INTRODUÇÃO
O ensino de Ciências, muitas vezes, apresenta características expositivas, com base na metodologia tradicional de transmissão de informação, abordagem descontextualizada e epistemologia positivista (Cachapuz, Praia & Jorge, 2004). Os estudantes são meros receptores passivos, com pouca interação, pouca comunicação e são escassos na colaboração no processo de aprendizagem. Esse modelo em que o conhecimento é considerado como um conjunto de informações e fatos que são transferidos, como um ato de “depósito”, em um sentido unidirecional, ou seja, do professor para o estudante (Freire, 2011), se prevalece no ensino presencial (Cachapuz, Praia & Jorge, 2004) como no ensino virtual com práticas da EAD tradicionais de pedagogias da transmissão (Santos, 2009). Silva (2005) destaca que, na concepção da educação bancária, o educador sempre exerce um papel ativo e o educando uma recepção passiva, não havendo espaço para o diálogo. Para contrapor esse paradigma, a Educação “Problematizadora” (Freire, 2011; Delizoicov, Angotti& Pernambuco, 2011) surge como uma metodologia de ensino que busca romper com o modelo da educação bancária e tem como perspectiva a construção do conhecimento de maneira conjunta entre educador e educando.
Autores como Gutierrez & Prieto (1994) e Santos, Carvalho & Pimentel (2016), destacam a importância da mediação pedagógica da informação, tendo em vista a pedagogia do diálogo, na constante interlocução com o sujeito da aprendizagem. Para esses autores, a incorporação e uso de tecnologias em Educação a Distância (EAD), com o intuito à construção coletiva do conhecimento, deve ser realizada por meio de um processo conversacional, reflexivo e colaborativo, visando à aprendizagem significativa (Moreira, 2021). Portanto, para que ocorra a incorporação das tecnologias digitais para o processo de ensino e aprendizagem, mudanças na abordagem didático-pedagógica são necessárias. Para Pimentel (2020) essas mudanças surgem no contexto da Educação Online (EOL). Para o autor a EOL não é uma modalidade de ensino com a prevalência de conteúdos e abordagem massivo-instrucionista onde o aluno interage apenas com os conteúdos, frequentemente empregada na EAD, e, sim, uma abordagem didático-pedagógica em rede em que prevalecem a conversação, a dialogicidade, a interação, a colaboração e a autoria no processo de ensino e aprendizagem.
Na perspectiva de construção do conhecimento, com diálogo e interação, o processo de ensino e aprendizagem deve ocorrer em espaços educativos de ensino presencial e, também, nos espaços virtuais. Nos espaços virtuais, isso só é possível no contexto da EOL se as interações, diálogos e colaborações entre os interlocutores ocorrerem com a presença de recursos e interfaces destinados a essa finalidade. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) possuem características peculiares de interação e colaboração diferentes dos ambientes presenciais de ensino, uma vez que a comunicação seja quase sempre textual e assíncrona. As interfaces de interação como os fóruns, embora tenham potencial para promover interatividade e colaboração, vêm sendo utilizadas mais com a finalidade de coletar respostas a questionário aberto, não permitindo discussões mais aprofundadas e reflexivas (Silva, Pimentel & Dias, 2015; Pimentel, 2015, 2018). Para Pimentel (2020), o uso dessas interfaces digitais na EAD segue, quase sempre, um modelo tradicional de ensino, cabendo ao professor criar situações conversacionais, lançando mão de diferentes interfaces de comunicação.
A potencialização das práticas comunicacionais interativas depende não somente das mudanças didático-pedagógicas propostas pela EOL, mas também da utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). De acordo com Moran (2003), todo o conjunto de ações de ensino e aprendizagem desenvolvido por meios telemáticos, como os AVA, são caracterizados como pertencentes a EOL. A educação online faz uso de AVA, que consiste, por definição, em plataformas digitais habitadas, utilizando-se do ciberespaço para veicular conteúdo, permitir interação, aprender um com o outro, construindo uma rede de aprendizagem em um ambiente aberto, plástico, fluido, atemporal e ininterrupto (Ribeiro, Carvalho & Santos, 2018). É muito comum os sujeitos atuantes nesse processo conversacional (professor/mediador e estudante) encontrarem-se separados geograficamente e/ou temporalmente. Como destaca Silva (2010), essas novas redes desconstroem a ideia estática de emissores (professores) e receptores (estudantes), sugerindo a formação de um grande grupo emissor-receptor capaz de reconstruir constantemente o conhecimento. Sem as TIC a comunicação entre os sujeitos, separados geograficamente, em um processo de ensino e aprendizagem, não seria possível.
