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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psic. da Ed.  no.53 São Paulo July/Dec 2021  Epub June 24, 2022

https://doi.org/10.23925/2175-3520.2021i53p13-24 

Artigos

PRECONCEITO E PROUNISTAS: “SEU LUGAR NÃO É AQUI”

Prejudice and prounistas: “you don’t belong to here”

Prejuicios y Prounistas: "Su lugar no es acá"

Flávia de Mendonça Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0002-2728-4758

Raquel Souza Lobo Guzzo2 
http://orcid.org/0000-0002-7029-2913

1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC - Campinas - São Paulo - SP - Brasil; ribeiro.m.flavia@gmail.com

2 Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC - Campinas - São Paulo - SP - Brasil; rslguzzo@gmail.com


Resumo

O artigo é parte do resultado de uma tese de doutorado e tem como objetivo identificar e analisar a presença do preconceito nos espaços acadêmicos onde o ProUni está presente, para, a partir da análise apresentada, defender a tese de que o ProUni, ao mesmo tempo em que busca reparar a ausência histórica da classe trabalhadora no Ensino Superior brasileiro, acaba por revelar as desigualdades sociais manifestas pelo preconceito nas vivências universitárias. Para o desenvolvimento de uma estrutura argumentativa que defenda a tese foi necessário um mapeamento e caracterização dos ProUnistas a partir de um questionário online, além de duas entrevistas em profundidade que aconteceram de forma individual. Sabe-se que o preconceito na sociedade existe, assim como nas Instituições de Ensino Superior privadas, porém não é dimensionado ainda como esse preconceito influencia a vivência do estudante durante sua graduação; para isso utilizamos o método quantitativo e a análise construtivo-interpretativa. Conclui-se que apesar do ProUni dar acesso à classe trabalhadora ao Ensino Superior, o preconceito vivenciado durante a graduação ainda é bastante velado, prejudicando o cotidiano desses estudantes, sendo uma fonte de sofrimento psíquico. Necessita-se de um trabalho profundo da psicologia no ensino superior para auxiliar as Instituições de Ensino Superior na integração desses estudantes na comunidade universitária, além de auxiliá-los no enfrentamento ao preconceito nas vivências universitárias.

Palavras-chave: Psicologia Crítica; Ensino Superior; Preconceito; ProUni

Abstract

This paper is part of a doctoral thesis that aimed to identify and analyze the presence of prejudice in the academic spaces where ProUni (Program University for All) is existence, to defend the thesis: the ProUni, at the same time as it seeks to repair the historical absence of the working class in Brazilian Higher Education, reveals the social inequalities manifested by prejudice in university experiences. For the development of an argumentative structure that defends the thesis it was necessary to map and characterize the students of ProUni from an online questionnaire, besides two in-depth interviews that happened individually. It is known that prejudice in society exists, as well as in private Higher Educations Institutions, but it isn’t considered how this prejudice influences the student's experience during his/her graduation, therefore, it was used the quantitative method and the constructive-interpretative analysis. It is concluded that although the ProUni gives access for the working class to Higher Education, the prejudice experienced during graduation is still quite veiled, damaging the daily life of these students, being a source of psychic suffering. A deep work of psychology in higher education is needed to assist the Higher Educations Institutions in the integration of these students in the university community, as well as to help them cope with prejudice in university experiences.

Keywords: Critical Psychology; Higher Education; Prejudice; ProUni

Resumen

Este artículo es parte de una tesis de doctorado que tuvo como objetivo identificar y analizar la presencia del preconcepto en los espacios académicos donde el ProUni (Programa Universidad para todos) está presente, para, a partir del análisis presentado, defender la tesis de que el ProUni, al mismo tiempo que busca reparar la ausencia histórica de la clase obrera en la Enseñanza Superior Brasileña, acaba por revelar las desigualdades sociales manifestadas por el preconcepto en las vivencias universitarias Para el desarrollo de una estructura argumentativa que defienda la tesis fue necesario un mapeo y caracterización de los becarios del ProUni a partir de un cuestionario online, además de dos entrevistas en profundidad que ocurrieron de forma individual. Se sabe que el preconcepto en la sociedad existe, así como en las Instituciones de Enseñanza Superior privadas, pero no es dimensionado todavía como ese preconcepto influye en la vivencia del estudiante durante su graduación, por lo tanto, para ello utilizamos el método cuantitativo y el análisis constructivo-interpretativo. Se concluye que a pesar del ProUni dar acceso a la clase trabajadora a la Enseñanza Superior el preconcepto vivido durante la graduación todavía es bastante velado, perjudicando el cotidiano de esos estudiantes, siendo una fuente de sufrimiento psíquico. Se necesita un trabajo profundo de la psicología en la enseñanza superior para auxiliar a las Instituciones de Enseñanza Superior en la integración de esos estudiantes en la comunidad universitaria, además de auxiliarlos en el enfrentamiento del preconcepto en las vivencias universitarias.

