SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue57100 ANOS DE EDGAR MORINTHE (UN) FEASIBILITY OF EDUCATION AND WORK AS INSTRUMENTS FOR THE RELEASE OF JUSTICE INDIVIDUALS author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Eccos Revista Científica

Print version ISSN 1517-1949On-line version ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.57 São Paulo Apr./June 2021  Epub Feb 05, 2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n57.8849 

Artigos

RELIGIÃO E EDUCAÇÃO ESCOLAR NA COLONIZAÇÃO DO OESTE PARANAENSE: O CASO DA IMPLANTAÇÃO DO COLÉGIO VICENTINO INCOMAR, DE TOLEDO (1948 - 1965)

RELIGION AND SCHOOL EDUCATION IN THE COLONIZATION OF THE WEST OF PARANÁ: THE CASE OF THE IMPLEMENTATION OF INCOMAR VINCENTIAN HIGH SCHOOL, FROM TOLEDO (1948 - 1965)

Rodrigo Pinto de Andrade, Doutor em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-6948-366X

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-7813-7950

1Doutor em Educação, Universidade Estadual de Maringá - UEM. Maringá, Paraná-Brasil.

2Doutor em Educação, Universidade Estadual de Maringá - UEM. Maringá, Paraná-Brasil.


Resumo

Trata-se de uma pesquisa documental na área da História da Educação com particular incidência no campo da história e historiografia das instituições escolares. O objetivo é analisar as relações entre religião e educação escolar no contexto da colonização do oeste paranaense, o caso na implantação do Colégio Vicentino Incomar, na cidade de Toledo, em 1948. Como primeira escola criada e mantida pela Igreja Católica na região, a instituição exemplifica muito bem a aliança entre religião e educação no Oeste do Paraná, no período de sua ocupação planejada. A implantação da escola se deu num período em que o catolicismo passava por um processo de consolidação institucional na região e a instituição foi usada como instrumento eficaz para que a Igreja continuasse a exercer influência nas decisões e nos rumos daquela sociedade. Os dados revelados pelas fontes indicam que o Incomar envidou esforços para cumprir a missão atribuída pela Igreja à educação escolar, qual seja: formar bons cristãos e virtuosos cidadãos.

Palavras-Chave: educação; história da educação; instituições escolares; colégio Vicentino Incomar.

Abstract

This is a documentary research in the area of History of Education with a particular incidence in the field of history and historiography of school institutions. The objective is analyze the relationship between religion and school education in the context of the colonization of the west of Paraná, the case of the implementation of Vincentian High School Incomar, in Toledo City, in 1948. As the first school created and maintained by the Catholic Church in the region, the institution exemplifies very well the alliance between religion and education in the west of Paraná, in the period of its planned occupation. Its implementation was in a period when the Catholicism went through a process of institutional consolidation in the region, and it was used as an effective instrument so that the Church continued to exert its influence in the decisions and directions of that society. The data revealed by the sources, indicate that the Incomar made efforts to fulfill the mission assigned by the Church to school education, which is: to form good Christians and virtuous citizens.

Keywords: education; history of education; school institutions; Incomar Vincentian high school.

1 Introdução

Este texto integra-se na história das instituições educativas e tem como objetivo analisar as relações entre religião e educação escolar no contexto da colonização do oeste paranaense, o caso da implantação do Colégio Vicentino Imaculado Coração de Maria (Incomar), na cidade de Toledo, em 1948. Nas regiões de colonização recente, especificamente no Oeste do Paraná, religião e escolarização sempre estiveram imbricadas. As instituições e empresas responsáveis pelo processo de (re)ocupação da terra propalaram a ideia da formação de uma comunidade idealizada, que seria alcançada por meio da educação e que, por sua vez, estaria diretamente ligada à religião.

Partindo do entendimento de que no interior de uma instituição educativa estão presentes os elementos da sociedade na qual ela foi criada, esta pesquisa analisou a história da implantação do Colégio Vicentino Incomar como chave para uma leitura das estruturas que integraram a vida social e religiosa do Oeste do Paraná, especificamente do município de Toledo. Como primeira escola criada e mantida pela Igreja Católica na região, o Incomar exemplifica muito bem a aliança entre religião e educação no oeste paranaense, no período de sua ocupação planejada, na década de 1940.

A chegada e o estabelecimento das Filhas da Caridade da Sociedade São Vicente de Paulo em Toledo, com o propósito de criar uma escola, demonstrou a estratégia de ação do catolicismo na região, que desenvolveu uma dinâmica de atuação pautada na ação pastoral, voltada para os problemas candentes daquela sociedade, dentre os quais se destacava a educação escolar. Seguindo as orientações conciliares, que insistiam na importância da educação escolar como mecanismo eficaz para a recatolização da sociedade brasileira, a Igreja em Toledo, por meio da atuação das irmãs vicentinas, privilegiou a ação educacional na implementação de seu projeto institucional.

O ideário das religiosas vicentinas ao se instalarem em Toledo era aliar educação religiosa e formação para a cidadania; para tal, as irmãs davam aos conteúdos curriculares e mesmo ao espaço escolar, um caráter de religiosidade, além de propor que a observância dos princípios doutrinais católicos eram a garantia para se construir uma sociedade pautada pela moralidade, pelos bons costumes e pela manutenção da ordem. Evidencia-se, assim, que as instâncias civil e religiosa (Estado e Igreja) foram bem articuladas pelas vicentinas no período da colonização da região Oeste do Paraná.

Para discutir a temática proposta, inicialmente será analisado processo de escolarização e de colonização planejada-empresarial da região Oeste do Paraná. Em seguida, será estudada a atuação educacional da Congregação das Filhas da Caridade de São Vincente de Paulo em Toledo. Por fim, será abordada a história da implantação e a organização pedagógica do Colégio Vicentino Incomar (1948-1965), com uma particular ênfase para os seguintes aspectos: corpo docente; discentes; regime educacional de internato e currículo, formação cívica e práticas religiosas.

