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Ensino em Re-Vista

On-line version ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub June 08, 2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-21 

DEMANDA CONTÍNUA

O ensino de Matemática no curso ginasial brasileiro: um olhar do jesuíta Pedro Browe no início do século XX

La enseñanza de las matemáticas en la escuela secundaria brasileña: una mirada del jesuita Pedro Browe a principios del siglo XX

1Doutor em Ensino de Ciências e Matemática. Professor das Faculdades Integradas de Taquara - FACCAT, Taquara, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: silviobritto@faccat.br.

2Doutor em Ensino de Ciências e Matemática. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense - IFSul, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: malcuskuhn@ifsul.edu.br.

3Doutor em Ciências da Educação. Universidade Luterana do Brasil, Brasil. E-mail: bayerarno@yahoo.com.br.


RESUMO

O estudo aborda o artigo A Mathemática no curso Gymnasial, publicado em 1906, no relatório anual do Ginásio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo/RS. Como o tema se insere na História da Educação Matemática, este estudo qualitativo e documental, ampara-se na pesquisa histórica. O artigo trata da Matemática no ensino secundário brasileiro, no início do século XX, a partir do olhar do jesuíta Pedro Browe. Considera que o programa de ensino secundário brasileiro se apresenta de forma teórica, não havendo espaço para aplicações práticas. Os conteúdos são trabalhados em apenas quatro anos, tempo inferior ao de países europeus. Destacando-se nos campos da aritmética e álgebra, defende o método intuitivo no ensino secundário de Matemática no Brasil, por influência do ginásio alemão e pautado na Ratio Studiorum. O ensino de Matemática deveria ser prático e utilitário, pois essa área é apropriada para desenvolver o raciocínio, a autonomia e a razão.

PALAVRAS-CHAVE: História da Educação; Jesuítas; Matemática; Ensino Secundário; Método de Ensino Intuitivo

RESUMEN

El estudio aborda el artículo Matemáticas en el curso Gymnasial, publicado en 1906, en el informe anual del Gymnasium Nossa Senhora da Conceição en São Leopoldo/RS.A medida que el tema se inserta en la Historia de la Educación Matemática, este estudio cualitativo y documental está respaldado por investigaciones históricas. El artículo trata las matemáticas en la educación secundaria brasileña, a principios del siglo XX, desde la mirada del jesuita Pedro Browe. Considera que el programa brasileño de educación secundaria se presenta de manera teórica, sin espacio para aplicaciones prácticas, y los contenidos se trabajan en solo cuatro años, menos tiempo que los países europeos. Destacando en los campos de la aritmética y el álgebra, defiende el método intuitivo en educación secundaria en matemáticas en Brasil, influenciado por el gymnasium alemán y basado en la Ratio Studiorum. La enseñanza de las matemáticas debe ser práctica y utilitaria, ya que esta área es apropiada para desarrollar el razonamiento, la autonomía y la razón.

PALABRAS CLAVE: Historia de la Educación; Jesuitas; Matemáticas; Educación Secundaria; Método de Enseñanza Intuitivo

ABSTRACT

The study addresses the article The Mathematics in the Gymnasial course, published in 1906, in the annual report of the Gymnasium Nossa Senhora da Conceição in São Leopoldo/RS. As the theme is inserted in the History of Mathematical Education, this qualitative and documentary study is supported by historical research. The article deals of the Mathematics in Brazilian secondary school, at the beginning of the 20th century, from the look of Jesuit Pedro Browe. He considers that the Brazilian secondary school program is presented in a theoretical way, has not space for practical applications. The contents are worked in just four years, less time than European countries. Standing out in the fields of arithmetic and algebra, he defends the intuitive method in secondary school in mathematics in Brazil, influenced by the German gymnasium and based on the Ratio Studiorum. The teaching of mathematics should be practical and utilitarian, as this area is appropriate to develop reasoning, autonomy and reason.

KEYWORDS: History of Education; Jesuits; Mathematics; Secondary School; Intuitive Teaching Method

Introdução

Este estudo tem o propósito de abordar o artigo A Mathemática no curso Gymnasial, publicado no ano de 1906, no relatório anual do Ginásio Nossa Senhora da Conceição, de São Leopoldo, Rio Grande do Sul (RS). O artigo discute a presença da Matemática no ensino secundário brasileiro, no alvorecer do século XX, e foi escrito por Pedro Browe S.J.4, lente em Matemática5 do Ginásio Conceição.

Os trabalhos desenvolvidos por Browe se voltaram aos campos da aritmética e da álgebra, defendendo a ideia de um ensino completo, relacionando a teoria com situações práticas, além de evidenciar a aplicação desses conteúdos. Esse desejo do autor, segundo Leite (2014), revela a forte tendência em relação ao ensino intuitivo vigente nesse período, pois os jesuítas do Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em sua maioria de origem germânica, utilizavam como referências, além da Ratio Studiorum6, o ginásio alemão e suas tendências pedagógicas.

Neste estudo, não se pretende evidenciar contradições e críticas em relação ao ensino ginasial brasileiro no período analisado. O que se evidencia é a forte tendência de Browe em empregar o método intuitivo7, por meio de um ensino prático e contextualizado, valorizando o tempo e o contexto dos alunos, ou seja, o ensino guiado pela prática e não, exclusivamente, pelo processo de repetição, centrado na figura do professor.

Como a temática investigada se insere na História da Educação Matemática no RS, busca-se na pesquisa histórica, o suporte para discussão. Para investigar o material analisado, foram realizadas visitas ao Instituto Anchietano de Pesquisa, localizado na UNISINOS, em São Leopoldo/RS, onde se encontram os relatórios anuais do Ginásio Conceição. Dentre esses relatórios, destaca-se o do ano de 1906, que traz a principal fonte deste estudo. Assim, além do referencial teórico-metodológico, neste artigo se apresentam uma breve história do Ginásio Nossa Senhora da Conceição, a biografia do jesuíta Pedro Browe e a análise de seu artigo sobre a Matemática no curso ginasial brasileiro.

