriundas das lacunas de aprendizado produzidas no ensino médio. Em segundo lugar, os fatores diretamente vinculados a questões financeiras e econômicas. Ambos foram citados por aproximadamente 36% dos entrevistados na pesquisa. Vale destacar, além disso, que 69% do público pesquisado acumula a dupla função de estudante e trabalhador.

Partindo dessas análises, é necessário abordar uma transformação específica sofrida pela EPT brasileira ao longo dos últimos vinte anos. Sinalizando para o tensionamento da condição de dualidade, o Ensino Médio Integrado (EMI) surge como forma de oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio no Brasil em 2004, após intensas disputas e discussões 2. Pela primeira vez desde a criação do Sistema S em 1941 - marco de fundação da dualidade -, a política educacional brasileira possibilitava a articulação dos cursos técnicos ao ensino propedêutico, constituindo um currículo único baseado em conhecimentos científicos.

Essa importante ruptura com o que se praticou até então apresentou a necessidade concreta de se debater a noção de integralidade na educação. A questão foi tema de diversas elaborações, sobretudo dentro das perspectivas críticas e fundamentadas no materialismo histórico-dialético, campo no qual as noções de escola unitária, politecnia, educação tecnológica e escola integral (MACHADO, 1989) são objeto da prática teórica de educadores desde o início do século passado. No entanto, o advento do EMI brasileiro impôs uma demanda imediata de traduzir aquelas discussões em termos de política educacional, inclusive para orientar as práticas escolares comprometidas com a superação do capitalismo.

Produziu-se, assim, como síntese de um conjunto de reflexões, a ideia de formação humana integral, calcada na concepção politécnica de educação. O fundamento da questão se liga à contradição histórica entre trabalho manual e trabalho intelectual, oriunda da própria organização da sociedade sob o modo de produção capitalista. A descrição seguinte foi adotada pelas orientações curriculares do EMI, sendo incorporada a um dos documentos oficiais3 que expuseram os princípios pedagógicos, filosóficos e políticos dessa forma de oferta:

A idéia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e aação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução dapreparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se buscaé garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a umaformação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadãopertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociaissubjacentes a todos os fenômenos. (CIAVATTA, 2005, p. 85)

Mas de que maneira essa concepção se relacionou, nas experiências de currículos integrados, com as definições anteriormente expostas a respeito do abandono escolar? O crescimento do número de matrículas em EMI foi da ordem de 270% entre 2004 e 2014, estando a esmagadora maioria (93%) delas concentradas em instituições públicas. Esse aumento possibilitou que a oferta estatal de toda a Educação Profissional Técnica de Nível Médio ultrapassasse a privada em número de matriculados, pela primeira vez na história (PELISSARI, 2019). Diante disso, em que medida as contradições demonstradas por Zanin (2019) e Detregiachi Filho (2012), por exemplo, foram também tensionadas por esse novo modelo? De que forma os filhos da classe trabalhadora que passaram a ter oportunizada, além da preparação para uma profissão, também a apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados, permaneceram ou abandonaram as instituições de EPT em que iniciaram seus cursos integrados? Os resultados apresentados neste trabalho contribuem com as tentativas de responder a essas questões, que exigem um esforço amplo e articulado de pesquisa, contemplando olhares diversos.

Vale ressaltar um problema particular oriundo desse contexto. Trata-se das possibilidades de que as cargas horárias e tempos de duração (três ou quatro anos) dos cursos integrados se efetivem como fatores do abandono. Silva, Pelissari e Steimbach (2013) demonstraram, por exemplo, uma situação bastante peculiar, própria do EMI, que é a migração de estudantes do curso técnico de quatro anos para o Ensino Médio Regular, justificada por um pretenso “custo de oportunidade” relacionado ao vestibular e à continuidade nos estudos. Os autores relatam diversos casos assim caracterizados, que se articulam com a dificuldade de acompanhamento teórico ou falta de afinidade com as disciplinas técnicas, cargas horárias diárias muito altas e frustração de expectativas criadas pelo jovem e pela família ainda no ensino fundamental. Podemos acrescentar a esses aspectos as exigências impostas pela ideologia da assim chamada “sociedade do conhecimento”, que elege uma concepção difusa e pouco científica de conhecimento como o centro das relações humanas e, concomitantemente, exige tempos e espaços cada vez mais dinâmicos e flexíveis para o aprendizado escolar. Os cursos de EMI estariam, nesse contexto, condenados a altas taxas de abandono, dada a especificidade de construção dos currículos sobre sólidas bases científicas e conceituais? Haveria desenhos curriculares mais adequados para enfrentar a questão do abandono?

