INTRODUÇÃO
A história da pós-graduação stricto sensu em Educação Física no Brasil é recente. O primeiro programa de mestrado acadêmico foi instituído em 1977, na Universidade de São Paulo (USP), com as finalidades de capacitar docentes para o ensino superior e promover o desenvolvimento de conhecimentos na área por meio da pesquisa (AMADIO, 2007). No final do ano 2000, o Brasil contava com dez programas de pós-graduação em Educação Física recomendados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Ministério da Educação (MEC), (KOKOBUN, 2003).
É oportuno mencionar as mudanças na configuração e priorização das ações a serem desenvolvidas pela CAPES, direcionadas pelo III Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), que na segunda metade da década de 1980 passa a priorizar a formação de pesquisadores, em relação à formação de professores para atuação no ensino superior (SILVA; GONÇALVES-SILVA; MOREIRA, 2014).
Atualmente, são 36 programas de Educação Física, sendo 33 em funcionamento e três em fase de estruturação (CAPES, 2017) e nossas leituras prévias sugerem que a ênfase à formação de pesquisadores parece estar mais fortalecida na pós-graduação da área da Educação Física. Aliás, o empreendimento dos pesquisadores que se propõem a discutir a organização dos programas de pós-graduação stricto sensu sinaliza a incidência sobre efeitos das implicações que as exigências do sistema de pós-graduação vigente trouxeram à área, da supervalorização da produção científica e da cobrança exacerbada de publicações a orientadores (SILVA; GONÇALVES-SILVA; MOREIRA, 2014).
Kokobun (2003) observa a participação do professor universitário no processo de produção de conhecimento como atalho que aproxima a produção científica e a formação de graduação. Com essa linha de raciocínio, Tani (2016) propõe que a pós-graduação em Educação Física perspective a formação do “pesquisador que ensina”, invertendo a lógica do paradigma anterior, que buscava formar o “professor que pesquisa”.
Independentemente da prioridade evidenciada, a pós-graduação brasileira - sobretudo, a partir da década de 1990 - é reconhecida tanto por seu potencial em qualificar recursos humanos e em fornecer tecnologia de ponta (AMADIO, 2007), quanto como espaço importante e apropriado para a qualificação docente (MARCHLEWSKI; SILVA; SORIANO, 2011). Por isso mesmo, a formação dos docentes universitários mobiliza pesquisadores de diversas áreas do conhecimento (FERNANDES, 2001; ALTHUS, 2004; ISAÍA; BOLZAN, 2008; CUNHA, 2009; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014). Dessa forma, nosso foco de pesquisa volta-se a essa temática na área da Educação Física.
Interessados na formação do docente universitário, recorremos à revisão sistemática de literatura para analisar as produções científicas que tratam do assunto. Bracht et al. (2011) destacam que a análise da produção científica oferece subsídios aos pesquisadores para que tenham possibilidades concretas de contextualizar sua produção ou intenção de produção.
Diante dessas considerações introdutórias, questionamos: quais dados, resultados e direcionamentos de pesquisa (lacunas) são apresentados pela produção científica sobre a formação de professores na pós-graduação em Educação Física no Brasil? Considerando, pois, as pesquisas publicadas em periódicos da área da Educação Física na última década, esse artigo objetivou investigar como tem se configurado a formação de professores universitários nos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Educação Física.
METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se como uma revisão sistemática de literatura, ora empregada como uma ferramenta rigorosa para sintetizar e incrementar o conhecimento relevante sobre uma temática específica, procurando indicar lacunas de pesquisa e caminhos para futuros estudos científicos (GOMES et al., 2013; GOMES; CAMINHA, 2014).
Para subsidiar a coleta de dados, foi elaborada uma ficha de pesquisa com base nas indicações do PreferredReportingItems for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA), especificamente o PRISMA-P (MOHER et al., 2009). Seu objetivo foi validar o problema e o objetivo da pesquisa, definir os critérios de inclusão e exclusão, bem como o rigor metodológico a ser seguido.