A investigação foi realizada mediante a análise de documentos que descrevem o processo de criação, funcionamento e trajetória da escola em seus primeiros anos de atividades. Para a efetivação da pesquisa foram utilizadas fontes como: livros-ata de exames finais; livro de registros dos primeiros anos de funcionamento da escola; diários de classe; ata de fundação da escola; decretos e leis municipais; jornais da época da fundação da instituição; fotos dos alunos da primeira turma da escola na década de 1940. A documentação para efetivação desta pesquisa foi coletada nos arquivos das seguintes instituições: Colégio Vicentino Incomar; Casa Provincial Vicentina de Curitiba; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa; Universidade Católica Portuguesa, Lisboa; Centro Cultural de Foz do Iguaçu; Mitra Diocesana de Toledo; Paróquia São João Batista, Foz do Iguaçu; Paróquia Cristo Rei, Toledo; Museu Histórico Willy Barth, Toledo; Ação Social São Vicente de Paulo, Toledo.

2 Em busca da “terra da promissão”: escolarização e colonização planejada da região Oeste do Paraná

Na região Oeste do Paraná, o processo de escolarização esteve diretamente relacionado com as questões religiosas. A educação escolar fez parte da ocupação regional e esteve inserida num conjunto que aliava economia, posse da terra, desenvolvimento regional e religião. Embora os órgãos públicos e as empresas responsáveis pela colonização planejada e empresarial, na segunda metade da década de 1940, tenham propalado o mito da existência de um “vazio demográfico”, a região passou por várias fases em seu processo de ocupação, sempre alinhadas ao cenário nacional e internacional de desenvolvimento das forças produtivas e atendendo aos interesses dos grupos sociais que no período detinham o poder econômico e faziam valer seu domínio. A educação escolar, por sua vez, não esteve desarticulada dessa conjuntura sócio-política e econômica (ANDRADE, 2017).

A partir da segunda metade da década de 1940, os fluxos migratórios para o oeste paranaense se intensificaram. A maioria dos colonos que migraram para a região eram camponeses oriundos das antigas colônias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que deixaram suas localidades em busca de melhores condições de vida para suas famílias e de novas oportunidades econômicas. Imbuídos do ideário de encontrar no oeste paranaense uma região próspera, os migrantes se deslocaram em direção à “nova terra”, caracterizada pelas companhias colonizadoras como “terra da promissão” (ANDRADE, 2017; GREGORY, 2005).

A partir do programa federal Marcha para o Oeste, criado pelo Governo Vargas no fim dos anos de 1930, o oeste paranaense passou por mudanças estruturais. O projeto de nacionalização e ocupação da região se intensificou durante a década de 1940. Nesse período, devido à aceleração da industrialização nos grandes centros urbanos do Brasil e a expansão do agronegócio, sobretudo, na região Sul, o país passou por um rápido crescimento populacional, que acabou resultando no aumento do contingente de trabalhadores disponíveis nos centros urbanos, gerando assim, um proletariado marginal urbano (WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968).

Nas regiões coloniais, especialmente no Rio Grande do Sul, constituídas por imigrantes e descentes de imigrantes europeus, o rápido desenvolvimento do agronegócio gerou para esses colonos, pequenos produtores rurais, a desapropriação da terra e, consequentemente, a concentração das propriedades rurais nas mãos dos grandes fazendeiros. Nessa conjuntura de esgotamento de suas condições de reprodução como colonos e sem organização social, muitos foram impulsionados a migrar, formando frentes de expansão das fronteiras agrícolas (GREGORY, 2005; FREIAG, 2007).

Assim, devido a essas novas condições sociais determinadas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas, novos núcleos populacionais em diferentes regiões do país foram constituídos. A organização de todo o processo ficou a cargo de Companhias que tinham experiência em empreendimentos colonizatórios em outras regiões. Elas firmaram acordos com o governo paranaense para lotear as terras do Oeste, dando início a um modelo de colonização planejada e empresarial, que esteve diretamente associado com as atividades econômicas do país e com a expansão das atividades agrícolas (ANDRADE, 2017; SCHNEIDER, 2001).

Os migrantes vinham em busca de novas oportunidades e viam a educação escolar como um elemento necessário para a formação da nova comunidade. A educação fazia parte das crenças e esperanças que moveram as frentes de ocupação na região. Em suas localidades de origem, os migrantes eram impossibilitados do acesso à escola, por isso, viam na nova realidade geográfica a possibilidade da educação escolar para seus filhos. Apostaram nela e reafirmaram na comunidade a ideia que não era possível ter uma “cidade sem escola”. Essa mentalidade estava em consonância com o desenvolvimento econômico do período, que entendia como necessário que as pessoas soubessem, ao menos, ler e escrever para fazer as atividades comerciais elementares como: ir ao banco, comprar e vender, fazer negócios (EMER, 1991).

A educação escolar nesse período foi concebida no interior do processo histórico e social e se tornou parte integrante dele. Ela não se constituiu por si só, mas foi organizada na sua relação com a sociedade, no interior do processo social concreto, na sua totalidade e complexidade e esteve intrinsecamente envolvida com a história e a evolução da sociedade. A escola, gestada no interior desse processo, manteve clara relação com os grupos sociais nos quais fora criada, e esteve diretamente vinculada ao processo histórico da sociedade que a constituiu, por isso, de algum modo, espelhou as relações por ela estabelecidas. A chegada das Irmãs Vicentinas a Toledo e a implantação do Colégio Incomar fizeram parte desse contexto da ocupação regional e serviu para materializar a aliança entre religião e educação escolar no oeste paranaense.

