INTRODUÇÃO
Desde a promulgação da primeira Constituição em 1824, o orçamento público brasileiro foi alvo de dispositivos normativos em todas as constituições federais, estaduais e leis orgânicas dos municípios. Enquanto um instrumento que retrata o programa de ação do Poder Público, a trajetória do orçamento foi marcada por períodos de coparticipação entre os Poderes Executivo e Legislativo e períodos de exclusividade do Poder Executivo sobre os processos de elaboração e aprovação da peça orçamentária (PIRES; MOTTA, 2006).
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 estabelece como responsabilidade do Poder Executivo a iniciativa do processo de formulação do orçamento. A partir de um processo coordenado pela Secretaria de Orçamento Federal, o Poder Executivo elabora um projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e o encaminha à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização para apreciação do Poder Legislativo. Durante este processo, os parlamentares podem propor alterações textuais ou de despesas por meio de emendas. Aprovadas as alterações, o projeto retorna ao Poder Executivo para ser sancionado ou não, com ou sem vetos, como Lei Orçamentária Anual (LOA) (BRASIL, 1988).
A participação do Poder Legislativo na alocação de recursos públicos foi instituída como “uma oportunidade dada ao parlamentar para participar e interferir na alocação de recursos orçamentários, expressando suas prioridades quanto às políticas públicas” (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2008, p. 130). Segundo Carlomagno (2016), o pressuposto é o de que os parlamentares estão mais próximos do que o governo central nas questões locais de seus respectivos estados, podendo indicar com mais propriedade as demandas prioritárias. Isto, por sua vez, propiciaria uma maior democratização, uma vez que possibilita a participação dos representantes da sociedade na formulação das políticas públicas (CAMBRAIA, 2011), e proporciona um maior balanceamento entre os Poderes (BAPTISTA et al., 2012).
Por outro lado, a participação dos parlamentares no orçamento público também pode ser compreendida como uma estratégia política das relações entre Executivo e Legislativo e entre parlamentares e suas bases eleitorais (BAPTISTA et al., 2012). No que se refere às relações entre os poderes Executivo e Legislativo, as emendas funcionariam como uma das engrenagens de um complexo sistema de trocas de apoio na arena legislativa (PEREIRA; MUELLER, 2002). No que tange às relações entre parlamentares e suas bases eleitorais, as emendas funcionariam como um meio pelo qual os parlamentares buscam levar bens tangíveis a regiões claramente definidas com o propósito de garantir sua sobrevivência política (PEREIRA; MUELLER, 2002).
O setor esportivo se configura como uma das áreas que desperta grande interesse dos parlamentares e o peso das emendas no orçamento do extinto Ministério do Esporte (ME)1 já foi atestado (BOUDENS, 2007; CASTELAN, 2011; CASTRO, 2016; TEIXEIRA, 2016, TEIXEIRA et al., 2018). Castro (2016), por exemplo, concluiu que, no período de 2004 a 2011, 62,2% (R$ 5,7 bilhões) dos recursos planejados na função “Desporto e Lazer” foi decorrente da alocação de recursos efetuada pelos parlamentares. Teixeira (2016), ao analisar as despesas discricionárias liquidadas no período de 2008 a 2015, concluiu que 54% dos recursos do ME tratavam de emendas parlamentares.
Apesar da relevância das emendas parlamentares na composição do orçamento do ME e do crescimento recente de estudos relativos ao financiamento do setor esportivo, encontramos apenas dois trabalhos com o objetivo de analisar a composição e as características das emendas parlamentares direcionadas ao setor esportivo: Teixeira (2016) e Teixeira et al. (2018). O presente estudo visa atender esta lacuna nos estudos sobre financiamento esportivo e pretende expandir o recorte temporário proposto por Teixeira (2016) e Teixeira et al. (2018), bem como propõe a análise de uma etapa orçamentária diferente da que foi investigada pelos referidos trabalhos.