O referencial teórico-metodológico

Conforme Prost (2008), os fatos históricos são constituídos a partir de traços deixados no presente pelo passado. Assim, o trabalho do historiador consiste em efetuar um trabalho sobre esses traços para construir os fatos. Desse modo, um fato não é outra coisa que o resultado de uma elaboração, de um raciocínio, a partir das marcas do passado. O autor considera o trajeto da produção histórica como a formulação de questões históricas legítimas, um trabalho com os documentos e a construção de um discurso que seja aceito pela comunidade.

Certeau (1982) define o fazer história, no sentido de pensar a história como uma produção. Para o autor, a história, como uma produção escrita, tem a tripla tarefa de convocar o passado que já não está em um discurso presente, mostrar as competências do historiador, dono das fontes e convencer o leitor. Dessa forma, a prática histórica é prática científica enquanto a mesma inclui a construção de objetos de pesquisa, o uso de uma operação específica de trabalho e um processo de validação dos resultados obtidos, por uma comunidade.

O trabalho do historiador, de acordo com Certeau (1982), não se limita a produzir documentos, textos em uma nova linguagem. Isso ocorre porque no seu fazer pesquisa há um diálogo constante do presente com o passado, e o produto desse diálogo consiste na transformação de objetos naturais em cultura. No estudo de documentos, Cellard (2008), destaca que:

[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador. Ele é, evidentemente, insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito frequentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado recente. (CELLARD, 2008, p. 295).

Conforme Valente (2007), há uma infinidade de materiais que, junto com os livros didáticos, podem permitir compor um quadro da Educação Matemática de outros tempos. Para o autor, realizar o estudo histórico da Matemática escolar exige que se devam considerar os produtos dessa cultura do ensino de Matemática, que deixaram traços que permitem o seu estudo, como o artigo do jesuíta Browe sobre a Matemática no curso ginasial brasileiro, principal fonte documental desta investigação.

O Ginásio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo/RS

A presença dos jesuítas no estado gaúcho acontece em três momentos. Nos dois primeiros momentos (1626-1641 e 1682-1767), sua presença ocorreu junto aos índios8 Guaranis, nas chamadas reduções jesuíticas9. Suas ações foram significativas para a história do RS, destacando-se a introdução do gado, a fundação de cidades, além de um notável empreendimento, junto aos Guaranis, ensinando os benefícios de uma vida em sociedade e em família. Outro aspecto a ser destacado trata-se dos legados artísticos e culturais marcados por suas construções e obras. Isso se verificou até a expulsão dos jesuítas desse território e de seus domínios, dizimando a etnia Guarani (BRITTO, BAYER e KUHN, 2020).

O retorno dos jesuítas ao RS, em 1842, constituiu-se o terceiro momento. Destacou-se pela ação missionária e ensino, inicialmente, junto às colônias de imigrantes alemães. Aos poucos, os padres foram se aliando aos colonos e com os professores paroquiais, prestando assistência espiritual e melhorias do ensino nas escolas e na formação dos professores. Conforme Britto (2016), os jesuítas pouco atuaram como professores, mas auxiliavam no planejamento e na execução de aulas com encontros de formação, além da criação de uma escola normal, visando formar e qualificar os futuros professores. Segundo Rambo (1994), as escolas paroquiais estiveram sob o comando da Ordem por, aproximadamente, 70 anos, contribuindo para melhoria da qualidade do ensino nas colônias de imigrantes.

Em 1869, segundo Bohnen e Ullmann (1989), os jesuítas criaram, em São Leopoldo, uma escola secundária, objetivando formar padres e professores para o ensino nas escolas paroquiais católicas das colônias alemãs. Segundo Leite (2005), o Ginásio Nossa Senhora da Conceição foi o grande gerador da formação dos jesuítas no sul do Brasil, com professores extremamente qualificados. “Essa escola tornou-se, por um longo período, no final do século XIX e início do século XX, o grande precursor da pedagogia jesuítica no sul do Brasil” (BRITTO, 2016, p. 123). Além disso, conforme Leite (2005), devido ao Kulturkampf10, de Bismarck, os religiosos alemães, estudantes e padres foram enviados ao Brasil, especificamente ao RS, em São Leopoldo, numa época em que o ensino superior não estava estabelecido no país, na área de Educação, transformando-se em fontes de aprendizado.

O programa pedagógico dessa escola priorizava a tendência para uma educação religiosa e cristã, sendo que, tanto na ordem doméstica, como na prática do colégio, mostrava-se isso em toda parte. Além da formação religiosa, os alunos recebiam uma sólida instrução literária nos seus respectivos cursos, seguindo os princípios norteadores da Ratio Studiorum dos jesuítas. Nos primeiros anos, o programa de ensino no Conceição era o mesmo utilizado no colégio Stella Matutina, de Feldkirch (Áustria), escola-modelo da Ordem em nível secundário. “Ele foi adotado desde a criação do Conceição até o decênio de 1890, quando o colégio introduziu todo o programa do Ginásio Nacional Dom Pedro II” (RABUSKE, 1988, p. 123).

Desde o ano de 1896, o Colégio buscou, junto ao Governo Federal, a equiparação ao Ginásio Nacional Dom Pedro II. No ano de 1900, esse objetivo foi alcançado. Com a equiparação, o Ginásio Nossa Senhora da Conceição obteve não apenas o direito de efetuar os exames parcelados11, como ainda o de conferir o grau de bacharel a seus alunos.

Com a promulgação da Lei Rivadávia Corrêa12, no ano de 1911, todas as equiparações ao Ginásio Nacional Dom Pedro II foram anuladas ou extintas. Com isso, o Ginásio perdeu esse status. “Desencantados com o ato governamental, que lhes retirou o reconhecimento oficial, os padres jesuítas resolveram fechar o Conceição, para, em 1913, convertê-lo em seminário provincial” (BRITTO, 2016, p. 152).