3 A atuação educacional das irmãs Vicentinas na cidade de Toledo, PR

A Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, desde sua fundação, foi considerada missionária, pois sempre priorizou a capacidade de mobilidade das irmãs, sua versatilidade e disponibilidade de trabalhar em diferentes locais de acordo com as necessidades de cada país. Em suas regras está previsto que as vicentinas devem ir para todos os locais em que forem solicitadas para exercer diferentes atividades, pois devem ser levadas por Deus e movidas pela caridade. Nas palavras de São Vicente de Paulo, a Congregação tinha o desafio de avançar para todos os lugares do mundo e levar a palavra e os atos de Jesus Cristo: “nossa missão é ir, não em uma paróquia ou apenas uma província, mas em toda a terra. O que fazer? Inflamar os corações dos homens e fazer o que o Filho de Deus fez” (SÃO VICENTE DE PAULO, 1960, p. 397).

Foi seguindo essas orientações de caráter eminentemente vocacional que as irmãs vicentinas, vinculadas à província de Curitiba, aceitaram o desafio de começar uma instituição escolar em Toledo, região que, à época, estava iniciando seu processo de colonização, com infraestrutura precária, desenvolvimento pífio e reduzidos recursos materiais.

As irmãs Verônica Sawtczuck, Lúcia Mikosz e Elia Bassani, enviadas pela Província Vicentina de Curitiba, chegaram a Toledo no dia 01 de fevereiro de 1948, antes mesmo da organização política e administrativa do munícipio (1952), para construir a primeira escola da localidade. Imbuídas de um forte fervor missionário, as religiosas se estabeleceram em Toledo com o desafio de se adaptar à realidade local, lidar com as mais variadas limitações e se manterem fiéis às propostas educativas da Congregação (HISTÓRICO DO INSTITUTO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1965).

As primeiras religiosas que se instalaram em Toledo tinham a percepção clara de que tinham sido escolhidas por Deus para realizar a tarefa educacional. Como Filhas da Caridade, deveriam sempre perceber a importância da escolha divina para servir aos pobres e educar as crianças necessitadas. Movidas por esse ideário, receberam com obediência a decisão da Superiora Geral de que elas seriam enviadas de Curitiba, uma grande cidade, para o povoado de Toledo, à época com apenas quatorze famílias residindo na localidade (ANDRADE, 2017).

A instituição escolar que seria criada e mantida pelas Filhas da Caridade em Toledo estaria ao mesmo tempo alinhada à filosofia educacional vicentina e adaptada às necessidades locais. As irmãs buscaram adequar o ideário vicentino de educação à realidade material que encontraram. Procuraram nos gestos singelos da comunidade, como a doação de alimentos e o auxílio na limpeza da escola, a justificativa para dar prosseguimento à missão para a qual acreditavam teriam sido designadas: criar uma escola para atender aos filhos daquelas famílias católicas radicados naquela localidade (ANDRADE, 2017).

Tão logo chegaram a Toledo, criaram o Instituto Imaculado Coração de Maria (INCOMAR), num momento que pode ser considerado estratégico tanto para a Igreja Católica como para o Estado. Da parte da Igreja, era importante ter o controle da escola, pois isso representava ter influência nas decisões locais. As propostas governamentais da época previam a expansão do ensino primário como instrumento de crescimento econômico do país. Assim, a implantação de uma escola numa localidade em vias de colonização, representava para o Estado a consolidação de seu projeto de expansão da oferta de escolarização.

A implantação do Colégio Vicentino Incomar em Toledo se deu nesse contexto da primeira fase da expansão do catolicismo na região oeste, antes mesmo da instalação da diocese, no ano de 1960. Diferentemente do que ocorria em nível nacional, onde a disputa pelo magistério na sociedade era grande e os embates entre a Igreja e os defensores da escola pública estavam em franco recrudescimento, em Toledo houve um pacto colaborativo entre a Igreja, a administração pública e o poder econômico local. Ao criar a escola, o objetivo da Igreja era, tal como preconizavam os documentos conciliares, oferecer àquela comunidade um modelo educacional pautado no princípio de formação humana. A educação, conforme concebida pela Igreja, era o baluarte da sociedade. Por isso, era dever seu cumprir a missão de formar bons cristãos e virtuosos cidadãos, mediante uma educação escolar cristã (ANDRADE, 2017; MEZZOMO, 2000).

4 Organização pedagógica do Colégio Vicentino Incomar (1948-1965)

A análise da organização pedagógica do Colégio Vicentino Incomar contemplará os seguintes elementos: corpo discente e docente; regime de internato; currículo, formação cívica e práticas religiosas. O estudo desses aspectos da instituição contribui para a reconstituição de sua história. Segundo Justino Pereira de Magalhães, reconstruir a identidade histórica de uma instituição implica sistematizar e (re)escrever o itinerário de vida na sua multidimensionalidade, conferindo-lhe um sentido histórico. Tal tarefa é alcançada na medida em que a pesquisa se volta para os seguintes aspectos: revalorização dos acervos documentais, arquivísticos e museológicos das instituições educativas; organização das memórias e representações, incluindo estudos sobre o acesso à escola e os destinos do público por ela frequentado (MAGALHÃES, 1999).

4.1 Docentes

A análise referente à composição do corpo docente de uma instituição escolar constitui-se em uma importante chave para a compreensão de seu papel e relevância social. A atuação dos professores, sua formação acadêmica e suas trajetórias podem se constituir em importantes instrumentos para a análise do processo de reconstituição da história da escola (NOSELLA; BUFFA, 2009).