Teixeira (2016) e Teixeira et al. (2018) optaram por analisar a execução orçamentária das emendas aprovadas no orçamento do extinto ME a fim de verificar a magnitude e o direcionamento dos gastos das emendas. Neste estudo, optamos por analisar o volume e as características das emendas aprovadas do extinto ME durante o processo de elaboração do orçamento federal. Isto porque, enquanto o processo de execução é marcado pela discricionariedade do Poder Executivo em executar parte do orçamento público (ASSIS, 2009), o processo de elaboração se caracteriza pela discricionariedade do Poder Legislativo frente a alocação das cotas das emendas parlamentares. Por esta característica, a análise do comportamento político dos parlamentares na alocação de recursos durante o processo de elaboração do orçamento público se torna um importante objeto de análise (CARLOMAGNO, 2016) e necessário no campo esportivo.
O objetivo desta pesquisa, portanto, é o de investigar o volume e as características das emendas aprovadas no orçamento do extinto ME de 2004 a 2015. A caracterização das emendas terá como propósito atender as seguintes questões: (1) quais tipos de emendas (coletivas e/ou individuais) integraram o planejamento orçamentário do ME?; (2) à quais níveis federativos (municipal, estadual, regional ou nacional) as emendas parlamentares foram direcionadas?; (3) quais unidades federativas foram beneficiadas a partir da alocação das emendas?; e (4) quais manifestações esportivas foram contempladas por emendas no orçamento do ME? A elucidação destas questões contribuirá com a compreensão do comportamento político dos parlamentares frente ao estabelecimento das prioridades no campo esportivo. Acreditamos que os resultados deste trabalho fornecem subsídios para a qualificação da discussão relativa à participação do Poder Legislativo na definição das políticas para o esporte, bem como contribui com as discussões relativas ao financiamento do setor esportivo e às políticas públicas para o esporte e lazer.
METODOLOGIA
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa documental de natureza exploratória que investigou a alocação de recursos orçamentários a partir de emendas parlamentares no orçamento federal do extinto ME. Os dados foram coletados do Portal SIGA Brasil2. Neste portal, selecionamos os dados referentes ao atendimento das emendas no processo de elaboração dos orçamentos fiscal (OF) e da seguridade social (OSS) do extinto ME alocados na função “Desporto e Lazer” de 2004 a 2015.
Acessamos os relatórios padronizados do SIGA Brasil e, através da interatividade do portal, acrescentamos outras informações. Coletamos e tabulamos os seguintes dados: ano, autor da emenda, unidade federativa do autor da emenda, número da emenda, unidade federativa da emenda, localidade, subfunção, programa, ação, funcional, ação e subtítulo, esfera, grupo de natureza de despesa (GND), modalidade de aplicação, R$ Atendido Setorial; R$ Atendido Geral e R$ Atendido Autógrafo. Em seguida, criamos categorias a fim de agrupar informações a partir da análise das denominações das dotações orçamentárias. Foram elas: (1) tipo de emenda, se individual, bancada, comissão ou relatoria; (2) nível da localidade da emenda, se municipal, estadual, regional ou nacional; (3) Manifestação Esportiva; se rendimento, recreativo, educacional e lazer, megaeventos, e outros; e (4) Categoria da ação: se relativa à administração, desenvolvimento de atividades esportivas, ciência e tecnologia, infraestrutura, produção de material esportivo, formação e suporte de atletas, publicidade, futebol, eventos esportivos, Rio 2007, Copa 2014 e Rio 2016.
Após a tabulação dos dados, consideramos apenas os valores das dotações na etapa “Autógrafo”. Neste sistema, a etapa “Autógrafo” contempla somente os acréscimos dos pareceres, excluindo os valores cancelados pelos pareceres e os valores contidos no projeto de lei. Esta etapa, portanto, indica os valores alocados única e exclusivamente durante o processo de apreciação do Poder Legislativo da peça orçamentária encaminhada pelo Poder Executivo. Na sequência, eliminamos emendas com dotações zeradas na etapa “Autógrafo”, uma vez que consideramos apenas as emendas que foram aprovadas no processo de elaboração do orçamento do extinto ME, e atualizamos os valores orçamentários de acordo com o índice do IPCA3 de 2015.
Também eliminamos manualmente, com auxílio de ferramentas do Microsoft Excel, eventuais duplicações nos relatórios. As duplicações eram relativas ao proponente da emenda e a erros no preenchimento das emendas. No primeiro caso, houve diferentes preenchimentos de nomes de parlamentares. Ora os nomes estavam completos, ora abreviados (Ex: Eduardo Cosentino Cunha e Eduardo Cunha). No último caso, em decorrência de erros no preenchimento de emendas, principalmente quanto a localidade e unidade federativa das dotações (Ex.: UF: Santa Catarina e Localidade: Curitiba), consideramos apenas a emenda corrigida e a sua dotação autografada. Totalizamos 8.526 emendas parlamentares.