Palabras clave: Psicología Crítica; Educación Superior; Prejuicios; ProUni

Introdução

Este artigo é um recorte de uma tese de doutorado (Ribeiro, 2018) e tem o objetivo de identificar e analisar a presença do preconceito em Instituições de Ensino Superior onde o ProUni está presente. Buscamos defender que o ProUni, ao mesmo tempo em que busca reparar a ausência histórica da classe trabalhadora no Ensino Superior brasileiro, acaba por revelar as desigualdades sociais manifestas pelo preconceito nas vivências universitárias, visto que não há políticas que lidem/discutam como o acesso dos estudantes bolsistas ao ES acirra as desigualdades sociais dentro da universidade.

Vivemos num sistema capitalista que utiliza da mão de obra com baixa remuneração para manter os lucros das empresas privadas, favorecendo o livre mercado, porém explorando os trabalhadores (Marx & Engels, 1848/2008). Ao mesmo tempo, o Estado representa os interesses da classe dominante, fomentando uma sociedade desigual e acirrando o preconceito, já que, segundo Lenin, o “Estado é o produto e a manifestação do antagonismo irreconciliável das classes” (Lenin, 1986, p. 9) e sua existência apresenta as contradições de classes que são, também, inconciliáveis.

A ideologia capitalista é uma das formas utilizadas para manter a exploração desses trabalhadores, fazendo com que eles acreditem que somente trabalhando muito e se esforçando ao máximo conseguirão melhorar sua qualidade de vida, sendo que muitas vezes isso não acontece (Santos, 1987). Dessa forma, entendemos por ideologia um conjunto de ideias que “procura ocultar a sua própria origem nos interesses sociais de um grupo particular da sociedade. (...) O conceito de ideologia aparece em Marx como equivalente de ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida” (Löwy, 1985, p.12).

Santos (1987) e Sawaia (2008) apresentam que o preconceito e a desigualdade social são utilizados para manter o status quo. Historicamente, na nossa sociedade de classes, a classe dominante, por deter os meios de produção e comunicação, introjeta na classe dominada - trabalhadores que mantêm esses meios de produção e comunicação funcionando a todo vapor - a falsa ideia de que são superiores e merecem mais privilégios (Marx & Engels, 1848/2008). Essa falsa ideia ajuda na propagação do preconceito de classe.

Discutir e definir preconceito não é uma tarefa fácil, justamente pela subjetividade de quem a pratica e a sofre, sendo na maioria das vezes manifestada de forma camuflada, sutil, o que torna difícil combatê-la, e é exatamente por isso que devemos enfrentá-la. Sabe-se que há vários tipos de preconceito: de raça, etnia, gênero, classe social, crença, contra homossexuais, pessoas obesas, pessoas com deficiências físicas e intelectuais etc.; e este pode ser passado de geração a geração, culturalmente, sendo propagado por atitudes preconceituosas e descriminalizadoras (Camino, 2000; Crochík, 2011; Machado, 2008; Madureira & Branco, 2007; Queiroz, 1995). Então, ao analisarmos as definições referenciadas de preconceito encaixando-as na leitura concreta de nossa realidade, chegamos à seguinte síntese e a usaremos como base para análise neste artigo: preconceito é a desqualificação sistemática ou pontual, feita de forma coletiva ou individual, contra um grupo de pessoas ou indivíduo, historicamente denominado como inferior - classe, etnia, gênero, fisionomia, crença, deficiências físicas e/ou intelectuais, entre outros -, sendo que sua manutenção é dada a partir dos estereótipos e ideologia do sistema capitalista ( Ribeiro, 2018). Essa descrição de termos e de diferenciação de classes ainda são questões a serem superadas em nossa sociedade e entendemos que o processo de conscientização seja uma das formas para a superação e propagação do preconceito (Freire, 1980). A discriminação social no Brasil se dá concomitantemente pela cor da pele - raça e etnia - e classes - social e econômica.

Segundo Santos (1987), existe a necessidade de entender os níveis conceituais de classe apresentados por Marx (o modo de produção, a estrutura social, a situação social e a conjuntura), pois são apresentadas a partir da realidade concreta, são “construídas pela própria realidade e a que delas derivam” (Santos, 1987, p. 22), da prática social vinculada à expressão teórica e, por fim, pela possibilidade de abstração do real a partir dessa concretude e não o contrário.

Ao relacionarmos o contexto descrito à vivência universitária percebemos que as universidades no Brasil eram - e continuam sendo - elitizadas, e somente quem tem condições financeiras de investir na educação particular dos filhos garantia o acesso ao Ensino Superior em instituições públicas com melhor qualidade, visto que as escolas particulares têm mais qualidade que as públicas no ensino básico (Ribeiro & Guzzo, 2017). Essa condição começou a mudar a partir das políticas de ações afirmativas - cotas para negros e negras, classe baixa - como proposta inicial da reforma universitária implementada em 2004, isto é, a classe baixa e pobre utilizou e utiliza das ações afirmativas para tentarem o mínimo de reparação às desigualdades vividas historicamente (Carmo, Chagas, Figueiredo Filho & Rocha, 2014).