Na época, em Porto Alegre havia mais alemães do que em São Leopoldo. A grande referência do RS era a capital, onde havia um colégio dos jesuítas, o Ginásio Anchieta, que funcionava, inicialmente, como externato do Conceição. Também se observou em pesquisas, junto aos relatórios anuais do Conceição, que mais de 50% dos alunos que estudavam nos últimos anos no Ginásio, residiam em Porto Alegre, justificando-se a concentração das atividades, em nível secundário, na capital gaúcha. Uma das principais áreas de atuação da Ordem dos jesuítas, apontadas por Leite (2014), constitui-se nas destacadas atuações no campo das ciências experimentais, além do ensino de Matemática.

Os jesuítas do século XIX, como homens do seu tempo, eram extremamente sensíveis ao desenvolvimento das ciências. Conheciam os desafios que a pesquisa científica lançava contra tradicionais doutrinas, exigindo respostas adequadas e convincentes até mesmo dos filósofos mais refratários. A evolução da Matemática, Física, Química, Biologia, Astronomia, [...] exigia profundos conhecimentos científicos. Por essa razão, na formação dos jesuítas, dava-se muita ênfase ao estudo das questões científicas relacionadas com a Filosofia. (LEITE, 2005, p. 110-111).

Segundo Romeiras (2015), a Ordem dos jesuítas sempre foi contestada, por omissão em relação ao ensino das ciências. Para o autor, estudos vêm confirmando que a Ordem desempenhou e, ainda, desempenha um papel relevante na promoção de atividades científicas em todos os locais onde se fazia e faz presente com suas escolas. Esse fato ficou evidenciado no Ginásio Conceição, em que renomados cientistas se fizeram presentes ao longo de sua existência e com destacadas contribuições.

Esse fato também é observado nos relatórios anuais do Ginásio, de 1900 a 1912. Segundo Leite (2005), os relatórios dos estabelecimentos de ensino dos jesuítas no sul do Brasil abrigavam, em suas primeiras páginas, preciosos estudos, elaborados por destacados articulistas, sobre os mais variados temas das ciências e das letras de sua época. Esses relatórios estão divididos em dois capítulos. O primeiro, elaborado por padres do Ginásio e abordando os temas anteriormente mencionados. Já a segunda parte trata dos assuntos referentes ao ensino e aos alunos. No Quadro 1 são relatados os artigos presentes no primeiro capítulo dos relatórios anuais do Conceição:

QUADRO 1: Artigos no 1º capítulo dos relatórios anuais do Conceição. 

Ano Título do artigo Autor
1904 Os fungos brasileiros. João Evangelista Rick S.J.
1905 O elemento trágico no episódio de Ignes de Castro. Pedro Schneider S.J.
1906 A Matemática no curso ginasial. Pedro Browe S.J.
1907 Estudo crítico e cálculo perimétrico das áreas do Brasil e seus estados. Agostinho Padtberg S.J.
1908 Os criptógamos rio-grandenses em face do evolucionismo. P. F. Thisen S.J.
1909 As principais representações cartográficas da costa brasileira nos primeiros três lustros após a descoberta. João Batista Hafkemeyer S.J.
1910 A costa do Brasil austral na cartografia dos séculos XVI e XVIII. João Batista Hafkemeyer S.J.
1911 Evolução e Constância. João Evangelista Rick S.J.
1912 A Origem da Vida. Godolfredo Schrader S.J.

Fonte: Dos autores.

O Quadro 1 revela a efetiva relação dos jesuítas com as ciências, em seus diferentes campos, observados nos artigos dos relatórios anuais do Ginásio Nossa Senhora da Conceição. Schmitz (2012) avalia que:

Esses temas são pertinentes e os jesuítas são autoridades no campo das ciências e da Matemática. Nós temos matemáticos bons, astrônomos e muitos renomados cientistas. Têm os missionários que vão para as áreas novas e estabelecem os graus em que se encontram tal rio, Geografia. O calendário não estava estabelecido e tinham muitos povos que não tinham calendário fixo, não sabiam como organizar os dias do ano e a rotina anual, então aí entra a Astronomia. Não era só contemplar as estrelas, eram coisas bem pragmáticas, ou seja, como eu posso calcular e organizar o ano em termos de calendário. Então, quando se fala que os jesuítas detinham o conhecimento é porque pesquisavam, produziam coisas novas. (SCHMITZ, 2012, informação verbal).

Para Rodrigues (2014), os jesuítas tinham uma profunda formação, não raro, com três ou quatro cursos superiores. Devido a sua cultura, destacaram-se em diferentes áreas das ciências. No campo da Matemática, faz-se referência aos trabalhos desenvolvidos por Pedro Browe S.J. e suas contribuições para o ensino de Matemática no sul do Brasil.

A biografia do jesuíta Pedro Browe

Segundo Spohr (2011), Browe nasceu em Salzburg, Áustria, em 1876. Ingressou na Companhia de Jesus no ano de 1895. Estudou Retórica em Exaten, Holanda, de 1897 a 1898. Estudou Filosofia no Colégio Santo Inácio em Valkenburg, de 1899 a 1901. No final do ano de 1901, concluiu o curso de Filosofia e embarcou para o Brasil e, de 1902 a 1906, esteve no Ginásio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, onde se dedicou ao magistério e foi autor de livros de Matemática. No final de 1906 retorna à Europa, para cursar Teologia, formando-se padre, no ano de 1912, e não mais voltando ao Brasil.

No período em que esteve no Brasil, segundo os catálogos dos jesuítas, foi professor de várias disciplinas, dentre elas, Matemática nos quatro anos do ginásio. Também exerceu apostolado intelectual como escritor, bibliotecário e examinador de livros de jesuítas destinados à publicação. Como autor de livros didáticos, Leite (2005, p. 113) afirma que “Browe foi um pioneiro da Matemática no RS, publicando obras didáticas de destaque.” Dentre as quais estão o Ensino de Aritmética: Parte Prática (uma coleção com 700 exercícios progressivos, editado pela Livraria Americana, Pintos & Comp.ª, de Pelotas/RS, no ano de 1903, com 153 páginas) e o Curso Teórico e Prático de Álgebra Elementar, editado pela Livraria Selbach, de Porto Alegre/RS, no ano de 1902, com 252 páginas.