A própria natureza dos problemas levantados, por estar relacionada às investigações sobre o conceito de educação integral, exige que se finalize esta seção com outra discussão conceitual, justificando a escolha do termo abandono escolar. Pesquisas (SILVA; PELISSARI; STEIMBACH, 2013; FEITOSA; OLIVEIRA, 2020) já evidenciaram a multiplicidade de fatores que implicam no abandono escolar, desde as questões estruturais já apontadas nesta seção, até elementos ligados à cultura e aos objetivos da escola, organização curricular, relação teoria/prática, dentre outros. De qualquer maneira, o que se ressalta é que o conceito de evasão tem sido utilizado pela literatura especializada de duas maneiras principais. Ora o termo é mobilizado para responsabilizar o aluno pela interrupção dos estudos, partindo de uma conceituação de juventude como fase de delinquência que precisa ser controlada, ora é considerada apenas a partir de fatores externos, que não levam em conta a constituição da escola pública como aparelho de reprodução social. Nesse último caso, recai-se na visão economicista da educação, segundo a qual os custos de oportunidade calculados pelo jovem trabalhador o levariam a priorizar, de modo imediato, o trabalho assalariado, em detrimento da escolarização.

Por permitir captar as múltiplas determinações de um processo que tem raízes estruturais e, principalmente, pelo fato de o fenômeno analisado nem sempre implicar em evasão por completo da escola, opta-se pela adoção do conceito de abandono escolar. Engloba-se, dessa forma, casos bastante comuns na EPT (TAVARES, 2002; BAHIA, 2003), caracterizados pela transferência do estudante de um curso com currículo integrado para outra forma de oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ou, o que é mais comum, para o Ensino Médio Regular. Assim, tem-se o EMI e a concepção de formação humana integral que o orienta como objeto, procurando caracterizá-lo quantitativamente em termos de abandono escolar. Em seguida, a metodologia adotada para levantamento e análise dos dados.

METODOLOGIA

É grande a diversidade de métodos e metodologias de análise do abandono escolar encontrada na literatura. Mesmo em casos como este, em que o foco da pesquisa é uma descrição geral da realidade, a partir de dados quantitativos, há diversas perspectivas metodológicas possíveis de serem adotadas. Gerab (2016) mostra, por exemplo, vantagens e desvantagens de quatro metodologias de cálculo, cuja escolha deve levar em conta as bases de dados utilizadas, os recursos disponíveis, o universo pesquisado e os processos de amostragem mais adequados.

O objetivo inicial dessa pesquisa era analisar o abandono escolar no EMI do IFPR desde a implantação do primeiro curso da instituição, em 2008. No entanto, apenas foram obtidos dados completosconcentrados entre os anos de 2017 e 2019. Existem informações referentes a períodos anteriores a 2017, inclusive fornecidas pelos órgãos competentes do IFPR; porém, há descontinuidades e ausência de algumas turmas, além do fato de haver diferenças metodológicas relativas à coleta dos dados quando se compara com o banco oficial de informações sobre a EPT mantido pelo Ministério da Educação, denominado Plataforma Nilo Peçanha (PNP). Diante dessas constatações foi estabelecida restrição ao período citado, tendo como base apenas a PNP, com exceção de alguns cursos correspondentes ao ano de 2017, conforme descrevemos adiante.