Recorremos à análise descritiva a fim de averiguar o volume e a representatividade das emendas no orçamento do ME e de caracterizá-las quanto ao tipo de emenda, nível de emenda, localidade e dimensão esportiva contemplada. Os resultados foram discutidos a luz das produções acadêmicas do campo do financiamento esportivo e do orçamento público.
RESULTADOS E DICUSSÃO
No período de 2004 a 2015, o orçamento do ME contou com 8.526 emendas aprovadas pelo Poder Legislativo que totalizaram R$ 14,9 bilhões em autógrafos no PLOA. As emendas individuais totalizaram o maior volume de recursos e a maior quantidade de propostas na área. Estas foram responsáveis por R$ 8,2 bilhões (55%) do montante autografado e por 97% das emendas apresentadas ao PLOA do ME. Quando somadas, as emendas coletivas (bancada e comissão) apenas excederam o montante das dotações das individuais nos anos de 2004 e 2005. Nos demais anos, as emendas individuais predominaram tanto no volume de recursos quanto na quantidade de propostas.
Ano | Autógrafo | Individual | Bancada | Comissão | Relator | Total |
2004 | R$ | 197,18 | 244,13 | 37,81 | 13,57 | 492,69 |
Quant. | 545 | 19 | 6 | 16 | 586 | |
2005 | R$ | 389,05 | 273,84 | 237,04 | 3,87 | 903,80 |
Quant. | 747 | 21 | 6 | 2 | 776 | |
2006 | R$ | 479,43 | 235,94 | 185,07 | 503,77 | 1.404,21 |
Quant. | 747 | 15 | 3 | 11 | 776 | |
2007 | R$ | 475,67 | 231,52 | 142,91 | 13,21 | 863,31 |
Quant. | 647 | 12 | 3 | 1 | 663 | |
2008 | R$ | 863,72 | 405,30 | 271,71 | 87,58 | 1.628,31 |
Quant. | 882 | 15 | 2 | 6 | 905 | |
2009 | R$ | 1.070,25 | 399,26 | 193,92 | 8,46 | 1.671,89 |
Quant. | 904 | 17 | 2 | 1 | 924 | |
2010 | R$ | 996,33 | 657,45 | 36,57 | 1.690,35 | |
Quant. | 796 | 17 | 6 | 819 | ||
2011 | R$ | 932,56 | 581,90 | 213,72 | 1.728,18 | |
Quant. | 767 | 21 | 3 | 791 | ||
2012 | R$ | 942,43 | 297,16 | 137,69 | 1.377,28 | |
Quant. | 635 | 11 | 3 | 649 | ||
2013 | R$ | 910,70 | 309,27 | 503,49 | 1.723,46 | |
Quant. | 625 | 11 | 4 | 640 | ||
2014 | R$ | 558,73 | 169,00 | 125,14 | 852,87 | |
Quant. | 511 | 7 | 4 | 522 | ||
2015 | R$ | 408,81 | 137,24 | 44,67 | 590,71 | |
Quant. | 462 | 11 | 2 | 475 | ||
Total | R$ | 8.224,84 | 3.942,02 | 2.129,74 | 630,46 | 14.927,06 |
Quant. | 8.268 | 177 | 44 | 37 | 8.526 |
Fonte: Senado Federal (2017).
Elaboração própria.
O predomínio das emendas individuais no orçamento do ME condiz em parte com os achados de Teixeira (2016) e Teixeira et al. (2018). Segundo os autores, no período de 2008 a 2015, a supremacia das emendas individuais se deu tanto na quantidade de propostas quanto no volume orçamentário. Contudo, estes afirmam que, no decorrer dos anos de 2012 a 2015, as emendas individuais passaram a somar valores inferiores as emendas de comissão e relatoria. Ainda de acordo com os autores, as emendas de bancada somaram o menor volume orçamentário (TEIXEIRA, 2016; TEIXEIRA et al., 2018). Em nosso estudo, a alocação de recursos via emendas apresentou uma tendência relativamente constante que privilegiou as emendas individuais seguido das emendas de bancada, divergindo com parte dos achados dos autores.