Corrêa (2007) ressalta que, quando um recurso tecnológico é inserido, no campo da educação, obtém-se sua incorporação pelas práticas educativas, constituindo diferentes mediações pedagógicas em EAD. Entretanto, um dispositivo tecnológico, por si só, não garante a promoção de interação e a construção de conhecimento coletivo, visto que precisa ser integrada a uma metodologia própria e ao desenvolvimento de materiais diversos. Por essas razões, faz-se necessário a utilização de dispositivos (interfaces ou mídias) de comunicação onde os sujeitos estabelecem diálogos, estudante ßà professor ou estudante ßà estudante, garantindo a interação e a construção do conhecimento colaborativamente.
Considerando a importância da utilização de interfaces de interação para a promoção de diálogos entre os sujeitos envolvidos, em um processo de ensino e de aprendizagem, esse estudo visa investigar as conversações por meio da análise das interações estabelecidas entre os interlocutores de fóruns de discussão online, em um curso de formação continuada de professores.
INTERFACES DE INTERAÇÃO E COLABORAÇÃO POR TIC
As interfaces colaborativas são exemplos de espaços que permitem a criação dos gêneros digitais emergentes que surgem com o aparecimento da internet (Silva, 2020) e, principalmente, da web 2.0, permitindo o compartilhamento de informações e a comunicação, entre duas ou mais pessoas, de forma síncrona e assíncrona (Berto & Gonçalves, 2011). Segundo os autores, os gêneros discursivos digitais são “agrupamentos comunicacionais através dos quais os usuários da rede interagem entre si e promovem a transferência de conteúdos informativos, de forma escrita ou ágrafa, objetivando a manutenção dos laços sociais” (p. 104).
Primo (2011) traz uma discussão relevante sobre o que é interação, definindo-a como “ação entre” os participantes (p. 13). Entre vários aspectos tratados, o autor discute e analisa os meios de comunicação interpessoal e a interação mediada por computador. Quanto às interações mediadas por computadores, o autor discute a característica dialógica atribuída por autores como Thompson (1998) a algumas formas ou tipos de interação criadas pelos meios de comunicação. De acordo com Thompson (1998) apudPrimo (2011), o diálogo está presente tanto na interação face a face quanto na interação mediada por computador, sendo que nesta última, em função de uma interação dissociada do ambiente físico, estendendo-se no espaço e proporcionando uma ação a distância, há um estreitamento de “deixas simbólicas” que só seriam possíveis em um mesmo espaço físico. Primo (2011)avança em sua discussão sobre interação mediada por computador, em que apresenta uma orientação sistêmico-relacional onde a intenção não é mais discutir o que é e o que não é interação, mas o tipo de relacionamento que é mantido. Em seu texto o autor traz uma tipologia para o estudo da interação mediada por computador por meio da observação do relacionamento entre os interagentes. Dois tipos de interação são propostos: 1- Interação mútua e 2- Interação reativa. A interação mútua é caracterizada por relações interdependentes e processos de negociação, onde cada interagente participa da construção inventiva e cooperada do relacionamento, afetando-se mutuamente. A interação reativa é limitada por relações determinísticas de estímulo e resposta. Entre os exemplos de interações “mútua”, frequentemente presentes em AVAs, temos aquelas promovidas por meio de interfaces síncronas como os chats e as videoconferências e, também, as assíncronas como fóruns e correio eletrônico (Primo, 2011). Ambas podem promover formas de interação “mútua”, tanto entre os estudantes, quanto entre estudantes e professor. Enquanto a interação reativa se limita a apenas “tira-dúvidas de conteúdos” e avaliar atividades na forma de exame (Castro e Santos, 2010).
Além disso, a manutenção das interações promovidas por essas interfaces possibilita o compartilhamento de experiências/vivências e aquisição de novos significados e, consequentemente, a construção de novos conhecimentos. A escolha do termo “mútua”, utilizado na tipologia de interação sugere que há compartilhamento, modificações recíprocas, já que durante as interações um pode modificar o outro. Sendo assim, ocorre uma reconfiguração educacional por meio da ideia da árvore de conhecimento proposta por Lévy (1999), de comunicação bidirecional entre grupos e indivíduos que democratizam a informação e o conhecimento desnaturalizando as hierarquias de saberes.
A utilização de AVAs deve considerar esses novos elementos das TICs, e suas interfaces de interação e colaboração e da cibercultura, a fim de que ocorra a interação e o processo de ensino e aprendizagem. Assim, são necessárias novas bases epistemológicas, novas metodologias e novos ambientes interativos que levem em conta o processo de aprendizagem individual e coletivo, considerando as novas TICs e a cibercultura.
