INTRODUÇÃO
A temática sobre os megaeventos esportivos ganhou ampla discussão no cenário político e esportivo nacional na última década. A intenção em sediar tais eventos teve como premissa a exposição internacional e a busca por novos mercados, parte de uma estratégia de crescimento e de política externa do Governo. Megaeventos esportivos possuem grande apelo popular e geram uma audiência em grande escala a nível internacional, o que colocaria o país em uma vitrine internacional, podendo facilitar um possível aporte de recursos financeiros e investimentos no Brasil.
Desde a realização dos Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro em 2007, é notória a realização de uma política governamental que incentivou a realização desses eventos no país. Fato concretizado com a escolha para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016. Entretanto, o Brasil também vem sendo sede de outros grandes eventos esportivos, como é o caso do GP Brasil de Fórmula 1, considerado atualmente um dos maiores eventos em termos de movimentação econômica da cidade de São Paulo.
O GP também é responsável em divulgar a imagem do país no exterior, alcançando um valor mensurável de US$ 234,3 milhões em mídia, totalizando mais de 5,6 mil matérias publicadas em 22 línguas (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2014a). Considerando essa perspectiva, esta pesquisa objetiva avaliar se o GP Brasil de F1 pode ser classificado como um megaevento esportivo para a cidade de São Paulo, identificando suas características, particularidades e benefícios.
Por meio de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, foram analisadas as principais características de megaeventos esportivos existentes na literatura: atraem grande número de visitantes e promovem a venda de grande quantidade de ingressos; possuem relevância e cobertura de mídia internacionais; exigem um grande capital investido; são organizados por entidades governamentais em conjunto com entidades não governamentais; geram significativa atividade econômica para as cidades sedes. Em seguida, uma análise secundária de dados foi realizada para classificar o GP Brasil de acordo com tais características anteriormente descritas, considerando informações coletadas em mídias e veículos de comunicação, tais como matérias em sites, jornais e revistas especializados e publicações sobre o evento.
Os resultados qualificam o GP Brasil de F1 como um megaevento esportivo. E mais do que isso, contribuem para a área da Gestão de Esporte no Brasil, demonstrando a relevância deste megaevento esportivo para a cidade de São Paulo e para o país. E a partir daí este estudo provoca uma reflexão sobre a aplicação dos investimentos públicos em eventos desta magnitude. Para que um megaevento esportivo seja sustentável torna-se necessário existir uma identificação prévia com sua cidade sede, a qual por sua vez deverá apresentar os recursos necessários para sua realização tão logo se proponha a sedia-lo. Assim, megaeventos esportivos realizados anualmente ou com uma frequência constante em uma determinada sede possuem maiores chances de gerar reais benefícios para a população local.
Este estudo inicia-se com uma revisão de literatura para contextualizar o objeto GP Brasil de Fórmula 1, bem como apresentar as características de um megaevento esportivo. Em seguida, com a metodologia, demonstra-se o delineamento da pesquisa e os fatores considerados para a coleta e análise dos dados. Assim, ao final, surgem os resultados e discussões, as limitações deste estudo e sugestões de futuras pesquisas.
REVISÃO DE LITERATURA
O GP Brasil de Fórmula 1 - Aspectos históricos
As primeiras montadoras de veículos se instalaram no país em meados da década de 1920 e mantinham equipes de corridas, tais como a DKW-Vemag e a Willys (ELIAS; TELLES, 2015). Durante as décadas de 1920 e 1930 as corridas eram disputadas em sua maioria nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (MARTINS, 2010). Em 1936, São Paulo sediou o 1º Grande Prêmio Cidade de São Paulo, com a presença de pilotos internacionais (MELO, 2009). Devido a um trágico acidente nessa prova, as corridas de rua foram proibidas na cidade até que existisse um local apropriado para realização de eventos deste tipo. Desta forma, o projeto de construção do Autódromo de Interlagos ganhou força, sendo este inaugurado em 1940 (MELO, 2009).