A primazia pelas emendas individuais no orçamento do ME também destoou de outros estudos relativos ao Orçamento Geral da União. Estudos de Limongi e Figueiredo (2005), Rocha (2014) e Vasselai e Mignozzetti (2014), por exemplo, concluem que as emendas individuais representam uma pequena parcela de intervenção e que a maior parcela dos recursos alocados pelo Poder Legislativo provém de emendas coletivas, de bancada e comissão, e/ou de relatoria. A maior mobilização individual no setor esportivo pode estar relacionada a preferência parlamentar na alocação de recursos no setor esportivo - pequenas obras em localidades bem definidas -, a qual será discutida posteriormente.
Apesar de um padrão na configuração das emendas, o número de propostas e o volume orçamentário aprovado variou em todos os tipos de emendas no período analisado. No caso das emendas individuais, estas variações podem estar relacionadas com as consideráveis alterações nas regras e nos valores de emendamento no decorrer do período analisado. As emendas individuais em 2004 tinham como limite máximo global R$ 2,5 milhões e 20 emendas por mandato parlamentar. Deste montante, 30% deveria ser destinado à programação orçamentária do Ministério da Saúde (CONGRESSO NACIONAL, 2003). Em 2015, último ano analisado, os limites estavam fixados em até R$ 16,3 milhões e 25 emendas por mandato parlamentar, sendo que do montante global, 50% deveria ser destinado para ações e serviços públicos de saúde (CONGRESSO NACIONAL, 2014). Enquanto a quantidade e o volume orçamentário das emendas cresceram no período analisado, os percentuais destinados à saúde variaram o que, por sua vez, pode ter impactado na apresentação de emendas individuais no orçamento do ME. Os ordenamentos variaram por períodos de 30% (2004, 2006, 2007), 50% (2014 e 2015) e R$ 2 milhões (2012 e 2013), com períodos sem obrigatoriedade (2005, 2008, 2009, 2010, 2011). Os anos sem obrigatoriedade e com baixos percentuais - 2012 e 20134 -, se configuraram como os anos em que o volume de recursos por emendas individuais no orçamento do ME foi mais significativo. Sendo assim, tanto as normativas do processo orçamentário quanto os interesses dos parlamentares e a sua mobilização para a área esportiva impactaram de maneira direta no volume de recursos planejados no orçamento do ME.
No que tange à mobilização parlamentar, as emendas das bancadas estaduais são exemplares. Nenhuma bancada estadual apresentou emendas em todos os anos. A bancada do Ceará foi a mais frequente com emendas em 10 dos 12 anos analisados. De outro lado, bancadas dos estados de Acre, Maranhão e Rio Grande do Sul apresentaram emendas em dois anos. A Bancada do Rio de Janeiro com R$ 380.487.273,19 totalizou o maior volume de recursos.
A quantidade de emendas apresentadas e, consequentemente, o volume das emendas de bancadas estaduais é influenciada pela quantidade de parlamentar de cada unidade federativa. Todavia, esta categoria de emenda também dependerá da mobilização dos parlamentares, a partir de um issue networks5, uma vez que as emendas de bancadas estaduais dependerão da aprovação de seus respectivos parlamentares. Até 2006, os regimentos do Congresso Nacional estabeleciam 15 emendas para as bancadas com 11 parlamentares e 1 emenda adicional para cada 10 parlamentares até o máximo 20 emendas, aprovadas por 2/3 dos Deputados e Senadores (CONGRESSO NACIONAL, 2001). A partir da Resolução nº 01 de 2006, houve um acréscimo de três emendas para a representação do Senado quando a bancada tiver mais de 18 parlamentares; e, no caso de obras estruturantes nos estados, foi estabelecida a apresentação de três emendas de remanejamento. A aprovação passou a depender de 3/4 dos deputados e 2/3 dos senadores da respectiva unidade da federação (CONGRESSO NACIONAL, 2006).