O ProUni - Programa Universidade Para Todos - foi criado com o intuito de dar acesso ao Ensino Superior às camadas pobres da sociedade brasileira, garantindo assim a possibilidade de ascensão social (Portal ProUni - ProUni, 2018). Porém, o sistema em que vivemos utiliza a meritocracia para garantir o acesso que, na verdade, é um direito de acordo com a Constituição Federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, 2015). Segundo o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (SEMESP, 2015) - o número de matrículas nas instituições de ensino privadas no ano de 2012 foi de 5.373.450, porém o número de ingressantes não chegou a 2.211.104 e o de concluintes foi de apenas 761.732. Ou seja, somente 14% estudantes que ingressam nas IES privadas conseguiram se formar, sendo eles cotistas ou não.

Nos últimos quatro anos, o MEC modificou a forma como apresenta e disponibiliza os dados sobre o ProUni dificultando o acesso e a análise dos mesmos, já que antes apresentavam gráficos com os números descritos, além das planilhas por categoria: trabalho, etnia, tipo de bolsa e benefício, estado da Federação. Entretanto, hoje, disponibilizam os dados de todas categorias e cidades do Brasil em uma única planilha, sendo que não há arquivo disponível dos dados dos últimos anos (Portal de Dados Abertos, 2021).

O ProUni, de acordo com o site do Ministério da Educação e Cultura (Portal ProUni - ProUni, 2018) tem o objetivo garantir bolsas de estudos em cursos de graduação sequenciais, de formação específica em instituições privadas de educação superior, sendo que essas bolsas podem ser parciais (50%) ou integrais (100%). Os bolsistas precisam ter estudado em escola pública ou ter 100% de bolsa comprovada em escola particular; ter deficiência ou ser professor da rede básica que não tenha graduação. A lei nº 11.096 de 2005 oferece às instituições de ensino superior privadas isenção de impostos, caso concordem com a adesão do programa (Almeida, 2015; 2014), o que deixou de render aos cofres públicos mais de R$5, bilhões até 2014 (Paula, Lima, Costa & Ferreira, 2016).

Concordando com os autores acima citados, Ribeiro e Guzzo (2017) apresentam que um dos objetivos do ProUni é estreitar as barreiras entre o público e o privado. As autoras apresentam que uma das justificativas dadas pelo governo Lula, à época, para a implementação do programa é o fato das faculdades e universidades particulares terem “vagas ociosas” que seriam utilizadas por estudantes que, por algum motivo, não conseguiram entrar nas universidades públicas, e para isso teriam isenção de impostos.

Ao garantir o acesso ao Ensino Superior, o programa do governo não se propôs a garantir a todos os bolsistas uma forma de permanência no ensino superior, porém, aos estudantes que têm bolsa integral com mais de 6h/aula diárias é disponibilizada uma bolsa permanência com o valor de uma bolsa de iniciação científica (da CAPES), por mês; entretanto, essa bolsa é reavaliada mensalmente e os estudantes não têm garantia que conseguirão a bolsa no mês seguinte, dificultando sua permanência na IES ( Ribeiro & Guzzo 2017). Além disso, por haver essa distinção de classe social ao se inserirem no ambiente universitário, os estudantes vivem algumas situações preconceituosas. Essas situações preconceituosas vivenciadas pelos estudantes do ProUni e outros bolsistas podem ser acompanhadas pela Psicologia, já que têm impacto na vida cotidiana dos estudantes dentro da universidade. Temos que tomar como exemplo as IES públicas, como a UNB, que tem psicólogos atuando conjuntamente aos estudantes (Marinho-Araújo & Rabelo, 2015).

Entendemos que a Psicologia hegemônica é vista e utilizada como um instrumento útil para a reprodução (Martín-Baró, 1996) e manutenção (Parker, 2014) do sistema; frente às “exigências ‘objetivas’, o indivíduo deve buscar a solução para seus problemas, de modo individual e ‘subjetivo’” (Martín-Baró, 1996, p.13). Porém, temos outra visão de Psicologia (Parker, 2009). A forma que construímos nossa vida e as relações sociais, mesmo no nível mais íntimo, também é política - “referência permanente em todas as dimensões do nosso cotidiano à medida em que este se desenvolve como vida em sociedade” (Maar, 1989, p.7).

A Psicologia Crítica é, então, uma ruptura ético-política por dentro e a partir da Psicologia, na qual uma perspectiva crítica é adotada, sendo seu principal objetivo o questionamento sistemático da Psicologia dominante, como o positivismo e humanismo, bem como a elaboração e aplicação de formas alternativas de teoria e prática psicológicas (Markard, 2007). Além disso, a Psicologia Crítica busca contribuir para algum projeto emancipatório, enquanto também tenta elaborar novas formas de pensar o indivíduo, a subjetividade, o sujeito (Guzzo, 2007, 2010; Parker, 2014, 2009; Martín-Baró, 1996, 1998; Ribeiro & Guzzo, 2017).

Pesquisas recentes (Ribeiro & Guzzo, 2017; Marinho-Araújo & Almeida, 2017; Marinho-Araújo, 2016; Bisinoto & Marinho-Araújo, 2015) mostram como a presença de uma profissional da Psicologia no Ensino Superior é necessária para prevenir situações de sofrimento psíquico, auxiliar na formação de profissionais na IES e também garantir a permanência de estudantes bolsistas no Ensino Superior (Ribeiro & Guzzo, 2017). O acompanhamento individual (Guzzo, 2014) ou o que poderia ser a escuta psicológica, para Marinho-Araújo (2016), seria mais facilmente implementado se a profissional estivesse no quadro da IES.