A referida plataforma é assim definida em seu guia de referência oficial:

ambiente virtual de coleta, validação e disseminação das estatísticas oficiais da Rede Federal, instituída pela Portaria SETEC n. 1, de 03 de janeiro de 2018. Contando com um cuidadoso processo metodológico a PNP funda suas forças na Rede de Coleta, Validação e Disseminação das Estatísticas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (REVALIDE) para reunirinformações acadêmicas e administrativas de todas as unidades da Rede. (MORAES et al, 2018, p. 6)

A concepção teórico-metodológica que orienta a PNP respeita uma compreensão sistêmica que não restringe aos meios digitais o processo compreendido por coleta, validação e disseminação de informações. Ao contrário, apoia-se em um marco regulatório que edifica e qualifica a produção estatística e conta com os servidores docentes e técnico-administrativos da Rede Federal como atores ativos do processo. Assim, a despeito de divergências que possam ser encontradas entre os dados existentes em Secretarias Acadêmicas e as informações da PNP, a escolha por essa base de dados leva em conta um trabalho estatístico minucioso de caracterização da Rede Federal. Além disso, eventuais erros e imprecisões oriundos da metodologia utilizada pela REVALIDE não impede a análise quantitativa do fenômeno em questão e contribuir para um processo de pesquisa que deve ser aprofundado por estudos futuros.

O IFPR concluiu o ano de 2019 com 69 cursos de EMI ativos. Foram coletados os dados referentes a cada um desses cursos, especificamente no que se refere a três definições adotadas pela PNP: a) Matrículas: “Soma de todos os alunos que estiveram com matrícula ativa em pelo menos um dia no ano de referência.” (MORAES et al, 2018, p. 16); b) Evadidos: “alunos que perderam vínculo com a instituição antes da conclusão do curso.” (idem, p. 18); c) Concluinte: “Aluno Formado ou Integralizado em fase escolar”, sendo a primeira situação correspondente a indivíduos que “concluíram com êxito todos os componentes curriculares do curso, fazendo jus à certificação” e a segunda a alunos que “concluíram a carga horária das unidades curriculares de um curso, mas ainda não podem receber a certificação por não terem concluído componentes curriculares como Estágio, Extensão obrigatória, TCC, ENADE, etc.” (idem, p. 19). Neste trabalho, as quantidades correspondentes às definições acima são representadas, respectivamente, por M i j , 𝐸 𝑖 𝑗 e 𝐶 𝑖 𝑗 , sendo o índice 𝑖 relativo ao ano de análise (podendo receber os valores 17, 18 ou 19) e o índice 𝑗 correspondente ao curso (que pode variar de 1 a 69). Os dados brutos retirados da PNP se referem ao final do ano analisado.

Considera-se, ainda, o conceito de número de vagas, representado por 𝑉 𝑗 , que diz respeito à quantidade de vagas oferecidas à matrícula em cada curso. Esse valor foi obtido a partir da análise de cada Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e varia, em geral, de 30 a 40, conforme as políticas adotadas por cada um dos 26 campi que compõem o IFPR e de acordo com orientações gerais da instituição e disponibilidade orçamentária.

Por fim, a definição mais importante é a de taxa de abandono anual, valor calculado com base nas quantidades acima descritas. A notação para essa medida é 𝑇𝐴 𝑖 𝑗 e ela pode ser calculada por uma das três fórmulas apresentadas no Quadro 1, conforme o caso. A taxa de abandono é sempre dada em porcentagem.

Quadro 1 FÓRMULAS DE CÁLCULO DA TAXA DE ABANDONO ANUAL 

Caso 1: primeiro ano de oferta do curso.
𝑇𝐴 𝑖 𝑗 = 𝐸 𝑖 𝑗 𝐸 𝑖 𝑗 + 𝑀 𝑖 𝑗
Caso 2: ano de oferta diferente do primeiro, mas ainda sem nenhuma turma formada.
𝑇𝐴 𝑖 𝑗 = 𝐸 𝑖 𝑗 𝑉 𝑗 + 𝑀 𝑖−1 𝑗
Caso 3: ano de oferta diferente do primeiro, com ao menos uma turma formada.
𝑇𝐴 𝑖 𝑗 = 𝐸 𝑖 𝑗 𝑉 𝑗 + 𝑀 𝑖−1 𝑗 − 𝐶 𝑖 𝑗