No caso das emendas de comissão, estas são de iniciativa de comissões temáticas permanentes da Câmara ou do Senado e atendem ações de interesse nacional ou institucional relativas às suas respectivas áreas de atribuição. Até 2006, estas eram limitadas a cinco emendas. A partir de 2006, quando uma comissão permanente tem sua competência delimitada a uma mesma subárea temática, são permitidas a apresentação de duas emendas de apropriação e de remanejamento. Quando sua competência abranger mais de uma subárea temática6, esse número aumenta quatro emendas de cada tipo (ROCHA, 2014).
Grande parte dos recursos das emendas de comissão foram provenientes da “Comissão de Turismo e Desporto - CTD”: R$ 1,5 bilhões, 73,2% de todo o valor proveniente de emendas de comissão. Esta também se configurou como a comissão mais perene no período analisado, somando emendas de 2004 a 2014. Na sequência, o orçamento do ME foi contemplado com R$ 272 milhões da “Comissão de Educação” (2005, 2007 - 2009), R$ 255 milhões da “Comissão de Educação, Cultura e Esporte - CE” (2010-2015) e R$ 43 milhões da “Comissão de Educação e Cultura” (2005).
As emendas de relatoria7 foram as únicas que não se fizeram presentes em todos os anos. Estas são autorizadas somente nos casos de correção de erros e omissões, recomposição de dotação canceladas e para atender especificações dos pareceres preliminares (CONGRESSO NACIONAL, 2006). No orçamento do extinto ME, houve emendas de relatoria por parte do Relator Geral (2004, 2005, 2008 e 2009) e por parte do Relator Setorial (2006 e 2007). Segue a relação de parlamentares que atuaram como relatores geral: Dep. Jorge Bittar (PT/RJ) em 2004, Sen. Romero Jucá (PMDB/RR) em 2005, Dep. Carlito Merss (PT/SC) em 2006, Sem. Valdir Raupp (PMDB/RO) em 2007, Dep. José Pimentel (PT/CE) em 2008, Sen. Delcídio Amaral (PT/MS) em 2009. Já como relatores setorial, seguem os parlamentares que atuaram na Relatoria Setorial 6 - Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia, Esporte e Turismo: Dep. Wasny de Roure (PT/DF) em 2006 e Dep. Paulo Rubem Santiago (PT/PE) em 2007. Grande parte destes recursos (77%) foram destinados ao programa “Rumo ao Pan 2007”. Outros 16% foram destinados ao programa “Vivência e Iniciação Esportiva Educacional - Segundo Tempo” (2004, 2006, 2008 e 2009). Os outros 7% foram destinados aos demais programas integrantes do extinto ME.
Tendo em vista que as funções de relatoria no período analisado foram coordenadas por parlamentares da base governista, a alocação de emendas pelos relatores pode indicar um alinhamento entre estes e o Poder Executivo. Isto porque a proposta inicial do Poder Executivo para a função “Desporto e Lazer” visava assegurar prioritariamente recursos aos grandes eventos esportivos (CASTRO, 2016) e a alocação das emendas de relatoria privilegiaram as dotações relativas aos Jogos Rio 2007. O reforço orçamentário por parte dos relatores também privilegiou o programa “Segundo Tempo”, uma ação considerada o “carro-chefe” do Poder Executivo para a área (ATHAYDE, 2009).
Estados e municípios brasileiros foram os maiores beneficiários das emendas parlamentares. O predomínio de ambos se alternou ao longo dos anos, e no somatório do período, os estados totalizaram R$ 6,3 bilhões (42,3%), seguidos dos municípios (R$ 6,2 bilhões - 41,9%), das dotações nacionais (R$ 2,3 bilhões - 15,7%) e regionais (R$ 16,7 milhões - 0,1%).
