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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psic. da Ed.  no.47 São Paulo July/Dec 2018  Epub Apr 06, 2020

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20180016 

Artigos

A saúde do professor no cotidiano escolar - uma pesquisa histórica

Teacher's health in the school's quotidian - a historical research

La salud del profesor en el cotidiano escolar - una investigación histórica

Beatriz Colabone SiqueiraI 
http://orcid.org/0000-0001-8423-1559

Maria Lucia BoariniII 
http://orcid.org/0000-0001-8649-706X

I Acadêmica do Curso de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá. bcsiqueira@outlook.com

II Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá.


RESUMO

Atualmente, as doenças ocupacionais tem recebido destaque em muitos estudos científicos em função de sua grande incidência, o que sugere ser este um fenômeno exclusivo da atualidade. Entre as categorias profissionais mais acometidas por adoecimento físico e/ou psíquico está a dos professores. O objetivo deste trabalho é investigar como a temática da saúde do professor tem sido considerada na literatura científica. Como fonte primária foram utilizados os Anais do I Congresso Nacional de Saúde Escolar, ocorrido na cidade de São Paulo/SP no ano de 1941. Os resultados indicam que, do ensino escolar, era exigido a prevenção e irradiação de hábitos saudáveis e o professor era um dos responsáveis por esta tarefa. E, como desdobramento desta exigência, a preocupação com a saúde do professor esteve atrelada a eficiência do ensino, e o exercício da profissão já era considerado desgastante. Por fim, nota-se que, resguardando as devidas diferenças, o professor precisava lidar com situações que extrapolam o ensino escolar, tal como nos dias de hoje.

Palavras-chave: professor; doenças ocupacionais; prevenção; educação sanitária; higiene escolar

ABSTRACT

Currently, occupational diseases have been receiving emphasis in many scientific studies due to their high incidence, which suggests that it is a phenomenon exclusive to the present-day. Teachers are among the working classes most affected by physical and/or mental illness. The objective of this work is to investigate how the teacher's health subject has been considered in the scientific literature. As primary source for this study, the Annals of the first National School Health Congress that took place in São Paulo/SP in 1941 were utilized. The results indicate that prevention and dissemination of healthy habits were required by school education, and the teacher was one of those responsible for this task. Moreover, as consequence of this requirement, the concern with the teacher's health was linked to the efficiency of teaching, although the exercise of the profession was already considered exhausting. Lastly, minutiae aside, the teacher needed to deal with situations that surpassed the act of teaching itself, just like nowadays.

Keywords: teacher; occupational diseases; prevention; health education; school hygiene

RESUMEN

Actualmente las enfermedades ocupacionales han recibido énfasis en muchos estudios científicos en función de su gran incidencia, lo que sugiere ser un fenómeno exclusivamente actual. Entre las categorías profesionales más acometidas por enfermedad física y/o psíquica, están los profesores. El objetivo de este trabajo es investigar como la temática de la salud del profesor ha sido considerada en la literatura científica. Como fuente primaria de este estudio se han utilizado los Anales del I Congreso Nacional de Salud Escolar, que aconteció en São Paulo/SP en el año de 1941. Los resultados indican que de los profesores era exigida la prevención e irradiación de hábitos saludables, y el profesor era uno de los responsables por esta tarea. Y, como desdoblamiento de esta exigencia, la preocupación con la salud del profesor estaba vinculada a la eficiencia de la enseñanza, así mismo, lo ejercicio de la profesión ya era considerado desgastante. Por fin, resguardando las debidas diferencias, el profesor necesitaba trabajar con situaciones además de la enseñanza escolar, así como hoy día.

