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Eccos Revista Científica

Print version ISSN 1517-1949On-line version ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.62 São Paulo July/Sept 2022  Epub Feb 12, 2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n62.23199 

Dossiê: Políticas para o Ensino Médio em tempos de hegemonia conservadora

REFORMA DO ENSINO MÉDIO E BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: FORMAS ATUAIS DE EXPRESSÃO DO CAPITAL NA EDUCAÇÃO

HIGH SCHOOL REFORM AND COMMON NATIONAL CURRICULUM BASE: CURRENT FORMS OF EXPRESSION OF CAPITAL IN EDUCATION

REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA Y BASE NACIONAL COMÚN CURRICULAR: FORMAS ACTUALES DE EXPRESIÓN DEL CAPITAL EN LA EDUCACIÓN

Celso do Prado Feraz de Carvalho, Doutor em Educação: História, Professor1 
http://orcid.org/0000-0001-8703-8236

1Doutor em Educação: História, Política e Sociedade (PUC/SP), Professor do PPGE/Uninove


Resumo

O golpe de agosto de 2016 teve como consequência, no campo da educação, a retomada de um discurso acerca da necessidade de se reformar o Ensino Médio, com ênfase na necessidade de viabilizar a formação profissional, a empregabilidade e a adequação aos mundos do trabalho. No contexto desse processo, foram produzidas a reforma do Ensino Médio, de 2017, e a definição de uma nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018. O processo reformista em curso não é novo e reafirma-se na necessidade de adaptação dos sistemas de ensino às demandas postas pelas transformações do capitalismo, que em razão de sua crise precisa ampliar formas de extração de mais-valia via ampliação da produtividade e precarização do trabalho. A primeira parte do texto apresenta a forma como esse processo expressou diferentes concepções de organização desse nível de ensino: a pedagogia das competências e do aprender a aprender e o trabalho como princípio educativo. Na segunda parte, mostramos as propostas de reorganização da educação de nível médio no contexto dos pós-golpe de 2016, materializada na reforma do Ensino Médio e na BNCC. Na terceira parte do texto analisamos como a ênfase atribuída aos itinerários formativos e à flexibilização curricular concorrem como elementos propiciadores de maior desqualificação do trabalho docente e de ampliação da dualidade estrutural no Ensino Médio, além de inviabilizar a formação integral e ampliar os problemas já presentes nesse nível de ensino.

Palavras-chave: base nacional comum curricular; itinerários formativos; pedagogia das competências; reforma do ensino médio; trabalho como princípio educativo.

Abstract

The coup of August 2016 resulted, in the field of education, in the resumption of a discourse about the need to reform High School, with an emphasis on the need to enable professional training, employability and adaptation to the worlds of work. In the context of this process, the 2017 High School reform and the definition of a new National Common Curricular Base (BNCC) were produced in 2018. The ongoing reform process is not new and reaffirms the need to adapt the education systems to the demands posed by the transformations of capitalism, which, due to its crisis, needs to expand ways of extracting surplus value through the expansion of productivity and precariousness of work. The first part of the text presents the way in which this process expressed different conceptions of organization of this level of education: the pedagogy of competences and learning to learn and work as an educational principle. In the second part, we show the proposals for the reorganization of secondary education in the context of the 2016 post-coup, materialized in the reform of secondary education and the BNCC. In the third part of the text, we analyze how the emphasis given to training itineraries and curricular flexibility compete as elements that promote greater disqualification of teaching work and the expansion of the structural duality in High School, in addition to making integral training unfeasible and expanding the problems already present in this level of education.

Keywords: common national curriculum base; formative itineraries; pedagogy of competences; high school reform; work as an educational principle.

Resumen

El golpe de Estado de agosto de 2016 resultó, en el campo de la educación, en la reanudación de un discurso sobre la necesidad de reformar la Enseñanza Media, con énfasis en la necesidad de posibilitar la formación profesional, la empleabilidad y la adaptación al mundo del trabajo. En el marco de este proceso, en 2018 se produjo la reforma de la Enseñanza Media de 2017 y la definición de una nueva Base Curricular Común Nacional (BNCC). El proceso de reforma en curso no es nuevo y reafirma la necesidad de adecuar los sistemas educativos a las demandas planteadas. por las transformaciones del capitalismo, que debido a su crisis necesita ampliar las formas de extracción de plusvalía a través de la expansión de la productividad y la precariedad del trabajo. La primera parte del texto presenta la forma en que este proceso expresó diferentes concepciones de organización de este nivel educativo: la pedagogía de las competencias y el aprender a aprender y trabajar como principio educativo. En la segunda parte, mostramos las propuestas de reordenamiento de la educación secundaria en el contexto del posgolpe de 2016, materializadas en la reforma de la educación secundaria y la BNCC. En la tercera parte del texto, analizamos cómo el énfasis en los itinerarios formativos y la flexibilidad curricular compiten como elementos que promueven una mayor descalificación del trabajo docente y la ampliación de la dualidad estructural en la Educación Secundaria, además de inviabilizar la formación integral y ampliar los problemas ya presentes en este nivel educativo.

Palabras clave: base nacional común curricular; itinerarios formativos; pedagogía de las competencias; reforma de la escuela secundaria; trabajo como un principio educativo.

Introdução

As últimas três décadas marcam um período em que diversas políticas educacionais foram implementadas com o objetivo anunciado de melhorar da qualificação profissional dos trabalhadores, cada uma delas com um modelo de educação e de formação distinta. No contexto dessas políticas, destaque deve ser dado às reformas propostas para a educação de nível médio, tanto a educação profissional quanto a educação básica. Esse nível de ensino tem sido objeto de questionamentos históricos como a crítica à permanência de uma dualidade estrutural em sua organização e estrutura, o que se expressa na ausência de um currículo que propicie formação integral, profissional e terminalidade.