O sentimento de injustiça frente ao preconceito pode acontecer como uma das dimensões do sofrimento social (Carreteiro,2003), quando o indivíduo sofre injustiças sociais ao ser desvalorizado e humilhado (Sawaia, 2008). Um dos papéis do psicólogo no Ensino Superior é o de fortalecer o estudante universitário, auxiliando-o em sua participação de forma política e crítica na sociedade (Ribeiro & Guzzo, 2017; Marinho-Araújo & Almeida, 2017; Marinho-Araújo, 2016; Bisinoto & Marinho-Araújo, 2015). Complementando as autoras acima, outras três possíveis ações da Psicologia são: 1) parcerias com movimentos sociais; 2) entendendo como funciona o sistema educacional para divulgação da política social - tomada de consciência das políticas institucionais; 3) ter como um dos objetivos o combate ao capitalismo e as consequências desse sistema como uma forma de resistência (Prilleltensky & Nelson, 2002). Muitos estudantes de baixa-renda tiveram que lidar sozinhos com situações de preconceito dentro da universidade; o lugar que era para ser um espaço de aprendizado e convivência que os fortalecesse (Schraube & Marvakis, 2016) tornou-se um lugar gerador de sofrimento psíquico intensificado pelo preconceito vivenciado no espaço acadêmico. Essa situação é reflexo da contradição existente no país em que a maioria de estudantes que cursa o ciclo básico em instituições públicas passaram a estudar em IES privadas.

Método

A pesquisa qualitativa oferece a possibilidade de produzir um conhecimento na Psicologia diferente do que tem sido realizado nos últimos anos, já que esse conhecimento, ao ser relacionado à experiência humana com a ação social possibilita essa mudança (Parker, 2005). Sabemos que o método qualitativo não é superior ao quantitativo, nem vice-versa, pois entendemos que a pesquisa qualitativa quando utilizada juntamente com a quantitativa possibilita uma análise mais completa da realidade, sendo por esse motivo que, neste artigo, utilizaremos os dois métodos com o intuito de responder aos objetivos propostos. (Guareschi, 1998; Parker, 2005)

Por se utilizar a ação social como experiência para a produção do conhecimento (Parker, 2005), também se faz necessário pensar, a partir desse pressuposto, a inspiração materialista histórico-dialética como forma de análise das informações obtidas que, segundo Paulo Netto (2011), por ser um método complexo se pauta, principalmente, em três eixos interseccionais (totalidade, mediação e contradição), sendo assim, uma forma de compreender a realidade em que vivemos. Essa complexidade aumenta quando pensamos que o universo tecnológico - repleto de novas vivências e situações - é mais uma parte da realidade humana (Hine, 2004; Schraube & Marvakis, 2016). Atualmente é notório como a tecnologia vem fazendo cada vez mais parte de nossa realidade e não é diferente na vida dos estudantes de graduação. Schraube e Marvakis (2016) apontam como a tecnologia na vida cotidiana dos estudantes pode interferir e atrapalhar, mas ao mesmo tempo pode ser um auxílio aos estudos, já que eles têm mais acesso a artigos, livros, entre outras fontes de estudo.

Portanto, este artigo tem inspiração na Etnografia Virtual, também conhecida como netnografia ou etnografia online (Hine, 2004; Mercado, 2012). A Etnografia virtual é uma técnica relativamente nova e surgiu por volta de 2000, tendo a internet como fonte de informação para pesquisas já que há a possibilidade de um estudo detalhado das relações e interações criadas e vividas em espaços virtuais, a partir da escrita ou imagem, permitindo a exploração da realidade de forma linear, pois os dados não podem ser deletados da web (Mercado, 2012, Hine, 2004). No caso deste artigo, por ser uma parte de uma pesquisa, apresentaremos uma das técnicas utilizadas, um questionário online que tem quatro dimensões - Caracterização do participante; Dimensão socioeconômica; Visão do ProUni; A vida cotidiana.

Participantes

Disponibilizaram-se a participar da pesquisa 56 estudantes matriculados e ex-ProUnistas de todo o país (denominados PQ 1 a 56), maiores de 18 anos. Todos os participantes poderiam desistir a qualquer momento, amparados por seus direitos como garantido pelo comitê de ética no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A segurança foi garantida aos participantes, a partir do parecer número 1754084, aprovado em 30 de setembro de 2016.

Procedimentos

Além disso, a catalogação dos dados foi feita de forma em que os participantes não sejam identificados. Depois de divulgado o questionário nesses grupos de Facebook, deixamos o questionário disponível por três (3) meses, outubro a dezembro de 2016, obtendo 59 respostas. Dessas 59 respostas, apenas 56 eram válidas (94,9%), já que duas (2) eram respostas repetidas e uma (1) não aceitou participar da pesquisa. Tendo em vista que recebemos cinco (5) respostas de estudantes ProUnistas já formados, resolvemos aceitar as respostas para podermos comparar as respostas no final da pesquisa. Importante explicitar que antes de responder o questionário, aparece o TCLE e, somente depois que a/o participante aceitar participar da pesquisa, é que o questionário aparece.