Palabras clave: profesor; enfermedades ocupacionales; prevención; educación en salud; higiene escolar

É consenso atualmente que as transformações no mundo do trabalho balizam novos contornos para a sociedade. De acordo com Harvey (1992/2006), a década de 1990 foi um período de transição entre uma lógica de acumulação rígida (o fordismo) para novas formas de acumulação mais flexíveis tendo o toyotismo como modo de produção. Esta transição impôs novas formas de vida ligadas às práticas cotidianas e às relações sociais em função do novo modo de organização do trabalho. Dentre as diversas repercussões que esta nova forma de produzir a vida acarretou, está o aumento das doenças ocupacionais.

Dados apontam que, no período de 2000 a 2011, a concessão do benefício de auxílio doença acidentário, no qual a incapacidade tem relação obrigatória com a atividade laboral que o sujeito exerce, aumentou 124% (Brasil, 2014).

Sobre as doenças ocupacionais, também chamadas de doenças profissionais, Mendes (1995) afirma que, no decorrer da história, esse conceito amplia-se para o de doenças relacionadas ao trabalho, pois são observadas novas patologias nas quais o trabalho não é causa direta, sendo assim não há meio de restringir os danos que o trabalho causa a saúde, uma vez que em vários casos a contribuição do trabalho é inespecífica e aparece em doenças tidas como "comuns".

Discutindo sobre o trabalho docente na contemporaneidade, Sanches-Justo (2010) acentua que está presente também no setor educacional o modelo toyotista que apregoa a ideia de que o trabalhador deva ser polivalente e multifuncional. Devido à flexibilização e acúmulo de responsabilidades que o ideal de polivalência e multifuncionalidade traz, é exigido do professor um desempenho que vai além de suas atribuições enquanto docente.

Em relação às estatísticas sobre a saúde dos professores, um estudo realizado em 1999 com professores da rede pública dos 27 estados brasileiros pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) em parceria com a Universidade de Brasília, demonstrou que 48% dos professores apresentavam algum sintoma da Síndrome de Burnout, conhecida por ser um transtorno psicológico que causa cansaço e esgotamento (Apeoesp, 2013).

O estudo "Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores de Educação Básica no Brasil", publicado em 2010 pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), entidade do governo federal, demonstrou as principais causas do adoecimento e entre elas estão o constrangimento por meio de avaliações e ameaças explícitas ou veladas; falta de infraestrutura e instrumentos pedagógicos nas escolas; falta de tempo, formação e apoio; ter de enfrentar situações com as quais não sabe lidar, como violência e extrema pobreza; ser considerado culpado pelos problemas da educação, não ter reconhecimento social e financeiro (Apeoesp, 2013).

Em relação aos trabalhos que tratam das condições de trabalho docente como fatores geradores de adoecimento, destaca-se o estudo de Ferreira (2011, p. 4) cujo propósito foi analisar as principais causas do adoecimento psíquico de professores de escolas públicas do ensino fundamental. Este estudo apontou que "a maioria dos professores já experimentou adoecimento causado por condições de trabalho, mas nem todos chegaram a pedir afastamento, optando por trabalharem doentes". Em termos de acometimento, foram encontrados quadros psíquicos, como "depressão, o estresse, a fadiga e a síndrome de pânico" e quadros físicos, como "as doenças associadas ao aparelho fonador e à postura".

O adoecimento dos professores relacionado ao seu trabalho vem sendo estudado de forma mais intensa desde o início do presente século. Santos e Facci (2012), em uma revisão de literatura sobre o adoecimento psíquico do professor, afirmam que grande parte dos estudos analisados tem como foco a Síndrome de Burnout, além de discutirem as condições e o modo de organização do trabalho como contribuintes para o adoecimento do professor.

Esteves-Ferreira, Santos e Rigolon (2014) realizaram uma avaliação comparativa dos sintomas da Síndrome de Burnout em professores de escolas públicas e privadas da cidade de Viçosa/MG. Segundo os autores os resultados permitiram identificar uma propensão maior para a manifestação de tal síndrome nos professores que atuam no ensino público, em comparação com os que atuam no ensino privado, devido às condições precárias do ensino público neste estado.