Do ponto de vista estrutural, as referidas reformas expressam a necessidade de adequação dos sistemas de ensino às demandas postas pelas transformações produzidas no capitalismo, que em razão de sua crise busca ampliar suas formas de reprodução via ampliação da produtividade e extração de mais-valia. Tal processo tem implicado mudanças nos processos e formas de organização de trabalho, em especial com a ampliação da jornada de trabalho fundada na extensão do uso de tecnologias de comunicação e na constrição de um trabalhador adaptável a tais mudanças. Entre as teses defendidas pelos reformadores da educação há o argumento de que as relações sociais de produção estariam sendo profundamente modificadas em razão das transformações produzidas pela revolução tecnológica e pela necessidade de trabalhadores com competências mais amplas e capazes de adequação a diferentes situações de trabalho. Em síntese, defendem a tese de que na chamada sociedade do conhecimento os sistemas de ensino devem se readaptar.

Essa forma particular de compreender os processos metabólicos do capital que está em curso levou categorias como trabalho e formação e conceitos como conhecimento, aprendizagem, informação e saber a se transformarem em lugar comum no discurso reformista e nas propostas de políticas educacionais para o Ensino Médio1. Disseminado de forma ampliada por meio de diversos documentos produzidos pelas agências multilaterais nas décadas de 1980 e 19902, o clamor pelo conhecimento foi alçado à condição de meio para se resolver problemas os mais diversos, notadamente aqueles derivados das necessidades postas pela crise do capital, agora denominada reestruturação produtiva. Dessa forma, foi construído o discurso justificador da necessidade de adaptação dos sistemas escolares aos processos produtivos via reformas educacionais. Alçado à condição de força produtiva o debate acerca do conhecimento passou a ser feito tendo em vista uma dupla questão: sua disseminação e acesso. No discurso educacional e, especificamente, nas propostas de política educacional para o Ensino Médio, a centralidade passa a ser a necessidade de possibilitar aos estudantes o acesso às condições que lhes permita apropriar-se desse conhecimento, enfatizando que o importante passa a ser aprender a aprender, pois o que deve ser aprendido estaria a todos disponíveis.

Neste texto, nosso objetivo é apresentar as nuances desse debate e sua expressão nas políticas educacionais para o Ensino Médio a partir da década de 1990, momento em que o discurso em defesa da incorporação, pela educação escolar, da pedagogia do aprender a aprender se intensificou. Apresentamos, na primeira parte do texto, a forma como esse processo expressou concepções de organização distintas desse nível de ensino: a pedagogia das competências e do aprender a aprender e o trabalho como princípio educativo. Na segunda parte, discutimos as propostas de reorganização da educação de nível médio no contexto do pós-golpe de 2016, materializada na reforma do ensino médio de 2017 e na Base Nacional Comum Curricular de 2018. Na terceira parte do texto, analisamos como a ênfase atribuída pela reforma aos itinerários formativos e à flexibilização curricular concorrem como elementos propiciadores de maior desqualificação do trabalho docente e de ampliação da dualidade estrutural no Ensino Médio, além de inviabilizar a formação integral e ampliar os problemas já presentes nesse nível de ensino.

O pomo da discórdia no debate sobre o ensino médio

Na década de 1990, em um contexto marcado ideologicamente pelo discurso da globalização, da revolução tecnológica, da reestruturação produtiva, da desregulamentação, a retórica oficial definiu a educação como espaço fundamental para adaptar os trabalhadores às demandas postas pelos processos de reorganização social em curso. Para tanto, era fundamental melhorar a escolaridade dos trabalhadores, ampliando a educação básica e seus indicadores de qualidade, bem como as condições de acesso e permanência dos estudantes nos sistemas de ensino.

O debate sobre Ensino Médio e suas implicações na formação profissional foi saturado por conceitos como competências, saberes e flexibilização curricular. A tese advogada de que novas formas de organização do trabalho e da produção demandavam novos modelos de educação e de formação profissional foi disseminada em meio ao discurso de defesa do empreendedorismo, da empregabilidade e de uma educação pautada por habilidades, competências e conhecimentos técnicos necessários à formação do novo trabalhador.

No Brasil, diferentes têm sido as teses defendidas ao longo desse tempo e o debate sobre Ensino Médio envolve pelo menos dois grandes grupos com propostas distintas. Faremos a seguir uma breve caracterização desses grupos e das teses que defendem, os quais envolvem pesquisadores e intelectuais que, de forma direta ou indireta, pautaram o debate e as políticas educacionais para esse nível de ensino no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e nos governos petistas (2003-2016).

Um primeiro grupo, que ascendeu ao poder na década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, teve como eixo articulador a defesa e disseminação das teses presentes em diferentes documentos produzidos por agências multilaterais diversas. Esses documentos ressaltavam a necessidade premente de que, dadas as transformações contemporâneas em diversas esferas, especialmente na econômica, à educação caberia buscar, tanto no plano coletivo quanto no individual, a constituição de um novo sujeito social capaz, não só de conviver com tais transformações, mas, principalmente, extrair delas o melhor partido, tendo em vista o bem-estar de países e pessoas. Num dos documento mais importantes do período: Educación y Conocimiento: eje de la transformación com equidade (CEPAL/OREALC, 1992), essa perspectiva foi traduzida na fórmula competitividade autêntica e moderna cidadania. O primeiro termo representava a articulação entre construção e aperfeiçoamento das capacidades de uma nação e “(...) uma efetiva integração e coesão social que permita aproveitar essas capacidades em função de uma exitosa inserção internacional (...)” (idem, p. 12); e moderna cidadania constituía o fim último, em que a promoção de um nível mais alto de vida para os cidadãos fosse o objetivo central que propiciasse “a coesão social, a eqüidade, a participação” (idem, p. 17). Ao primeiro termo pode-se associar, no âmbito educacional, a preocupação com a formação de recursos humanos (no plano geral e, especificamente, no profissional) como uma das teses centrais presente no texto tendente à “incorporação e difusão deliberada do progresso técnico [que] constitui o pivô da transformação produtiva e sua compatibilização com a democratização política e uma crescente equidade social.” (idem, p. 18) Tal formação, fundada na assimilação de elementos do denominado progresso técnico, contribuiria, por suposto, para aumentar a produtividade de trabalhadores já inseridos no conjunto da população economicamente ativa e dos estudantes que futuramente viessem a fazer parte dela.