Nesse contexto, a interface de um fórum de discussão online apresenta uma função pedagógica, em que os estudantes e professores dialogam, de maneira significativa, compartilhando experiências. O fórum constitui uma interface de comunicação assíncrona muito utilizada em cursos de educação online, com objetivo de promover mais colaboração e interação entre os participantes/cursistas e mediadores, com atividades, temas e profundidade que podem variar de acordo com a proposta. Por ser assíncrona, a interação não é imediata e uma conversa iniciada em um fórum pode permanecer em aberto por um bom tempo, sendo possível seu acesso em outros momentos. Para Recuero (2008), meios de conversação assíncronas permitem que a conversação permaneça, mesmo na ausência dos interagentes. Uma das vantagens de sua utilização está na possibilidade de obtenção dos textos das discussões a qualquer momento e, por isso, são as interfaces mais utilizadas visando à construção do conhecimento de maneira colaborativa em cursos online. Entretanto, Recuero (2008)destaca que conversação assíncrona apresenta uma organização diferente daquela estabelecida em uma conversação síncrona: “[...] os atores envolvidos precisam de mais envolvimento para relacionar as mensagens com seus pares e compreender o sequenciamento das mesmas” (Recuero, 2008, p. 9). A autora ainda destaca que a organização dos turnos conversacionais ocorre de forma interrupta e descontínua, já que vários tópicos, e assuntos diversos, podem acontecer durante a conversação. Portanto, o papel do mediador é fundamental para organização dos turnos na conversação que naturalmente tendem a ser descontínua e disrupta.
Nessa perspectiva, os fóruns quando organizados com o objetivo de promover o diálogo, aliados a uma mediação equilibrada, estabelecida pelos mediadores/professores, permitem uma construção coletiva de conhecimento. A mediação realizada pelos sujeitos do ensino (professor/mediador) é considerada por Vieira (2006) e Santos, Carvalho & Pimentel (2016) como fundamental para que as conversações estabelecidas, durante a realização de um fórum, possam conduzir o estudante a um processo de aprendizagem. O autor também aponta que o nível de participação dos estudantes é determinado pela mediação e incentivo dos mediadores.
Com base nessas premissas, os fóruns podem causar interações conversacionais aprofundadas entre os interlocutores (cursista ßà cursista e cursista ßà mediador) bem próximo ao que é realizado em um ambiente presencial (Coelho & Malheiro, 2020) ou até mesmo mais aprofundadas, já que existe maior tempo para reflexão e pesquisa pelos participantes, por serem conversas assíncronas. Esses padrões de interação podem indicar a profundidade de discussão e revelar a dinâmica conversacional estabelecida nessas interfaces de interação. O estudo dos padrões de interação, em ambiente presencial de ensino, realizado por Mortimer e Scott (2011), permitiu entender essa relação direta do aprofundamento da interação com processos de intervenção realizado pelo mediador. Na EOL uma conversação com profundidade seria aquela que a partir da pergunta inicial, do mediador, os estudantes/cursistas podem dar continuidade ao discurso uns com os outros. De acordo com Santos, Carvalho & Oliveira (2016) para que ocorra uma boa mediação de conversação é necessário convidar todos os estudantes/cursistas para discussão; promover conversas autorais e contextualizadas com as experiências e o cotidiando dos estudantes/cursistas; promover a interação e o desdobramento da conversação entre os próprios cursistas a partir de suas narrativas; exercer uma mediação ativa; e intervir quando necessário, mas sem ser o centro da conversação.
Em recente trabalho, Medeiros, Pinto & Salvador (2020) constatou que a interface fórum em AVA possibilita uma abordagem pedagógica colaborativa e de acordo com a percepção dos professores cursistas, conforme os autores da pesquisa, a interface do fórum contribuiu, consideravelmente, para a interação entre os envolvidos.
Com base nesses pressupostos teóricos, buscou-se, na pesquisa, analisar as interações realizadas entre os professores cursistas em dois fóruns de discussão temáticos em um curso online, bem como o papel do mediador nessas interações.
Sendo assim, destacaram-se duas questões de investigação:
Quais são os padrões de interação, categorias de falas e profundidade das discussões em um curso online de formação continuada de professores de Biologia?
Qual é o impacto das ações de mediação nas interações e conversações realizadas em fóruns de discussão online temáticos de professores de Biologia?