Guerreiro, Nunes, González e Mesas (2016) apresentam um estudo acerca do perfil sociodemográfico, condições e cargas de trabalho de professores da rede estadual de ensino da cidade de Londrina/PR. No que tange as condições de trabalho, os aspectos que foram sinalizados pelos professores como negativos (ruim ou regular) são remuneração (62,8%), quantidade de alunos por sala (68,4%), manutenção e conservação de equipamentos (50,8%), infraestrutura para o preparo de atividades (52,5%) e infraestrutura predial (51,5%).

As informações apresentadas e a considerável produção bibliográfica sobre esse tema apontam para a significativa incidência de adoecimento que acomete a categoria dos professores, deixando a impressão que esta é mais uma problemática social da atualidade. Entretanto, é possível indagar se a presença desse fenômeno é exclusiva do período atual, ou se o mesmo estaria presente em décadas anteriores. Em busca de resposta a esta questão, o presente estudo teve o objetivo de examinar como a temática saúde do professor foi considerada em décadas anteriores no Brasil. Para tanto, há um variado rol de documentos que podem ser utilizados, sendo os anais de congresso um deles.

Segundo Campello (2000), os congressos são eventos de grande magnitude e importantes para o desenvolvimento científico, uma vez que possibilitam o aperfeiçoamento de pesquisas e refletem o estado da arte de uma temática. Além disso, as apresentações ocorridas em eventos científicos são, em geral, sintetizadas na forma de anais.

Na presente pesquisa optou-se por analisar a produção do I Congresso Nacional de Saúde Escolar que ocorreu no período de 21 a 27 de abril do ano de 1941, na cidade de São Paulo/SP. Este evento reuniu estudiosos de todo o Brasil e também contou com participantes procedentes da Argentina e Chile. Ademais, dentre as publicações, predominaram os estudos de autoria de médicos, o que leva a supor que os debates ocorridos no evento eram pautados, majoritariamente, no saber médico (Padula, 2016).

MÉTODO

O presente estudo caracteriza-se pela modalidade de pesquisa documental e toma como objeto de estudo os Anais do I Congresso Nacional de Saúde Escolar, ocorrido no ano de 1941na cidade de São Paulo.

Material

Os Anais do I Congresso Nacional de Saúde Escolar foram consultados on-line no endereço eletrônico: http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/87-anais-do-primeiro-congresso-nacional-de-saude-escolar. Foram analisados 70 trabalhos, sob a forma de resumos e artigos completos.

Procedimento

Realizou-se um recorte nos estudos publicados nos Anais do I Congresso Nacional de Saúde Escolar no que se refere às temáticas relacionadas ao professor. Detalhe importante a ressaltar é a ausência das normas editoriais tal como se conhece atualmente, o que exigiu a leitura de todos os 207 trabalhos publicados nos Anais do I CNSE.

Foram definidas a priori as seguintes palavras-chave: educação em saúde, doença, professor, saúde física e mental do professor. Com este procedimento reuniram-se 70 trabalhos que foram submetidos a leitura e posterior análise à luz dos acontecimentos sócio-históricos da época. Dentre o universo dos estudos publicados nos anais do I CNSE, diversos foram os temas abordados, como repetência escolar, nutrição dos alunos, orientação profissional, entre outros. Porém, tendo como critério o objetivo deste estudo, as categorias selecionadas para a análise foram: doenças, formação do professor para a saúde e saúde do professor.