Resultados e discussão

A metodologia de análise escolhida utiliza a leitura histórica da realidade para entender o contexto em que o participante vive, a contradição aparente nas informações apresentadas pelo participante e os nexos existentes entre a história e as contradições, construídos pelas pesquisadoras, pois se acredita que não há outra forma de apresentação dos resultados se não concomitantes com a discussão (Paulo Netto, 2011). A seguir serão descritos e analisados os resultados do questionário online e uma análise quantitativa das duas primeiras dimensões e qualitativa das duas últimas.

I e II - Caracterização dos participantes e Dimensão socioeconômica

Em uma breve caracterização dos estudantes desta pesquisa obtivemos 71% de estudantes do sexo feminino e 29% masculino. Por causa do maior número de mulheres nesta pesquisa, a partir de agora o artigo será escrito com o pronome feminino. Alguns estudos nos mostraram que as bolsistas são, em sua maioria, mulheres, têm entre 18 e 24 anos, cursam graduação de administração ou ciências humanas (licenciatura), são as primeiras universitários de sua família já que, muitos pais não têm sequer o Ensino Médio (Pereira Filho, 2011; Rocha, 2011; Karnal, 2015; Mattos & Bovério, 2016; Karnal, Monteiro, Santos & Santos, 2017; Autora1 & Autora2, 2017).Importante levarmos em consideração que de todos os jovens brasileiros dessa faixa etária, somente 17,4%, de acordo com o Mapa do Ensino Superior (SEMESP, 2016), estão no Ensino Superior. Um número muito abaixo à proposta inicial do Plano Nacional de Educação que apresenta uma porcentagem de 33% até o ano de 2020. A taxa do PNE para o ano de 2011 é de 17,3%, ou seja, o aumento de 2011 a 2016 foi de apenas 0,1% segundo os dados oficiais do PNAD (SEMESP, 2016).

Em relação à Etnia/Raça das estudantes o SisProUni (2018) apresenta que 45,8% de estudantes são brancas, 38,2% são pardas, 12,6%, 1,8% de estudantes amarelas, aqui descritas como orientais, 0,1% indígenas e 1,6% não informaram sua autodenominação racial. Sintetizamos os resultados e utilizamos a denominação de negros - que contém pretos e pardos, brancos, orientais e indígenas, já que algumas participantes responderam que eram pretas e pardas, ou pardas e brancas, por exemplo. Então, 60,7% das estudantes que participaram desta pesquisa se autodenominaram brancas, 37,5% negras e 1,8% orientais e indígenas. Esses dados vão de encontro ao apresentado pelo SisProUni em 2018, se aplicarmos a junção de pardos e pretos na caracterização oficial feita pelo governo (50,8% negros e 45,8% brancos) e esse resultado pode estar diretamente relacionado ao fato de que 60,5% das pessoas que não têm acesso à internet são negras (PNAD, 2016), e o questionário aplicado para essa pesquisa foi realizado via internet. Porém, os dados obtidos nesta pesquisa comprovam que o número de estudantes negros no Ensino Superior ainda é menor que o de brancos - 12,8% de negros para 26,5% de brancos, apesar de ter dobrado depois das políticas de ações afirmativas realizadas pelo governo nos últimos 10 anos - 2005 a 2015 -; antes eram de 5,5% negros e 17,8% brancos (IBGE, 2016).

No que concerne ao trabalho das bolsistas: 60,7% das estudantes não trabalham, enquanto 39,3% trabalham; das que trabalham: 55% trabalham/estagiam em sua área de formação e 45% não trabalham na sua área de formação, utilizando essa renda pela necessidade de se manter na universidade. Na questão “Tem bolsa permanência”, 28,6% estudantes responderam que sim, na comparação entre as perguntas no questionário vimos que 5,35% trabalham, além de receberem o benefício do governo, porém, apesar de um dos critérios para recebimento da bolsa permanência ser que o número de carga horária do curso seja igual ou superior à 6h/diárias, o que impossibilitaria um trabalho regularizado segundo as leis trabalhistas; não há nos critérios de recebimento da bolsa permanência a proibição de estar trabalhando formalmente (Portal ProUni - Bolsa Permanência, 2017).

III e IV- Visão do ProUni e A vida cotidiana

Para analisarmos as duas últimas partes do questionário, utilizamos o método construtivo-interpretativo construído por González-Rey, pelo qual pretende entender o desenvolvimento da subjetividade, já que a compreende como um sistema dinâmico e complexo que está inserido no sentido das relações cotidianas, resultando nas configurações sociais e psíquicas desse sujeito, e que está em constante mudança. Assim como o desenvolvimento da subjetividade, o método construtivo-interpretativo também é complexo e processual; além disso, o pesquisador precisa dialogar, interpretar e confrontar informações, ou seja, ser um sujeito ativo para construir conhecimentos na e para nossa sociedade complexa (Rossato & Martínez, 2017). Após a leitura do questionário diversas vezes, organizamos os dados em três categorias universais de unidades de sentido - Acesso ao Ensino Superior; Permanência na Instituição de Ensino Superior e Vivência Universitária.