METODOLOGIA
MÉTODO DE PESQUISA E CONTEXTO DO ESTUDO
A pesquisa é de caráter qualitativo e quantitativo e a metodologia utilizada baseou-se na análise da conversação mediada pelo computador (Recuero, 2008) em Ambiente Virtual de Aprendizagem, em um curso para formação de professores de Ciências e Biologia, no formato online.
A investigação partiu de uma análise da conversação (Recuero, 2012; Santos, Carvalho & Oliveira, 2016) feita em dois fóruns temáticos, presentes nas duas primeiras unidades do curso online “Transmissão da Vida”, oferecido pelo departamento de extensão da Fundação CECIERJ. Os dois fóruns foram escolhidos por serem os únicos do curso que tinham como foco a discussão de métodos/abordagens para o ensino de Biologia, espaço em que era esperado mais profundidade e maior qualidade de produção colaborativa de conhecimento entre os professores cursistas. O curso foi realizado por meio do AVA-plataforma Moodle, com interfaces para a realização das diferentes atividades. Dentre as interfaces, destacam-se os fóruns temáticos de discussão, que são considerados a principal forma de promover a interação entre os cursistas. Os fórum de discussão do curso tinham um acompanhamento didático realizado durante todo o período das discussão realizado pela figura do “Mediador”. Esse membro da equipe docente do curso era o responsável por iniciar a proposta do fórum, bem como estimular e direcionar as discussões durante o seu desenvolvimento, sem apresentar respostas prontas ou de certo/errado, porém estimulando a ativa participação dos professores cursistas na colaboração de ideias e de construção coletiva do conhecimento. Assim, tem-se a análise dos fóruns como o objeto de estudo da pesquisa, com foco no acompanhamento do padrão, o nível de interação e colaboração entre os cursistas e destes com o mediador do curso.
Convém enfatizar que o curso teve duração de 12 semanas com uma carga horária total de 30 horas, oferecendo conteúdos relacionados ao currículo escolar de Ciências e Biologia que são ministrados pelos professores aos estudantes do 1º ano do Ensino Médio. O curso é estruturado em cinco unidades: Unidade 1 - DNA: A molécula da Vida; Unidade 2 - Desafios aos ensinarmos Síntese Proteica; Unidade 3- Controle da Expressão Gênica; Unidade 4- Vida e Reprodução; Unidade 5 - Amarrando as ideias. Os dois fóruns temáticos de discussão analisados, contaram com uma participação média de 36 cursistas e tiveram uma duração aproximada de 13 dias cada um.
COLETA E ANÁLISE DE DADOS DA PESQUISA
As coletas de dados foram baseadas nas conversações estabelecidas entre os professores cursistas e, também, entre os cursistas e o mediador. Toda a análise, seja ela qualitativa ou quantitativa, foi realizada a partir dos textos registrados nos fóruns. O monitoramento quantitativo foi realizado com o objetivo de verificar o número total de postagens dos interlocutores (cursistas e mediador), assim como os padrões conversacionais identificados. O monitoramento qualitativo e a coleta das produções textuais visaram avaliar a relevância com o assunto proposto em cada fórum e as provocações e desdobramentos em futuras discussões e interações com os demais cursistas.
Outrossim, os momentos de interação dos cursistas com o mediador foram analisados com base em duas categorias de fala: afirmativas e questionamentos. O monitoramento da ação do mediador nas discussões teve como base suas intervenções, mediações, provocações, incentivos e produção de significados. As intervenções realizadas pelo mediador foram analisadas em blocos de discussão, assim como seus desdobramentos. Os blocos de discussão são marcados por intervenções realizadas pelo mediador ao longo do fórum e que estimulam novas situações conversacionais. A estrutura analítica que serviu como base para verificar as interações e a produção de significados, no AVA, seguiu o modelo de Mortimer & Scott (2002), com as contribuições e adaptações para mediação docente em ambientes online (Primo, 2011; Bruno, 2011; Silva,Pimentel & Dias,2015; Santos, Carvalho & Pimentel, 2016). Foram definidas três formas de análise da intervenção do mediador, durante os momentos de interação nos fóruns: tipos de intervenção (interativa; reativa; emissor), o foco/objetivos das interações e a ação do mediador (Quadro 1).
Observação: I: iniciação - momento disparador; R: resposta/afirmativas; A: avaliação/questionamento e F: Feedback estimulando a progressão da fala.
Fonte: Adaptada de Mortimer & Scott (2002) com contribuições de Primo (2011); Bruno (2011); Silva,Pimentel& Dias,(2015) e Santos, Carvalho & Pimentel(2016).