Conforme consta do primeiro Regimento Interno, de 1948 a 1959, o corpo docente do Colégio Vicentino Incomar era composto apenas por irmãs vicentinas. Após a ampliação das estruturas prediais e a inserção de novas modalidades de ensino, surgiu a necessidade de contratação de novos professores, que embora fossem leigos, eram diretamente ligados à religião, pois em sua maioria, compunham os quadros da Igreja Católica local (REGIMENTO INTERNO DO COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

A contratação dos professores envolvia uma série de questões de fundo religioso-moral, consideradas importantes para a instituição e também para a comunidade de migrantes. O professor deveria ter o seguinte perfil: ser responsável, entendido como frequência assídua ao trabalho todos os dias e pontualidade no horário; disposição para o ensino; autoridade moral de se fazer obedecer, por meio do exemplo pessoal; “ser de bem”, ou seja, ter conduta social considerada adequada, exemplar, envolvendo aspectos ético-religiosos; frequentar a Igreja; ter bons modos nos encontros sociais da comunidade. Podemos dizer que questões relacionadas a ética, a religiosidade e a moral, constituíam-se em elementos fundamentais para determinar o ingresso e permanência no quadro de docentes do Incoamar. Em uma região de colonização recente, ser professor significava status perante a comunidade. Era uma função que colocava a pessoa numa posição social de proeminência em relação ao grupo (REGIMENTO INTERNO DO COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

O corpo docente, além da participação obrigatória nas reuniões para planejamento e estudos pedagógicos no início do ano letivo, frequentava também, quando convocado pela direção, reuniões para orientação e acompanhamento didático. As práticas pedagógicas dos docentes do Incomar explicitavam uma disciplinarização na organização do trabalho pedagógico no interior da instituição. As primeiras docentes do Colégio Vicentino Incomar foram as Irmãs Filhas da Caridade Verônica Sawtczuck, Lúcia Mikosz e Elia Bassani. Todas possuíam formação religiosa nas áreas de teologia e filosofia e tinham experiência docente. Na província vicentina de Curitiba, as irmãs atuaram na educação de meninas, lecionando disciplinas curriculares, trabalhos manuais, aulas de canto e catequese.

Fonte: Colégio Vicentino Incomar, acervo digital. Toledo, PR.

Figura 1 Fotografia das irmãs Lúcia Mikosz; Elia Bassani e Verônica Sawtczuck 

Na fotografia acima, da esquerda para direita estão: irmã Lúcia Mikosz; irmã Elia Bassani e irmã Verônica Sawtczuck, esta foi a primeira diretora do Incomar, esteve na direção da instituição em dois momentos distintos, no período de 1948 a 1950 e 1961 a 1969. Nascida em 14 de janeiro de 1928, em Rio Azul, Paraná, Verônica Sawtczuck ingressou na Companhia das Filhas da Caridade no dia 10 de fevereiro de 1946, sua primeira missão teve início no dia 27 de julho de 1947, quando foi enviada para a Comunidade do Instituto Santa Ana, de Laranjeiras do Sul, PR. No ano de 1948, a irmã chegou à Toledo para se dedicar à tarefa educacional no Instituto Imaculado Coração de Maria e ao trabalho social na Casa Irmã Estanilava Perz, onde permaneceu até 1952, quando foi transferida para a cidade de Paranaguá (HISTÓRICO DO INSTITUTO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1997).

Os docentes do Incomar procuraram oferecer às alunas uma formação entendida pelas irmãs como de boa qualidade científica e com forte ênfase nas doutrinas do catolicismo. As docentes da instituição se empenharam para que o Incomar fosse reconhecido como uma escola de referência em Toledo e em toda a região Oeste do Paraná. O diferencial dos professores da instituição estaria não apenas numa formação acadêmica de qualidade, mas também por possuírem sólidos valores morais, o que era visto como fator determinante para a consolidação da escola no cenário educacional da cidade (GERAÇÃO EM REVISTA, 1997).

4.2 Discentes

Em relação ao corpo discente do Colégio Vicentino Incomar, é possível verificar na análise que, em sua maioria, os alunos da instituição eram filhos dos migrantes fundadores da cidade, ligados à Igreja Católica. Durante um período de dez anos, o Incomar foi a única instituição escolar na área urbana de Toledo. Somente em 1958 foi construída a primeira escola estadual, um grupo escolar1, com ensino de 1ª a 4ª séries. Como se tratava de uma escola privada, só poderiam se matricular no Incomar os alunos que tinham condições financeiras para pagar as mensalidades.

Com base na análise das fichas de matrículas e das atas de exames finais do ano de 1948, foi possível elaborar o quadro a seguir, que apresenta os dados das primeiras turmas do Colégio. (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1948).

Quadro 1 Quadro de alunos do Colégio Incomar em 1948 

Série/turma Sexo masc. Sexo fem. Total de alunos
1ª série 16 17 33
2ª série 04 04 08
3ª série 03 05 08
Total 23 26 49

Fonte: Livro de frequência do ano de 1948, disponível no acervo do Colégio Incomar.

Em 1949, o número de matriculas cresceu e foram abertas turmas de 4ª e 5ª séries. O aumento da procura por vagas se justifica, sobretudo, porque nesse período chegaram à cidade novas caravanas de migrantes, que adquiriram suas propriedades rurais em Toledo já com base na propaganda da empresa colonizadora MARIPA, segundo a qual na cidade existia uma escola de qualidade para atender seus filhos. Conforme consta do livro de matrículas, as atividades escolares tiveram início em fevereiro de 1949, com cento e quarenta e sete alunos matriculados, sendo oitenta e sete meninos e cento e dez meninas.

Quadro 2 Quadro de alunos do Colégio Incomar em 1949 

Série/turma Sexo masc. Sexo fem. Total de alunos
1ª série 33 45 78
2ª série 28 34 62
3ª série 19 25 44
4ª série 06 04 10
5ª série 01 02 03
Total 87 110 49

Fonte: Livro de frequência do ano de 1949, disponível no acervo do Colégio Incomar.