Na categoria Acesso ao Ensino Superior, unanimemente, a avaliação sobre o programa é positiva; a participante PQ19 o descreveu como “revolucionário”, por exemplo. Em suma, grande parte das estudantes apresentaram sua vivência para exemplificar a importância do programa, ou seja, que sem o ProUni não teriam condições de pagar uma graduação de qualidade; outros complementaram que é um excelente programa para inclusão de pessoas pobres, ou baixa renda (PQ - 1, 3, 4, 9, 16, 20, 21, 22, 24, 26, 28, 30, 35, 39, 41, 54). Também tivemos respostas que foram mais completas em relação à qualidade do programa, apresentando que ele “viabiliza acesso ao ensino superior e reparação histórica social” (PQ5), “ótimo meio de inclusão social” (PQ14), “uma maneira de garantir um ensino de qualidade para as pessoas pobres” (PQ8). Assim, percebemos que, de acordo com a avaliação das participantes dessa pesquisa, o objetivo inicial do programa, que é oferecer vagas ao Ensino Superior (Portal ProUni - ProUni, 2018), foi atingido.

A categoria Permanência na IES foi dividida em três subcategorias - Acompanhamento Psicossocial, Bolsa Permanência, Burocracia. Na subcategoria Bolsa Permanência, 14 estudantes recebem a bolsa e oito delas citaram desde o atraso do pagamento da bolsa até um reajuste anual (PQ 4), no valor e amplificação dos critérios para receber a referida bolsa: “(...) a bolsa permanência deveria ter um reajuste e não ser apenas para quem tem faculdade integral (...)” (PQ 41). Assim como PQ 41, outras estudantes também defendem a ampliação da BP para todos os estudantes que conseguirem o ProUni: “A bolsa permanência deveria ir para todos os bolsistas, não só aqueles que têm carga horária integral e seu valor de acordo com o custo de vida” (PQ 44).

Em relação ao Acompanhamento Psicossocial, não houve menção a qualquer tipo de apoio provido pela universidade, mas oito delas apresentaram que sentiram falta e que “algum tipo de acompanhamento acadêmico/psicológico também seria o interessante” (PQ 41), já PQ 12 apresentou que sentiu “falta de assistência aos alunos ProUnistas. No ano que ingressei na faculdade, me senti como se tivesse sido "jogada" ali”, a mesma avaliação realizada por PQ 22 “Maior apoio da instituição que recebe o aluno. Geralmente somos ‘jogados’ na universidade sem muito amparo e apoio, tanto financeiro quanto social/psicológico”. O acompanhamento acadêmico aos estudantes também foi apresentado por PQ 16: “o suporte inexistente que recebemos na entrada do curso para acompanhar, uma vez que geralmente estamos muito atrás daqueles que fizeram escolas particulares”, apesar de não ser uma função do psicólogo no Ensino Superior. Como apresentado na fundamentação teórica, algumas pesquisas (Ribeiro & Guzzo, 2017; Marinho-Araújo & Almeida, 2017; Marinho-Araújo, 2016; Bisinoto & Marinho-Araújo, 2015) apresentaram como a presença de profissionais da Psicologia no Ensino Superior é importante, também, para prevenir situações de sofrimento psíquico como as que podem decorrer frente à vivência universitária - que será apresentada posteriormente, e também garantir a permanência de estudantes bolsistas no Ensino Superior (Ribeiro & Guzzo 2017).

O acompanhamento individual (Guzzo, 2014) ou o que poderia ser a escuta psicológica para Marinho-Araújo (2016) seria mais facilmente implementado se a profissional estivesse no quadro da IES. Para Bisinoto e Marinho-Araújo (2015), Marinho-Araújo e Rabelo (2015), Marinho-Araújo (2016), Marinho-Araújo e Almeida (2017), o fortalecimento do estudante é papel do Ensino Superior, pois, a partir do exercício político e crítico de sua participação na sociedade serão formados para o processo coletivo de ação e, assim, contribuir para a mudança da realidade. Há algumas ações do psicólogo no Ensino Superior em relação aos estudantes que são importantes e devem ser aplicadas, como o auxílio no trabalho de acompanhamento da trajetória dos estudantes no ensino superior fazendo uma orientação individual e/ou coletiva, encaminhamentos internos e externos, atendimento às famílias e comunidade, entre outras ações.

A subcategoria Burocracia é a única subcategoria em que os participantes relataram somente algo negativo, desejando que a burocracia no processo de admissão ou no processo de manutenção das estudantes fosse menor, ou tivesse mecanismos mais rápidos para facilitar a vida das estudantes. Algumas estudantes apresentaram que o processo burocrático é “Horrível” (PQ 1), “TORTURANTE” (PQ 52), “Constrangedor, já que analisam cada centavo que entra e sai das contas bancárias” (PQ 54), “Sinto que estou levando um atestado de pobreza” (PQ 43). Já PQ 21 acrescenta que o processo é “(...) cansativo, desgastante e muitas vezes humilhante. Ficamos à mercê do humor das assistentes sociais e torcendo para escolher aquelas que já sabemos ser mais empáticas. Não há diálogo.” [grifos nossos] (PQ 21). Essa subcategoria traz sentimentos expressos pelas participantes que podem ser descritos como sofrimentos sociais, segundo Carreteiro (2003), e Sawaia (2008) complementa que o sentimento e a dor originários pelas injustiças sociais acabam por desvalorizar e humilhar o indivíduo, fazendo com que se sinta envergonhado, como apresentado acima pelas participantes.