Browe foi precursor em nosso estado do trabalho sobre Didática da Matemática, pela publicação de A Matemática no Curso Ginasial no Relatório do Ginásio Nª Sª da Conceição de São Leopoldo, em 1906. Ressaltamos que o mesmo se não é o primeiro, é dos primeiros estudos realizados no Rio Grande do Sul sobre o ensino da Matemática no curso secundário, à época curso ginasial, com acréscimo de programas de outros países. (LEITE, 2005, p. 113).

Browe exerceu a função de professor e autor de livros de Matemática somente no período em que esteve no Conceição. Na época, a escolha pela disciplina a ser lecionada era pelo gosto e pela inclinação, pois não havia uma formação específica. Porém, no curso de Filosofia havia o estudo de questões conexas com as Ciências Exatas e Naturais. “Na Europa, mudou completamente seu campo de atuação docente. Da exatidão, objetividade e frieza da Matemática, transferiu-se para a complexa realidade existencial da Teologia Moral e Pastoral, disciplina que, durante vários anos, centralizou suas atenções” (LEITE, 2005, p. 112). Esse fato, segundo Leite (2014), era comum entre os jesuítas em formação que, após cursarem Teologia e ordenados padres, declinavam para outras áreas de atuação, diferentes daquelas que exerceram no período de magistério13. Browe faleceu em Baden-Baden, Alemanha, no ano de 1949.

Análise do artigo A Mathemática no Curso Gymnasial do jesuíta Pedro Browe S.J.

No ano de 1906, aparece nas páginas iniciais do relatório do Ginásio Conceição (1º capítulo), o artigo que trata do ensino de Matemática no curso ginasial no Brasil, escrito por Pedro Browe S.J. Nesse artigo, o autor faz referência aos objetivos do ensino de Matemática e suas contribuições, apresentando essa área do conhecimento como bastante apropriada para desenvolver, nos discípulos14, o raciocínio, a autonomia e a razão.

O fim próximo que visa o ensino da mathemática, como parte do curso gymnasial é subministar ao discípulo aquelle conhecimento da matéria que é indispensável ao homem bem preparado. Com este fim tem relação mais directa o que se ensina. E como, porém, visará alvo mais elevado, uma como formação e educação das faculdades, da intelligencia não menos que da vontade. Não ser o programma official alheio a estas vistas ideas manifesta-o claramente, chamando o ensino mathematico um poderoso meio de cultura mental tendente a desenvolver a faculdade do raciocínio. Que tão alto fim possa ser atingido, ahi está a prática de todos os dias a confirmal-o15. (BROWE, 1906, p. 7).

Portanto, segundo o autor, a Matemática visa desenvolver o raciocínio. Daí a importância da prática diária de Matemática:

A applicação continua de theoria à solução individual de problemas práticos, acabará por desenvolver certa autonomia espiritual que, não contente com a reproducção fiel do arrazoado alheio, fa-lo-á passar por um exame crítico, substituindo-o quiçá por outro mais fundamentado. A constância e energia do esforço que tão methodo impõe à vontade juvenil, não pode deixar de educar e robustecer nella a ação perseverante e conscienciosa. Resumindo o que acabamos de esboçar afigura-se-nos como objectivo do ensino mathematico:

a) A reflexão logicamente correta e nítida.

b) A autonomia do trabalho mental. (BROWE, 1906, p.7-8).

Observa-se que Browe defende a ideia da relação contínua da teoria com problemas práticos, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia do educando. Dessa forma, evitar-se-ia a simples reprodução mecânica, contemplando o exercício de uma criticidade e fundamentação da teoria aplicada. O autor ainda aponta possibilidades para atingir esses objetivos, bem como, dificuldades a serem superadas.

No tirocínio da reflexão lógica, não bastará que o alumno a veja concretizada em teoremas particulares. Impõe-se com imperiosa necessidade que partes coherentes não andem distanciadas, destruindo uma unidade, quase que organica. Exemplifiquemos. Achamos bastante contraproducente para a boa comprehensão separar as três operações superiores de potência, de raiz e logaritmos, dividindo-as por quatro cursos consecutivos. Sendo nellas o nexo palpável, cumpra dal-as desde já em sua integra ou assignar pelo menos ao último anno uma recapitulação geral, frisando-lhes a mutua cohesão. (BROWE, 1906, p. 9).

Portanto, visando a boa compreensão dos conteúdos, a ideia é não dividir as três operações de potência, de raiz e logaritmos. Browe também aborda a importância de avaliar o grau de maturidade dos discípulos a fim de atingir esse amadurecimento intelectual do ensino de Matemática:

Nem tudo pode ser provado por processos de raciocínio e, si possível fosse, não condiziam com o desenvolvimento dum aluno do 2º ou 3º ano. Há mais uma via para a plena convicção: a evidencia da intuição experimental. E sendo esta a fonte primária de nossos conceitos sobre a quantidade e extensão, é altamente physicologico evidenciar deste modo os problemas fundamentaes da Geometria, porque as provas, por demasiadamente philosophicas, passariam despercebidas a maioria dos alumnos infantis, visto suppor a comprehensão dellas uma madureza intellectual que no ensino mathemático, quando muito, será o fructo derradeiro a quem se aspira, de modo algum, porém, o fundamento sobre o que se edifica. Proceder de outro modo seria erro pedagógico imperdoável que supplantaria, fatalmente pela acção da memória, o exercício intellectual que se deve ter em mira. (BROWE, 1906, p. 9).

Assim sendo, exige-se, a fim de contribuir com a formação matemática do aluno, uma orientação pedagógica que, devido à necessidade de cumprir o programa oficial, muitas vezes, não era respeitada, vencendo-se etapas sem a compreensão dos conteúdos matemáticos.

Objetar-me-ão que a intuição e memória sensitiva são nesta idade faculdades mestras que de preferência devem ser desenvolvidas. Mas haverá outra consequência a tirar se não a que o ensino mathemático, para esta idade, devera circunscrever-se ao ensino pratico e áquella theoria que lhe serve de base immediata? O raciocínio mais aprofundado - exige-o a boa orientação pedagógica - deve ser adiado para os cursos em que os comporte e reclame o desenvolvimento intellectual dos alumnos. Infelizmente, não commungou nestas ideas o programa official, condensando o ensino mathemático nos quatro anos inferiores e delle isentando por completo os dous últimos. (BROWE, 1906, p. 9).