Nos anos seguintes o número de matriculas diminuiu. Consta da documentação que, em 1952, foram noventa e sete alunos matriculados; em 1953, o total foi de setenta e cinco alunos (COLÉGIO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1952; 1953). Há, pelo menos, dois motivos que justificam esse fato: primeiro, a dificuldade em pagar as mensalidades escolares que muitas famílias enfrentaram. Outro fator tem a ver com as dificuldades de infraestrutura básica que os migrantes enfrentaram na região, o que contribuiu para que muitos deles retornassem para suas localidades de origem.

Embora o Colégio Incomar fosse construído numa localidade urbana, seus alunos eram majoritariamente oriundos da área rural. Ao verificar os dados que constam nos livros de matrículas da instituição, é possível ter uma indicação da origem social de seus primeiros alunos. Conforme consta dos livros de matrículas, de 1948 a 1952, a profissão dos pais dos primeiros alunos do Incomar, pode ser assim relacionada: agricultores; lavradores; pequenos comerciantes; profissionais liberais. Os agricultores eram pequenos proprietários rurais, donos de sítios e chácaras vizinhas à cidade. A profissão de lavrador caracterizava pessoas que não eram proprietárias rurais, ou seja, trabalhavam na lavoura como empreiteiros ou como meeiros (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1998).

Os migrantes que se identificavam como comerciantes, eram proprietários de mercearias, serrarias e os profissionais liberais, em sua maioria, eram carpinteiros e marceneiros. Essas profissões constituíam-se na base da organização da sociedade e eram muito comuns numa localidade em que a madeira era um dos primeiros recursos para a construção de casas e móveis (OLIVEIRA, 2004).

Ao fazer constar em sua documentação esses dados sobre a origem econômica e social de seus alunos, o Colégio Vicentino Incomar explicitou seu público alvo pretendido. A fotografia a seguir, do ano de 1948, retrata a primeira turma da escola, com quarenta e seis alunos. Embora o uso do uniforme nesse período não fosse obrigatório, pode-se verificar que há traços comuns nas roupas das meninas, a maioria de roupas brancas, com um adereço preto em destaque. O mesmo acontece no caso dos meninos, em sua maioria com camisa branca e calça ou shorts preto. A respeito dessas características da fotografia, podemos inferir que houve agendamento prévio para o “evento”, ou seja, os pais dos alunos procuraram, possivelmente por orientação da escola, vestir seus filhos de modo semelhante para tirar a foto do final daquele ano letivo.

Fonte: Colégio Vicentino Incomar, acervo digital. Toledo, PR.

Figura 2 Fotografia da primeira turma do Colégio Vicentino Incomar, 1948. 

A década de 1960 representou para a instituição uma substancial elevação no número de alunos, tanto no ensino primário como nos cursos ginasial e normal, implantados no período. Em comparação com a década de 1950, que teve durante todo período um total de dois mil e novecentos alunos, os anos da década de 1960 significaram um grande avanço numérico, pois ao longo do período o Incomar teve seis mil e duzentos e cinquenta alunos. Uma justificativa para tamanha elevação foi a destinação de 20% das vagas da instituição para alunos bolsistas. Em 1966, a escola foi registrada no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como instituição filantrópica, passando assim, por força de lei, a oferecer gratuitamente essa porcentagem de vagas (REISDORFER, 2006).

A análise dos livros de matrículas do Incomar explicita que, a despeito de ter aumentado o número de alunos, o público que a instituição atendeu a partir desse período era constituído pelos filhos da embrionária elite local que estava se formando, num contexto de modernização agrícola e de urbanização do município de Toledo e da região Oeste do Paraná. No período, estudar no Colégio Vicentino Incomar era um símbolo de distinção social e significava receber uma formação educacional e cultural de boa qualidade

4.3 Regime educacional de internato misto

Os alunos das primeiras turmas do Colégio Incomar, em sua maioria, eram de Toledo e das comunidades rurais próximas que ainda não tinham escolas. Para atender esse público, a instituição manteve um sistema de internato misto, onde os alunos ficavam alojados na escola e recebiam uma educação em período integral, como estava previsto em seus documentos curriculares (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

Muitas famílias de outras cidades enviavam seus filhos para serem alunos do Incomar, conhecido à época como: “escola das irmãs”, pois entendiam que esse fator se constituía num distintivo em sua formação. Na lista da primeira turma, de 1948, onde constam o nome, a idade e a localidade de origem de cada estudante, é possível identificar alunos das seguintes localidades: Porto Britânia; Cascavel; Lopei; Santa Helena; Sol de Maio; Porto Mende e Toledo. Devido à distância dessas localidades e à precariedade das estradas da região, somado às dificuldades dos meios de locomoção, a presença diária nas aulas tornava-se difícil. Por isso, o Incomar trabalhou em regime de internato e semi-internato (SAWTCZUK, 1985; COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1948).

No período em que funcionou o regime de internato, a instituição manteve o modelo de educação implementada nos internatos católicos em todo país, que estava pautada numa proposta de formação cuja ênfase estava nas questões morais, cívicas e religiosas. O internato era um espaço pedagógico que deveria ser capaz de propiciar aos alunos as virtudes desejáveis, associadas à instrução educacional.

Nos séculos XIX e XX, o modelo de educação asilar se tornou muito comum na Europa, tendo aumentado especialmente o número de instituições destinadas a atender às elites. Grande parte desses espaços educativos foram criados e mantidos por Congregações religiosas, que intentavam, por meio da vida reclusa, transmitir os valores e as doutrinas católicas. A proposta pedagógica da educação num espaço reservado, “isolado do mundo”, estava relacionada à possibilidade de vigilância e de controle constantes. Isso significava que as escolas em regime de internato guardavam, ensinavam e defendiam as “almas frágeis” que poderiam facilmente receber más influências externas. Assim, a função da educação nos internatos era “preparar para a vida”, fortalecer de tal forma os alunos que, ao voltarem para o “mundo exterior”, estariam protegidos da corrupção e em condições de atuarem como agentes de recristianização da sociedade (ARRUDA, 2011; LEONARDI, 2016).