A análise desses sentimentos será realizada juntamente com a categoria Vivência Universitária, em que tivemos como resultado um misto de respostas negativas e positivas. Essa categoria é essencial para entendermos, inclusive, as contradições apresentadas pelas estudantes durante a pesquisa, pois são analisadas todas as questões do questionário conjuntamente. Importante ressaltar que também nessa categoria alguns casos de preconceito foram apresentados Ao descreverem como é sua vivência universitária, 29% das participantes relataram ter uma vivência solitária e isolada, “Foi de isolamento e desamparo por parte da universidade e dos colegas de classe” (PQ 22). Quando questionado sobre “como se sente sendo ProUnista”, algumas estudantes apresentaram que têm sentimentos negativos quanto à sua situação: inferior, insegura, um pouco excluída, discriminada, deslocada, pobre, porém em sua maioria as estudantes apresentaram que sentem orgulho de si próprias por estarem cursando o Ensino Superior; PQ 5 apresentou “Sinto travando uma luta de classes diária, por conta dos contextos tão diferentes que tenho que lidar todos os dias, mas como ProUnista mesmo, me sinto forte e segura com aquilo que acredito e vim fazer na Universidade”.

Todos esses sentimentos expressos acima pelas participantes podem ser identificados como sofrimentos sociais, já que “nossa análise se volta a certas dimensões do sofrimento social (humilhação, vergonha, falta de reconhecimento) vivido por categorias subalternizadas e aos efeitos produzidos na dimensão comunitária, social e grupal” (Carreteiro, 2003, p. 59).

As categorias subalternas descritas por Carreteiro, nada mais são do que a classe pobre e negra, historicamente subjugada por sua condição. Algumas estudantes apresentaram em sua experiência universitária o preconceito vivenciado cotidianamente; esses relatos foram resgatados na categoria Vivência Universitária. A partir do conceito de preconceito descrito na fundamentação teórica, podemos analisar que situações de discriminação por raça e cor, ou seja, racismo, foram presenciadas por 12,5% das participantes da pesquisa, e alguns casos nos chamaram mais atenção, como o de PQ9 que apresentou que uma vez passou por três estudantes brancas e uma delas disse em tom provocativo: “me sirva escrava”, por exemplo. PQ46 passou por uma situação semelhante de racismo, porém, realizada por um funcionário de segurança da IES, que não o deixou entrar e questionou diversas vezes se ele realmente era estudante dessa IES. Todas essas situações apresentadas pelas estudantes são consideradas racismo, já que historicamente os negros são vistos como submissos, incapazes e, consequentemente, não pertencentes aos seus direitos como todo ser humano, resultado de anos de exploração e escravidão (Nogueira, 2014).

Martín-Baró (1986/2011) afirma que uma das principais questões historicamente vivenciadas pela população pobre é a opressão social e é a mesma conclusão que Gonçalves Filho (1998) chega quando discute a humilhação social. A humilhação social para o autor é “a humilhação crônica, longamente sofrida pelos pobres e seus ancestrais, é efeito da desigualdade política, indica a exclusão recorrente de uma classe inteira de homens para fora do âmbito intersubjetivo da iniciativa e da palavra” (Gonçalves Filho, 1998, s/p).

As situações de preconceito de classe foram apresentadas por 27% das estudantes, que vivenciaram ou viram algum tipo de preconceito relacionado à classe. Segundo Santos (1987), os níveis conceituais de classe apresentados por Marx (o modo de produção, a estrutura social, a situação social e a conjuntura) são apresentadas a partir da realidade concreta, e é justamente com essa perspectiva que conseguimos relacionar as vivências das estudantes e categorizá-las como preconceito de classe e não somente algum tipo abstrato de discriminação. De acordo com PQ23, o preconceito vivenciado é tido como velado, ou seja, não aparente à primeira vista para a maioria das pessoas.

A maioria das estudantes que apresentaram situações de preconceito de classe utilizaram a questão econômica para explicar o sentimento de discriminação e preconceitos vivenciados na IES, como ser chamada de miserável ou ter colegas e professores que acham “um absurdo o governo sustentar pobre com bolsas em faculdades” (PQ11), não se importando se as ProUnistas têm condições financeiras de comprar os materiais escolares necessários para sua formação. Esse distanciamento da realidade dos pagantes da realidade dos bolsistas intensifica ainda mais as situações de preconceito dentro das IES, já que um dos “motivos” apresentados por Crochík (2011) é o estereótipo repassado por aquilo que não se tem conhecimento. Respostas como “alunos de renda muito alta não faz amizade com bolsistas e nós também não fazemos questão” (PQ3); “É difícil "se misturar" com essas pessoas devido ao ritmo e estilo de vida que levam” (PQ4); “Colegas que olham com discriminação por não possuir a mesma "apresentação pessoal" que eles, além de piadas vindas de professores sobre pessoas pobres/bolsistas/nordestinos, enfim...” (PQ24), nos apresenta que, infelizmente a incidência de preconceito na IES é grande. Situações preconceituosas como essa são inconcebíveis e contrárias aos princípios do PNE 2011-2020 e do País que garantem o respeito às liberdades e diversidades raciais, econômicas, religiosas e culturais de todos os agentes da educação nacional, além do apreço à tolerância (Senado Federal, 2017).