O contexto do governo de FHC, marcado pelo predomínio dessa racionalidade, possibilitou que uma série de processos normativos fossem produzidos alterando aspectos importantes da organização da educação de nível médio, entre eles o Decreto Federal 2208/1997 que regulamentou o §2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 (BRASIL, 1997), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, de 1998 (BRASIL, 1999), a Resolução CEB/CNE 04/1999 (BRASIL/CEB/CNE, 1999a) e o Parecer CEB/CNE 16/1999 (BRASIL/CEB/CNE, 1999b), que estabeleceram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, além do documento elaborado pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica do MEC, que definiu os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL/MEC/SENTEC, 2000).

Esse imenso marco regulatório estabeleceu um conjunto de metas para a educação de nível médio centradas na adaptação e adequação dos sistemas de ensino às demandas dos mercados de trabalho. O discurso enfatizado era de que os sistemas de ensino e de formação profissional eram inadequados e precisavam ser reformados em sua organização curricular, para incorporação de princípios que possibilitassem aos estudantes o desenvolvimento de habilidades e competências.

Uma das faces ideológicas desse processo reformista visava encontrar uma narrativa para lidar com o aumento considerável do desemprego gerado pela restruturação produtiva, a flexibilização da legislação trabalhista, o deslocamento de capital sem controle mundo afora, a financeirização da economia e pela busca do capital por trabalho e matérias primas mais baratas. O desemprego não era uma condição momentânea, de crise local ou derivada de um problema de má gestão - era um problema estrutural.

Esse pano de fundo define a emergência do discurso acerca da empregabilidade e da formação permanente. Afirma a tese de que o trabalho não é mais direito de todos, de que o mercado de trabalho é dinâmico e de que os trabalhadores devem adequar-se às suas demandas. Propõe novos sentidos para explicar a relação dos trabalhadores com o mercado de trabalho: não há desemprego, mas, sim, trabalhadores sem formação profissional adequada. O tempo do trabalho como direito garantido pela legislação está superado e, por isso, cabe a todos estarem em condições de empregabilidade, entendida como situação em que a formação adequada ao mercado deveria ser requisito premente.

Os formuladores das políticas educacionais brasileiras incorporavam ao debate teses já amplamente defendidas nos países centrais: adequação dos processos de formação profissional dos trabalhadores de acordo com as novas necessidades da produção, especificamente dos setores de ponta da economia, caracterizados pelo uso intensivo de tecnologias poupadoras de mão de obra. A defesa que faziam de uma educação centrada em competências estava assentada na premissa de que os processos de reestruturação produtiva redefiniram o mundo do trabalho, incorporaram novas formas de gestão e organização, com a eliminação de hierarquias e a introdução da produção em células, com a valorização dos saberes e conhecimentos dos trabalhadores. O trabalhador requerido deveria ser comunicativo, participativo, dinâmico, capaz de se adaptar a novas situações, de improvisar, ser propositivo etc. Em síntese, a defesa feita pelos reformadores da educação era a de que os sistemas de formação deveriam se organizar para formar um trabalhador que, além dos conhecimentos técnicos inerentes às profissões, possuísse competências sociais, emocionais e de comunicação, requisitos necessários para estarem em condições de empregabilidade e de atendimento às demandas mutantes do mercado de trabalho.

O segundo grupo era constituído, em grande parte, de críticos das reformas realizadas pelos governos de FHC e ganhou expressão com a ascensão política do petismo a partir de 2003. Parte significativa da crítica construída por esse grupo tem origem nas atividades do GT Trabalho e Educação da Anped. Em que pesem divergências presentes no grupo, é possível afirmar que possui em comum a defesa de uma organização da educação de nível médio fundada nas premissas do trabalho como princípio educativo, na politecnia, na omnilateralidade, na formação integral e na crítica à educação organizada com base nas competências, desse modo se diferenciando das perspectivas de reforma que caracterizaram o governo de FHC. Acácia Kuenzer, uma das defensoras dessa concepção, afirma que a educação deve ser pensada em articulação com o trabalho, o que significa pensar a escola a partir das relações sociais de produção. Para ela, dificilmente a dualidade entre ensino acadêmico e trabalho manual, entre formação teórica/academicista/propedêutica e a formação estrita para o trabalho será superada somente no âmbito da educação pública. Afirma ainda que:

É preciso avançar na compreensão da relação entre escola e trabalho, e particularmente, na adoção do trabalho como categoria explicativa e princípio organizador do ensino de 2º grau, de modo a atender as necessidades da classe trabalhadora na construção de seu projeto hegemônico. A grande questão permanece, contudo, no entendimento do que seja essa ‘qualidade’ reivindicada, e como ela poderá ser traduzida em uma proposta curricular que supere as soluções até agora implementadas, as quais, ou têm como eixo a educação geral ou, na tentativa de se articular com o trabalho, apenas reproduzem a estratégia fabril - a pedagogia da fábrica - que se caracteriza pela distribuição desigual de um saber fragmentado e parcial, limitando a transmissão de modos de fazer, sem a correspondente apropriação dos princípios teóricos e metodológicos que lhe dão suporte. (KUENZER, 1989, p. 22)

Decorre da fala da autora que o trabalho como princípio educativo não propõe ter como fim ensinar a trabalhar, mas afirmar que é por meio do elemento social trabalho que o estudante terá acesso à diversidade de assuntos a ele relacionados, para além da formação específica demandada pela atividade laboral. Entende, portanto, que o trabalho é uma das primeiras interações humanas de transformação da realidade e constitui processo histórico. Essa concepção defende que a leitura econômica é necessária sobretudo para a realização da educação integral, e que equipes pedagógicas, professores e reformadores de políticas públicas se apropriem de tais delimitações e diferenças do conceito. Caso isso continue não ocorrendo, incidiremos nos mesmos erros históricos que a educação de nível médio tenta resolver desde sempre.