2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2004-2015 | |
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Individual | 197,2 | 389,1 | 479,4 | 475,7 | 863,7 | 1.070,2 | 996,3 | 932,6 | 942,4 | 910,7 | 558,7 | 408,8 | 8.224,8 |
Estado | 52,9 | 123,7 | 38,6 | 77,1 | 293,9 | 410,3 | 457,2 | 596,6 | 741,2 | 717,8 | 421,4 | 260,3 | 4.191,0 |
Município | 142,9 | 263,4 | 438,6 | 397,9 | 562,7 | 648,3 | 527,4 | 311,3 | 199,9 | 191,3 | 136,0 | 144,3 | 3.963,9 |
Nacional | 1,4 | 0,8 | 2,3 | 0,7 | 3,8 | 5,7 | 10,8 | 19,9 | 1,4 | 1,7 | 0,6 | 4,2 | 53,2 |
Região | 1,2 | 3,2 | 6,0 | 0,9 | 4,8 | 0,7 | 16,7 | ||||||
Bancada | 244,1 | 273,8 | 235,9 | 231,5 | 405,3 | 399,3 | 657,5 | 581,9 | 297,2 | 309,3 | 169,0 | 137,2 | 3.942,0 |
Município | 113,4 | 164,9 | 70,9 | 151,1 | 246,0 | 210,4 | 376,9 | 325,1 | 191,9 | 207,8 | 133,1 | 104,3 | 2.295,8 |
Estado | 130,8 | 109,0 | 165,0 | 80,4 | 159,3 | 188,8 | 280,5 | 256,8 | 105,2 | 101,5 | 35,9 | 32,9 | 1.646,2 |
Comissão | 37,8 | 237,0 | 185,1 | 142,9 | 271,7 | 193,9 | 36,6 | 213,7 | 137,7 | 503,5 | 125,1 | 44,7 | 2.129,7 |
Nacional | 37,8 | 237,0 | 185,1 | 142,9 | 271,7 | 193,9 | 36,6 | 213,7 | 137,7 | 503,5 | 125,1 | 44,7 | 2.129,7 |
Relator | 13,6 | 3,9 | 503,8 | 13,2 | 87,6 | 8,5 | 630,5 | ||||||
Estado | 9,0 | 450,5 | 13,2 | 472,7 | |||||||||
Nacional | 4,6 | 3,9 | 53,3 | 87,6 | 8,5 | 157,7 |
Fonte: Senado Federal (2017).
Elaboração própria.
Vale observar que, apesar dos estados totalizaram o maior volume de recursos, ao detalharmos os subtítulos das dotações e analisarmos as suas modalidades de aplicação, podemos inferir que os municípios se estabelecem como os maiores beneficiários. No caso dos subtítulos, observamos que, ainda que a emenda estivesse vinculada a uma unidade federativa, esta era designada a diversos municípios de tal unidade. Por vezes, o parlamentar ao invés de elaborar uma emenda específica para cada localidade, apresenta uma única emenda com a intenção de alocar recursos em diversas localidades. Esta prática remete a uma estratégia por parte do parlamentar para não extrapolar o limite de emendas, bem como da possibilidade de decidir em um momento posterior quais municípios serão beneficiados.
O predomínio dos municípios no processo de alocação de recursos via emendas parlamentares reflete uma prática recorrente no orçamento brasileiro, qual seja o de alocar recursos para as localidades os quais estes encontram-se vinculados. Vale observar que não há impeditivos para que um parlamentar designe recursos para estados e/ou municípios pelos quais ele não foi eleito. Contudo, tal como atestado por Bezerra (1999), esta prática não é comum. Em nosso estudo, apenas R$ 28,5 milhões através de 49 emendas individuais foram designadas para localidades diferentes das quais o parlamentar estava vinculado. Mais do que uma ação esperada, a alocação de recursos para as localidades as quais os parlamentares são representantes é compreendida como um dever por parte do parlamentar e funciona como uma forma de avaliação da atuação parlamentar (BEZERRA, 1999).
Em relação a distribuição geográfica das emendas parlamentares, exceto por Espírito Santo, os estados da região Sudeste totalizaram o maior volume de recursos orçamentários via emendas parlamentares: Rio de Janeiro (R$ 1,6 bilhões), São Paulo (R$ 1 bilhão) e Minas Gerais (R$ 983 milhões). No lado oposto, o estado de Alagoas somou o menor volume: R$ 124 milhões.
Apesar dos valores totais, a distribuição de recursos entre os estados apresentou grandes variações. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, contou com R$ 48 milhões em 2004, atingiu R$ 595 milhões em 2006 e passou a R$ 75 milhões em 2015. Outro exemplo é o estado de Roraima que, apesar de não ter totalizado o menor montante, não somou nenhum recurso por meio de emendas nos anos de 2006, 2007, 2013 e 2015. Além disso, totalizou o menor montante entre os estados nos anos de 2004, 2005, 2008, 2009 e 2012. Por outro lado, somou em 2010, R$ 132 milhões, um volume superior ao que foi destinado ao estado de Alagoas em todo o período analisado.