Interlagos se tornou determinante para o automobilismo brasileiro que, segundo Domingues (2007), somente existiu devido à presença das indústrias automobilísticas na cidade, um cenário econômico vigente propício e a necessidade de um espaço próprio para as corridas. O autódromo foi palco de várias competições, mas foi no início da década de 1970 que Interlagos se torna peça fundamental para a vinda de um GP de Fórmula 1 ao Brasil (MARTINS, 2010). Devido ao sucesso de pilotos brasileiros na categoria, em especial Emerson Fittipaldi, o país foi indicado para sediar um Grande Prêmio. E Interlagos foi o palco escolhido por reunir as condições necessárias na época (DOMINGUES, 2007).
Em 1972 o autódromo sediou uma prova de Fórmula 1, ainda em caráter experimental. Mas foi em 1973 que, oficialmente, foi realizado o 1º GP Brasil de Fórmula 1 (DOMINGUES, 2007). Durante os anos de 1973 a 1977, o GP foi realizado em São Paulo. Em 1978 foi a vez do Rio de Janeiro sediar o evento. Já em 1979 e 1980, novamente o evento retorna para São Paulo. Entretanto, os altos custos e as exigências de reforma na pista, fizeram com que Interlagos deixasse de sediar esse evento, o qual permaneceu de 1981 a 1989 na cidade do Rio de Janeiro (MARTINS, 2010).
Em 1990 a Prefeitura do Rio de Janeiro não possuía condições financeiras para sustentar o evento e as exigências da FIA (DOMINGUES, 2007). O GP Brasil de Fórmula 1 então retornou para a cidade de São Paulo, devido aos esforços de Piero Gancia, Presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo na época, e da então prefeita Luiza Erundina (MARTINS, 2010). Desde então, o GP Brasil vem ocorrendo de forma consecutiva na cidade.
O GP Brasil de Fórmula 1 já despertou o interesse de outras cidades em conquistarem o direito de sediarem este evento. Cesar Maia, prefeito do Rio de Janeiro, tentou, sem sucesso, levar a edição de 2006 do GP para o Rio (CHAVES, 2005). Eduardo Paes, prefeito atual do Rio de Janeiro, afirmou em uma entrevista em 2012: “São Paulo que fique esperta porque eu quero roubar a Fórmula 1 e trazer outras provas também” (MAIA, 2012). A mesma tentativa foi realizada pelo prefeito de Florianópolis, Cesar Souza Junior em 2014 (MARTINS; GUIMARÃES, 2014). Apesar de muitas cidades possuírem o interesse na realização deste evento, a estrutura e os benefícios apresentados por São Paulo - tais como o Autódromo de Interlagos, os serviços de transportes, alimentação e hospedagem - fazem com que este evento tenha uma representativa identificação com o município (DOMINGUES, 2007).
Megaeventos Esportivos
Quando um evento acontece em curto prazo, com alto nível de participação popular e apelo de mídia internacional (SMITH, 2014), capaz de gerar o desenvolvimento econômico para a cidade sede (SMITH, 2014), o mesmo pode ser compreendido como um megaevento. São eventos de grande escala, com publicidade global, os quais atraem grande número de turistas internacionais (JAGO et al., 2010). Alguns são realizados com frequência fixa, como os Jogos Olímpicos (a cada quatro anos) ou as 500 milhas de Indianápolis (um evento anual), outros possuem frequência aleatória, tais como feiras e exposições mundiais ou eventos de cunho religioso (DOLLINGER; LI; MOONEY, 2010; SMITH, 2012).
Como megaeventos esportivos, identificam-se os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol (GRIX; HOULIHAN, 2013; ROCHE, 2008), que por sua relevância, também são classificados como eventos de primeira ordem (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015; GRIX; HOULIHAN, 2013). Os Jogos Asiáticos, Jogos Pan-americanos e os Jogos de Commonwealth (ROCHE, 2008), além dos campeonatos mundiais de esportes mais populares (SMITH, 2014), tais como rúgbi, atletismo e Grandes Prêmios de automobilismo recebem classificação de eventos de segunda ordem (DOLLES; SODERMAN, 2008; GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015; GRIX; HOULIHAN, 2013; ROCHE, 2008).
Também podem ser classificados de acordo com o local em que são realizados (SMITH, 2014). Alguns passam por um processo de seleção para eleger suas cidades sedes, tais como os Jogos Olímpicos e Copa do Mundo (COAFFEE, 2012; MITCHELL; STEWART, 2015; SMITH, 2014; WALTERS, 2011). Outros são itinerantes, pertencendo a um circuito estabelecido de cidades, como o Campeonato Aberto de Golfe e o Campeonato Mundial de Fórmula 1 (SMITH, 2014).