Além disso, foram utilizados cinco aspectos para analisar os fóruns: 1. Intenções do mediador; 2. Conteúdo; 3. Abordagem comunicativa; 4. Padrões de interação e profundidade de discussão; 5. Intervenções do mediador. Esses aspectos são inter-relacionados e focalizam o papel do mediador. Os aspectos citados foram agrupados em termos de focos do ensino, abordagem e ações conforme trabalho de Mortimer & Scott (2002) (Quadro 2). Os aspectos de análise propostos por estes autores mostrou-se uma ótima ferramenta para analisar as interações e a produção de significados, assim como, compreender o papel do mediador durante as mediações e análise das interações e turnos de fala.
Então, as análises realizadas nos dois fóruns se concentraram nos padrões de interação, profundidade de discussão e nas intervenções do mediador. Os padrões de interação (Quadro 3) e profundidade de discussão (Figura 1) foram analisados por meio da observação da troca dos turnos de fala entre os interlocutores (mediador e cursistas) durante os momentos de discussão nos fóruns. A figura 1 representa um exemplo de árvore de discussão com os padrões de interação e profundidades de discussão entre os participantes do fórum.
O quadro 3 apresenta os tipos de padrões de interação, sua relação com o nível de profundidade nos fóruns e as categorias de fala dos interlocutores. O padrão I-R representa pouca profundidade nas discussões, já que os cursistas se preocupam apenas em responder alguma questão disparadora, levantada no início da discussão do fórum. Já os padrões seguintes (nível 3, 4 ou 5) representam maiores momentos de interação, onde um dos interlocutores, que pode ser um outros cursista ou o próprio mediador, pode realizar algum questionamento de um comentário anterior (momentos de avaliação identificados com a letra A). O interlocutor pode também realizar um comentário complementar com o objetivo de obter esclarecimento, extensão de um conteúdo ou feedback, (momentos de resposta identificado pela letra F) ou um comentário trazendo um relato de experiência, uma contestação ou uma extrapolação do conteúdo identificado com a letra R).
Os padrões de interação podem revelar além da profundidade, os tipos de interação estabelecidas entre os interlocutores. Na figura 1, os momentos de Iniciação (I) representam as situações disparadoras para discussão, colocadas pelo mediador no início de cada Bloco de conversação, nos fóruns analisados. As setas na Figura 1 indicam a interação de um interlocutor ao outro, por meio de Respostas (R), Avaliação (A) ou Feedback (F), para que o cursista elabore um pouco mais sua fala. As interações podem gerar padrões com diferentes níveis de profundidade. A tríade I-R-F, por exemplo, presente em B e C, representa uma discussão com pouca profundidade (nível 3), diferente do que pode ser observado em A, onde a profundidade permite maior desdobramento e extensão da discussão (nível 5).
Propõe-se, assim, uma representação analítica híbrida que leva em consideração a profundidade e os padrões de interação (Figura 1), conforme adaptado dos padrões de interação propostos por Mortimer & Scott (2002) e conforme os pressupostos de Santos, Carvalho & Pimentel (2016), Calvão, Pimentel & Fuks (2014) e Silva, Pimentel & Dias (2015), para a dinâmica conversacional em um fórum de discussão.
O projeto de pesquisa foi aprovado em comitê de ética na pesquisa da Comissão de Ética na Pesquisa da UFRRJ (COMEP), protocolo Nº 1.269/18 e processo 23083.035212/2018-78, tendo atendido aos princípios éticos e estando de acordo com a Resolução 466/12 que regulamenta os procedimentos de pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
ANÁLISE QUANTITATIVA DOS PADRÕES CONVERSACIONAIS E CATEGORIAS DE FALA EM MOMENTOS DE INTERAÇÃO NAS ATIVIDADES PROMOVIDAS NOS FÓRUNS TEMÁTICOS I E II
No fórum temático I, um total de 130 postagens foram realizadas, em sua grande maioria, entre os professores cursistas (116 postagens) e 14 delas foram realizadas pelo mediador (11% do total). No fórum temático II, realizaram-se um total de 129 postagens, sendo a sua grande maioria realizada pelos cursistas (114 postagens do total) e 15 postagens realizada pelo mediador (12% do total).
Para identificar os padrões conversacionais que foram estabelecidos, analisou-se a troca dos turnos de fala entre os interlocutores (Figura 2). A setas representam o sentido da interação entre os participantes do fórum, podendo ser estabelecida de forma unidirecional (à) ou bidirecional (ßà). Foram identificados cinco padrões conversacionais (Figura 2 e Quadro 4).
