Pedagogia da convivência nos traz Elza Freire na sua dimensão pedagógica e amorosa, como constituição de seu ser político junto a Paulo Freire, à família e a pessoas que, com ela, puderam compartilhar o pensamento educacional e político que viria mais tarde constituir o método Paulo Freire de educação, sugerida na obra aqui apresentada como uma das denominações possíveis ao ideário desse grande autor.
O livro Pedagogia da convivência: Elza Freire uma vida que faz educação, em suas duzentas e cinquenta e seis páginas, traz o resultado de pesquisas datadas a partir de 2006 pela Profª Dr.ª Nima Imaculada Spigolon, e é dividido em quatro capítulos, além das considerações finais. No capítulo um, de nome “Leitura de mundo e leitura da palavra”, temos o anúncio do estilo da narrativa e do trabalho com as entrevistas que irão compô-lo. Importante ressaltar, no capítulo, a aproximação, a identificação que a autora da obra estabelece com Elza Freire, pela forma amorosa como ela conduziu a vida na educação. No capítulo dois, denominado “Elza: viver e conviver a vida, escrever a história”, é exposta, em linhas gerais, a convivência familiar de Elza e sua formação. O capítulo três, considerado pela autora o coração da obra, designado “Pedagogia da convivência”, traz a partilha (ou o compartilhamento?) entre Elza e Paulo Freire de ideais educacionais e políticos com referência à vida em família, alargando a discussão em torno de uma pedagogia da convivência. O último capítulo, cujo título é “Elza Freire: Educadora dos Educadores”, mais uma vez faz o resgate histórico da política brasileira para fundamentar o contexto no qual Elza desenvolveu seu pensamento pedagógico em comunhão com Paulo Freire, inclusive estabelecendo as bases da teoria do autor e as primeiras experiências com educação de adultos, sobretudo a aproximação de Paulo com as questões educacionais. Também descreve o momento do golpe de 1964, da ditadura instaurada e o início do exílio da família, finalizando com o período que a autora considerou para esta obra. Em “Elza Sempre”, as considerações finais do trabalho, temos a síntese do percurso que nos levou ao conhecimento e reconhecimento de Elza na educação brasileira de adultos, que teve seu marco inicial em Recife.
A obra é um convite para conhecer Elza Freire, a mulher que, junto a Paulo Freire, estabeleceu as linhas pedagógicas da alfabetização de adultos, participando ativamente da história da educação nessa área do conhecimento. Para tanto, a autora realizou um recorte temporal que vai de 1916 a 1965, preenchido por documentos, fotos, arquivos pessoais e entrevistas que irão nos conduzir à descoberta de Elza Freire quanto à sua formação acadêmica, atuação profissional e vida pessoal em família e com amigos.
Por meio da cronologia usual que a autora nos anuncia ainda no primeiro capítulo, temos a história de Elza Freire: inicialmente se constituindo como professora da família, pois se dedicou à tarefa de ensinar os irmãos mais novos, depois diretora de escola e docente no Instituto Pedagógico em Recife.
Elza, nascida em família de bom poder aquisitivo, estudou em escolas de referência no Recife durante um contexto de políticas educacionais baseadas em reformas importantes, como a da Escola Nova, num momento em que as mulheres ainda tinham pouco acesso ao estudo. Assim, Elza iniciou seu pioneirismo no embate relativo à desigualdade de gênero, como mulher que se profissionalizou na educação, com grande preocupação com os menos favorecidos desde o início de sua atuação profissional. Outro aspecto inovador no percurso profissional de Elza foi o trabalho com arte-educação, sendo umas das primeiras a desenvolver alfabetização com uso da arte nas escolas públicas do Recife.
Dessa forma, essa forte mulher se dedicou aos estudos, fazendo parte de equipes técnicas, bem como de instituições que ajudou a fundar. Aliando conhecimento científico e técnico ao contexto político-pedagógico comprometeu-se com as atividades educacionais sem se afastar da vida privada.
Em 10 de novembro de 1944 Elza e Paulo Freire se casaram, união não aprovada pela família de Elza. Dessa união, cinco filhos: Madalena, Cristina, Fátima, Joaquim e Lutgardes. A autora da obra em análise, a respeito da vida dos dois, seja de forma privada, seja socialmente, expõe-nos que a “Pedagogia da Convivência” constitui a base para as demais organizadas por Paulo Freire. Foi por meio dessa pedagogia que Paulo Freire aprendeu, com Elza, e juntos compartilharam ideias e práticas político- pedagógicas, dando início a um projeto educacional revolucionário para a humanidade. Cumplicidade e solidariedade formaram a base da “Pedagogia da Convivência”, expressa também na educação dos filhos: rigorosa, mas com abertura amorosa para a liberdade exercida com consciência.
Os círculos de cultura, o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Movimento de Educação de base (MEB), os Centro Populares da Cultura (CPCs) da União Nacional dos Estudantes (UNE), o trabalho de Paulo Freire em Brasília na condução do Plano Nacional de Alfabetização (PNA) e o exílio de Paulo Freire durante a ditadura militar, após interrupção das atividades do PNA, fazem parte da análise da convivência entre Paulo Freire e Elza, num percurso histórico constituído de afetividade e conhecimento que embasaram o pensamento e a prática crítico-reflexiva da pedagogia freiriana.
Esse meio termo (Qual?) foi conduzido com grande sabedoria e destreza por parte de Elza Freire que, sem abandonar o caráter científico da educação, apresenta a Paulo Freire e a nós a sensibilidade para condução dos processos educativos nas práticas com jovens e adultos. Não a toa, a respeito da esposa, Paulo Freire diz: “A Elza me traz assim para dentro de mim, para dentro da vida, me traz um baita testemunho de coragem, de luta e de amorosidade ao educando. E ela tem tido, e continua tendo, uma experiência que eu não tinha, que eu nunca tinha tido, que é uma das minhas deficiências […]”. (Freire in Lyra, 1996 apud, SPIGOLON, 2016, p. 190).
Dessa maneira, a obra de Nima Spigolon faz justiça à vida e obra de Elza Freire, uma vida devotada à educação de maneira amorosa e sensível, sem deixar de ser profissional, comprometida com os ideais pedagógicos que foram permeados por contextos políticos e da vida pessoal e trouxeram singularidade ao método de Paulo Freire. Destinado certamente a todo público interessado na história da educação brasileira e, em especial, na educação de jovens e adultos