Em relação à frequência, existem megaeventos realizados sistematicamente a cada quatro anos, tais como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol (DOLLINGER; LI; MOONEY, 2010), a cada dois anos, como Campeonatos Mundiais de modalidades esportivas (DOLLES; SODERMAN, 2008), ou ainda, realizados anualmente, como as 500 milhas de Indianápolis ou Grandes Prêmios de Fórmula 1 (DOLLINGER; LI; MOONEY, 2010).
Agha & Marijke (2015) argumentam que megaeventos exigem investimentos em recursos humanos, financeiros e físicos. Os autores identificam recursos humanos como os funcionários, voluntários e organizadores do evento; recursos financeiros como o investimento público ou privado; e por fim, recursos físicos como os locais de realização dos eventos, alojamentos, transportes público, serviços de alimentação (AGHA; MARIJKE, 2015).
No Brasil, o estudo sobre megaeventos ainda é recente (ALMEIDA; JUNIOR, 2014; MATIAS; MASCARENHAS, 2015; SOUZA et al., 2013, 2014b). E a maior parte dos trabalhos acadêmicos publicados nos últimos anos teve sua relação com a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos e Paralímpicos (SOUZA et al., 2014a).
Para este estudo, megaeventos esportivos foram compreendidos como as principais competições internacionais, com relevância internacional (DOLLES; SODERMAN, 2008; SMITH, 2014), classificados em eventos de primeira ou segunda ordem (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015; GRIX; HOULIHAN, 2013). Levam em consideração a participação representativa da maioria das nações do mundo, a sua comercialização para mercados internacionais e a cobertura de mídia por diversos países (ROCHE, 2008; SMITH, 2014). Requerem um grande orçamento de capital investido (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015; ROCHE, 2008). Entretanto, são capazes de gerar desenvolvimento econômico para suas cidades sedes (SMITH, 2014) uma vez que atraem grande número de visitantes e promovem a venda de grande quantidade de ingressos (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015). Esses eventos são organizados, normalmente combinando entidades governamentais - na esfera municipal, estadual ou federal - com entidades não governamentais, tais como Comitês, Federações ou Confederações Esportivas (GRIX; HOULIHAN, 2013).
METODOLOGIA
Este estudo contemplou uma pesquisa qualitativa, de natureza descritiva e exploratória (FLICK, 2011). Este tipo de pesquisa “utiliza a interpretação e a compreensão, bem como a descrição dos fatos analisados” (MARTINS; THEÓFILO, 2009, p.141). A mesma requer levantamento de dados empíricos e documentos secundários que complementam o objeto em estudo (CRESWELL, 2010), neste caso, o GP Brasil de Fórmula.
Assim, o levantamento de dados foi realizado por meio de informações em mídias e veículos de comunicação, tais como matérias em sites, jornais e revistas especializados: UOL, G1, Jornal O Estado de São Paulo, Jornal Folha de São Paulo, Revista VEJA, Revista Placar e Revista Quatro Rodas.
A coleta considerou as matérias publicadas desde o ano de 1990 até os dias atuais, período em que o GP Brasil é realizado de forma sucessiva e anual na cidade de São Paulo. Foram analisadas reportagens e matérias publicadas com os termos “GP Brasil de Fórmula 1”, “Autódromo de Interlagos”, “Automobilismo” e “Fórmula 1”. A seleção dos veículos considerou sua relevância para a cidade de São Paulo e sua relevância para a área de Esportes no Brasil. Tais documentos representam dados criteriosos e podem servir como evidências escritas (Creswell, 2010) para compreendermos o objeto deste estudo. Segundo Gibbs (2009), o tipo mais utilizado de dados qualitativos é o texto, pois fornece uma forma fácil de registro que pode ser trabalhado com algumas técnicas de interpretação das informações.