Fonte: os autores

Cumpre observar que, para os casos 2 e 3, é sempre necessário recorrer ao ano anterior na determinação dos denominadores das frações. Isso porque o total de estudantes em relação ao qual a taxa de abandono é calculada leva em conta o número de matrículas no início do ano, admitido, aqui, como idêntico ao número de matrículas do fim do ano anterior. Como os dados de matrículas da PNP são referentes, sempre, ao fim do ano em questão, a única escolha metodológica possível é proceder a essa simplificação. Todavia, é uma simplificação que não altera o conjunto da análise, já que é realizada para as turmas de todos os anos que se encontrem nos casos 2 e 3. Além disso, na situação particular de turmas relativas a 2017, foi necessário recorrer a quantidades correspondentes ao ano de 2016, indisponíveis na PNP. Nesses casos, recorremos a uma planilha gentilmente cedida pela Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (PROPLAN) do IFPR.

Em relação ao cálculo da 𝑇𝐴 de cada um dos 69 cursos nos três anos analisados, obteve-se 217 taxas planilhadas. Com isso, foi possível efetuar o cálculo da taxa de abandono do curso, aqui representada por 𝑇𝐴𝐶 𝑗 . Matematicamente, tal medida foi definida como a média aritmética das taxas de abandono anuais observadas no curso; nos casos de cursos iniciados em 2019, como há apenas uma taxa de abandono anual calculada, a 𝑇𝐴𝐶 é igual a esta última.

Há, finalmente, as medidas que dizem respeito ao conjunto de dados como um todo. Assim, a taxa de abandono geral em cada um dos anos foi definida, representada aqui por 𝑇𝐴𝐺 𝑖 e calculada com a média aritmética das taxas de abandono anuais dos cursos. Além disso, por meio da média aritmética das três TAGs, calculou-se a taxa de abandono geral do IFPR, cuja notação é 𝑇𝐴𝐺. O Quadro 2 apresenta as fórmulas de cálculo de cada um desses últimos conceitos.

Quadro 2 FÓRMULAS DE CÁLCULO DAS TAXAS DE ABANDONO DOS CURSOS E GERAL DO IFPR 

Taxa de abandono do curso.
𝑇𝐴𝐶 𝑗 = 𝑇𝐴 17 𝑗 + 𝑇𝐴 18 𝑗 + 𝑇𝐴 19 𝑗 3 , se o curso tem TA nos três anos. 𝑇𝐴 𝑖 𝑗 + 𝑇𝐴 𝑖+1 𝑗 2 , se o curso tem TA apenas no ano 𝑖 e no seguinte. 𝑇𝐴 𝑖 𝑗 , se o curso tem TA apenas no ano 𝑖.
Taxa de abandono geral em cada ano.
𝑇𝐴𝐺 𝑖 = 𝑗=1 𝑛 𝑇𝐴 𝑖 𝑗 𝑛
n: quantidade de 𝑇𝐴 𝑖 𝑗 disponíveis para o ano em questão, podendo variar de 1 a 69. Nos casos de cursos sem turma aberta no ano em questão, considera-se
𝐴 𝑖 𝑗 =0.
Taxa de abandono geral.
𝑇𝐴𝐺= 𝑇𝐴𝐺 17 + 𝑇𝐴𝐺 18 + 𝑇𝐴𝐺 19 3

Fonte: os autores.

De posse das taxas de abandono constantes no Quadro 2, procedeu-se, então, à análise dos dados. Em primeiro lugar, com o intuito de observar a efetividade do método adotado e, eventualmente, calibrá-lo, comparou-se as taxas de abandono geral com aquelas fornecidas pela PNP. A plataforma possui um método de cálculo específico e diferente do usado nesse artigo para obter taxas de abandono anuais em uma dada instituição da Rede Federal, sendo possível observar o dado para cada etapa de ensino e forma de oferta. Em segundo lugar, buscou-se identificar relações entre as taxas de abandono dos cursos e as cargas horárias constantes em cada PPC, no intuito de obter correlações entre essas duas variáveis. Nesse último passo metodológico, também levou-se em conta a duração dos cursos, que, no IFPR, pode ser de três ou quatro anos.