Olhar para a educação nesse nível de ensino e delimitá-la como simples formação de mão de obra para o trabalho, como o faz a pedagogia centrada no desenvolvimento de competências, é simplista, reducionista e limitador. O trabalho como princípio educativo amplia o conceito do que é ser trabalhador e do que chamamos hoje mundo do trabalho. Na apresentação do livro Trabalho, formação e currículo, Celso Ferretti, João dos Reis e Maria Rita Oliveira (1999, p. 8) enfatizam a relação entre escola e trabalho da seguinte forma:

De um lado, o seu tratamento como formadora de recursos humanos, entendidos como os portadores de capacidades requeridas pelo mercado de trabalho - elementos centrais da “produção inteligente” - em um contexto de políticas educacionais fundadas no princípio da equidade e em compreensão estreita dos processos educativos vistos pela ótica da empregabilidade, na formação social brasileira, marcadas pelas características de exclusão e dominação sociais. De outro lado, o seu tratamento como processo formativo de constituição histórica do ser humano, como um processo fortalecedor do pluralismo político e cultural, comprometido com um sistema democrático e com a eliminação daquelas características. Em outras palavras, enfrentar o desafio de superar as contradições entre educação orientada pelos valores do mercado de trabalho e a educação voltada para uma democracia social e econômica.

Os autores reforçam a crítica à ideia de mercado de trabalho como elemento definidor da organização dos sistemas de ensino, que se esgota na premissa de um trabalhador “fazedor” de tarefas. Defendem a compreensão de mundo do trabalho como espaço que demanda do indivíduo a compreensão de sua ação no mundo e das consequências dessa ação. Pensar a formação nessa perspectiva exige reformas no sistema de ensino, mas reformas que mudem a perspectiva de formação para o trabalho no nível médio na direção de superar a visão instrumentalizada e mecanicista do trabalhador e possibilitem uma visão de formação emancipadora desse trabalhador.

O projeto de educação e formação que tenha o trabalho como princípio educativo, em sua gênese, implica a formação do homem omnilateral, aquele que acessa uma gama de conhecimentos que lhe dê fundamentos sólidos para atuar na sociedade e transitar pelos universos acadêmico e de trabalho como cidadão ativo e capaz de lutar pela sua emancipação.

Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos, no livro Ensino Médio Integrado: concepções e contradições, discorrem sobre a necessidade de vinculação da educação à prática social em que o trabalho, tomado como princípio educativo - em sua dimensão pedagógica, portanto - pode contribuir para a transformação da educação de nível médio no Brasil:

O debate teórico travado pela comunidade educacional, especialmente entre aqueles que investigavam a relação entre trabalho e a educação, afirmava a necessária vinculação da educação à prática social e o trabalho como princípio educativo. Se o saber tem uma autonomia relativa face ao processo de trabalho do qual se origina, o papel de ensino médio deveria ser o de recuperar a relação entre conhecimento e a prática do trabalho. Isto significaria explicitar como a ciência se converte em potência material no processo de produção. Assim, seu horizonte deveria ser de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não se deveria, então, propor que o ensino médio formasse técnicos especialistas, mas sim politécnicos. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 35)

É assim que o conjunto de ideias defendidas pelo conceito de trabalho como princípio educativo busca romper com a dualidade entre formação geral e formação técnica: implica propor a formação humana em sua totalidade, ancorada no conhecimento, na educação integral, na ciência, na cultura, na tecnologia, no humanismo e na busca de um trabalhador que desenvolva todas as suas potencialidades.

No contexto dos governos petistas (2003-2016), até sua interrupção pelo golpe de 2016, a política adotada para a educação de nível médio incorporou, conceitualmente, como um de seus fundamentos o trabalho como princípio educativo. Essa incorporação se fez presente em diferentes marcos regulatórios do período como o Decreto Federal 5.154/2004, que redefiniu a organização da educação técnica de nível médio e abriu a possibilidade de minimizar a dualidade entre trabalho manual e trabalho intelectual, orientando-se pelo princípio da formação integrada; o Parecer CNE/CEB nº 39/2004 (BRASIL/CNE/CEB, 2004), que estabeleceu a aplicação do Decreto 5154 e foi importante para o processo de readequação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional Técnica de Nível Médio, ambas de 2012, e do Catálogo Nacional de Cursos Técnico de Nível Médio; a Resolução Nº 1, de 3 de fevereiro de 2005 (BRASIL/CNE/CEB, 2005), que adequou essas mesmas diretrizes às disposições do mesmo Decreto 5.154; o Parecer CNE/CEB nº 11/2008, que apresentou proposta de instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio, a partir de eixos tecnológicos, e não por áreas (BRASIL/CNE/CEB, 2008); a Lei Nº 11.741, de 16 de julho de 2008, que alterou dispositivos da Lei nº 9.394, de 1996, visando redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, a educação de jovens e adultos e a educação profissional e tecnológica, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2012 (BRASIL, 2008).