A distribuição geográfica dos recursos orçamentários a partir das emendas parlamentares é diretamente impactada pela quantidade de representantes em cada unidade federativa, bem como pelo interesse de mobilização por parte dos parlamentares. No quesito da quantidade de representantes, vale observar que, enquanto o número de representantes na Câmara é proporcional à população, o número de senadores é igual para todas as unidades federativas. Sendo assim, tendo em vista que a cota de recursos das emendas é fixa e igual entre os parlamentares, as unidades que possuem maior representação recebem a maior parcela dos recursos das emendas parlamentares, independentemente das diferenças sociais e regionais apontadas por quaisquer indicadores (CAMBRAIA, 2011).
Com relação às manifestações esportivas, a alocação de recursos por parte dos parlamentares privilegiou a dimensão “Recreativo, educacional e lazer”. Esta dimensão foi predominante em todos os anos do período analisado e em todos os tipos de emendas, exceto pelas emendas de relatoria. Ao final do período, a dimensão “Recreativo, educacional e lazer” totalizou R$ 13,5 bilhões (90,5%), seguido das categorias rendimento (R$ 719 milhões - 4,8%), megaeventos (R$ 636 milhões - 4,3%), e outros (36 milhões - 0,2%).
As emendas de relatoria, conforme citado anteriormente, visavam atender prioritariamente as demandas relacionadas aos Jogos Rio 2007. Já as demais emendas, ao concentrar seus recursos na dimensão “Recreativo, educacional e lazer”, almejavam atender prioritariamente as demandas relacionadas à infraestrutura esportiva. Isto porque, 92,9% dos recursos alocados pelos parlamentares nesta dimensão tinham por finalidade a implantação de infraestrutura esportiva possibilitada, especialmente, pelos programas “Esporte e Lazer da Cidade” e “Segundo Tempo.
2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2004-2015 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Individual | 197,18 | 389,05 | 479,43 | 475,67 | 863,72 | 1070,25 | 996,33 | 932,56 | 942,43 | 910,70 | 558,73 | 408,81 | 8224,84 |
Recreativo, Educacional e Lazer | 196,76 | 383,50 | 478,60 | 472,81 | 849,52 | 1063,86 | 992,27 | 889,17 | 939,40 | 884,05 | 543,88 | 397,80 | 8091,62 |
Rendimento | 0,41 | 4,20 | 0,28 | 2,86 | 14,20 | 6,38 | 3,29 | 36,93 | 2,75 | 22,79 | 14,85 | 11,01 | 119,95 |
Megaeventos | 5,64 | 0,27 | 3,86 | 9,78 | |||||||||
Outro | 1,35 | 0,56 | 0,77 | 0,81 | 3,49 | ||||||||
Bancada | 244,13 | 273,84 | 235,94 | 231,52 | 405,30 | 399,26 | 657,45 | 581,90 | 297,16 | 309,27 | 169,00 | 137,24 | 3942,02 |
Recreativo, Educacional e Lazer | 219,75 | 273,84 | 133,94 | 231,52 | 405,30 | 383,10 | 559,88 | 489,49 | 297,16 | 251,79 | 155,05 | 126,07 | 3526,91 |
Rendimento | 24,38 | 16,16 | 97,57 | 63,57 | 57,48 | 13,95 | 11,17 | 284,28 | |||||
Megaeventos | 102,00 | 28,84 | 130,83 | ||||||||||
Comissão | 37,81 | 237,04 | 185,07 | 142,91 | 271,71 | 193,92 | 36,57 | 213,72 | 137,69 | 503,49 | 125,14 | 44,67 | 2129,74 |
Recreativo, Educacional e Lazer | 37,81 | 180,03 | 185,07 | 142,91 | 271,71 | 193,92 | 36,57 | 201,52 | 137,69 | 265,28 | 105,74 | 44,67 | 1802,92 |
Megaeventos | 12,20 | 12,20 | |||||||||||
Rendimento | 57,00 | 238,21 | 19,41 | 314,62 | |||||||||
Relator | 13,57 | 3,87 | 503,77 | 13,21 | 87,58 | 8,46 | 630,46 | ||||||
Megaeventos | 9,01 | 461,64 | 13,21 | 483,86 | |||||||||
Recreativo, Educacional e Lazer | 2,91 | 3,87 | 41,35 | 56,07 | 8,46 | 112,66 | |||||||
Outro | 0,74 | 0,78 | 31,51 | 33,04 | |||||||||
Rendimento | 0,91 | 0,91 |
Fonte: Senado Federal (2017).