A partir das recomendações do Instituto Cochrane, a presente revisão sistemática foi desenvolvida em sete etapas: a) a formulação da pergunta; b) a localização e seleção dos estudos; c) a avaliação crítica dos estudos; d) a coleta de dados; e) a análise e apresentação dos dados; f) a interpretação dos dados e g) o aprimoramento e atualização da revisão (GOMES; CAMINHA, 2014).
A localização dos artigos foi efetuada nas bases de dados eletrônicas Lilacs, Scielo, Web of Science e Sport InformationResource Centre (SportDiscus). Consultamos o DECs (descritores de assunto em Ciências da Saúde da BIREME) para eleger os descritores utilizados no levantamento dos estudos. Os seguintes descritores foram empregados: “faculty”, “education, graduate”, “universityteaching”, “physicaleducation”. E os seguintes termos de busca: "pós-graduação", "pós-graduação em educação física", "professor universitário", "educação física". O operador booleano “AND” foi utilizado para conectar os termos de busca e definir a relação entre eles.
O período delimitado para levar a efeito a análise da produção científica sobre a formação de professores universitários de Educação Física compreende dez anos (2007 - 2016). O recorte temporal justifica-se nessa pesquisa, pois, foi a partir da década passada que a qualificação de mestres e doutores em programas de pós-graduação stricto sensu atingiu proporções inéditas, além da vertiginosa ampliação da produção científica (QUADROS; AFONSO; RIBEIRO, 2013; CIRANI; CAMPANARIO; SILVA, 2015).
A fim de delimitar o universo da pesquisa, utilizamos os seguintes critérios de inclusão: a) artigos científicos publicados no período de 2007 a 2016, nas bases de dados selecionadas; b) pesquisas publicadas no Brasil. E os seguintes critérios de exclusão: a) estudos de revisão de literatura/bibliográfica (revisão sistemática, revisão narrativa, revisão integrativa, estado da arte), resenhas, ensaios, carta de opinião e carta ao editor; b) artigos que tratem da pós-graduação stricto sensu em Educação Física, mas que não abordem substancialmente a formação ofertada para a docência no ensino superior.
A busca efetuada na base de dados Scielo identificou 501 artigos, sendo que 433 contemplaram os critérios de inclusão e foram selecionados para a leitura dos títulos, resumos e palavras-chave. Na sequência, realizou-se a pesquisa na base de dados Lilacs, a qual identificou 111 artigos que, após a aplicação dos mesmos critérios de inclusão, resultou em 98 artigos para a primeira leitura. Na base de dados Web of Science, com o emprego dos critérios de inclusão foram identificados quatro artigos, selecionados em sua totalidade. E na base de dados Sport InformationResource Centre (SportDiscus), com o emprego dos mesmos critérios foram localizados 26 artigos, todos selecionados para a verificação inicial.
Seguindo o protocolo de coleta, 561 artigos foram eleitos para a leitura dos títulos, resumos e palavras-chave. Após essa verificação e a aplicação dos critérios de exclusão identificamos 18 artigos para a leitura na íntegra, sendo dois da base de dados Scielo, 13 da base de dados Lilacs, 0 da base de dados Web of Science e 0 da base de dados Sport InformationResource Centre (SportDiscus). Desses, cinco artigos foram eleitos. Verificamos um artigo duplicado, localizado na base de dados Scielo e na base de dados Lilacs, restando quatro artigos para a análise final.
Dessa forma, quatro publicações constituíram a amostra final da revisão, pois além de focalizarem a pós-graduação em Educação Física, apresentavam como desfecho a formação ofertada neste nível de ensino. A figura 01 apresenta o fluxograma da revisão sistemática de literatura.
Foi feita uma verificação da lista de referências indicada em cada um dos artigos, a fim de conferir se haveriam outros estudos que não foram recuperados nas bases de dados e que contemplassem o foco da pesquisa. Entretanto, nenhuma produção foi encontrada. A coleta de dados ocorreu no ano de 2017.