Ressalte-se que o número de trabalhos analisados não é sinônimo do mesmo número de autores visto que alguns escreveram em parceria e um dos autores apresentou mais de um trabalho. Além disso, em duas publicações não constava a autoria. A seguir os autores cujos textos foram submetidos a análise: G. de Alcantara; J. E. de Alencar e H. C. Lima; Z. V. Araujo; J. Arruda; C. Barroso; M. P. Borges; R. K. Busch; O. Camargo; J. Candelaria; D. de Carvalho; E. D. Carvalho e J. E. Abranches; L. B. Castro; M. A. de Castro; M. A. Castro e G. Vasconcelos; M. Castro; M. Castro; H. B. Conde; C. D. E. B. Correia; N. S. de M. Cruz; P. M. Espirito; N. Farias; P. Ferrão; C. Ferreira; J. M. Ferreira; H. França; N. Freire; S. A. Freire; F. Gikovate; A. Godoy; J. F. Goés; A. Gomes; C. Juliani; M. C. Junior; H. C. Kyrillos; R. Lerner; J. I. Lobo e M. Vélez; A. Madeira; S. Marone; O. V. R. Mascagni et al. ; O. T. Matta; G. de Mattos; J. N. Miléo; A. de Moura; S. A. L. de Moura; F. A. Mourão;J. J. de O. Neto; D. Parreiras; S. Passy; D. Pateo; M. Penha e H. Carriço; S. de A. Pinto; C. Prado; D. Prado; T. Pupo; A. G. Ramos; J. de G. Ramos; A. de A. Sampaio; E. L. B. Sampaio e P. M. Teixeira; P. C. Sampaio; M. de L. Santos; O. de P. e Silva; A. A. de A. Souza; L. Stamatis; S. de A. Sucupira; R. Toledo; D. G. Torres; B. A. Vaz.

Outrossim, há que se esclarecer que por questões técnicas relativas ao site que hospeda os Anais do I CNSE, estes foram divididos em 10 arquivos separados, enumerados em partes de 1 a 10. Por essa razão, na apresentação dos resultados os autores serão citados e será indicada a numeração da parte que hospeda, no site, a respectiva publicação.

RESULTADOS

A Tabela 1 a seguir apresenta a quantidade de estudos enquadrados em cada categoria e os resultados serão exibidos de acordo com as categorias estabelecidas.

Tabela 1 Quantidade de trabalhos encontrados em cada tema 

Tema Quantidade de trabalhos
Doenças 40
Formação do professor para a saúde 19
Saúde do professor 11
Subtotal 70
Total de estudos apresentados no I CNSE 207

A Tabela 1 indica vários aspectos: 1) dos 70 trabalhos analisados 57% referem-se a doenças de forma geral, acometendo alunos e a população escolar como um todo; 2) em torno de 27% indicam a necessidade de o professor ter formação para atuar diante da ocorrência de doenças nos alunos, cuidar da saúde dos mesmos e ensinar os hábitos saudáveis; 3) em torno de 15% referem-se à saúde do professor, incluindo aspectos como a necessidade de o professor ter saúde para que o ensino seja eficaz,e também à discussão de que a profissão tem atribuições especiais que podem gerar desgaste e adoecimento do professor.

Doenças

No rol das doenças infectocontagiosas era alta a incidência de sífilis nos escolares, o que para Ferrão (1941, Parte 4) retirava um elevado número de crianças das escolas primárias, além de trazer como consequência a incapacidade física, intelectual e, algumas vezes, a morte. A difteria, a coqueluche, a tuberculose e a lepra eram outras doenças infectocontagiosas que atingiam também a infância e estiveram na pauta do I CNSE. Pupo (1941, Parte 4) afirma que "a difteria é por excelência, moléstia da infância" (p. 366). A vacinação contra a difteria foi abordada no congresso por Prado (1941, Parte 4) e Godoy (1941, Parte 4) e é considerada por ambos a medida mais eficaz no combate a essa doença.

Madeira (1941, Parte 4) sinaliza para o perigo da contaminação pela tuberculose de professores e dos funcionários da escola. J. M. Ferreira (1941, Parte 4) afirma que as crianças oriundas de bairros operários estão mais predispostas a adquirir a tuberculose, pois suas defesas orgânicas são diminuídas devido a suas precárias condições de vida. Como formas de prevenção contra a tuberculose é defendido o exame de saúde periódico nos alunos (Ferreira, C. 1941, Parte 4; Madeira, 1941, Parte 4) e a vacinação da BCG (Bacillus Calmette-Guérin) nos escolares (Ferreira, C. 1941, Parte 4).