Outras fontes de dados secundários foram as pesquisas e publicações realizadas pelo Observatório do Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, núcleo de estudos e pesquisas da São Paulo Turismo S.A. De acordo com seu Estatuto Social, a SPTuris é responsável pela produção, divulgação e organização de eventos de qualquer espécie, realizados pelo município de São Paulo (SPTURIS, 2016). Também está sob sua responsabilidade a administração do Autódromo de Interlagos - local de realização do GP Brasil de F1; e do Anhembi - local utilizado para realização do Carnaval e outros eventos de grande relevância para a cidade. Cabe ao Observatório de Turismo e Eventos a divulgação de pesquisas para as diversas áreas de investigação, dirigidas aos profissionais, especialista, acadêmicos, agentes públicos e privados, a fim de auxiliar na tomada de decisão para o desenvolvimento do setor turístico da cidade de São Paulo.
Após a coleta de dados, os mesmos foram transcritos para serem tratados à luz da análise de conteúdo e categorizados em famílias de respostas (BARDIN, 2009), decodificadas de acordo com os principais conceitos e objetivos deste estudo (PAIVA JÚNIOR; LEÃO; MELLO, 2011).
RESULTADOS
Para validar o GP Brasil de Fórmula 1 como um megaevento esportivo, foram analisadas as seguintes categorias: 1) atrair grande número de visitantes e promover venda de grande quantidade de ingressos; 2) possuir relevância e cobertura de mídia internacionais; 3) exigir um grande capital investido; 4) ser organizado por entidade governamental em conjunto com entidades não governamentais; 5) gerarem significativa atividade econômica para as cidades sedes.
1. Atrair grande número de visitantes e promover venda de grande quantidade de ingressos
O GP Brasil de F1 é atualmente um dos eventos que atrai a maior quantidade de público para a cidade de São Paulo. Dados coletados dos relatórios do Observatório do Turismo (SPTURIS, 2012, 2013a, 2014a, 2015a) demonstram que o evento possuiu em 2015 um público total de 136.040 pessoas, considerando três dias de realização do evento. Em um comparativo com outros grandes eventos realizados na cidade de São Paulo, identifica-se que o GP Brasil possui um público considerável. Em quantidade de público participante, o GP perde apenas para o Reveillon na Paulista, evento aberto a comunidade com a participação estimada de 2 milhões de pessoas em 2015 (G1, 2015) e da Parada do Orgulho LGBT, desfile aberto a comunidade e sem custo, cuja edição de 2016 possuiu público estimado pela Polícia Militar de 190 mil pessoas (GONÇALVES; ARAÚJO, 2016). O Lollapalooza 2015, festival musical que possui 56 horas ininterruptas de progamação, atraiu 136 mil participantes (LOLLAPALOOZA, 2016). Com números inferiores que o GP, encontra-se o Carnaval de São Paulo, com 83 mil participantes em 2016 (COMUNICAÇÃO, 2016).
Pesquisas realizadas pelo Observatório do Turismo da cidade de SP identificaram a presença de turistas estrageiros, em sua maioria da América do Sul, tais como Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Venezuela, Colômbia e Equador. Encontraram ainda turistas vindos da Costa Rica e Estados Unidos, além da presença de turistas europeus, originários da Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e Holanda (SPTURIS, 2015a, 2017). Vale ressaltar que o evento possui um alto custo dos ingressos. Em 2015, os mesmos foram vendidos com valores que variavam de R$ 525,00 a R$ 12.800,00 (GloboEsporte.com, 2014a).
Durante o GP Brasil de 2017, o Ministro do Turismo Marx Beltrão declarou:
Os grandes eventos fomentam a geração de emprego e renda e o Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 é um exemplo do impacto do turismo para a economia de São Paulo. Por isso, o Ministério do Turismo continuará apoiando este evento esportivo tão importante para atrair turistas e divulgar a imagem do Brasil (GURGEL, 2017).
Megaeventos são vistos geralmente como um trunfo turístico altamente significativo para as cidades sedes, atraindo grande número de turistas (SMITH, 2014) dispostos a pagarem altos custos para poder vivenciar aquela experiência (MATHESON; BAADE, 2004). Esses eventos são utilizados para aumentar o número de visitantes, diminuir a sazonalidade no fluxo turístico e alongar o ciclo de vida de uma cidade como destino turístico (JOHNSON, 2010). Tais características foram identificadas nesta categoria de análise. Desta forma, pode-se afirmar que o GP Brasil de F1 atrai grande quantidade de visitantes e possui grande quantidade de ingressos vendidos (SMITH, 2012, 2014), representando significativos indicadores para o calendário de eventos anuais da cidade de São Paulo.