Para a análise crítica do rigor metodológico das produções científicas, empregamos o JBI QARI Critical Appraisal Checklist for Interpretive & Critical Research, um instrumento utilizado para verificar o nível de confiabilidade de pesquisas qualitativas. As produções científicas atenderam aos critérios estabelecidos por este instrumento.
Foram extraídos e sintetizados os seguintes dados: título, autor e ano, objetivo, metodologia (tipo de pesquisa, fonte de dados e sujeitos) e principais resultados. E organizada a síntese das produções científicas, com a demonstração dos principais resultados desses trabalhos.
Para a categorização das contribuições das produções em análise, recorremos ao método de análise de conteúdo (BARDIN, 2011), eleito por recorrer a procedimentos sistemáticos e objetivos da descrição de conteúdos de mensagens, além de possibilitar uma leitura e análise mais profunda dos conteúdos verificados.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apresentamos a síntese das produções científicas identificadas mediante os critérios estabelecidos, que discutem a formação dos professores universitários de Educação Física desenvolvida pela pós-graduação stricto sensu (Quadro 1).
TÍTULO | AUTOR/ ANO | OBJETIVO | METODOLOGIA | PRINCIPAIS RESULTADOS |
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A formação em programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física: preparação docente versus preparação para pesquisa. | MOREIRA, Evando Carlos; TOJAL, João Batista Andreotti Gomes, 2009. | Identificar junto aos egressos dos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física as experiências que contribuíram no desenvolvimento de habilidades para docência no ensino superior e que podem auxiliar a intervenção pedagógica em cursos de formação de professores de Educação Física. | Pesquisa descritiva. Utilizou questionário com egressos formados entre os anos de 2001 a 2006, nos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física no Brasil. | - Pesquisa e docência estão entre as principais ações que favoreceram o desenvolvimento de habilidades para a docência universitária, no entanto, há uma tendência em atividades voltadas somente à pesquisa; - As oportunidades de experiências voltadas para as habilidades da docência resumem-se à disciplina de Metodologia do Ensino Superior e aos estágios e/ou práticas docentes; - Em alguns momentos do curso, nenhuma das ênfases (pesquisa e docência) foram contempladas. |
Metodologia do ensino superior nos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física no Brasil: a formação docente em questão. | PEREIRA, Érico Felden; MEDEIROS, Cristina Carta Cardoso de, 2011. | Discutir acerca da formação de professores para a atuação no ensino superior nos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física no Brasil e a inserção da disciplina Metodologia do Ensino Superior nesses cursos. | Pesquisa descritiva e documental. Utilizou instrumento de avaliação com 48 alunos do programa de pós-graduação em Educação Física da UFPR, em 2008 e 2009. | - Dos 22 cursos investigados, apenas sete ofertavam a disciplina de Metodologia do Ensino Superior; - O programa da referente disciplina atendeu às expectativas de 94% dos alunos; - Os conteúdos abordados na disciplina foram relevantes para 96% dos alunos, considerando o aperfeiçoamento profissional e o entendimento sobre o ensino em nível superior; - A disciplina foi considerada relevante à qualificação docente, enquanto oportunidade de instrumentalização para o exercício da profissão. |
Prioridades dos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física: a visão dos egressos. | MOREIRA, Evando Carlos; TOJAL, João Batista Andreotti Gomes, 2013. | Identificar, junto aos alunos egressos dos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física, as prioridades do processo formativo estabelecidas pela instituição em que realizaram seus cursos. |
Pesquisa descritiva. Utilizou questionário com egressos formados entre os anos de 2001 a 2006 nos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação Física no Brasil. | - Evidenciou-se que as prioridades dos programas focalizam três ações, quais sejam: ações voltadas à pesquisa; a formação para docência no ensino superior; e a especialização; - Dos 12 programas, apenas em três foi identificado equilíbrio entre as duas ênfases - pesquisa e docência. - Verificou-se que a maioria dos programas privilegiam as ações voltadas à pesquisa, alocando a formação docente em um segundo plano. |
A opinião dos estudantes sobre as exigências da produção na pós-graduação. | MENDES, Valdelaine da Rosa; IORA, Jacob Alfredo, 2014. | Identificar quais são as repercussões das exigências de produtividade no campo acadêmico para os discentes de um curso de pós-graduação, e de que forma estas afetam objetiva e subjetivamente o seu cotidiano. | Estudo de caso e documental. Utilizou entrevista semiestruturada com sete discentes de um curso de mestrado em Educação Física da região sul do Brasil. | - A demanda de tarefas em um curto prazo e os impactos nas relações pessoais se destacam como aspectos que impactam negativamente na formação em nível stricto sensu. - Destacou-se que o tempo para realização do mestrado era curto e tinha como impacto negativo a perda de qualidade dos relatórios finais de pesquisa. - Pontua-se que as exigências de produtividade afetam objetiva e subjetivamente os discentes. |
Fonte: Os autores.