Observa-se uma inquietude do autor em relação ao ensino de Matemática ministrado pelo programa oficial, pois de acordo com Browe, aos alunos dos primeiros anos do curso secundário, caberia um ensino mais prático, uma vez que esses necessitam de atividades concretas e contextualizadas. Aqui se pode observar a tendência do autor para o método de ensino intuitivo. Segundo Remer e Stentzler (2009), a intuição, destacada por Browe, é um importante fundamento de todo o conhecimento, isto é, a compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação.

Já aos alunos dos últimos anos do curso secundário seria possível uma exigência mais aprofundada dos conteúdos, visto que eles já apresentam um conhecimento intelectual mais desenvolvido. Nesse caso, apresentam condições favoráveis à compreensão e ao entendimento matemático de teoremas com maior grau de dificuldade, devido às concepções matemáticas consolidadas, dada a trajetória escolar do aluno. Browe esclarece que:

Em todo o caso, o ensino mathematico exige do mestre enérgico o rijo labutar. Pois o discípulo admitte facilmente o que ouve explicar e, com pouco esforço, delle se obtem que o decore. O mestre põe-se a insistir na apropriação intellectual. A substituição, p. ex. das lettras e figuras poderá contar com a antipathia inffalivel do discípulo; os amiundados porques e para ques do professor, sondando-lhe a profundeza da comprehensão, parecer-lhe-ão trabalho mais escusado. Urge contudo arrancar-lhe o habito de pacividade receptiva, reforçando o trabalho individual e independente. Effectuou uma operação - dirá por que o fez deste e não de outro modo, terá que apontar o fim que teve em vista e o fundamento que lhe serviu de apoio. Assim é que o alumno irá apprendendo não tanto como se demonstra este ou aquelle theorema, mas o que seja demonstar. (BROWE, 1906, p. 10).

Nota-se que o autor defende a ideia de que o ensino não pode ser limitado apenas à reprodução mecânica dos conteúdos. É importante que o aluno demonstre o que entendeu e como chegou a tal resultado. Esse sucesso matemático é alcançado a partir de um esforço individual e independente, não, simplesmente, reproduzindo a demonstração de tal teorema, mas compreendendo as diferentes etapas do processo. Ainda, segundo o autor:

Aceresce que a emancipação constante das palavras do livro e do mestre, a concisão em responder às perguntas que lhe cortarem o fio da exposição, formam não despiciendo subsidio para a aprendizagem da língua materna. No campo da phychologia escolar, o methodo exposto costuma despertar vivíssimo interesse, que não hesito chamar a mola mais enérgica da actividade juvenil. Saberá, pois, o professor dar preferência, áquellas subdivisões da matéria que mais pareçam convidar o alumno a procurar por si a trilha que o leve a meta desejada. É escusado dizer que os ensejos serão mais freqüentes no campo da aplicação pratica do que no da theoria. Por extremamente fatigante, é perniciosa ao interesse uma interminável enfiada de theoremas cuja serventia prática ignora o alumno. (BROWE, 1906, p. 10-11).

Cabe ao professor, ao ministrar os conteúdos, dar ênfase aqueles que conduzem o aluno a encontrar os seus resultados, tornando-o autor das metas, ou seja, produtor do seu conhecimento, de forma autônoma. Para Browe (1906), aplicações práticas e diárias facilitam a compreensão e o entendimento, possibilitando que o aluno alcance as metas estabelecidas, ou seja, a metodologia utilizada pelo professor contribui para despertar e aguçar o desejo de alcançar o conhecimento matemático.

Mostre-lhe o mestre como se há de avaliar com o auxilio dellas a altura duma arvore no pateo. A elevação duma montanha vizinha, e redobrar-se-á, na alma juvenil, o gosto pelo trabalho mental. Será, portanto, inepto differir as applicações praticas até a conclusão da theoria: muito pelo contrário, cada formula devera ser seguida de exercícios e, si mais não for, de equações apropriadas. (BROWE, 1906, p. 11).

Para o autor, as aplicações práticas, privilegiando exemplos, como a altura de uma árvore e a elevação de uma montanha, sensibilizarão e motivarão o aluno para o exercício mental. Dessa forma, dar-se-ia a fixação dos conteúdos trabalhados. Aqui se verificam indícios da tendência de Browe para o emprego do método intuitivo, em que a escola deveria ensinar coisas vinculadas à vida, iniciando do concreto e ascendendo à abstração (COSTA, 2014). Ainda de acordo com Browe (1906), o teorema de Pitágoras atingirá a sua compreensão quando associado a exemplos práticos.

Conforme Browe (1906, p. 11), “eis ahi a theoria fiscalisada pela pratica. Elimine-se, portanto, quando não admittir applicação pratica, quer por sua natureza, quer pela pouca idade do alumno.” Isso significa que, caso o conteúdo não envolva uma aplicação prática, seu ensino não terá significado e, portanto, poderá ser eliminado ou trabalhado em outro momento com o aluno, quando esse tiver maior capacidade de abstração.

Um exemplo destacado trata-se do ensino de trigonometria. Segundo o autor, esse conteúdo matemático é centrado, inicialmente, em definições e fórmulas, o que pode tornar o aluno apático e sem interesses pelo assunto a ser desenvolvido. Propõe um ensino voltado a exemplos práticos e contextualizado, pois com situações práticas o aluno compreenderá a teoria.

Para dar conta disso, segundo Browe (1906), a teoria deve ser restrita, mas carregada de aplicações. Atendendo ao lado prático, torna-se o ensino utilitário e prazeroso, através de exercícios de aplicação de forma graduada, pontuando aspectos da vida comum. Para o referido autor, o programa de ensino se apresenta de forma teórica, não havendo espaço para as aplicações práticas. Com relação aos conteúdos trabalhados nos quatro anos de ginásio, segue o relato do autor:

No meu entender há excesso de matéria escolar nos programmas em vigor: o curso gymnasial parece ter por único fim a sobrecarga intellectual do alumno e o desamor aos trabalhos da intelligencia. O resultado é aggravar a feição psychologica do nosso meio, isto é, accentuar as nossas tendências para a rhetorizagem e para a theoretica, avolumar essa classe singular de pedantocratas e phraseolatras que o ensino clássico tem creado, especialmente em nosso paiz (Brasil). (BROWE, 1906, p. 12).