2. Possuir relevância e cobertura de mídia internacional
Com exceção à Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos, existem poucas competições esportivas que possuem apelo global e alcance de mídia (AGHA; MARIJKE, 2015). A Fórmula 1 pode ser considerada uma delas. O seu calendário anual possui etapas sendo realizadas em países de todos os cinco continentes (REPUCOM, 2016). A última temporada teve audiência televisiva de 1.4 bilhão de pessoas nos principais 20 mercados* da F1 no ano que passou, o que representa um aumento de 6.2% em relação a 2016 (GLOBOESPORTE.COM, 2018).
Nos últimos anos, o GP do Brasil tem se destacado, sendo a maior audiência na categoria. Segundo a BBC Brasil, o GP Brasil de 2007 foi o segundo evento esportivo de maior audiência no mundo naquele ano, com audiência média de 78 milhões de pessoas. Espanha, Itália e Hungria, todos do continente europeu, foram os países que geraram maior audiência. Em primeiro lugar daquele ano, esteve o Superbowl, jogo final da Liga de Futebol Americano, com uma audiência média de 98 milhões de pessoas, dos quais 90% estavam concentrados nos Estados Unidos (BBCBRASIL.COM, 2008). Em 2013, a prova foi assistida em 77 milhões de domicílios em quase 200 países (G1, 2014). Já em 2017, o Brasil se manteve como o maior mercado da categoria, com 76 milhões de espectadores. (GLOBOESPORTE.COM, 2018).
Dados da Prefeitura Municipal de São Paulo apontam que este evento gera um grande interesse da mídia, alcançando um valor mensurável de US$ 234,3 milhões em mídia, totalizando mais de 5,6 mil matérias publicadas em veículos de imprensa, em 22 idiomas (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2014a).
Essa audiência global pode ser explicada pelo desenvolvimento de novas tecnologias (HORNE, 2007), fazendo com que o mundo todo possa ter acesso a esse tipo de evento (GEZICI; ER, 2014). Outro aspecto relevante é que o GP Brasil de F1 é realizado desde 2004 como uma das últimas etapas do Campeonato Mundial, muitas vezes tornando-se o local da decisão de títulos entre os pilotos. Entre os anos de 2005 e 2012, foram seis campeonatos que tiveram Interlagos como palco dessa decisão (GIACOMELLI; COUTO, 2012). Assim, o GP Brasil de F1 desperta o interesse do público e da mídia de países no mundo inteiro (ROCHE, 2008), possuindo a relevância internacional (SMITH, 2014) que corrobora para classifica-lo como um megaevento esportivo.
3. Exigir grande capital investido
Para que um megaevento esportivo ocorra, são necessários investimentos em diversas áreas (BURBANK; ANDRANOVICH; HEYING, 2002). Assim, tornam-se inevitáveis os investimentos públicos (GEZICI; ER, 2014) e os recursos financeiros utilizados por governantes (AGHA; MARIJKE, 2015) para sediar tal evento, visando obter a melhor estrutura, para assim se destacar no mercado mundial (MATIAS; MASCARENHAS, 2017).
A figura 1 indica os valores investidos anualmente pela Prefeitura de SP para contratação das estruturas necessárias à preparação, administração, coordenação e fiscalização de todas as atividades inerentes ao evento, durante os anos de 2014 a 2016 (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016a).
Como identificado na figura 1, o custo médio de investimento para a realização do GP entre os anos de 2014 a 2016 foi de R$ 44.414.597,67. Uma vez identificados esses valores, buscou-se um levantamento de outros investimentos públicos realizados pela Prefeitura Municipal no mesmo período, tais como escolas, creches e hospitais. Assim, pôde-se comparar o “custo de oportunidade” definidos por Cardoso et al. (2013) como o “custo relativo a uma escolha que poderia ser feita ao invés de uma outra decisão tomada”. Ou seja, ao decidir investir no GP Brasil de F1, quais outros projetos poderiam ter sido realizados pela Prefeitura com esse mesmo recurso?