A educação em regime de internato do Colégio Incomar priorizava a instrução cristã, numa clara demonstração de que a escola tinha o objetivo de ensinar os alunos a partir das disciplinas científicas, mas não só; pretendia, sobretudo, oferecer uma formação pautada no ideário doutrinal da Igreja. Por meio da prática das virtudes e preceitos católicos, o “caráter dos alunos seria moldado”. A instituição dava uma ênfase especial nos seguintes aspectos: rigor disciplinar; ordenação do espaço escolar; práticas cotidianas e utilização do tempo escolar (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1948).

Os internatos católicos sempre foram instituições que desenvolveram um modelo educacional baseado nos bons costumes. Funcionavam sob a lógica da autoridade e da vigilância, de maneira que fosse assegurado um determinado comportamento e evitados possíveis desvirtuamentos dos alunos. Para efetivar tais propostas, o modelo educacional implantado nessas instituições procurava formar nos alunos uma identidade cultural/religiosa própria da Congregação mantenedora. Segundo Justino Magalhães, essas instituições educativas de reclusão “são instituições que mobilizam, através de uma ideologia. Com vista a uma meta e uma identidade cultural” (MAGALHÃES, 2004, p.65).

O forte rigor disciplinar proposto pela pedagogia vicentina no regime de internato misto, que funcionou no Incomar até o ano de 1955, teve a função estratégica de fortalecer o projeto da Igreja de formar bons cristãos e cidadãos exemplares, e acabou por contribuir com o projeto do Estado, que previa o disciplinamento da sociedade e a rigorosa obediência à ordem instituída. A escola usou os mais variados mecanismos, visando a fiscalizar procedimentos e controlar condutas que destoassem dos preceitos educativos propostos pela pedagogia vicentina. Para tal, as religiosas acompanhavam todas as atividades desenvolvidas pelos alunos (ARRUDA, 2011; COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

Em 1955, quando se instalou em Toledo a Congregação dos Irmãos Lassalistas, e foi criado o Colégio La Salle, instituição cuja ênfase era a educação escolar de meninos, o regime de internato do Colégio Vicentino Incomar deixou de ser misto, passando a ser apenas internato de meninas (HISTÓRICO DO COLÉGIO LA SALLE, 1994; GERAÇÃO EM REVISTA, 1973).

4.4 Currículo, formação cívica e práticas religiosas

A concepção de currículo escolar está relacionada a uma prática social complexa, construída historicamente a partir de relações sociais, políticas e econômicas. Nesse sentido, o currículo deve ser concebido não apenas como sinônimo de conteúdo, mas, como um conjunto de experiências de aprendizagem que contempla o conhecimento escolar e as experiências vividas, por isso, sua análise pode ser uma importante chave para a compreensão das práticas e da história das instituições escolares (ARROYO, 2007).

A prática pedagógica do Incomar envolvia o conjunto do fazer escolar, determinando, desde o princípio da aprendizagem, o que se deveria ensinar, as intencionalidades e as finalidades da proposta educativa vicentina, as quais expressavam por meio do currículo, dos conteúdos e de suas práticas, o projeto cultural e social da Igreja Católica.

Ao analisar as disciplinas que compuseram o currículo do Colégio Vicentino Incomar, evidencia-se que, além das matérias consideradas de caráter científico, a instituição incorporou também em sua grade, disciplinas diretamente ligadas ao ideário educacional da Igreja, que propunham a formação moral e religiosa dos alunos. A proposta pedagógica do Incomar esteva calcada num modelo de educação que deveria ultrapassar a preocupação com o conteúdo científico e contemplar o ensino de boas maneiras em sala de aula, bons hábitos, prática de esportes e assimilação dos valores morais cristãos (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

O enriquecimento curricular que incluía o ensino de língua estrangeira sugere certo refinamento cultural, que visava preparar as alunas do curso ginasial para o convívio nos mais diversificados ambientes sociais. A composição da grade curricular da escola constituiu-se numa forte aliada da Igreja para a difusão de seu ideário doutrinal de formação cristã. Desde o primeiro ano de sua fundação, a matéria de religião passou a integrar o currículo da instituição. A Lei Orgânica do Ensino de 1942 preconizava que:

O ensino da religião constitui parte integrante da educação da adolescência, sendo lícitos os estabelecimentos de ensino secundário incluí-lo nas disciplinas do primeiro e do segundo ciclo. Parágrafo único: Os programas de ensino de religião e o seu regime didático serão fixados pela autoridade eclesiástica (BRASIL, 1942, p. 183).

No tocante a essa matéria, a Lei previa que ela deveria se enquadrar no grupo das práticas educativas, ou seja, não seriam registradas notas aos alunos nessa disciplina. Contudo, no Colégio Incomar, segundo consta dos documentos e dos boletins, os alunos eram avaliados e recebiam notas na matéria de religião. A inserção dessa disciplina no currículo servia como instrumento de manutenção do poder da Igreja, que influía na formação do arcabouço moral e religioso dos alunos que, no futuro, seriam os dirigentes daquela sociedade (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1998).

A disciplina de religião era ministrada pelo pároco local e pelas irmãs vicentinas e tinha como finalidade levar as alunas a serem fiéis aos preceitos católicos. As aulas eram complementadas com atividades espirituais práticas, como orações no início e no fim da aula, e participação em eventos religiosos, como missas, procissões e festas. O currículo contemplava a participação nas práticas religiosas como parte formativa dos educandos. A participação, conforme previsto no regimento interno, era obrigatória (COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA, 1961).