RESULTADOS: O ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO IFPR

Antes da discussão dos resultados, faz-se necessário determinar um valor que possa ser considerado como referência geral do trabalho para a 𝑇𝐴. Para tanto, foi proposta a comparação entre os resultados das taxas de abandono gerais do IFPR ( 𝑇𝐴𝐺 𝑖 e 𝑇𝐴𝐺), levando-se em conta a metodologia adotada e os valores de taxas de evasão apresentadas pela PNP. As porcentagens constam na Tabela 1.

Tabela 1 TAXAS DE ABANDONO GERAL (METODOLOGIA ADOTADA) E TAXAS DE EVASÃO (SEGUNDO A PNP), POR ANO E PARA O PERÍODO, NO EMIDO IFPR - PERÍODO 2017-2019 

Metodologia aplicada PNP
2017
𝑇𝐴𝐺 17 =14,1%
11,2%
2018
𝑇𝐴𝐺 18 =14,8%
7,8%
2019
𝑇𝐴𝐺 19 =15,9%
9,3%
Geral no período (média)
𝑇𝐴𝐺=14,9%
9,4%

Fonte: os autores, a partir dos dados de BRASIL, 2021.

É possível perceber que o método adotado pela PNP subestima a 𝑇𝐴, quando comparado à metodologia contraposta. Não é nosso intuito aprofundar uma discussão metodológica e contrastar as especificidades adotadas em cada um dos procedimentos. Basta, por enquanto, considerar que o exercício de comparação empreendido nos leva a determinar o número de 12,0% como uma referência real para a 𝑇𝐴 média do EMI no IFPR. A partir da referência proposta, foi possível analisar as 𝑇𝐴𝐶𝑠 no período e, a partir disso, identificar diferenças e semelhanças entre eixos tecnológicos4.

Assim, dos 69 cursos analisados, 53 (76,8%) apresentam 𝑇𝐴𝐶 inferior a 12,0% e 16 (23,2%) possuem 𝑇𝐴𝐶 maior que essa referência proposta. Cursos do eixo tecnológico de Informação e Comunicação, que totalizam um terço da oferta de EMI no IFPR (ou seja, 23 cursos), apresentam dez com 𝑇𝐴𝐶 superior a 12,0% e, dentre elas, as três mais altas de todo o universo pesquisado. Essas 𝑇𝐴𝐶𝑠 recebem os números 67, 68 e 69 (67 e 𝑗=68 e 𝑗=69) na Tabela 2, que apresenta em ordem crescente todos os valores obtidos.

Esses altos índices de abandono são intrigantes e demandam um olhar mais aprofundado acerca dos motivos que levam os estudantes a abandonarem seus cursos em um momento no qual o desenvolvimento tecnológico tem reconfigurado as relações sociais (CASTELL, 2015). Além disso, também coloca em xeque o mito de que, pelas gerações atuais conviverem com aparato tecnológico desde o nascimento (considerando como referência estudantes na faixa etária entre 15 e 19 anos), teriam maior interesse em conhecer de forma mais técnica os meandros da informática.