Em 2015, o prefeito Fernando Haddad investiu R$ 29 milhões para construção do CEU - Centro Educacional Unificado - de Heliópolis. O projeto contemplou a construção de um ginásio de esportes, piscina e espaço multiuso, para serem incluídos em um complexo já existente com um Centro de Convivência, duas escolas e três creches municipais (SOARES, 2015). Já para 2016 está prevista a inauguração do Hospital de Parelheiros, com 255 leitos e dez salas de cirurgias, com um custo estimado de R$ 200 milhões (SANTIAGO, 2016).
Em informações obtidas no site da Prefeitura Municipal, identificou-se que em 2016 foram autorizadas as construções de diversos Centros de Ensino Infantil - CEI (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016b). Com o valor equivalente ao investido em uma edição do GP Brasil de F1, a Prefeitura construirá 11 unidades desses Centros, conforme demonstrado na Figura 2.
Analisando os custos referentes a outras instalações, percebe-se que o capital investido pela Prefeitura para organização do evento, poderia ser destinado para construção de uma ou duas unidades de Centros Educacionais Unificados e diversas unidades de Centros de Educação Infantil. Assim, o GP Brasil possui um custo de oportunidade significativo para o município.
Outra categoria de investimentos refere-se a recursos humanos, tais como funcionários, voluntários e organizadores (AGHA; MARIJKE, 2015). Para a realização do GP Brasil em 2013, foram necessários 330 voluntários, os quais passavam por uma criteriosa avaliação e longo processo de capacitação para atuarem durante o evento (RIBAS, 2013). Em 2016, aproximadamente 2.300 Policiais Militares prestaram serviços de polícia ostensiva preventiva e de preservação da ordem pública, por meio dos programas como Rádio patrulhamento, Força Tática, Batalhão de Choque e Corpo de Bombeiros, além de Policiamento Aéreo. Foram utilizadas quase 600 viaturas, cerca de 70 animais entre cavalos e cães farejadores e 06 aeronaves (COMUNICAÇÃO SOCIAL PMESP, 2016). Já a CET - Companhia e Engenharia de Tráfego, órgão ligado à Secretaria Municipal de Transporte da cidade de São Paulo, colocou 1.100 agentes de trânsito para atuarem no evento em 2011 (G1, 2011). Em 2016, a CET elaborou um Plano Operacional de Trânsito e Transporte para garantir a acessibilidade às proximidades do Autódromo, com mini terminais de ônibus em pontos estratégicos do município, com linhas circulares partindo desses pontos ao local do evento.
E ainda, os investimentos podem ser referentes a recursos físicos, tais como os locais de realização dos eventos, alojamentos, transportes público, serviços de alimentação (AGHA; MARIJKE, 2015). Para manter a realização do GP Brasil de F1 na cidade de São Paulo, a Prefeitura de São Paulo renovou o contrato com os organizadores do GP para o período de 2014 a 2020 após atender as exigências da FIA investir na reforma do Autódromo de Interlagos. O custo das reformas foi previsto em R$ 160 milhões (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2014b).
Assim, este estudo identificou que o GP Brasil de F1 exige uma série de recursos (BURBANK; ANDRANOVICH; HEYING, 2002) e estruturas específicas para sua realização (Gratton & Preuss, 2008), com um grande capital investido (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015; GRIX; HOULIHAN, 2013) por parte dos governantes, dos quais exige-se uma tomada de decisão e escolha de onde estes recursos serão investidos (MATIAS; MASCARENHAS, 2015).
4. Organizado por entidade governamental em conjunto com entidade não governamental
Os megaeventos são normalmente organizados por uma combinação entre entidades governamentais - federal, estadual ou municipal - e não governamentais, tais como Comitês, Federações ou Confederações de Desportos (GRIX; HOULIHAN, 2013). Tal combinação pôde ser identificada no caso do GP Brasil de F1, demonstrada com maiores detalhes nos parágrafos seguintes.
A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) é o órgão regulador do automobilismo mundial e responsável pelas principais organizações esportivas automobilísticas. Fundada em 1904, com sede em Paris, a Fédération Internationale de l'Automobile (FIA) é uma associação sem fins lucrativos. Reúne 238 organizações esportivas automobilísticas de 143 países nos cinco continentes (FIA, 2016). Cabe à FIA a regulamentação das normas esportivas sobre a Fórmula 1.