Os turnos de fala revelam que as interações estabelecidas são muito semelhantes, com uma frequência maior nas interações entre os cursistas (cursista ßà cursista e cursista à grupo). As interações mediador à cursistas foram menores, seguidas pela interação cursista à mediador e mediador à grupo As setas representam o direcionamento das interações conforme está descrito no Quadro 4.
Os dados revelam, pois, que as interações não estão centradas na figura do mediador, ou seja, ele propôs uma questão norteadora que foi construída por meio da interação dos cursistas e em alguns momentos o mediador interagiu. Essa é a construção defendida por Santos, Carvalho & Pimentel (2016). Outros autores como Bruno (2011), Santos, Carvalho & Pimentel (2016) consideram as interações do mediador cruciais, por entender que o mediador desempenha papel central ao permitir a coordenação das atividades do grupo, auxiliando na construção do conhecimento coletivamente. No entanto, deve-se destacar que, por se tratar de um fórum de professores em formação continuada, as discussões devem ser moderadas e criadas pelos próprios cursistas, e os dados apontam nesse sentido.
Outro aspecto relevante é que durante o desenvolvimento dos dois fóruns, o que se observou foi um padrão de interação na categoria “afirmativa” já que os cursistas, se limitaram a uma interação com poucos questionamentos. É possível observar uma prevalência da categoria “afirmativa” nos dois fóruns, representando mais de 80% das postagens (Figura 3 e 4). A baixa frequência de questionamentos (Figura 3 e 4) pelos cursistas dificulta relações mais aprofundadas que poderiam promover novos momentos de interação para o desdobramento de novas discussões. Observou-se que questionamentos retroalimentam o fórum permitindo desdobramentos, extrapolações e reflexões mais aprofundadas sobre o tema em resposta a uma postagem, de um cursista ou de forma espontânea por algum dos integrantes (mediador ou cursista), possibilitando ampliar as discussões com questões que considerem importantes no contexto do tema abordado no fórum.
Com o objetivo de verificar o reflexo gerado, após cada intervenção do mediador, as falas dos cursistas foram analisadas tanto nas categorias como nas subcategorias de fala que foram identificadas durante a análise. (Quadro 5). As análises foram feitas em diferentes momentos, tanto nos momentos iniciais (bloco início) como nos blocos de discussão após as intervenções (Blocos I, II, III) iniciadas pelos mediadores nos fóruns I e II (Figuras 3 e 4). É importante destacar que no fórum II, tivemos apenas os blocos de discussão I e II.
As falas dos interlocutores classificadas como afirmativas se concentraram no tipo: resposta de esclarecimento, extensão ou feedback do bloco inicial (Figuras 3 e 4). As figuras 3 e 4 representam a proporção de postagens realizadas pelos cursistas para cada uma das categorias de fala identificadas no fórum I e II. É possível observar que, após uma primeira intervenção do mediador no Bloco I, há um aumento no número de postagens dos cursistas, com especial destaque às respostas de esclarecimento, extensão ou feedback (Figuras 3 e 4). As intervenções representam momentos de mediação em que o mediador pode pontuar e selecionar significados, estimular o diálogo e a reflexão. Em uma perspectiva de trabalho em grupo e aprendizagem colaborativa, a mediação precisa se fazer presente (Bruno, 2011; Silva, Pimentel & Dias, 2015; Santos, Carvalho & Pimentel, 2016). Foi possível observar que as intervenções e mediações, quase sempre ocorreram por meio de feedbacks, diretamente ao cursista ou ao próprio grupo, mas em algumas dessas intervenções o mediador também avaliou as respostas dos cursistas, individualmente, por meio de questionamentos, buscando promover ainda mais as discussões.
Na figura 5, estão representados os padrões de interação encontrados no fórum temático I em comparação ao fórum temático II. O padrão de interação mais frequente no fórum I foi formado pela tríade I-R-F, representado por 34%. Observou-se que quase metade (49%) das interações estabelecidas no fórum I atingiu níveis de profundidade superior as tríades I-R-F. Esse dado revela que os interlocutores, na maior parte do tempo, e na sua grande maioria formado pelos cursistas, não se limitaram a responder à questão disparadora inicial do fórum. Gerosa et al. (2003) e Santos, Carvalho & Pimentel (2016) também analisaram fóruns com base na profundidade das discussões, esses autores destacam que o nível de profundidade pode indicar se o fórum está sendo utilizado para além de um questionário (questão norteadora) aberto em um primeiro momento pelo mediador, permitindo aos cursistas responderem uns aos outros com maiores desdobramentos e reflexões. No presente estudo, apenas 15% dos percursos conversacionais do fórum 1 foram no padrão I-R (indicação de pouca profundidade nas discussões).