Considerações finais

Em suma, tendo como base as respostas das participantes conseguimos compreender que o intuito do programa de dar acesso à camada pobre da sociedade felizmente funcionou, mas a disponibilização da Bolsa Permanência não é suficiente para mantê-las, sobretudo se levarmos em consideração que a bolsa não é para todo ProUnista. As próprias estudantes trouxeram como a falta de assistência estudantil é mais um fator para evidenciar o preconceito: quando necessitam comprar algum tipo de material didático ou material essencial para sua formação, independente da área de atuação, e não conseguem por falta de dinheiro e assistência da IES ou do governo; ao ouvirem de seus colegas e, principalmente, de seus docentes que não deveriam receber formação universitária, por não conseguirem arcar com os custos desses materiais ou não de estarem ali por não terem condições de acompanhar as matérias, temos informações suficientes para afirmar que o preconceito de classe fica evidente.

Muitas vezes, as estudantes não reconhecem inicialmente que são alvos de preconceito, ou, quando reconhecem, tentam minimizar o ocorrido por entender que isso já está enraizado em sua vivência e situações como essa acontecerão corriqueiramente. O reconhecimento de ser alvo de preconceito se dá principalmente quando conversam entre si ou com alguém (rede de apoio institucional, ou informal) para lidar com o sofrimento gerado por esse preconceito. Algumas vezes não houve ação imediata das estudantes, apresentando fatalismo em suas respostas, ou por sofrerem esse tipo de violência de alguém com uma hierarquia superior, como professores e funcionários que determinariam se continuariam ou não com a bolsa do ProUni. Em relação aos tipos de preconceito nos chamou a atenção que o preconceito de classe foi o mais vivenciado, seguido do preconceito racial. Na Psicologia, os estudos sobre preconceito de classe são, ainda, escassos, ao contrário do preconceito racial.

E aí? Qual o possível papel do psicólogo no Ensino Superior?

Ao definirmos nosso papel e identidade como psicólogos devemos levar em consideração a situação histórica de nossa sociedade e suas necessidades, auxiliando na superação da alienação identitária no âmbito pessoal e social ao transformar as condições opressivas em seu contexto, na desideologização, que tem o intuito de desmascarar a ideologia dominante naturalizada historicamente e elaborando um conhecimento sobre as reais necessidades da população. Além disso, ao fazermos uma leitura materialista histórico-dialética da nossa realidade, entendemos que as formas de preconceitos de raça/etnia e gênero se entrelaçam concomitantemente ao preconceito de classe, intensificando o sofrimento psíquico das e dos estudantes. Em suma: o profissional da psicologia não deve dizer às pessoas o que elas devem ou não fazer, mas indagá-las, fazê-las pensar e questionar o mundo, suas necessidades e, ao fim, auxiliar em seu fortalecimento para realizarem a mudança social.

Algumas propostas de atuação para o Psicólogo no Ensino Superior, voltadas para os ProUnistas, mas que podem ser ampliadas para todas as IES foram pensadas: A) Mapear os estudantes - para garantir uma boa atuação do Psicólogo no Ensino Superior é necessário conhecer as pessoas e questões a serem trabalhadas, portanto, saber minimamente a história e trajetória de vida dos estudantes até o ingresso na IES, através de um mapeamento dos estudantes bolsistas, é de suma importância; B) Realizar um acompanhamento coletivo e individual dos estudantes, pois teremos um contato com as questões a serem trabalhadas de forma coletiva, como por exemplo, suporte psicossocial para casos de opressão que aconteçam na IES - visando a prevenção de casos de violência, e a promoção da integração entre estudantes pagantes e ProUnistas; C) Garantir uma orientação e trabalho coletivo com os docentes e funcionários - a fim de lidar com o novo perfil de estudantes da IES; D) Orientar estudantes a procurarem Atendimento Jurídico - alguns casos trazidos por estudantes nesta pesquisa e na pesquisa de mestrado sobre as leis que regem o ProUni e seus direitos não era - e não é - escopo de um Psicólogo do Ensino Superior, porém, um mínimo entendimento sobre as leis que regem o programa para orientar pela procura da Defensoria Pública é outra possibilidade de atuação.

Para novas pesquisas, pretende-se estudar a participação no cotidiano dos estudantes a fim de entender melhor sua realidade, sobre qual seria o papel do psicólogo no processo de tomada de consciência dos ProUnistas, entre outras também relevantes. Várias questões foram levantadas, várias perspectivas frente a um tema tão pouco debatido e desenvolvido na Psicologia, e nos colocando a importância da inserção do Psicólogo no Ensino Superior Privado, onde efetivamente ele não se encontra.

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Recebido: 21 de Março de 2018; Aceito: 03 de Dezembro de 2021

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