Já os direitos comerciais sobre a F1 pertencem à empresa Formula One Group, pertencente à empre Liberty Media (GLOBOESPORTE.COM, 2017) Cabe a essa empresa a difusão da categoria pelas mídias internacionais, a comercialização do campeonato, seja para os patrocinadores ou em relação às taxas de homologação das etapas e desenvolver o calendário de corridas. No Brasil, a International Publicity - Interpub Eventos Ltda, empresa privada, é quem organiza e detém os direitos comerciais sobre o GP Brasil de Fórmula 1.
Complementando a combinação necessária para a realização do evento, encontra-se a Prefeitura Municipal de São Paulo. Conforme identificado anteriormente, cabe à Prefeitura realizar todas as benfeitorias no Autódromo de Interlagos, bem como a contratação de alguns serviços de apoio.
O modelo de organização do evento apresenta uma parceria público-privada, definida por um contrato entre as partes. Tais entidades geraram uma relação Inter organizacional, ou seja, criam um relacionamento próximo, de longo prazo, planejado entre duas ou mais entidades com o objetivo de minimizarem os riscos e compartilhar recursos em prol de um objetivo (WERNER; DICKSON; HYDE, 2015).
A figura 3 demonstra o modelo de organização do evento, com as responsabilidades de cada entidade.
5. Gerar significativa atividade econômica para as cidades sedes
Pode-se afirmar que o motivo predominantemente utilizado por governantes e autoridades locais para promover e justificar o fato de sediar um megaevento esportivo (BALDUCK; MAES; BUELENS, 2011) é o potencial impacto que o mesmo poderá ocasionar na economia local (GRIX; BRANNAGAN; HOULIHAN, 2015).
Neste estudo, um dos aspectos encontrados refere-se ao grande número de empregos temporários provocados pelo GP e necessários para a realização do evento. João Doria, atual prefeito de São Paulo, declarou em entrevista durante os preparativos para a realização do GP Brasil de 2017:
A Fórmula 1 é um evento oficial da cidade e está entre os três eventos com maior movimento, maior geração de receita, com a movimentação de R$ 250 milhões, e de impacto na vida na cidade na hotelaria, nos serviços, na alimentação, transporte e geração de empregos, mesmo que temporários. São dez mil empregos temporários gerados, por isso São Paulo continuará apoiando este evento (DORIA, 2017).
Estes dados corroboram com a literatura pesquisada, a qual apontou que a geração de empregos é um dos impactos comuns em megaeventos esportivos (PREUSS; SOLBERG, 2006). Na maioria dos casos, são assalariados que trabalham por conta própria ou vinculados a alguma empresa durante a realização do evento (GRATTON; PREUSS; LIU, 2015).
Outras informações levantadas dizem respeito ao impacto no setor de serviços, devido ao grande número de turistas. Como enfatizado por Smith (2012), os eventos tornaram-se plataforma para a venda de diversos serviços e produtos, incluindo a venda da própria cidade sede. Ou seja, o autor enfatizou que por meio dos eventos, as cidades se promovem a nivel mundial, gerando consequentemente um impacto em sua rede de serviços, muitas vezes provocados pelo grande número de turistas e visitantes que acompanham o evento.
Segundo Borelli (2010) o GP Brasil de F1 gera significativa atividade econômica, sendo considerado um dos eventos de maior movimentação de alguns serviços da cidade de São Paulo, tais como o setor de restaurantes e hotéis (BORELLI, 2010). Informações semelhantes também foram encontradas no estudo de Haddad et al. (2004). Segundo os autores, para cada R$ 1,00 de recurso investido no GP Brasil de F1, a Prefeitura Municipal de São Paulo consegue induzir que R$ 3,20 sejam injetados na economia da cidade (HADDAD; KADOTA; RABAH, 2004).
Em 2013, o GP Brasil foi responsável pela arrecadação de cerca R$ 22,9 milhões em Impostos sobre Serviços (ISS) com o turismo durante o mês de novembro de 2013(G1, 2014). Dados do Observatório do Turismo da Cidade de SP, órgão ligado a SPTuris, apresentaram o percentual de ocupação dos hotéis na cidade de São Paulo durante todos os meses do ano. O GP Brasil foi realizado no mês de Novembro, no período de 2011 a 2015, anos em que a ocupação média anual registrou índice de 65%. Já a ocupação média de novembro, no mesmo período, obteve índice de 71% (SPTURIS, 2013b, 2014b, 2015b).