Analisamos as pesquisas selecionadas sob as considerações de seus autores e de outros pesquisadores, que abordaram direta (Educação Física) ou indiretamente (de forma geral ou voltada a outras formações) a temática da qualificação docente no domínio stricto sensu no Brasil.
Das quatro publicações que constituíram a amostra final da revisão (Quadro 1), duas (MOREIRA; TOJAL, 2009; 2013) apresentaram maior abrangência, com egressos de todos os programas brasileiros de pós-graduação strictosensu em funcionamento no período de 2001 a 2006. As outras duas publicações (PEREIRA; MEDEIROS, 2011; MENDES; IORA, 2014) apresentaram estudos realizados em um programa específico.
Os artigos foram publicados em revistas científicas tradicionais da área da Educação Física brasileira: dois na Revista Movimento (RM), (MOREIRA; TOJAL, 2009; PEREIRA; MEDEIROS, 2011) e dois na Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), (MOREIRA; TOJAL, 2013; MENDES; IORA, 2014).
Dois artigos (MOREIRA; TOJAL, 2009; PEREIRA; MEDEIROS, 2011) apresentaram objetivos que explicitaram diretamente o interesse em identificar e discutir a qualificação de docentes para o ensino superior ofertada pelos cursos de pós-graduação strictosensu no Brasil. Um dos trabalhos (MOREIRA; TOJAL, 2013) direcionou o foco às prioridades percebidas pelos egressos no processo formativo dos cursos e um (MENDES; IORA, 2014) ressaltou a prioridade à formação para a pesquisa, trata da qualificação docente nesse contexto.
Além disso, identificamos que todos os autores optaram pelo método de pesquisa descritiva. Como instrumentos, em três artigos foram aplicados questionários aos discentes (MOREIRA; TOJAL, 2009; 2013; PEREIRA; MEDEIROS, 2011), e um deles teve a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados (MENDES; IORA, 2014). Observamos que a pesquisa documental foi utilizada como método adjacente em um dos trabalhos (PEREIRA; MEDEIROS, 2011). A propósito, são instrumentos que permitem apreciação das relações estabelecidas entre fatos, instituições e agentes sociais, verificação de atitudes, comportamentos, ações, percepções e opiniões (ANDRÉ, 2001; FLICK, 2004), elementos comuns nas pesquisas da área sociocultural.
Recursos como entrevistas, questionários, observações diretas e indiretas, análises bibliográficas e documentais estão entre as alternativas comumente eleitas por pesquisadores da área sociocultural. Pesquisa do tipo revisão sistemática de literatura realizada por Silva Júnior (2016), sobre o estágio curricular supervisionado em Educação Física demonstrou que a entrevista e o questionário foram os instrumentos com maior incidência nos artigos, correspondendo a um total de 48,7%, dos 39 estudos analisados. Também foram encontrados documentos, relatos de experiência e a observação como fontes de dados.
A notoriedade desses recursos ocorre, pois são instrumentos que permitem a apreciação das relações estabelecidas entre fatos, instituições e agentes sociais; a verificação de atitudes, comportamentos e ações de determinado grupo social; a opinião sobre um tema; e ainda, percepções de diferentes pesquisadores acerca de um assunto; além de informações documentais de determinado fenômeno (ANDRÉ, 2001; FLICK, 2004).