Constou também na pauta do evento, a preocupação com a saúde da visão. Farias (1941, Parte 4) afirma que as condições de nutrição, higiene individual são fatores que podem provocar as doenças oftalmológicas e afirma também que as causas mais comuns da cegueira são "a oftalmia dos recém-nascidos, tracoma, conjuntivites, sífilis, avitaminose, tuberculose - doenças evitáveis e curáveis". (p. 342). E neste sentido, Farias (1941, Parte 4) defende o exame periódico da visão dos alunos como forma de prevenção. No geral, a avaliação médica periódica sobre a saúde dos alunos foi amplamente defendida no I CNSE.

Formação do professor para a saúde

Diante da falta de Centros de Saúde e de enfermeiros para atender as demandas escolares, vários autores (Araujo, 1941, Parte 6; Borges, 1941, Parte 6; Castro; Vasconcelos, 1941, Parte 5; Goés, 1941, Parte 6; Candelaria, 1941, Parte 3) defendiam a necessidade da colaboração do professor primário. Candelaria (1941, Parte 3) sugere um projeto de lei que inclua nas escolas normais matérias de higiene e enfermagem e que seja instalado junto a cada escola normal um centro de saúde para que os alunos possam realizar práticas de enfermagem, pois "a professora deverá ser a enfermeira de seus alunos" (Candelaria, 1941, Parte 3, p. 226). Esta situação apontada por Candelaria (1941, Parte 3) demonstra que a falta de condições materiais para atender as demandas escolares faz com que o professor precise dispor de conhecimentos específicos da área da saúde.

Neste sentido, Castro e Vasconcelos (1941, Parte 5) afirmam que nos programas das escolas normais deve ser incluída a educação para saúde, além dos estágios obrigatórios sob orientação técnica do serviço de saúde escolar. Borges (1941, Parte 6) defende a existência de aulas práticas obrigatórias sobre educação sanitária aos alunos de cursos de formação de professores primários. Castro (1941, Parte 6) sugere a implantação do ensino de puericultura em todos os níveis da educação no Brasil, incluindo também a escola normal.

Saúde do professor

Embora a ênfase das discussões ocorridas no I CNSE tenha sido a saúde do aluno, o controle da saúde do professor por meios de exames médicos no ingresso na carreira e repetidos periodicamente era uma necessidade (Alencar & Lima, 1941, Parte 1; Espirito, 1941, Parte 1; Freire, 1941, Parte 3; Sampaio & Teixeira, 1941, Parte 1; Silva, 1941, Parte 4), pois "a saúde do professor é outro fator de eficiência do ensino" (Passy, 1941, Parte 1, p. 148) e o professor precisa ser "um espírito sadio, desembaraçado, livre de inibições ou crises nervosas e possuidor de um organismo robusto que lhe estimule a ação educativa" (Freire, 1941, Parte 3, p. 288). Sendo assim, considerava-se que um professor enfermo não era capaz de ensinar adequadamente. É necessário não perder de vista que o período histórico no qual se situa o I CNSE exigia esse controle em vista das inúmeras doenças infectocontagiosas que atingiam a população e os parcos recursos farmacológicos da época.

É consenso entre os congressistas que o trabalho do professor tem atribuições especiais que o diferencia de outras profissões. Segundo Mendes Castro (1941, Parte 3) e Freire (1941, Parte 3), o exercício do magistério causa desgaste físico e mental, uma vez que o professor precisa estudar vários anos, corrigir provas, preparar aulas, inicia sua carreira em escolas rurais longínquas e acaba ficando exposto a várias doenças.