No Fórum 2 foi possível observar a maior frequência do padrão de interação formado pela tríade I-R-F (51%) (figura 5). O aumento das formas triádicas (I-R-F e I-R-A) se deveu, principalmente, à redução de respostas sem feedback ou avaliação dos interlocutores. Ou seja, redução dos padrões I-R observados no fórum 1. A comparação entre os padrões e profundidade de interação observados no fórum temático I e II pode ser observado na Figura 5.
Embora, observemos diferenças entre a proporção nos padrões de interação e profundidade nos dois fóruns, percebemos que as formas triádicas prevaleceram em ambos e as interações estabelecidas entre os interlocutores, em muitos momentos, apresentaram níveis de profundidade superiores ao simples ato de responder a questão inicial proposta pelo mediador (padrões I-R).
Foi observado, também, que os fóruns temáticos seguiram um ciclo de funcionamento padronizado, com uma discussão inicial (Início), realizada entre os cursistas, em resposta às questões disparadoras do mediador e intervenções realizadas pelo mediador que marcam o início de cada bloco de discussão (Figura 6). Ao final de um fórum o funcionamento se repete no fórum seguinte, apresentando um padrão cíclico.
Embora, os dois fóruns apresentem diferenças quanto ao número de blocos de discussão, visto que no fórum II não houve o bloco III. É evidente que o número de postagens aumentou após a primeira intervenção do mediador (Bloco I) (Figura 6). No fórum I, 27% das postagens ocorreram após a primeira intervenção do mediador, enquanto do fórum II, 45% das postagens ocorrem após essa primeira intervenção. A segunda intervenção (bloco II) tem por objetivo garantir a manutenção das discussões, observou-se, todavia, uma redução no número de postagens em relação ao bloco anterior. Como pode ser observado na figura 6 (barra em cinza) no fórum I, apenas 18% das postagens ocorreram após a segunda intervenção, enquanto no fórum II, 30% das postagens ocorreram após a segunda intervenção (início do bloco II). Quando comparamos com as categorias de fala (Figuras 3 e 4), foi possível observar um crescente nos relatos, questionamentos realizados pelos cursistas e interação entre os cursistas, com respostas de esclarecimento e feedback à medida que os fóruns caminham Depreende-se que isso esteja ligado as intervenções realizadas pelo mediador ao longo dos fóruns. Entretanto, como as discussões não ficam centradas na figura do mediador, assuntos emergiram durante as interações por meio do posicionamentos e questionamentos dos próprios cursistas, resultando em maiores reflexões e discussões espontâneas e com profundidade. A importância desse modelo conversacional (todos-todos) já foi discutido por autores como Calvão, Pimentel & Fuks (2014), Silva, Pimentel & Dias(2015), Santos, Carvalho & Pimentel (2016) e Bruno (2011).
Análise qualitativa do fórum temático I
Na figura 7, apresentou-se a transcrição parcial das conversações ocorridas no início do primeiro bloco do fórum temático 1 com o objetivo de perceber com mais detalhes a natureza da intervenção do mediador. Com o objetivo de preservar a identidade dos interlocutores, os nomes foram substituídos por “cursista” e por “mediador”.
Observa-se nas transcrições do primeiro bloco (figura 7) que a intervenção realizada pelo mediador teve como foco explorar as ideias dos cursistas. O papel do mediador foi fundamental na manutenção das discussões de maneira ativa. Santos, Carvalho & Pimentel (2016, p.26) entendem a ação da mediação como: “[...] ação de coordenar as práticas dos estudantes na construção do conhecimento em grupo, de articular conversas com e entre os estudantes, cruzar ideias, mobilizar e partilhar reflexões e debates densos”. As reflexões, por conseguinte, se tornam mais intensas e com maior profundidade de acordo com que as discussões aumentam (Figura 8).
Corrobora-se, nos blocos de discussão, que o mediador intervém selecionando e explorando as ideias dos cursistas, verificando quais significados estão sendo atribuídos pelos cursistas para o tema em construção, como por exemplo quando diz “Cursista 16, você utiliza dessa estratégia de abordar a parte histórica em suas aulas antes de iniciar o tema com os alunos? Conte-nos um pouco de sua experiência com ela”(Figura 8).O professor/mediador procura estabelecer uma relação de mediação interativa que se materializa em uma abordagem dialógica (Freire, 2011; Moreira, 2021) que também se mantém entre os cursistas. Nesse bloco (que é o segundo bloco de discussão no fórum 1), os padrões de interação adquirem níveis maiores de profundidade que seguem além das formas triádicas I-R-F e I-R-A, conforme descrito na figura 5. O aumento nos níveis de profundidade indica a manutenção da conversação entre os interlocutores atribuídos ao papel interativo desempenhado pelo mediador.