Como resultados, evidenciamos que os estudos apresentam a percepção de discentes matriculados ou egressos, que de maneira geral reconhecem a importância da formação docente e, nessa perspectiva, da disciplina Metodologia do Ensino Superior. Além disso, suas percepções corroboram com o panorama ora apresentado, da prioridade dada pelos programas de pós-graduação à qualificação de pesquisadores.
Outra observação oportuna ao domínio empírico dessa pesquisa é o indicativo da confirmação da insuficiência de estudos que tratam da formação de professores universitários. Esse diagnóstico pode, inclusive, ter relação com a recente expansão dos cursos de mestrado e doutorado em Educação Física, apontada por Quadros, Afonso e Ribeiro (2013).
Com os achados empíricos em mãos, as categorias de análise para essa pesquisa foram intituladas de “Aspectos contemplados da formação do docente universitário” e de “Aspectos frágeis da formação do docente universitário”.
ASPECTOS CONTEMPLADOS DA FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO
Nesta categoria, emergiram como subcategorias de análise: “experiências vivenciadas nas disciplinas cursadas”, “estágios e/ou práticas docentes” e “disciplina de Metodologia no Ensino Superior” (Figura 2).
As experiências vivenciadas nas disciplinas cursadas foram consideradas válidas pela maior parte dos egressos pesquisados por Moreira e Tojal (2009), na medida em que contemplaram uma gama de conhecimentos relevantes para a ação docente, bem como as trocas de experiências positivas com os docentes responsáveis e colegas. Por isso, os autores enxergam possibilidades concretas nessas disciplinas do desenvolvimento da instrumentalização pedagógica para o exercício da docência.
No entanto, se atentam também àqueles que, mesmo se encontrando em menor proporção, indicam que as disciplinas ofertadas na pós-graduação stricto sensu apresentam poucas, e até mesmo, contribuições negativas à formação docente. Ilustram tal situação as indicações de que as disciplinas serviram apenas para a obtenção da titulação, de que os exemplos dos docentes não foram apropriados, ou de que as experiências se voltaram exclusivamente à pesquisa.
Novamente a formação para a pesquisa aparece acima como contraponto à formação para a docência, com a relevância à obtenção do título surgindo como elemento importante nos depoimentos. Pachane e Pereira (2004, p. 1), discutindo a prioridade à formação de pesquisadores e ao domínio de um conhecimento específico, posicionam-se sobre a inter-relação exposta, afirmando ser “[...] questionável se esta titulação, do modo como vem sendo realizada, possa contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade didática no ensino superior”.
As atuais demandas do ensino universitário trazem à tona a necessidade de superar a ideia de docência como vocação e abraçar a perspectiva de formação teórico-prática da docência como profissão. Isso porque o professor precisa de sustentação sólida para atender às funções que lhe são atribuídas e compreender as dinâmicas e complexas configurações do setor educacional (PEREIRA; MEDEIROS, 2011).
Para Amaral (2010), o professor universitário, além de ser um pesquisador da sua área específica de conhecimento, precisa saber comunicar a síntese desse conhecimento acumulado aos seus alunos. Cunha (2009, p. 29) considera que esse repartir de informações requer “[...] uma construção ativa, com conexões complexas e situadas temporalmente”.
Sobre os estágios e/ou práticas docentes, Moreira e Tojal (2009) enfatizam que esses elementos foram referenciados pelos egressos dos programas como vivências de situações similares ao exercício da docência e uma das poucas oportunidades que possibilitam o desenvolvimento do fazer pedagógico. Pereira e Medeiros (2011), corroborando, afirmam que, ao longo dos anos, o nível stricto sensu em Educação Física tem conferido ao estágio de docência o papel de preparar os pós-graduandos para o exercício dessa tarefa, mas alertam para o problema da não oferta de outras práticas que possam colaborar para esse mesmo fim, na estrutura curricular dos programas.