Por esta razão, foram discutidas algumas garantias legais para este profissional, dentre elas, a aposentadoria. Dessa forma, Freire (1941, Parte 3) sugere a aposentadoria com 60 anos de idade ou 30 anos de serviço e em casos de adoecimento e de comprovada a incapacidade pedagógica do professor. Já Mendes Castro (1941, Parte 3) sugere a aposentadoria aos 25 anos de trabalho. Para Silva (1941, Parte 4), a aposentadoria do professor deveria estar atrelada a sua eficiência, isto é, o professor que atingir uma determinada porcentagem de aprovações ou de alfabetização poderia se aposentar até antes dos 25 anos de carreira.

Saúde mental do professor

Os transtornos mentais também compareceram no rol de preocupações dos congressistas participantes do I CNSE. De acordo com estudos realizados por Camargo (1941, Parte 3), o transtorno mental mais frequentemente observado no magistério é a psicose maníaco-depressiva. O autor explica esse fato referindo-se às características temperamentais mais comuns no magistério, por exemplo, expansividade, extroversão, sociabilidade, poder imaginativo entre outras, e por esta razão, sugere que no exame médico periódico a que os professores ou candidatos a professores são submetidos seja feita uma análise integral da personalidade para descartar a possibilidade de psicose.

Referindo-se aos exames realizados pela Seção de Higiene Mental do Serviço de Saúde Escolar do estado de São Paulo, Arruda (1941, Parte 3) aponta que no período de janeiro de 1939 a fevereiro de 1941, o diagnóstico predominante no segmento dos professores era o das psiconeuroses, com 33,5% de incidência. Além disso, o autor encontrou maior número de neuroses em professores já com vários anos de carreira. No entanto, o mesmo considera que a profissão não tenha influência direta como causa das neuroses, uma vez que essas parecem estar determinadas por fatores familiares. Por fim, o autor enaltece o valor da educação na higiene mental.

DISCUSSÃO

Diante do exposto, fica evidente que a saúde do professor era um tema já discutido no I CNSE, na década de 1940, uma vez que era considerada como um "fator de eficiência do ensino" (Passy, 1941, Parte 1, p. 148). Não obstante a proximidade com o tema em si, observa-se diferença em relação à natureza do fenômeno, ou seja, a preocupação com a saúde do professor em 1941 tratava principalmente da prevenção e controle das doenças infectocontagiosas da época que não são as mesmas que preocupam hoje. Com o advento e popularização das vacinas, a melhora das condições de higiene e demais avanços da medicina, tais doenças não produzem as proporções catastróficas que produziam no início do século XX.

A ênfase das discussões ocorridas durante o I CNSE era a vulnerabilidade da saúde do escolar, principalmente no que se refere as doenças infectocontagiosas e suas consequências no desenvolvimento das crianças. É necessário lembrar que as doenças infecciosas e parasitárias eram as maiores causas de morte em todo o Brasil nesse período. A título de ilustração, no início da década de 1940, essas doenças foram responsáveis por 30,3% dos óbitos na cidade Rio de Janeiro/RJ e por 21,5%, na cidade de São Paulo/SP (IBGE, 2003).

Uma década antes do I CNSE, Afrânio Peixoto (1930) já demonstrava preocupação com essas doenças infectocontagiosas e também com a higiene escolar, propondo algumas ideias para a adequação do espaço e da dinâmica escolar, dentre elas a inspeção médica nas escolas que consistia na "vigilância sanitária do meio escolar, dos alunos individualmente e prevenção das doenças transmissíveis" (Peixoto, 1930, p. 368).

Em relação à vigilância da saúde dos alunos, Peixoto (1930) defendia que, ao ingressar na escola, o aluno deveria ser submetido a exame médico para avaliar suas condições gerais de saúde e prevenir riscos ao restante da população escolar, e sugeria também que esses exames fossem repetidos durante a vida escolar. Como já visto anteriormente, essa recomendação foi amplamente defendida no I CNSE.