CONCLUSÕES E DISCUSSÕES
Verificando as produções acadêmicas nacionais sobre megaeventos esportivos, identificam-se trabalhos que discorrem sobre Jogos Pan-americanos do Rio 2007, Copa do Mundo de Futebol de 2014, Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016. Mas pouco se conhece ou se produz a respeito do GP Brasil de F1, o que ressalta a relevância deste estudo e sua contribuição para a Gestão de Esporte no Brasil. Seu principal objetivo foi verificar se o GP Brasil de Fórmula 1 poderia ser definido como um megaevento esportivo.
Considerando a tipologia encontrada na literatura, definiram-se os critérios que foram analisados para concluir que o GP possui sim, as características necessárias para receber a classificação de um megaevento esportivo de segunda ordem. O GP atrai a atenção de uma grande quantidade de turistas, vindos em sua maioria de outros estados brasileiros, mas também de países da América do Sul e Europa. Gera um grande interesse na mídia, atingindo uma grande audiência global e sendo conteúdo para diversas matérias publicadas em veículos de imprensa mundial. Proporciona uma elevada movimentação de recursos financeiros para alguns serviços do município, tais como rede hoteleira, restaurantes e entretenimento. Conquistou investimentos significativos por parte da Prefeitura Municipal de São Paulo e de seus organizadores, ratificando uma parceria público-privada que compartilha as responsabilidades e possui interesses bem definidos de cada uma das partes.
Este trabalho esclarece que megaeventos esportivos podem estar relacionados a uma única modalidade esportiva. Sendo o GP Brasil um evento de automobilismo, o mesmo reúne muitas condições de proporcionar benefícios para a cidade sede, neste caso, para a cidade de São Paulo. Também é preciso elucidar que, para sediar este megaevento, a cidade necessita de condições de infraestrutura e serviços adequados. E São Paulo não depende da realização do evento para ter aeroportos em condições internacionais, rodovias que ligam a diversas regiões do país, rede hoteleira e de serviços extremamente capacitadas para atender a demanda da maior cidade do país. Acrescentam-se aqui os aspectos históricos, os quais estimularam a permanência de indústrias automobilísticas na região, fato este que muito contribuiu para que a cidade construísse a principal estrutura para o automobilismo no país, o Autódromo de Interlagos.
Os custos e investimentos realizados também permitem uma reflexão. O GP é um evento anual, que, conforme os resultados encontrados neste estudo, geram significativa atividade econômica para o município. Em tempos de megaeventos esportivos e analisando os possíveis benefícios para as suas cidades sedes, neste caso evidencia-se que o investimento em eventos considerados de segunda ordem, trazem um resultado positivo e direto, mais facilmente identificado.
Embora este megaevento possua tanta representatividade para a cidade de São Paulo e para o país, questiona-se aqui o nível de interesse por parte do Governo Federal em relação à sua realização. É bem verdade que a maior instância do governo esteve representada nas edições do GP, muitas vezes pelos seus Ministros, do Esporte ou do Turismo. Assim como é fato o auxílio financeiro do Governo Federal para a reforma do Autódromo de Interlagos. Mas, a presença de um chefe de Estado brasileiro seria extremamente relevante para credenciar o GP Brasil de F1 como um megaevento esportivo capaz de gerar benefícios e melhorar a imagem do país no exterior. E o último Presidente da República a comparecer em um GP foi Fernando Collor, em 1990.
Para finalizar, este estudo demonstra que sediar megaeventos esportivos não deve ser apenas um anseio isolado de governantes que almejam exposição nacional ou internacional. Mais do que isso, sediar um megaevento esportivo deve fazer parte de um planejamento eficiente para que benefícios sejam gerados aos principais interessados, a população local dos municípios. Um evento que ocorra de maneira consecutiva, por vários anos em um mesmo local, reúne maiores condições de gerar uma identificação mais estreita com sua cidade sede, facilitando assim o desenvolvimento de possíveis benefícios.
Embora o recorte desta pesquisa tenha sido feito para estudar um único megaevento, o GP Brasil de F1, outros eventos poderiam ser pesquisados e comparados para entender em profundidade os constructos aqui analisados.