Tabela 2 TAXAS DE ABANDONO DOS CURSOS ( 𝑇𝐴𝐶 𝑗 ) DE EMI DO IFPR - PERÍODO 2017-2019 

Id. do curso
𝑇𝐴𝐶 𝑗
(𝑗)
Id. do curso
𝑇𝐴𝐶 𝑗
(𝑗)
Id. do curso
𝑇𝐴𝐶 𝑗
(𝑗)
Id. do curso
𝑇𝐴𝐶 𝑗
(𝑗)
Id. do curso
𝑇𝐴𝐶 𝑗
(𝑗)
1 0,0% 15 5,0% 29 6,5% 43 8,9% 57 12,5%
2 0,7% 16 5,0% 30 6,6% 44 9,0% 58 12,6%
3 3,2% 17 5,2% 31 6,7% 45 9,2% 59 12,9%
4 3,7% 18 5,3% 32 6,9% 46 9,6% 60 13,8%
5 3,9% 19 5,5% 33 7,3% 47 9,9% 61 14,0%
6 3,9% 20 5,5% 34 7,3% 48 10,1% 62 14,4%
7 4,0% 21 5,7% 35 7,7% 49 10,3% 63 14,8%
8 4,0% 22 5,7% 36 7,7% 50 10,7% 64 15,7%
9 4,1% 23 5,7% 37 7,9% 51 10,7% 65 16,6%
10 4,2% 24 5,8% 38 8,0% 52 11,0% 66 16,6%
11 4,4% 25 5,9% 39 8,1% 53 11,5% 67 17,2%
12 4,7% 26 5,9% 40 8,8% 54 12,1% 68 17,4%
13 4,8% 27 5,9% 41 8,8% 55 12,1% 69 23,0%
14 4,8% 28 6,3% 42 8,8% 56 12,4%

Fonte: os autores, a partir dos dados de BRASIL, 2021.

Vale, ainda, uma observação a respeito do grupo dos 27 cursos com 𝑇𝐴𝐶𝑠 que podem ser consideradas baixas, já que se referem a valores menores que 6,0%, ou seja, inferiores à metade do valor de referência. Nesse caso, seis dos oito eixos ofertados pelo IFPR estão presentes: Controle e Procesos Industriais, Gestão e Negócios, Informação e Comunicação, Produção Cultural e Design, Produção Industrial e Recursos Naturais. Não constam dessa lista cursos dos eixos Infraestrutura e Produção Alimentícia, que, apesar de ofertados, têm 𝑇𝐴𝐶𝑠 maiores que 6,0%.

Mas a questão central analisada foi a duração dos cursos, considerando-se a oferta de três ou quatro anos e a carga horária total. Além de uma questão que interessa à política de EMI como um todo, esse é um problema particular dos cursos integrados no IFPR, uma vez que se observou, durante a coleta de dados, que muitos solicitavam ajustes curriculares anuais tendo por justificativas a alteração da carga horária, ora insuficiente, ora excessiva, e consequentemente a redução ou ampliação dos anos de oferta do curso, representando, talvez, uma frustrante tentativa de construir um currículo que pudesse ser considerado integrado.

Assim, foi possível perceber que os cursos ofertados em três anos possuem 𝑇𝐴𝐶𝑠 sensivelmente menores do que asdos cursos ofertados em quatro anos. Os dados da Tabela foram separados nesses dois grupos, sendo o primeiro composto por vinte cursos e o segundo por 49, ou seja, a maioria da oferta de EMI do IFPR tem duração de quatro anos. Ao calcular a média aritmética das 𝑇𝐴𝐶𝑠 dos cursos ofertados em três anos, obteve-se 7,7%, enquanto que, para os cursos de quatro anos, esse valor foi igual a 8,8%. É possível afirmar que a diferença não é significativa.

A partir desse resultado, faz-se necessário verificar a hipótese segundo a qual os cursos ofertados em três anos levariam o estudante a ter uma percepção positiva sobre o término de seu curso integrado no mesmo tempo de um curso de Ensino Médio Regular. A questão nos alerta sobre a necessidade de um olhar atencioso à formação continuada de gestores, docentes e técnicos educacionais, que são os responsáveis pela elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos, em relação à concepção de formação integrada.

Finalmente, tratou-se das taxas de abandono em sua relação com as cargas horárias totais dos cursos. Observou-se que o IFPR oferta cursos de EMI com carga horária compreendida entre 3200 h e 4380 h. A média entre todos os 69 cursos é de 3404,33 h.