O programa de Matemática oficial e vigente no Brasil apresentava um excesso de conteúdos, sem privilegiar um tempo maior para refletir acerca da sua real aplicabilidade, priorizando um conhecimento não alicerçado em situações completas e aplicáveis, alicerçado em exercícios de fixação e memorização. Segundo Saviani (1992), esse ensino se caracteriza como tradicional, intelectualista e enciclopédico, pois os conteúdos são trabalhados de forma separada das experiências dos alunos e da sua realidade. Evidencia Browe (1906) que nos programas de Matemática de outros países, a quantidade de horas e o número de anos destinados a desenvolver os conteúdos escolares são ministrados, aos discípulos, em maior número de anos.

Vale ressaltar que, na Prússia e na Suécia, isso se verificava em nove anos, conforme descrito no Quadro 2. Segundo Browe (1906), o que se exige no Brasil, nos quatro anos em que é oferecido o ensino de Matemática e em cada ano em particular, bem como o número de horas destinadas, não há no mundo civilizado exemplo semelhante. “Diante desse cenário brasileiro, é impossível encantar o aluno para o ensino da Matemática, visto que o número de horas destinadas aos alunos não permite aprofundar o conteúdo e muito menos cumprir o programa” (BROWE, 1906, p. 16).

QUADRO 2: Programas oficiais e divisão da matéria de Matemática nos diferentes anos ginasiais. 

PAIZ Nº de anos NUMERO DE HORAS SEMANAES
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano
Brazil 6 4 4 5 4 - -
Austria-Ungria 8 3 3 3 3 4 3 3 2
Belgica 7 3 3 3 3 8 3 3
Dimanarca 6 5 6 5 5 1 -
Hollanda 6 4 3 3 3 2 2
Italia 8 2 2 2 2 2 3 3 3
Portugal 7 4 4 4 4 4 4 4
Prussia 9 4 4 4 3 3 4 4 4 4
Russia 8 4 4 3 4 4 4 3 3
Suecia 9 4 5 5 5 4 3 3 3 3

Fonte: Browe, 1906, p. 16.

Como se vê, através do Quadro 2, que se estende o ensino matemático por um maior número de anos, na maioria dos países. Esse tempo maior para trabalhar os conteúdos, certamente, iria contribuir para o desenvolvimento do conhecimento matemático, respeitando o desenvolvimento intelectual dos alunos e oportunizando uma maior ênfase entre a teoria e a prática.

Corroborando com as constatações de Browe, Leite (2014) destaca que em sua terra natal, Alemanha, os alunos secundaristas tinham o dobro das aulas dos secundaristas brasileiros. Portanto, segundo Browe (1906), o conteúdo é mais restrito, em cada ano, nos demais países em relação ao que se deve cumprir em apenas quatro anos, como se verifica no programa oficial brasileiro.

Outro aspecto a ser destacado trata-se da separação do ensino de aritmética e de álgebra, que se verificava em alguns países. Nesses, alguns conteúdos são trabalhados em anos posteriores, quando o desenvolvimento intelectual dos alunos já está mais amadurecido. Já em relação à geometria e trigonometria, o autor faz referência especificamente ao tempo. Para Browe (1906), um único ano seria insuficiente para tratar desse assunto, visto que há muitos pontos a serem tratados. O curto espaço de tempo não permitiria se aprofundar devidamente, como relatado a seguir:

O nosso programma de geometria e trigonometria segue uma orientação inspirada por sã e illustrada pedagogia, devendo-se a sobrecarga tão sómente à escassez do tempo. Pois dar um único anno cabal desempenho a toda a geomentria plana e no espaço, achamos impossível. Attribuir a geometria no espaço ao 4º anno adiava a difficuldade, em logar de resolvel-a. O único alvitre acceitavel seria transferir o exame final do 4º para o 3º anno, assignando-lhe a geometria no espaço e os pontos sobre as secções cônicas. A mecânica e astronomia, formando até agora a tarefa do 5º anno, incorporavam-se à physica e a geometria no espaço, pois a theoria completa exigida pelo programma, é de toda alheia ao caráter do ensino secundário. (BROWE, 1906, p. 18).

No final do artigo, Browe traz um esboço do programa de Matemática no ensino secundário brasileiro, conforme descrito no Quadro 3:

QUADRO 3: Programa de Matemática no ensino secundário brasileiro. 