Cabe ressaltar que, ao longo do período petista, a presença de propostas educacionais fundadas no trabalho como princípio educativo não significou o fim da presença do conceito de competências - ele continuou presente, embora não ocupando o centro do debate. No caso do ensino médio e da educação profissional de nível médio houve muita tensão e enfrentamento político: os defensores de uma educação centradas nas demandas do mercado de trabalho não foram derrotados e continuaram a exercer influência no debate. Foram coroados em 2007 com a assimilação, pelo Ministério da Educação, das teses defendidas pelo Movimento Todos pela Educação, em grande parte defensores de uma formação centrada nas demandas do mercado de trabalho e de grupos privados que atuam na educação. Os defensores da tese do trabalho como princípio educativo tiveram importante vitória em 2008 com a criação dos Institutos Federais de Educação, que incorporam em sua proposta pedagógica tais princípios e representaram, ao longo do tempo, um espaço de disseminação e de resistência dessa concepção de formação.

O golpe de 2016 mudou significativamente as condições do debate educacional de forma geral e, especificamente, o debate sobre o ensino médio. O contexto pós-golpe foi marcado pelo retorno imediato do controle do Ministério da Educação por forças políticas que, em grande parte, ocuparam cargos importantes no governo de FHC. Com isso, tivemos a retomada do debate educacional sobre o ensino médio centrado no conceito de competências e sua incorporação à reforma de 2017.

A educação de nível médio no contexto pós-golpe de 2016

O golpe de agosto de 2016 teve como uma de suas consequências mais significativa a mudança nas políticas públicas e na relação dessas políticas com o gasto público. Implicou a interrupção do processo de debate democrático e a constituição de um governo ilegítimo, propiciando as condições para a implementação de um conjunto de políticas que aprofundaram o ajuste fiscal, gerando contingenciamento de gastos, corte e transferência de verbas do orçamento público para setores privados e o congelamento do dispêndio público em saúde, educação e seguridade social por 20 anos.

No campo da educação, as mudanças foram imediatas, especificamente visível com a intervenção no processo de elaboração da BNCC e na retomada de um discurso acerca da necessidade de se reformar o Ensino Médio. Em meio a um processo político tenso foi definido quais forças políticas participariam do processo de elaboração dessas reformas e quais não. Como em outros momentos, retomou-se o discurso que enfatiza a necessidade de a educação de nível médio estar organizada para atender as demandas e as condições para a formação para o trabalho e a empregabilidade, no sentido da adequação e adaptação ao mundo do trabalho. Fundado nesse discurso, o Ensino Médio foi profundamente impactado pelas políticas produzidas pelo governo golpista: a reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017) e a definição de uma nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (BRASIL, 2018)

Tanto a reforma do ensino médio quanto a nova BNCC propõem mudanças significativas na estrutura, organização e currículo do Ensino Médio, além de mudanças no trabalho e na formação docente. Esse processo, em nosso entendimento, acentuou os problemas já existentes nesse nível de ensino, com o aprofundamento da lógica da dualidade estrutural que o caracteriza, expressa na proposta de ampliação da jornada escolar (mas não de formação integral) que desarticula a formação geral fundada em conhecimentos científicos e desqualifica o trabalho docente via itinerários formativos e flexibilização curricular.

A reforma do Ensino Médio ocorreu no mandato do governo Michel Temer a partir da promulgação da Lei nº 13.415/2017, tendo sido objeto de intensa crítica devido à dimensão das medidas propostas e da ausência de discussão, especificamente as alterações curriculares, a reorganização da carga horária e a criação dos itinerários formativos. Um dos principais argumentos a sustentar a necessidade da reforma foi o de que os resultados aferidos pelas avaliações de larga escala, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a Prova Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), eram insatisfatórios e estavam abaixo das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Outro fator elencado foi a dispersão do currículo em várias disciplinas não articuladas, que seria uma das razões do desinteresse dos alunos e causa do abandono escolar. Quanto a essas questões, o forte apelo para que o Ensino Médio tivesse um caráter de terminalidade e de formação profissional formou o enredo a justificar a necessidade de mais uma reforma.

A reforma do Ensino Médio de 2017 começou a ser elaborada no ano anterior, em meio ao processo de desestabilização política comandado por setores da direita, que ganhou expressão e viabilidade com o início do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. A consecução do golpe jurídico, midiático e parlamentar abriu caminho para o Estado de exceção, em que a correlação de forças passou a ser totalmente favorável às teses mercantis e privatistas. Segundo Marise Ramos “[...] a contrarreforma do ensino médio é a expressão dessa reação da classe dominante, que a empreende por meio da permanente exceção conjugados [sic] com a obtenção do consenso.” (RAMOS, 2019, p. 10).

A reforma suscitou um conjunto amplo de críticas, especificamente o caráter reducionista que a orienta em termos de perspectiva de formação, a ênfase que atribui a um modelo de formação profissional instrumental e aligeirado de, e seu caráter autoritário, em razão do esforço realizado pelas forças políticas no poder em limitar o debate e as críticas, encaminhando sua aprovação pelo Congresso Nacional de maneira a dificultar o debate. Diferentes pesquisadores e professores com vasta experiencia em políticas educacionais, como Ferretti (2018), Hernandes (2019), Ramos (2019) e Ramos e Frigotto (2016), mencionaram que o processo político que levou à contrarreforma do Ensino Médio, derivado do golpe de 2016, se constituiu em ataque dos mais danosos aos avanços que vinham ocorrendo na Educação Básica e nas conquistas de uma educação assentada em uma perspectiva de formação unitária e integrada.