Entretanto, não basta separar os cursos em grupos por faixas de valores mínimos e máximos. Um curso com determinada carga horária ofertado em três anos pode comportar características curriculares completamente diferentes de outro com a mesma carga horária, porém ofertado em quatro anos. Assim, cruzamos essas duas variáveis, com o objetivo de encontrar um índice comum aos cursos, denominado carga horária anual. Foram definidos, assim, quatro conjuntos: até 903 horas/ano, com quarenta cursos; entre 903 e 1003 horas/ano, com sete cursos; entre 1028 e 1111 horas/ano, com treze cursos; acima de 1111 horas/ano, com nove cursos. Pode-se observar que a maioria dos cursos de EMI do IFPR é ofertada com menos de 903 horas anuais; todos esses quarenta cursos, aliás, são ofertados em quatro anos, havendo, nesse grupo, uma faixa de valores de carga horária total que varia de 3200 a 3600 horas.

Da mesma forma com que foi realizado com os dois grupos definidos por tempo de duração, calculou-se as médias de 𝑇𝐴𝐶𝑠 de cada um desses quatro conjuntos. Também foram calculadas as médias de cargas horárias anuais de cada um. O resultado se encontra na Tabela 3 e demonstra que os cursos com cargas horárias anuais mais distantes de 1000 horas/ano, seja inferior ou superiormente (primeiro e quarto grupos), implicam maiores taxas de abandono. O grupo que obteve menor taxa média de abandono é aquele no qual a média de carga horária anual é igual a 1077,6 horas/ano.

Tabela 3 GRUPOS POR FAIXAS DE CARGA HORÁRIA ANUAL, COM SUAS RESPECTIVAS CARGAS HORÁRIAS ANUAIS MÉDIAS E TAXAS MÉDIAS DE ABANDONO - CURSOS DE EMI DO IFPR NO PERÍODO 2017-2019 

Faixa de carga horária anual (h/ano) Carga horária anual média (h/ano) Taxa média de abandono (média das 𝑇𝐴𝐶𝑠)
Até 903 863,8 9,5%
903 a 1003 947,2 6,3%
1028 a 1111 1077,6 5,9%
Acima de 1111 1338,0 9,5%

Fonte: os autores, a partir dos dados de BRASIL, 2021.

Vale salientar, por fim, que os resultados apresentados são apenas um recorte de uma tela muita ampla e que demandam mais aprofundamento com o intuito de enriquecer e estimular os questionamentos aqui levantados, sobretudo no que se refere à elaboração e consolidação dos projetos pedagógicos concebidos a partir da formação humana integral. Foram tratadas algumas relações que apresentam indicativos de fatores explicativos do fenômeno do abandono escolar em cursos de EMI, a partir de uma abordagem da carga horária e da duração dos cursos, elemento fundamental para se discutir os desenhos de integração curricular. Tais relações podem servir de ponto de partida para melhores delineamentos que se utilizem de outros caminhos metodológicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caminho metodológico construído permitiu analisar de modo global a questão do abandono escolar no EMI do IFPR. Identificaou-se, em primeiro lugar, um valor de referência para a taxa de abandono dos cursos (𝑇𝐴𝐶) que permitiu estabelecer comparações. Esse valor, para a presente análise, é igual a 12,0% e, dos 69 cursos pesquisados, 53 verificaram 𝑇𝐴𝐶 inferior a ele. Em segundo lugar, observou-se tendências gerais relativas aos eixos tecnológicos, analisando com algum detalhe os cursos com maiores e menores 𝑇𝐴𝐶𝑠.

Por fim, respondendo efetivamente ao problema de pesquisa, contrastou-se os dados de taxas de abandono com as durações dos cursos. Pode-se concluir que não há diferenças significativas entre cursos ofertados em três ou em quatro anos, no que se refere ao abandono escolar. Já no que corresponde às cargas horárias, foram identificadas diferenças entre cursos de maior e de menor duração, assim definidos a partir da distância da média verificada para o IFPR. Cursos com cargas horárias anuais muito distantes dessa média (1077,6 horas/ano) configuraram 𝑇𝐴𝐶𝑠 maiores.