1º ANO (5 horas)
1 - Repetição das operações sobre números inteiros.
2 - Divisibilidade dos números.
3 - Maior divisor commum e menor múltiplo commum.
4 - Fracções ordinárias e decimaes.
5 - Systema métrico. Systema antigo.
6 - Números complexos.
7 - Regra de três simples.
2º ANO (4 horas)
ARITHMETICA ÁLGEBRA
1 - Repetição das fracções e do systema métrico.
2 - Fracções periódicas.
3 - Regra de três simples e composta.
4 - Regra de porcentagem.
5 - Regra de juros. Descontos.
6 - Regra conjuncta e de cambio.
7 - Regra de mistura e de liga.
1 - As 4 operações sobre expressões inteiras. As leis fundamentaes do calculo das potencias.
2 - Fracções algébricas.
3 - Equações do 1º gráo de uma incógnita. Problemas.
4 - Equações do 1º gráo de duas e três incógnitas. Problemas.
3º ANO (5 horas)
ALGEBRA 1 - Repetição da matéria do anno passado, principalmente das fracções algébricas e das equações de uma incógnita.
2 - Generalização e discussão de problemas.
3 - Calculo das potências. Potencias cujo expoente é nullo, negativo, infinito.
4 - Calculo dos radicaes. Potencias cujo expoente é fraccionário. Extracção da raiz quadrada de números e expressões algébricas.
5 - Numeros irracionaes. Quantidades imaginarias e complexas.
6 - Equações exponenciaes e irrecionaes do 1º gráo.
7 - Calculo dos logharitmos. Systema de Brigss. (base 10)
8 - Equações logharitmicas do 1º gráo.
9 - Proporções geométricas. Regra de companhia.
10 - Equações do 2º gráo de uma incógnita. Problemas.
11 - Propriedades das raízes. Discussão das raízes de x2 + bx + c = 0
GEOMETRIA PLANA 1 - Aos pontos do programma official accrescentam-se exercícios de construcção e problemas.
4º ANO (4 horas)
ÁLGEBRA 1 - Repetição da material do anno passado, principalmente dos logarithmos e das equações do 2º gráo.
2 - Equações esponenciaes, irracionaes e logarithmicas, reductiveis ao 2º gráo.
3 - Equações binomias e trinômias.
4 - Equações recíprocas.
5 - Equações simultâneas do 2º gráo, derivadas de problemas geométricos.
6 - Progressões arithmeticas e geométricas. Noções elementares sobre a convergência das series.
7 - Analyse indeterminada do 1º gráo. Problemas.
8 - Juros compostos. Annuidades.
9 - Arranjos, permutações, combinações.
10 - Binômio de Newton para expoentes inteiros e positivos.
TRIGONOMETRIA 1 - Aos pontos do programma official accrescentem-se equações goniométricas.
5º ANO (2 horas)
1 - Repetição da definição e principaes formulas trigonométricas.
2 - A geometria no espaço e as secções cônicas, segundo os pontos do programma official.
3 - Noções elementares de astronomia.

Fonte: Adapatado de Browe, 1906, p. 19-21.

Browe ainda apresenta exemplos de programas estrangeiros e distribuição das matérias de ensino, sendo possível verificar um maior número de anos reservados para o ensino de Matemática, em relação ao programa brasileiro. Dessa forma, diminui-se a tarefa de cada período letivo em particular. O autor enfatiza, ainda, que os estabelecimentos de ensino são semelhantes ao Ginásio Nacional, habilitados para quaisquer estudos superiores, sejam eles literários ou técnicos. No Quadro 4, ilustra-se o programa oficial em aritmética e álgebra da Áustria-Ungria:

QUADRO 4: Programa oficial da Austria-Ungria em aritmética e álgebra16

1º anno: Numeração. As 4 operações sobre números inteiros. Fracções decimaes e ordinárias. Systema métrico. Systema monetário nacional.
2º anno: Operações abbrevidas. Regra de três simples. Regra de porcentagem. Razões e proporções geométricas.
3º anno: Regra de três composta. Regra de juros. Regra de desconto. Regra de companhia. Regra de mistura.
4º anno: Noções preliminares de álgebra. As 4 operações sobre expressões inteiras. Quadrado e cubo de binômios. As 4 operações sobre fracções algébricas. Equações do 1º gráo a uma incógnita.
5º anno: Potências mais elevadas de binômios. (Triângulo de Pascal). Progressões arthméticas.Extracção de raíz quadrada. Resolução de equações do 2º gráo. Extracção de raíz cúbica. Cáculo dos radicaes. Equações do 1º gráo com duas incógnitas.
6º anno: Generalisação da potenciação (Expoentes negativos e sua applicação no systema decimal: expoentes fraccionarios). Calculo de logarithmos. Systema de Brigss.
7º anno: Theoria das equações do 2º gráo. Progressões geométricas illimitadas e applicação á conversão de fracções periódicas em ordinárias.
8º anno: Combinações. Determinação dos coefficientes binomiaes. Permutações. Exercicios de repetição sobre a matéria deste programma.

Fonte: Adaptado de Browe, 1906, p. 21-22.

O programa da Áustria-Ungria, apresentado no Quadro 4, distribui os conteúdos de aritmética e de álgebra ao longo de oito anos, quatro anos a mais do que o programa de Matemática no ensino ginasial brasileiro, possibilitando que menos conteúdos sejam trabalhados em cada período letivo. Além disso, conforme o Quadro 2, enquanto o curso ginasial brasileiro totalizava 17 períodos semanais de Matemática, o programa da Áustria-Ungria é organizado em 24 períodos semanais. Já no Quadro 5, apresenta-se o programa oficial de Matemática na Prússia:

QUADRO 5: Programa oficial de Matemática na Prússia. 

1º anno: Repetição das 4 operações sobre números inteiros, concretos e abstractos. Systema métrico. Systema de medida nacional.
2º anno: Divisibilidade dos números. Fracções ordinárias. Regra de três simples. Systema métrico.
3º anno: Fracções decimaes. Regra de três simples e composta. Regra de porcentagem. Regra de juros. Regra de mistura e liga (methodo de reducção à unidade). Theoremas sobre rectas, ângulos e triângulos. Exercicios de construcção.
4º anno: As 4 operações sobre expressões algébricas inteiras. Equações do 1º gráo de uma incógnita. Parallelogrammos. Círculo, 1ª parte. Exercicios de construcção.
5º anno: Fracções algébricas. Equações do 1º gráo de uma ou mais incógnitas. Potências com expoentes inteiros e positivos. Noções fundamentaes sobre raízes. Círculo, 2ª parte. Equivalência das figuras. Area dos polygonos. Razões e proporções geometrivas. Linhas proporcionaes. Semelhança.
6º anno: Resolução de equações quadradas de uma incógnita. Potências com expoentes negativos e fraccionarios. Theoremas sobre o calculo dos logarithmos. Logarithmos de Brigss. Area do circulo. Rectificação da circumferencia. Calculo de . Exercicios de construcção. Definições trigonométricas no triangulo rectangulo e isósceles. Superficie e volumos dos corpos simples.
7º anno: Potenciação, radiciação e cálculos dos logarithmos. Theoria das equações do 2º gráo. Equações do 2º gráo com mais de uma incógnita. Progressões arithméticas e geométricas. Fim da semelhança. Secção áurea. Generalisação das definições trigonométricas. Calculo de triângulos quaesquer. Calcule de quadrilátero e dos polygonos regulares.
8º anno: Juros compostos. Annuidades. Expressões imaginarias e complexas. Exercícios e problemas de repetição sobre a matéria deste programma. Fim da trigonometria (Seno, cosseno e tangente da somma e differença de dous arcos. Multiplicação e divisão dos arcos. Exercicios). Geometria no espaço. Applicação á geographia mathematica.
9º anno: Analyse combinatória. Binomio de Newton para expoentes inteiros e positivos. Fim da geometria no espaço. Noções fundamentaes das secções cônicas.