O aumento da profundidade de interações, observadas nos dois fóruns, indica que os cursistas interagiram. Depreende-se com esses dados que por se tratar de um curso de formação continuada de professores, onde tinha como principal objetivo discutir métodos e abordagens para o ensino de Biologia, que o nível de profundidade encontrada nos fóruns, assim como os padrões de interação com questionamentos, indicam maior engajamento e envolvimento dos professores com esses temas. Santos (2016) encontrou um dado semelhante indicando que quando os cursistas respondem uns aos outros ocorre um aprofundamento da discussão e isso indica que ocorreu a interatividade e a colaboração no fórum. Mortimer e Scott (2002) destacam que a presença de formas triádicas I-R-A e superiores, indica ainda que o mediador e os cursistas estão avaliando os comentários e formulando questionamentos e que isso favorece o disparo de novas interações e o aprofundamento nos turnos de fala.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades de interação e colaboração promovidas pela interface fórum são de grande importância na construção do conhecimento e aprendizagem. Assim, como destacado por Primo (2011), no AVA existem recursos que possibilitam dinâmicas próprias e adequadas que contam com processos de interação e colaboração, de maneira assíncrona, como conversações e discussões em fóruns e outras atividades. A análise dos fóruns, seguindo as características da conversação mediada no ciberespaço (Recuero, 2012) e o modelo analítico adaptado de Mortimer & Scott (2002), com foco nos padrões de interação, indicou um dinamismo nos turnos de fala, entre cursistas e o mediador, muito semelhante ao que é descrito em sala de aula presencial. Esse dinamismo permite padrões de interação entre os interlocutores, indo além de formas tríadicas (I-R-F e I-R-A), já descritas por Mortimer e Scott (2002). Esse padrão indica que ocorre um aprofundamento nas conversações que são superiores ao simples ato de responder uma situação de disparo ou aguardar um feedback, permitindo maiores reflexões para a construção de significados.
A participação do mediador foi fundamental nos fóruns analisados na presente pesquisa. O mediador realizou mediações com os cursistas, coordenou as atividades e promoveu discussões. Essas intervenções ocorreram em números diferentes à medida que comparamos os dois fóruns neste estudo, todavia o padrão ou ciclo de funcionamento observado é o mesmo, visto que ele se repete ao final de um fórum e o início do fórum seguinte. É possível observar que o mediador exerceu papel de destaque coordenando, articulando e estimulando o diálogo em um processo conversacional que se estabeleceu em um modelo todos-todos. Dentro desse contexto, a interação estabelecida nos dois fóruns, observada entre os cursistas, indica um modelo de interação onde o mediador não é o centro das discussões.
Outrossim, constatou-se que, após as primeiras intervenções do mediador, há um aumento no número de postagens dos cursistas, com especial destaque para: respostas de esclarecimento, extensão ou feedback, relatos de experiência e questionamento de esclarecimento ou extensão. As intervenções do mediador ocorreram por meio de feedbacks, diretamente ao cursista ou ao próprio grupo, coletivamente, mas em algumas dessas intervenções o mediador também avaliou as respostas dos cursistas por meio de questionamentos, que possibilitaram ainda mais discussões. Toda a dinâmica conversacional permitiu, por isso, reflexões, discursos próprios e desdobramentos.
Em suma, a proposta de discussão inicial e a mediação realizada nos fóruns foram adequadas a um programa no âmbito da formação continuada de professores, em que a comunidade de cursistas precisa assumir o protagonismo das ações, sem, entretanto, deixar de lado as orientações do mediador, a fim de que mantenham-se os objetivos centrais da discussão. Nesse tipo de colaboração entre professores, os conhecimentos construídos, dependem tanto das intervenções que são realizadas pelo mediador, quanto pelo próprio cursista, em sua relação de colaboração com o resto do grupo. As colaborações são de suma importância, haja visto a natureza dos fóruns temáticos de discussão propostos, que tinha como principal objetivo discutir diferentes abordagens e métodos para o ensino de Biologia.
Destacamos a necessidade de um aprofundamento nos estudos, principalmente de natureza qualitativa sobre as conversações estabelecidas em fóruns de discussões em cursos de formação de professores.