É preciso ressaltar que o pauperismo vivido pelas crianças da classe trabalhadora, que em muitos casos eram submetidas ao trabalho nas fábricas para contribuir no orçamento familiar, não recebeu a devida atenção no I CNSE. Moura (1999/2000) afirma que no início do século XX, parte considerável da mão-de-obra nas indústrias da cidade São Paulo/SP era composta por crianças e adolescentes que precisavam trabalhar para garantir sua sobrevivência. Essas crianças trabalhadoras, usadas como forma de reduzir os custos de produção, eram submetidas a condições precárias e insalubres, além de extensas jornadas de trabalho, ficando a mercê de acidentes e da violência. Essa situação somada às más condições de vida, alimentação e moradia causava danos à saúde dessas crianças. Todo esse cenário de precariedade viria a refletir-se na escola entendida como o lugar ideal para "disseminação dos hábitos que trariam a higienização dos indivíduos" (Boarini & Yamamoto, 2004).

Em relação ao professor, de acordo com Padula (2016), havia o entendimento por parte dos congressistas no I CNSE, de que além de sua função pedagógica, primeiramente o professor teria que desempenhar uma ação tutelar com objetivo de desenvolver os hábitos sadios nas crianças. Isso pode ser uma justificativa para a ênfase dada no I CNSE à formação do professor para lidar com as questões da saúde.

Rocha (2003) afirma que diante da necessidade de propagar hábitos higiênicos e da influência da escola nessa tarefa, a formação do professor precisava ser modificada para atender essas demandas. Além disso, o professor precisava ter uma conduta impecável, ser um exemplo de higiene física e moral a ser imitado pelas crianças. Sendo assim, o professor era responsável não somente por ensinar os hábitos higiênicos, mas também inspecionar a higiene do aluno e investigar as condições de higiene do lar da criança.

No I CNSE, o trabalho do professor era compreendido como diferente dos demais trabalhos, pois era considerado desgastante e cansativo devido às próprias atribuições do professor, que iam desde ensinar até cuidar da saúde dos alunos. Portanto, as sugestões de instituir-se um salário mínimo e aposentadoria podem ser entendidas como formas de incentivar o professor em seu trabalho, conforme Padula (2016).

As reinvindicações sobre salário e condições de trabalho ainda se fazem presentes hoje, uma vez que a insatisfação com a remuneração por parte da categoria ainda é considerável, como é mostrado por Guerreiro et al. (2016) no caso dos professores de Londrina/PR, por exemplo.

A visão sobre o trabalho do professor como desgastante é recorrente ainda hoje, uma vez que suas atribuições não se restringem somente a ensinar. Como mencionado no início deste trabalho, uma das principais causas do adoecimento da categoria é o fato de ter que enfrentar situações com as quais não sabe lidar, como violência e pobreza (Apeoesp, 2013). Nesse sentido, a situação atual ainda guarda semelhanças com a época do I CNSE, pois em ambos os contextos, o professor precisa lidar com situações que extrapolam o contexto escolar, as quais decorrem das condições de vida da população.

A título de conclusão, é possível afirmar que as discussões sobre a saúde do professor no I CNSE abrangiam desde a saúde física até a saúde mental. Porém, é preciso lembrar que, apesar do I CNSE não perder de vista a implicação da saúde do professor no processo escolar, o evento tinha como foco a saúde do aluno pelas razões expostas anteriormente.

Atualmente, existe o Programa Saúde na Escola (PSE), criado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação, "com finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde" (Decreto nº 6. 286/2007). Diferentemente das discussões ocorridas no I CNSE, o PSE se restringe a saúde do aluno, não levando em conta que no processo escolar está implicada a saúde de todos os envolvidos.

REFERÊNCIAS

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* Este artigo é resultado de Iniciação Científica (PIBIC - CNPq-UEM) da autora, orientada pela co-autora.

Recebido: 15 de Outubro de 2018; Aceito: 14 de Dezembro de 2018

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