Outro processo profundamente impactado pelo golpe de 2016 foi o da elaboração da BNCC. Ao longo do processo de desestabilização política do governo de Dilma Rousseff a discussão e elaboração do documento passou por momentos em que o debate foi amplo e crítico, com a participação de todos os setores envolvidos com a educação. Duas versões do documento foram sistematizadas e apresentadas à sociedade ainda no governo Rousseff. A terceira e definitiva versão do documento, preparada e divulgada já no contexto do governo golpista, incorporou grande parte das sugestões dos representantes das fundações privadas e de agências multilaterais como a Unesco. O resultado mais visível do processo foi a mudança significativa nos fundamentos e na orientação da BNCC, que deixaram de ter o trabalho como princípio educativo como referência e a pedagogia das competências e do aprender a aprender. A BNCC para o Ensino Médio somente foi finalizada um ano após, em 2018. Sua redação ocorreu de forma totalmente controlada, sem debate público e com a presença significativa de defensores de uma proposta voltada ao pragmatismo e a adequação da educação ao mercado de trabalho.

A BNCC é o documento que define o currículo mínimo para todo o país, cabendo ao poder local, seja em âmbito estadual ou municipal, elaborara documentos curriculares que sejam expressão de contextos e da realidade local e social das escolas, seus professores e alunos, além da comunidade. Dez competências gerais estruturam o documento e organizam as grandes áreas do conhecimento e suas tecnologias, previstas para todo o processo formativo do educando ao longo do seu percurso no Ensino Básico. As dez explicitam processos cognitivos, o desenvolvimento de habilidades e a formação de atitudes e valores, seguindo os parâmetros gerais da LDB. Serve como documento normativo e de referência nacional para todos os currículos e define as aprendizagens consideradas essenciais a serem desenvolvidas na Educação Básica. Em razão de seu caráter normativo nacional e da necessidade de incorporação de seus princípios, implica em mudanças nas políticas de formação dos professores e nos cursos de licenciatura, na redefinição de processos de gestão, organização e realização do trabalho escolar, na adequação do material didático-pedagógico e, consequentemente, na política nacional para o livro didático, na reorganização geral dos conhecimentos e da bibliografia indicada em concursos docentes e mudanças nas políticas de financiamento da educação básica.

Em síntese, a reforma do Ensino Médio de 2017 e a BNCC estabeleceram novos parâmetros na organização do Ensino Médio, como modificações na carga horária ao longo dos três anos e uma nova proposta de organização curricular via itinerários formativos, especificamente em razão da incorporação do itinerário Formação técnica e profissional. A reforma definiu que a carga horária a ser definida pela BNCC ao longo dos três anos não pode ser superior a 1.800 horas, sendo a restante definida pela oferta de itinerários formativos. Tal organização da carga horária é objeto de diversas críticas, pois reduz em 200 horas por ano a presença obrigatória no currículo das disciplinas do núcleo comum. Como o restante da carga horária será definida pelos itinerários formativos, em tese por meio da escolha dos estudantes (pois a definição dos itinerários cabe as redes de ensino), pode criar condições para que ocorra a oferta de itinerários os mais diversos, que atendam interesses imediatos ou modistas, de caráter precário e que não contribuam com a formação dos estudantes. Tal perspectiva é agravada pelo fato de a legislação permitir que as redes de ensino estabeleçam convênios os mais diversos para a oferta dos itinerários de formação profissional. Criam se condições em que por meio das parcerias público-privadas ocorra um processo de desqualificação da educação pública e de ampliação de sua utilização como espaço mercantil.

Itinerários formativos e flexibilização curricular

O discurso construído para legitimar as recentes reformas da educação de nível médio enfatiza a necessidade de auxiliar as escolas a construírem propostas pedagógicas que deem conta das demandas de uma sociedade complexa, de uma sociedade que apresenta várias identidades culturais, étnicas e linguísticas e que estaria a clamar por equidade. Ao mesmo tempo, esse discurso enfatiza que cada aluno seja visto como ser único e protagonista de seu processo de aprendizagem, ou seja, a escola precisa dar conta do universal e, também, de interesses e demandas particulares de formação. A solução encontrada para atender interesses do mundo do trabalho e protagonismo discente foi a reintrodução no debate da antiga temática da flexibilização curricular, dessa vez acompanhada do conceito de itinerário formativo.

O discurso em defesa dos itinerários formativos enfatiza que eles são capazes de garantir aos alunos o protagonismo na escolha dos conteúdos a partir da flexibilização curricular, e enfatiza a necessidade de atender às demandas e aspirações próprias do contemporâneo, estimulando seus interesses, engajamento e protagonismo e assegurando a formação básica geral. Para tanto, é necessário atender ao que está previsto no Artigo 12 das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2018 (BRASIL/CNE/CEB, 2018), que definiu que os itinerários formativos das diferentes áreas e da formação técnica e profissional devem ser organizados considerando quatro eixos estruturantes: investigação cientifica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo. Os itinerários formativos são apresentados como parte importante no processo de desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos jovens, oferecendo a eles oportunidades de escolha em termos de trajetórias profissionais, de desenvolvimento de uma conduta responsável que também contemple a diversidade.

Assim como Ramos e Frigotto (2016, p. 42), entendemos que “o principal desafio da escola está não só em tentar convergir com os interesses dos jovens, mas em educar seus próprios interesses.” O papel da escola vai muito além do desenvolvimento de habilidades socioemocionais e deve propiciar que as necessidades formativas caminhem juntas com um projeto social em que o currículo escolar esteja baseado nas dimensões da cultura, da ciência, da tecnologia e do trabalho. Tal perspectiva implica compreender os estudantes de forma concreta, não como categoria abstrata. Implica considerar as condições em que vivem, estudam, trabalham e fazem escolhas.