É oportuno destacar que a Portaria da Capes nº 76, de 14 de abril de 2010, em seu artigo 18, expõe que “[...] o estágio de docência é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência, e a qualificação do ensino de graduação, sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social [...]”. Apresenta o estágio de docência como elemento válido para o desenvolvimento das habilidades da docência.
No entanto, essa prática será integrante, de fato, da formação dos discentes que contam com bolsas. Na prática, fica a cargo do orientador decidir sobre o cumprimento do estágio de docência pelos orientandos que não as recebem. Cabe mencionar também que, sobretudo em nível de doutorado, grande parte dos pós-graduandos já é docente no ensino superior. A Portaria supracitada, em seu inciso VII expõe que, se comprovadas as atividades de docência, os pós-graduandos estarão dispensados do estágio.
Contudo, percebemos que se tal prática for mediada e apoiada de forma efetiva pelo docente mais experiente, poderá se constituir em um meio de apropriação de saberes sobre as questões didático-metodológicas, sendo especialmente relevante para a construção da atividade docente, na medida em que pode possibilitar reflexões e análises da própria prática.
No que diz respeito à disciplina de Metodologia do Ensino Superior, a pesquisa de Pereira e Medeiros (2011) demonstrou que a referente disciplina apresentou contribuições aos pós-graduandos de Educação Física da Universidade Federal do Paraná, sobretudo porque ofereceu possibilidades de se pensar os aspectos didático-metodológicos do ensino. Por isso, a disciplina refletiu de forma positiva na formação para a docência. Entre outros fatores, atendeu as expectativas de 94% dos discentes quanto ao programa e objetivos propostos, e para 96% dos discentes, os conteúdos abordados foram relevantes para seu aperfeiçoamento profissional e para o entendimento sobre o ensino em nível superior.
Na pesquisa supracitada, os discentes participantes da disciplina Metodologia do Ensino Superior indicaram alguns conteúdos que gostariam que tivessem sido mais explorados na disciplina, considerando o foco da docência no ensino superior, tais como: conhecer melhor as estratégias de ensino e de aprendizagem, identificar as formas de organização de conteúdos e avaliação, bem como o contexto universitário e as políticas educacionais desse grau de ensino (PEREIRA; MEDEIROS, 2011).
Parece, pois, apropriada a valorização do tripé ensino-pesquisa-extensão, que além de ser assegurado constitucionalmente, assume papel ímpar na formação acadêmica e na necessária interlocução entre universidade e sociedade (MENDES; IORA, 2014). Entretanto, também parece evidente a necessidade de mais atenção para a formação de professores que vem sendo ofertada no domínio stricto sensu em Educação Física. Aliás, essa necessidade permeia a segunda categoria de análise da pesquisa, na sequência apresentada.
ASPECTOS FRÁGEIS DA FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO
Na configuração desta categoria, identificamos quatro subcategorias: “instrumentalização para a docência”, “conhecimentos adquiridos”, “privilégio das ações voltadas à pesquisa” e “exigências de produtividade” (Figura 3).
No que se refere à instrumentalização para a docência, constatamos que os conhecimentos insuficientes para o processo de ensino-aprendizagem e a carência de diversificação de estratégias e metodologias de ensino são as principais fragilidades apontadas. Além do mais, o domínio de especificidades parece ser privilegiado pelos docentes ao ingressarem no ensino superior, ficando em patamar inferior o domínio de conhecimentos e técnicas para o desempenho em sala de aula e o processo de ensino-aprendizagem (MOREIRA; TOJAL, 2009; 2013; PEREIRA; MEDEIROS 2011).
No cerne das discussões empreendidas, Pereira e Medeiros (2011) ressaltam que a aprendizagem do oficio docente é complexa, sendo indispensável que os professores aprendam a estabelecer uma relação pedagógica com o conhecimento em suas diferentes concepções, bem como com atividades didáticas e metodológicas do projeto de ensino.