As festividades religiosas e as comemorações no ambiente da escola constituíam-se como expressivos acontecimentos sociais pelos quais a instituição escolar ganhava visibilidade e ao mesmo tempo servia para compartilhar sentimentos sociais e culturais (SILVA, 2009). Nos eventos festivos, a população local sempre atendia ao convite da direção do Colégio Incomar e prestigiava a instituição, participando não só no momento da festa, mas também na sua preparação. Nas fotografias abaixo, da década de 1950, é possível observar os alunos participando de procissões, tidas pela instituição como atividades pedagógicas.

Fonte: Acervo do Museu Histórico Willy Barth, Toledo, PR.

Figura 3 Procissão dos alunos do Incomar, 1950 e 1953, respectivamente 

Na primeira imagem da esquerda para direita, os alunos caminham pela região central da cidade de Toledo, seguindo uma procissão em comemoração à Corpus Chisti. Na fotografia é possível notar que os discentes estão com roupas específicas para a comemoração da festividade religiosa. Os meninos estão com roupas pretas e as meninas com vestido branco. A segunda fotografia, de 1953, foi tirada de um ângulo diferente, o retrato captou uma imagem mais distante, que mostra os alunos saindo das instalações do Colégio Incomar para a procissão.

À frente, organizando a fila, está uma irmã, professora da escola, revelando o constante acompanhamento que se fazia das atividades dos alunos, com vistas a uma formação que contemplasse todos os aspectos considerados necessários para uma educação de qualidade. A imagem explicita, além da questão da prática religiosa, a disciplina e o rígido controle da instituição, mediante a constante presença das religiosas no cotidiano discente.

O ano letivo começava com um ato religioso organizado pelas irmãs, professoras do Incomar, e com a presença do pároco local, responsável pela celebração de uma missa. De acordo com o Regimento Interno: “assim o ano estava solenemente abençoado” (COLÉGIO VICENTINO INCOMAR, 1961). Nas atividades religiosas, a participação dos alunos era obrigatória. Outro elemento que reforçava a importância das questões relativas à religião no Incomar, eram os retiros espirituais promovidos pela instituição. Podemos dizer que os ritos e celebrações religiosas faziam parte do currículo e da programação pedagógica do Colégio Vicentino Incomar.

5 Conclusão

A análise dos dados revelados pelas fontes durante a realização da pesquisa demonstrou que no oeste paranaense a institucionalização da educação esteve inserida num conjunto que congregava migração, posse da terra e religião. Assim, o modelo de escola que foi implantada na região se constituiu como subsidiária, ora do desenvolvimento econômico, ora da religião, sempre atendendo aos interesses de determinados grupos privados atuantes em espaços públicos.

A educação escolar foi concebida no interior do processo histórico e social e se tornou parte integrante dele. Ela não se constituiu por si só, mas foi organizada na sua relação com a sociedade, no interior do processo social, e esteve intrinsecamente envolvida com a história e a evolução da sociedade, recebendo uma forte influência religiosa. Podemos afirmar que o catolicismo foi determinante para a institucionalização da educação na cidade de Toledo e, contribuiu para a formação dos valores morais e religiosos e na preservação da ordem social, política e econômica.

As famílias dos migrantes radicados em Toledo acreditavam que a Igreja, representada pelo Colégio Incomar, proporcionaria uma educação sólida a seus filhos, que estaria alicerçada nos seguintes valores: civilidade, respeito à pátria e desenvolvimento integral do sujeito. Para essas famílias, a existência da instituição educativa confessional era a garantia de que as novas gerações receberiam uma educação baseada em princípios cristãos. Para a Igreja, criar uma escola numa localidade que estava em processo de colonização representava controlar o magistério daquela sociedade, um importante instrumento de influência da população, e com isso garantir que as futuras gerações professassem e defendessem a fé católica.

A educação desenvolvida pelo Colégio Incomar estava de acordo com as propostas pedagógicas da Congregação Vicentina, que afirmava que a formação intelectual do sujeito dependia de seu arcabouço moral e espiritual. Nesta perspectiva, era exigido que a educação escolar tivesse uma vertente moralizante e contemplasse valores como: incentivo à bondade em relação ao próximo; cultivo das virtudes cristãs da paciência e da humildade; obediência às autoridades civis e religiosas; amor à pátria e manutenção da ordem social. Em sendo executado tal ideário, a escola teria condições de formar o sujeito civilizado, identificado como o bom cristão e, consequentemente, bom cidadão, atendendo assim, ao ideal almejado pela Igreja e pelo Estado.

Podemos afirmar que o Colégio Vicentino Incomar exerceu um importante papel no conjunto das relações sociais, sempre procurando reforçar os pactos de colaboração recíproca entre a Igreja, o Estado e os grupos que detinham o poder e exerciam influência sobre a sociedade. Num contexto onde poucos tinham acesso aos estudos, menor ainda era o número de pessoas que poderiam pagar para estudar naquela escola, assim, os alunos do Incomar constituíam-se num grupo privilegiado, que recebiam uma formação adequada para ocupar os principais postos no comando político local, contribuindo para a formação da embrionária elite de Toledo.

1Os grupos escolares constituíram-se uma nova modalidade de escola primária, uma organização escolar mais complexa, racional e moderna. Implantados no Brasil no início do período republicano, tornaram-se, ao longo do século XX, no tipo predominante de escola elementar encarnando o sentido mesmo de escola primária no país. Dessa maneira, a história dos grupos se confunde com a história do ensino primário e está no centro do processo de institucionalização da escola pública (SOUZA; FARIA FILHO, 2006, p.24 - 25).