A reforma está em processo de implementação. Como exemplo do impacto que os itinerários formativos e a flexibilização curricular têm produzido na organização da educação de nível médio trazemos aqui, a título de exemplo, a proposta para as escolas de da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. Na proposta da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEDUC-SP) os itinerários formativos devem ser organizados de forma a contemplar 900 horas para aprofundamento curricular e 450 horas para a parte diversificada, que é definida pelo Inova Educação, programa criado com o objetivo de oferecer novas oportunidades aos estudantes por meio de três componentes curriculares: uma disciplina eletiva, mais as disciplinas de Tecnologia e Projeto de Vida. Conforme o documento que define os objetivos do Inova Educação (SÃO PAULO, 2021), a disciplina eletiva terá duas aulas semanais, as quais podem ser escolhidas pelos estudantes no âmbito de um componente curricular pré-definido, a partir de uma oferta de disciplinas oferecidas a cada semestre. O componente curricular Tecnologia terá uma aula semanal e visa desenvolver a aprendizagem criativa e colaborativa com vistas à formação de usuários conscientes e potenciais criadores de novas tecnologias, devendo proporcionar aos alunos a possibilidade de aprofundamento na área de conhecimento escolhida no itinerário formativo. O projeto de vida, com previsão de duas aulas semanais, é um componente curricular que tem como objetivo estimular, orientar e direcionar o aluno sobre qual itinerário formativo escolher, sob a orientação de que o futuro será consequência de escolhas feitas no presente. Segundo a SEDUC-SP, todas as escolas deverão ofertar, no mínimo, duas opções de itinerário de aprofundamento curricular, sendo que todas as áreas do conhecimento devem ser contempladas nas opções ofertadas pela escola.

Ferretti (2018), ao analisar a Lei 13.415/2017 que fundamenta a reforma do Ensino Médio, afirma que os estudantes não terão liberdade de escolha dos itinerários, pois conforme o que vem sendo divulgado pelas secretarias de educação a lista de opções de itinerários é prerrogativa do Estado, restando a eles adequarem-se ao que já está posto.

Outro aspecto central nas reformas em curso é o discurso acerca da necessidade de se flexibilizar os currículos de nível médio. A proposta de flexibilização curricular tem como origem as críticas ao currículo organizado por disciplinas, vista como demasiadamente centrada em uma formação específica, rígida e inflexível, ademais de um excesso de conteúdos. As reformas enfatizam que a necessidade de um currículo flexível é fundamental para atender aos anseios do novo trabalhador do século XXI: adaptável, autônomo e criativo.

Entendemos que enfatizar a flexibilização curricular e os itinerários formativos como solução única contra a multiplicidade de disciplinas, a rigidez estrutural da organização do ensino e a dualidade que se expressa no Ensino Médio não resolve os problemas de qualidade, abandono e reprovação dos alunos. Não basta oferecer aos alunos uma matriz curricular flexível nem a expressar em trilhas de formação que, em tese, pretendem estimular a autonomia estudantil e combater o dirigismo docente, se não houver investimentos na infraestrutura das escolas (atividades culturais, biblioteca, espaços para educação física e atividades artístico-culturais, laboratórios etc.), formação continuada para os professores, melhoria do salário docente, entre outras medidas importantes e necessárias. Ao contrário, a flexibilização curricular e os itinerários formativos podem ampliar a dualidade estrutural que caracteriza a educação de nível médio. O pragmatismo utilitarista e momentâneo que os caracteriza afasta a escola de sua função social, compromete a prática docente e o processo ensino-aprendizagem de conteúdos significativos. Dificultam assim a construção de uma escola que atenda aos interesses dos trabalhadores e aos objetivos de construção de uma escola que tenha como horizonte o “conhecimento elaborado e não o conhecimento espontâneo; o saber sistematizado e não o saber fragmentado.” (SAVIANI, 2000, p. 19)

Considerações finais

A menção ao intenso processo regulatório feito pelo Estado nos últimos trinta anos, no sentido de reformar a educação de nível médio, implica cautela nesse momento em que novos processos reformistas estão em curso.

Em primeiro lugar, o fato de as reformas serem de responsabilidade do Estado e de este assumir, neste sentido, não apenas o papel de seu formulador, mas também o de seu implementador, pode permitir que se crie a falsa noção de que ele é o único mentor de tais políticas. No entanto, se se concebe a estrutura estatal não de forma abstrata, como uma entidade meramente reguladora, mas como uma arena de relações conflituosas e contraditórias, percebemos que qualquer visão abstrata do Estado perde sua razão de ser. Nós o concebemos em perspectiva ampliada, da qual decorre que a proposição e implementação de políticas públicas é uma construção social da qual participam várias forças políticas e, no momento presente, forças internacionais. Assim, pode-se afirmar, com cautela, que políticas referentes a diferentes setores da vida nacional são, de certa forma, expressão de forças estatais, mas, por outro lado, não são inteiramente determinadas por elas. Com base nessa afirmação, entendemos que a implementação da reforma do Ensino Médio e da BNCC ocorre num contexto em que determinadas forças estatais e privadas se articulam na busca de seus objetivos e o fazem a partir de diferentes instâncias e setores, dessa forma configurando o sistema escolar. E, em certos momentos, os interesses privados são privilegiados em relação aos interesses públicos.

Em segundo lugar, fizemos também menção ao caráter ambicioso das propostas para o Ensino Médio em curso. Tendo-se em vista as condições objetivas do país, com a drástica redução dos gastos sociais decorrentes do congelamento por vinte anos dos gastos públicos e seus impactos deletérios na educação - condições precárias das redes de ensino público, reconhecidas deficiências na formação de professores etc. - parecem pouco realistas as diretrizes definidas para a educação de nível médio pela reforma de 2017 e pela BNCC. Quais condições objetivas temos para ofertar uma educação (em geral) e técnica (em particular) em condições de responder ao conjunto de objetivos e responsabilidades definido pelas reformas, especialmente no que se refere à implantação da educação integral e ao atendimento das demandas de formação profissional definidas pelo mercado?