Fonte: Adaptado de Browe, 1906, p. 22-24.

O programa oficial de Matemática na Prússia, descrito no Quadro 5, está organizado em nove anos, cinco anos a mais do que o programa de Matemática no ensino ginasial brasileiro, possibilitando, também, que menos conteúdos sejam trabalhados por período letivo. Ainda conforme o Quadro 2, enquanto o curso ginasial brasileiro totaliza 17 períodos semanais de Matemática, o programa oficial da Prússia é organizado em 34 períodos semanais, exatamente o dobro da carga horária no Brasil.

Considerando-se os quadros 2 a 5 apresentados, pode-se dizer que os países estrangeiros apresentavam um programa de Matemática mais flexível, não sobrecarregando de conteúdos, nenhum dos anos letivos. Esse fato permitiria um tempo maior para apropriação dos conteúdos pelos alunos. Segundo Browe (1906), era importante a compreensão e o entendimento dos discípulos e não uma simples reprodução e demonstração de um teorema sem a sua devida compreensão.

Considerações finais

Este estudo se propôs a abordar o artigo A Mathemática no curso Gymnasial. Ao analisar os relatórios anuais (1900-1912) do Ginásio Nossa Senhora da Conceição, de São Leopoldo/RS, no ano de 1906, encontrou-se um artigo sobre a Matemática no curso ginasial brasileiro, escrito pelo jesuíta Browe, professor de Matemática no Conceição. Ressalta-se que os relatórios analisados evidenciam a Ordem dos jesuítas e suas relevantes contribuições na formação da sociedade gaúcha e brasileira, pautadas na Ratio Studiorum.

No artigo analisado, Browe indica o método intuitivo para o ensino secundário de Matemática no Brasil, influenciado pelo ginásio alemão e sua tendência pedagógica, e critica o programa governamental. Para o autor, o programa de ensino secundário brasileiro se apresentava de forma teórica, não havendo espaço para as aplicações práticas. Além disso, os conteúdos matemáticos eram trabalhados em apenas quatro anos, tempo inferior ao de países europeus, e a carga horária semanal de Matemática, no curso ginasial, totalizava 17 períodos, enquanto a carga horária média, nos países europeus, totalizava 26 períodos semanais. Considera que o ensino de Matemática deveria ser de modo prático e utilitário para os alunos, pois essa área do conhecimento era apropriada para desenvolver o raciocínio, a autonomia e a razão.

Como o estudo realizado traz reflexões sobre a Matemática no ensino secundário brasileiro, no início do século XX, contribui para a constituição da História da Educação Matemática. Ressalta-se que os autores deste trabalho não pretendem evidenciar contradições e críticas em relação ao ensino ginasial brasileiro no período analisado. Apenas destacar a forte tendência do jesuíta Pedro Browe em empregar o método intuitivo no ensino de Matemática, influenciado pela tendência pedagógica europeia.

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4S.J. é o distintivo da Ordem, Societas Jesus. Societas: significa que são Companhia de Jesus, nome da Ordem em Português. (LEITE, 2014, informação verbal).

5Denominação empregada para o professor catedrático, sendo a categoria mais elevada da carreira docente. Atribui-se o termo “lente” ao termo latino legente, que lê. (LEITE, 2014, informação verbal).

6Documento pedagógico e norteador de todas as suas ações dos jesuítas, promulgado por Cláudio Aquaviva, em 1599” (BRITTO, 2016, p. 20).

7Esse método de ensino surgiu na Alemanha no final do século XVIII e foi divulgado pelos discípulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, fez parte das propostas de reformulação da instrução pública no final do Império, sendo Rui Barbosa responsável por sistematizar os princípios do método intuitivo em seus pareceres e por traduzir o manual, Lições de Coisas, de Calkins. Para o educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), a formação do aluno se dá conforme sua personalidade, suas aptidões e iniciativas. Por isso, defende uma educação que cultive harmonicamente as diferentes faculdades humanas (o cérebro, o coração e as mãos) para transformação da sociedade. No método intuitivo, a escola deveria ensinar coisas vinculadas à vida, utilizar os objetos como suporte didático e os sentidos para produção de ideias, iniciando do concreto e ascendendo à abstração (COSTA, 2014).

8Nome atribuído a alguns nativos levados por Colombo à Portugal, que ele chamou de índios, pois ele considerava-os habitantes das Índias.

9A palavra “reduzir” era usada no sentido de purificar, limpar. Assim, o local onde ficavam os índios “reduzidos”, ou seja, limpos pelo batismo, era chamado de redução (BRITTO, BAYER e KUHN, 2020).

10Kulturkampf ou luta pela cultura foi um movimento anticlerical alemão do século XIX, iniciado por Otto von Bismarck, chanceler do Império alemão em 1872.

11Nesse período, para que o aluno ingressasse nas faculdades, era necessário realizar provas escritas e orais, denominadas exames parcelados. Cada instituição selecionava os conteúdos a serem estudados pelos candidatos, dentro do conjunto de disciplinas.

12Lei Orgânica Superior e do Ensino Fundamental da República. Decreto Nº 8.659 de 5 de abril de 1911. Lei Rivadávia Corrêa.

13“Fases da formação de um jesuíta: noviciado, juniorado, Filosofia, magistério e Teologia” (LEITE, 2005, p. 23).

14Denominação utilizada para os estudantes da época, ou seja, o indivíduo que recebe instrução ou formação de seus mestres.

15Nas citações de Browe se mantém a ortografia original.

16Este programa vem acompanhado de uma declaração minuciosa e cheia de avisos pedagógicos, estabelecendo o âmbito de cada ponto.

Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

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