Conclui-se ressaltando a importância de se pesquisar essa relação, tanto no que se refere à caracterização quantitativa dos cursos, subsidiando olhares mais precisos de gestores e formuladores da política pública e institucional de EPT, quanto naquilo que diz respeito aos problemas e desafios do EMI na atual conjuntura educacional do país. Em relação ao primeiro aspecto, os resultados evidenciam que se deve buscar olhares mais aprofundados ao tema da carga horária, não se restringindo aos valores totais previstos nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC). Mais do que verificar a efetividade ou os ônus de um arranjo curricular construído em certo número de horas, é necessário que se observe a distribuição dessa carga horária ao longo dos anos de oferta e, principalmente, sua adaptação à realidade local e regional. Nesse sentido, foi proposto o índice denominado carga horária anual, que auxiliou a obter as citadas conclusões, mas pode ainda ser enriquecido com outros olhares, tais como a distribuição das atividades pedagógicas nos turnos matutino e vespertino, o lugar das práticas de pesquisa, extensão e inovação no currículo e as relações entre componentes curriculares técnicos e propedêuticos. Todas essas possibilidades podem ser complementadas por análises qualitativas, que levem em conta, por exemplo, significados atribuídos aos cursos pelos estudantes, egressos, docentes e técnicos que atuam nos cursos.

Já no que se refere ao momento atual, vale observar que o país vive, desde o ano de 2016, uma reforma profunda no ensino médio, que pode ter implicações diretas na política de EPT, em geral, e de EMI, em específico. Alterações legais que inserem na ordem do dia a obrigatoriedade de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e acabam por fragmentar o já dual sistema escolar brasileiro (ARAÚJO, 2019), conforme foi mencionado no início deste texto, apresentam contradições de fundo com a concepção de formação humana integral que orienta a política de EMI. O currículo único de base politécnica se constrói sobre princípios diversos daqueles que preveem uma parte científica comum - desconsiderando, aliás, diferenças regionais - e outra parte em um “itinerário formativo profissional” específico, conforme orienta a Lei nº 13.415/2017, que institui a referida reforma. A BNCC do Ensino Médio, oriunda dessa lei, exige, ainda, que a primeira parte citada corresponda a, no máximo, 1800 horas e que o total ofertado em um mesmo currículo seja de 3000 horas. Demonstrou-se que, no caso do IFPR, a média de carga horária total praticada pelos cursos é de 3404,33 horas, ou seja, a adaptação aos novos marcos demandaria uma radical reestruturação do EMI na instituição, descaracterizando-o por completo no sentido da fragmentação. Tal descaracterização ocorreria, inclusive, violando princípios fundamentais da Lei nº 11.892/2008, que cria a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica da qual fazem parte os Institutos Federais.

Seria interessante, nesse sentido, identificar possíveis relações entre o fenômeno analisado neste trabalho e o contexto do Ensino Médio Regular. As variações de carga horária entre cursos de Ensino Médio Regular são menores, fato que pode impactar em uma descaracterização ainda mais severa dessa forma de oferta, no caso de os princípios da atual BNCC passarem a ser aplicados. De todo modo, as taxas médias de abandono verificadas para o Ensino Médio Regular são maiores do que as trabalhadas neste artigo, o que pode indicar êxito na trajetória de construção da política de Ensino Médio Integrado que vem se consolidando há quase vinte anos.

Por esses motivos, é urgente que se aprofundem as análises a respeito das cargas horárias e durações dos cursos de EMI, fator do qual depende a concepção político-pedagógica que alicerça a política de EMI no Brasil. Procurou-se empreender esse esforço em diálogo com o tema do abandono escolar, mas se fazem necessárias outras abordagens e vinculações.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 30 de Março de 2021; Aceito: 25 de Junho de 2021

Lucas Barbosa Pelissari

Graduado em Licenciatura em Matemática (PUCPR) e Engenharia Civil (UFPR). Mestre em Educação (UFPR). Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ). Coordenador e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) do IFPR.

Patrícia da Silveira

Graduada em Letras-Inglês (UNOPAR). Mestre em Estudos da Linguagem (UEL). Professora EBTT do IFPR Campus Arapongas.

David José de Andrade Silva

Graduado em Letras-Inglês (FAFIJA). Mestre e doutor em Letras (UFPR). Professor EBTT do IFPR Campus Jacarezinho

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