E o que foi feito é preciso
Conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza,
falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
iremos crescer,
Outros outubros virão
Outras manhãs,
plenas de sol e de luz
(Milton Nascimento;
Fernando Brant).
Este número especial da Revista Psicologia da Educação traz uma contribuição especial para a área, qual seja, a discussão sobre método. Em geral, nas publicações científicas, o método é um tópico estritamente necessário, porém sucinto; são mais escassos os artigos que tratam especificamente das questões metodológicas (Antunes, 2005).
Com base nessa premissa, pondera-se que Vigotski (2021, p. 162), ao se amparar nos fundamentos do materialismo histórico-dialético, cita Marx, afirmando que “[...] toda ciência seria supérflua se a essência das coisas e as suas formas fenomênicas coincidissem diretamente”. Tais preceitos expressam sua preocupação teórico-metodológica de superar as visões tradicionais da Psicologia, à época, centradas exclusivamente na imediaticidade dos fenômenos psicológicos tomados de modo estático e isolado, com o intuito de desvendar elementos constitutivos da essência do objeto investigado.
Nesse sentido, compartilhamos dos pressupostos vigotskianos sobre os processos e tendências de desenvolvimento do conhecimento teórico em sua complexidade:
[...] o estudo científico é ao mesmo tempo tanto o estudo do fato quanto o do procedimento de cognição desse fato. Em outras palavras, é o trabalho metodológico sobre a própria ciência, na medida em que esta avança ou toma consciência de suas conclusões. A escolha da palavra já implica um processo metodológico (Vigotski, 1927/2004, p. 316).
Frente a essas considerações, não se pode perder de vista que a produção do conhecimento científico e os pressupostos culminantes desse processo refutam qualquer pretensa “neutralidade” defendida pelos pressupostos (neo)positivistas. Nessa dinâmica, sublinha-se que:
[...] o antagonismo entre simples espontaneidade e estado consciente constitui um tema central na luta de classes dos trabalhadores. Porém, esse antagonismo, da perspectiva metodológica, nunca é simplesmente psicológico, mas possui sempre um conteúdo social: a questão referente a que momentos da exploração capitalista determinam essencialmente o comportamento dos trabalhadores que se sublevam contra ela (Lukács, 2013, p. 625).
Diante disso, impõe-se o compromisso ético-político com a formação inicial e continuada dos/as psicólogos/as e educadoras/es fundamentada na indissolúvel relação entre teoria e prática, alicerçada no engajamento com o projeto societário orientado por valores humano-genéricos que permitam dirigir o exercício profissional de modo que este não se degrade em psicologismo, o qual historicamente contribui para os movimentos produtores, legitimadores e justificadores das diferenças socialmente impostas pelos interesses dominantes (Santos, 2021).
Por este motivo, a editoria deste periódico, considerando a realização de uma atividade acadêmica envolvendo três universidades: Université de Neuchâtel, na Suíça, e duas universidades brasileiras, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que teve como questão central o debate sobre modalidades metodológicas colaborativas nas pesquisas crítico-educacionais, refeltiu sobre a relevância de publicar essa produção e decidiu publicar este número especial. Essas perspectivas têm sido recorrentes nas publicações mais recentes e guardam significativa relevância científica e, sobretudo, social, pois são construídas coletivamente com as/os participantes das escolas, lócus das investigações, comprometendo-se a produzir de maneira indissociável o conhecimento e a formação de educadoras/es, gestando transformações no cotidiano escolar.
O processo de construção deste número, por sua especificidade, contou com a colaboração preciosa das três docentes organizadoras da atividade interuniversitária e internacional, as Professoras Doutoras Laure Kloetzer, Sueli Salles Fidalgo e Wanda Maria Junqueira de Aguiar, respectivamente da Université de Neuchâtel, UNIFESP e PUC-SP. A organização desta publicação foi possível pelo trabalho exaustivo e primoroso da Profa. Dra. Luciana de Oliveira Rocha Magalhães, da Universidade de Taubaté, que realizou a consolidação dos textos e estabeleceu os contatos com todas/os as/os autoras/es para os devidos aprimoramentos dos artigos, a partir dos pareceres elaborados por nossas/os colaboradoras/es. Contamos, neste número, com a contribuição igualmente valiosa da Profa. Dra. Ruzia Chaouchar dos Santos, que assumiu este número da Revista como editora convidada. Sem a colaboração destas pesquisadoras não teria sido possível concretizar a edição desta publicação, por seu caráter particular. A contribuição das/dos pareceristas, do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação, foi importante para que os trabalhos apresentados fossem avaliados com rigor.
É preciso destacar que este número da Revista Psicologia da Educação, assim como os outros que têm sido publicados, não seria possível sem o efetivo financiamento da PUC-SP, por seu Programa de Incentivo à Pesquisa - PIPEq - da Assessoria de Pesquisa da Universidade.
Esperamos que este número promova uma significativa contribuição para as/os pesquisadoras/es da área com o rico debate sobre os fundamentos da pesquisa científica, o método e a dimensão ético-política da produção de conhecimento científico em condições historicamente determinadas, que engendram as relações entre Psicologia e Educação. Esta foi a tarefa a que nos propusemos quando tomamos a decisão editorial de publicar este número especial composto por um conjunto de trabalhos, que sob distintos enfoques, abrangem instigantes reflexões com a finalidade de contribuir para o aprofundamento da discussão de método, pedra de toque da investigação científica.