Referências

ANDRADE, Rodrigo Pinto de. Religião e educação escolar na colonização do oeste paranaense: o caso da implantação do Colégio Vicentino Incomar, de Toledo (1948 - 1965). 303 f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2017. [ Links ]

ARROYO, Miguel. Educadores e educandos, seus direitos e o currículo. Salto Para o Futuro, boletim 17, set. 2007, p. 07 -11. Indagações sobre o currículo do Ensino Fundamental. Brasília: SEED-MEC, 2007. [ Links ]

ARRUDA, Maria Aparecida. Formar almas, plasmar corações, dirigir vontades: o projeto educacional das Filhas da Caridade da Sociedade São Vicente de Paulo (1898-1905). 252 f. Tese. (Doutorado em Educação) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011. [ Links ]

BRASIL. Decreto-Lei n. 4.244 de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do Ensino Secundário. Coletânea de legislação e Jurisprudência. São Paulo, v.6, p. 179-194, 1942. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO INCOMAR, ACERVO DIGITAL. Fotografia das irmãs Lúcia Mikosz; Elia Bassani e Verônica Sawtczuck. Disponível em: https://colegioincomar.com.br/nossa-historia/ Acesso em: 01 mai. 2016. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO INCOMAR, ACERVO DIGITAL. Fotografia da primeira turma do Colégio Vicentino Incomar, 1948. Disponível em: https://colegioincomar.com.br/nossa-historia/. Acesso em: 22 abr. 2016. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Livro de matriculas do Colégio Vicentino Imaculado Coração de Maria. Toledo, 1953. 04 f. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Livro de matriculas do Colégio Vicentino Imaculado Coração de Maria. Toledo, 1952. 04 f. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Livro-atas: fundação do Colégio Vicentino Imaculado Coração de Maria. Toledo, 1948. 02 f. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Boletim Informativo: edição histórica em comemoração aos 50 anos da instituição. Toledo, 1998. 03f. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Livro de frequência do ano de 1948. Toledo, 1948. 01f. [ Links ]

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Livro de frequência do ano de 1949. Toledo, 1949. 01f. [ Links ]

EMER, Ivo Oss. Desenvolvimento histórico do oeste do Paraná e a construção da escola. 1991. 339 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Instituto de Estudos Avançados em Educação, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1991. [ Links ]

FREITAG, Liliane. Extremo - oeste paranaense: história territorial, região, identidade e (re)ocupação. 2007. f. 209. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Franca, 2007. [ Links ]

GERAÇÃO EM REVISTA. Colégio Vicentino Imaculado Coração de Maria. Geração em Revista. Toledo, v. 1, n.3, p.3-4, 1973. [ Links ]

GREGORY, Valdir. Os Eurobrasileiros e o Espaço Colonial: migrações no oeste paranaense. Cascavel: EDUNIOESTE, 2005. [ Links ]

HISTÓRICO DO COLÉGIO LA SALLE. Histórico do Colégio La Salle. Arquivo do Museu Histórico Willy Barth. Toledo: 1993. [ Links ]

HISTÓRICO DO INSTITUTO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Colégio Vicentino Incomar. Toledo: 1965. [ Links ]

HISTÓRICO DO INSTITUTO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Colégio Vicentino Incomar. Toledo: 1997. [ Links ]

LEONARDI, Paula. Educação e catolicismo. Pensar a Educação em Revista, Curitiba, v. 2, n. 4, p. 3 -23, out-dez/2016. [ Links ]

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Contributo para a História das Instituições Educativas: Entre a memória e o arquivo. Braga, Universidade do Minho, 1999. [ Links ]

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo Nexos: história das instituições educativas. Bragança Paulista: EDUSF, 2004. [ Links ]

MEZZOMO, Frank Antonio. Religião, Nomos e utopia: o catolicismo na colonização da região de Toledo (Paraná, 1940 - 1970). 2000. 175 f. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2000. [ Links ]

MUSEU HISTÓRICO WILLY BARTH. Procissão dos alunos do Colégio Incomar, 1950 e 1953. Toledo, 1950 e 1953. Disponível em: https://www.toledo.pr.gov.br/portal/cultura/museu-historico-willy-barth. Acesso em: 09 jul. 2015. [ Links ]

NOSELA, Paolo; BUFFA, Ester. Instituições Escolares: por que e como pesquisar. Campinas: Alínea, 2009. [ Links ]

OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Famílias e natureza: as relações entre famílias e ambiente na colonização de Tangará da Serra - MT. Tangará da Serra: Sanches, 2004. [ Links ]

REGIMENTO INTERNO DO COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA. Colégio Vicentino Incomar. Toledo: 1961. [ Links ]

REISDORFER, Sandra Inês; A trajetória histórica do Colégio Vicentino Imaculado Incomar: um estudo de caso de Toledo-PR. 2006. 139f. Monografia. (Especialização em História da Educação Brasileira). Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel: 2006. [ Links ]

SÃO VICENTE DE PAULO. Conferências às Filhas da Caridade. Lisboa. Casa Central das Filhas da Caridade, 1960. [ Links ]

SOUZA, Rosa Fátima; FARIA FILHO, Luciano Mendes. A contribuição dos estudos sobre grupos escolares para a renovação da história do ensino primário no Brasil. In: VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e socialização da infância no Brasil. (1893 -1971). Campinas: Mercado Aberto, 2006. p. 21 -56. [ Links ]

SAWTCZUCK, Irmã Verônica. Irmã Verônica Sawtczuck: depoimento concedido em 12 de setembro de 1985 ao Museu Histórico Willy Barth. Toledo, 1985. [ Links ]

SCHNEIDER, Claécio Ivan. Os senhores da terra: produção de consensos na fronteira. (Oeste do Paraná, 1946-1960). 2001. 157 f. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual do Paraná, 2001. [ Links ]

WESTPHALEN, C. M.; MACHADO, B.P.; BALHANA, A.P. Nota prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno. Boletim da Universidade Federal do Paraná. n.º 7. Curitiba: Departamento de História, 1968. [ Links ]

Recebido: 26 de Junho de 2018; Aceito: 06 de Novembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.