Além disso, evidenciamos a percepção de que docentes universitários demonstram cada vez mais conhecimento científico e domínio quase que inquestionável de seus objetos de pesquisa, mas também um distanciamento do envolvimento efetivo com a sala de aula e do conhecimento científico sobre o processo ensino-aprendizagem (MOREIRA; TOJAL, 2013; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
Sobre os conhecimentos adquiridos, o domínio empírico da pesquisa sugere que os programas de pós-graduação stricto sensu privilegiam conhecimentos que contribuem para o domínio restrito de especificidades. É conveniente mencionar que a literatura consultada aponta para reconhecimento da importância do amplo domínio de um determinado campo de estudos e sua relevância para a atuação docente, sobretudo no nível superior.
No entanto, argumenta-se que sem o devido tratamento didático-pedagógico, isso não parece ser suficiente para atender o que se espera de um processo formativo (CUNHA, 2009). Assim, para a efetividade do ensino, o docente precisa atribuir significado às relações estabelecidas com esse corpo de conhecimentos, como forma de facilitar a aprendizagem e de atender às necessidades de formação de seus alunos (BAZZO, 2008; AMARAL, 2010; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
Diante dessa perspectiva, a atuação docente se distancia cada vez mais da supremacia da transmissão de conhecimentos. No mundo do acesso irrestrito à informação, a gestão de uma sala de aula - sobretudo no ensino superior - inclui quase que necessariamente a conexão com o desenvolvimento científico, com as tecnologias de ensino e com os recursos pedagógicos, sendo uma tarefa das mais desafiadoras ao docente obter o interesse dos alunos pelos conteúdos ensinados.
Relatos de alunos que estão inseridos em cursos de formação inicial indicam que“[...] o professor sabe a matéria, porém não sabe como transmiti-la ao aluno, não sabe como conduzir a aula, não se importa com o aluno” (PACHANE; PEREIRA, 2004, p.02). Para as autoras, essa falta de atenção com o ensino parece estar sendo naturalizada nas instituições de ensino superior.
De acordo com a literatura consultada, isso ocorre, em certa medida, pela prioridade das ações vinculadas à pesquisa. Por esses aspectos, Moreira e Tojal (2013) defendem que capacitação docente nos programas de pós-graduação stricto sensu precisa articular pesquisa e docência. Para além disso, verificamos argumentos que sugerem uma correção de rota na formação no nível stricto sensu da Educação Física, no sentido de formar indivíduos que se comprometam com o desenvolvimento da área (TANI, 2016).
Amplamente abordada, a relação de polarização entre a formação para pesquisa e a formação para a docência é foco de estudos sobre os conteúdos trabalhados na pós-graduação brasileira, conforme pudemos observar. Por sinal, parte significativa dos discentes pesquisados (matriculados e egressos) nos estudos selecionados, indicou que no percurso formativo as ações voltadas à pesquisa foram priorizadas, quando comparadas às ações voltadas à docência.
Em maior ou menor grau, os autores alertam que tal discrepância pode impactar negativamente na qualificação dos professores universitários (MOREIRA; TOJAL, 2009; 2013; PEREIRA; MEDEIROS 2011; MENDES; IORA, 2014). Nessa conjuntura, os achados empíricos nos permitem perceber que o equilíbrio entre docência e pesquisa ainda parece estar um pouco distante da nossa realidade.
Sobre as exigências de produtividade - fruto da prioridade observada -, constatamos como aspecto negativo no domínio stricto sensu a demanda de tarefas em curto prazo, cujas cobranças ocasionam impactos nas relações pessoais entre orientador e orientando e entre os próprios discentes.
Nas últimas décadas, o encurtamento do prazo de conclusão de cursos de mestrado e doutorado, a baixa disponibilização e reajuste de bolsas de estudo - geram maior divisão de tempo entre trabalho e estudo, estresse e perda de qualidade nos relatórios de pesquisa, que somados à cobrança de produtividade (artigos científicos), são fatores que impactam sensivelmente esse processo formativo (MENDES; IORA, 2014). Em contraponto, para a manutenção do credenciamento ou status dos programas, estes precisam sustentar um regime de constante exigência e pressão com seus docentes e pós-graduandos (MOREIRA; TOJAL, 2009; MENDES; IORA, 2014).