Tanto na reforma do Ensino Médio quanto na BNCC se reconhece que os ambiciosos objetivos estabelecidos somente se concretizarão, na sua inteireza, se assumidos pelas escolas. Não deixa de ser uma posição realista, mas que, ao mesmo tempo, descarrega sobre as unidades escolares a responsabilidade do sucesso ou insucesso das medidas e objetivos propostos. Nesse sentido, o destino dessas reformas passa, necessariamente, pela forma como as escolas reagirão às imposições legais e pelas práticas sociais dos trabalhadores da educação, pois reformas educacionais não se esgotam em proposições: elas são históricas, não constituem um todo homogêneo, expressam interesses diferentes em todas as instâncias e não representam mudança estrutural, mas acomodações da ordem existente. As reformas não são apenas definidas pelo que delas esperam seus propositores: elas carecem de condições concretas e objetivas para sua implantação e das ações e reações dos profissionais que atuam na escola para efetivar sua implantação.

Entendemos, assim, que a instituição escolar não é mera agência reprodutora de expectativas ou projetos sociais, uma vez que, como resultado do próprio processo histórico, cada unidade escolar, ao mesmo tempo em que incorpora valores, normas, procedimentos, projetos e ações socialmente instituídos, também constrói sua própria forma de ser e de se organizar, seus princípios, condutas, costumes, códigos e referências, os quais utiliza coletivamente como critérios para examinar, analisar, incorporar, negar ou modificar o que lhe é proposto.

Consideramos ser importante que a crítica às reformas em curso não se esgote no apontamento dos limites presentes nos documentos oficiais. A construção de uma pedagogia crítica implica acompanhar o que ocorre nas escolas e verificar a forma como aqueles que a fazem, questionam o processo de incorporação dos princípios e diretrizes definidos pela reforma do ensino médio e da BNCC. Se aproximar do trabalho docente realizado pelas escolas de nível médio e procurar compreender sua dinâmica interna, implica considerar que o que fazem, como sujeitos coletivos, não é mero processo de adequação às normas e regulações definidas pelas reformadores da educação, mas sim, a forma como o trabalho docente, via práticas pedagógicas, expressa na cotidianidade, mediações amplas, que envolvem a concepção de educação que os trabalhadores da educação possuem, sua afinidade ou não ao que prevê as reformas e a compreensão que possuem da educação como política pública.

Em que pese estarem em processo de implementação, já há indicadores muito preocupantes a mostrar os impactos dessas reformas. No estado de São Paulo tal processo tem sido acompanhado por uma rede de pesquisa denominada Rede Escola Pública e Universidade (REPU), composta de professores e pesquisadores de instituições universitárias públicas como Unicamp, UFSCar, UFABC, USP, Unifesp e IFSP. Dados preliminares disponibilizados pela Rede acerca da implementação da reforma nas escolas administradas pela SEDUC/SP mostram uma situação bem diferente da que é propagada pelo discurso oficial:

1) limitadíssima “liberdade de escolha” dos/as estudantes, contrariando um dos principais elementos de propaganda da Reforma desde 2016; 2) falta de professores/as nas escolas, causada pelo mau planejamento da atribuição docente por parte da Seduc-SP; e 3) expansão da carga horária escolar via ensino a distância, precarizando a oferta educacional em vez de ampliar seus efeitos com melhoria da qualidade do Ensino Médio. Em todos os casos, observamos o aumento de desigualdades escolares em prejuízo dos/as estudantes do período noturno - os/as mais pobres e vulneráveis da rede estadual -, exigindo que autoridades e órgãos de controle monitorem continuamente a rotina das escolas estaduais paulistas para apurar eventuais violações da Lei n. 13.415/2017 no tocante ao cumprimento da carga horária mínima de 3.000 horas do NEM. (REPU, 2022)

São dados que, embora ainda pequenos e restritos ao estado São Paulo, mostram que a reforma, não somente não tem cumprido os objetivos que definiu, como também aprofunda processos de precarização das condições de trabalho dos docentes.

O fato é que a reforma do ensino médio e a BNCC apresentam propostas que não contribuem para a solução de problemas históricos presentes nesse nível de ensino. A dualidade estrutural persiste e, em essência, continua a definir trajetórias de formação muito distintas, não articulando de forma ampla e integral a formação geral com a formação profissional. Enfatizam-se, nos documentos, a formação geral e a apropriação da cultura geral, mas ela vale somente para poucos estudantes, em sua maioria pertencentes às camadas mais favorecidas da população, pois para a maioria dos estudantes-trabalhadores o que se oferece é uma educação de nível médio que esvazia a formação geral e não propicia formação profissional adequada, produzindo uma dupla negação.

Por fim, cabe uma última observação. Dados recentes mostram que as condições sociais de grande parte da população jovem brasileira se deterioraram profundamente nos últimos anos, provocando pressão ainda maior para que esses jovens estudantes busquem trabalho. O discurso oficial, ao defender as propostas consignadas na reforma do Ensino médio e na BNCC, alega que a ampliação da jornada escolar, os itinerários formativos e a flexibilização curricular representam o caminho para a melhoria da educação e da empregabilidade dos jovens. Em nosso entendimento, as reformas em curso para o Ensino Médio não possibilitam a melhoraria da qualificação profissional dos jovens nem ampliam as perspectivas de trabalho. Contribuem, isto sim, para a relativização da importância da escola como meio de transmissão do conhecimento, assim como relativizam a importância do papel dos professores no ensino. Assim, não melhoram a formação dos jovens, ao contrário, precarizam ainda mais as condições de trabalho dos docentes.

1Embora sem serem problematizadas à luz das contradições do capital. Trabalho, no discurso reformista, é reduzido a emprego, desconsiderando-se seu caráter ontológico e central nos processos de produção e reprodução das relações sociais. Formação aparece adjetivada como humana. O que nos leva à seguinte questão: o que seria uma formação não humana?

2Conferir, por exemplo, os documentos UNESCO (1990) e CEPAL/OREAL (1992).

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Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editor Científico: Prof. Dr. Mauricio Pedro da Silva

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