Diante das complexas relações estabelecidas nessa configuração, percebemos que pensar o componente da formação é uma ação no mínimo desafiadora. Isso porque, o conteúdo da formação não é um elemento estático e permanente, mas se estabelece em posições movediças, que dependem das relações sociais e das condições históricas do momento vivido (CUNHA, 2009).
Para além dessas questões, a análise aqui empreendida revelou o descontentamento dos pares com o direcionamento da formação em questão. Nesse caso, identificamos argumentos que se apresentaram favoráveis à perspectiva de formação que prestigia a docência e que, ao mesmo tempo, se descontenta com a posição assumida pela perspectiva formativa que prioriza a formação de pesquisadores, uma vez que a mesma se apresenta mais fortalecida na atual conjuntura dessa configuração.
CONCLUSÕES
A formação para a docência no ensino superior nos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Educação Física esteve invariavelmente acompanhada nas publicações pelo apontamento de fragilidades na oferta dessa formação, situação em geral pautada no antagonismo à prioritária formação de pesquisadores. À propósito, a própria identificação dos estudos a serem analisados teve como fator principal a significância dada à temática.
Sendo assim, dar “voz” aos discentes (em curso e egressos) foi um aspecto relevante em todos os estudos selecionados. Com isso, aspectos positivos e negativos da formação ofertada puderam ser explicitados por eles, bem como suas angústias, dificuldades e superações vividas nesse processo.
Entre os aspectos ligados à docência contemplados nos programas de pós-graduação pesquisados, as pesquisas destacaram: a) conhecimentos adquiridos; b) troca de experiências com os docentes e colegas de turma; c) oportunidade de estágio docente; d) oferta de disciplina específica (Metodologia do Ensino Superior).
Já entre as fragilidades nesse processo, foram elencadas: a) conhecimentos insuficientes para o processo de ensino-aprendizagem; b) pouca diversificação de estratégias e metodologias de ensino pelos docentes dos programas; c) priorização à formação de pesquisadores; d) exigência exacerbada de produtividade científica.
Ademais, a incipiência de pesquisas sobre o tema pareceu se confirmar. Os estudos selecionados e os que foram trazidos para a discussão ressaltam a formação de pesquisadores, a qual está em consonância com os critérios de pontuação exigidos para o credenciamento de docentes nos programas de pós-graduação, assim como para o ingresso na docência do ensino superior.
A análise aqui empreendida focalizou a formação ofertada pelos programas brasileiros de pós-graduação em Educação Física. No entanto, não perdemos de vista que a problemática pertinente à formação de professores universitários se apresenta em um contexto de intensas e dinâmicas transformações do campo educacional do país. É notável também que os objetivos e normativas que regem o sistema da pós-graduação influenciam a dinâmica dos programas e seus projetos formativos.
Diante disso, não podemos deixar de pontuar que esse nível de ensino tem sido moldado para atender as necessidades, prioridades e finalidades situadas socialmente no país, a exemplo das metas estabelecidas pelo setor econômico e da integração da pós-graduação ao sistema nacional de ciência e tecnologia. Logo, as políticas públicas direcionadas à pós-graduação têm focalizado sua expansão e qualidade baseadas na produção científica qualificada. Vale ressaltar ainda que, para se manterem no sistema vigente, os programas precisam atender aos padrões exigidos pelas políticas governamentais e por seus órgãos reguladores.
Como última observação das pesquisas analisadas neste estudo, identificamos a polarização existente entre pesquisa e docência no domínio stricto sensu em Educação Física. No entanto, essas pesquisas não forneceram indicativos de avançar à lógica instaurada, que considere uma formação ampla e qualificada para aqueles que atuam no ensino superior. Nos parece que a aproximação das duas ênfases nessa configuração poderia enriquecer as possibilidades de se conjecturar os rumos desse processo formativo. Nesse sentido, a nosso modo de ver, um projeto formativo unificado, que proporcione uma formação ampla e qualificada, requer que sejam restituídos os diálogos entre pesquisa e docência, pois ambas são válidas e indispensáveis à formação dos futuros mestres e doutores.