Elaboração própria.
A alocação majoritária de recursos nas ações de infraestrutura impacta de maneira direta a configuração do orçamento do ME. De acordo com Castro (2016), ao concentrar as emendas parlamentares nas ações de infraestrutura, o Poder Legislativo promove uma reconfiguração na proposta encaminhada pelo Poder Executivo. Enquanto esta última privilegiava as ações relativas aos megaeventos esportivos e ao programa “Segundo Tempo”, a proposta orçamentária aprovada pelo Poder Legislativo para o setor esportivo priorizava a implantação de infraestrutura esportiva (CASTRO, 2016).
A concentração de emendas parlamentares em ações de infraestrutura esportiva também foi atestada por outros estudos (CASTELAN, 2011; CASTRO, 2016; TEIXEIRA, 2016; TEIXEIRA et al., 2018). Os achados desta pesquisa, no entanto, divergem com parte dos resultados de Teixeira (2016) e Teixeira et al. (2018). De acordo com os autores, no somatório do período de 2012 a 2015, a categoria “infraestrutura” totalizou apenas 9% dos recursos de emendas parlamentares. Em nosso estudo, os investimentos relativos à infraestrutura totalizaram montantes acima de 84% em todos os anos do período, exceto por 2006. Neste ano, em decorrência dos investimentos relativos aos Jogos Rio 2007, os recursos de infraestrutura representaram 48,8% na disputa alocativa das emendas.
O interesse parlamentar em direcionar emendas para a implantação de infraestrutura não é exclusivo da área esportiva. De acordo com Bezerra (1999), o investimento em obras públicas tem sido historicamente apreendido como uma maneira de acumular prestígio político. Isto porque, se por um lado as obras se aproximam da ideia de aplicação democrática ao atenderem diversas pessoas, por outro lado percebe-se um esforço de singularizar a ação ao tentar associar esta a um determinado grupo político. Ao invés destas serem apresentadas como atos impessoais do Poder Público, as obras, por vezes, são apresentadas como benefícios proporcionados por políticos em particular (BEZERRA, 1999).
Também podemos inferir que o interesse parlamentar neste tipo de ação está relacionado à questão temporal de sua atuação. Ainda que obras públicas demandem uma gestão contínua a fim de que estas sejam preservadas, uma vez implantadas, estas obras tendem a ser de caráter permanente. O desenvolvimento de atividades esportivas, por outro lado, demanda um comprometimento constante por parte do parlamentar ou dos entes locais para que as ações sejam mantidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que a alocação de emendas parlamentares no orçamento do ME foi predominantemente proveniente de emendas individuais. Estas emendas foram responsáveis por R$ 8,2 bilhões (55%) do montante autografado na área. Na sequência, o orçamento foi composto de emendas de bancada (R$ 3,9 bilhões), de comissão (R$ 2,1 bilhões) e de relatoria (R$ 630 milhões). O privilégio das emendas individuais no orçamento do ME está relacionado com a possibilidade dos parlamentares em direcionar recursos para pequenas obras a baixo custo a partir das ações programáticas existentes na função “Desporto e Lazer”, especialmente dos programas “Esporte e Lazer da Cidade” e “Segundo Tempo”.
Exceto pelas emendas de relatoria, a implantação de infraestrutura esportiva foi objeto privilegiado dos parlamentares. No caso das relatorias, estas estavam alinhadas as preferências do Poder Executivo, os quais privilegiaram as ações relativas aos grandes eventos esportivos e ao programa “Segundo Tempo”. As demais emendas, por outro lado, privilegiaram a implantação de infraestrutura esportiva designando um montante de R$ 12,9 bilhões, 86,9% de o volume alocado pelos parlamentares no setor esportivo. A preferência por parte dos parlamentares em viabilizar obras públicas é corroborada por outros estudos e não se configura como uma exclusividade da área esportiva.
Estados e municípios brasileiros foram os maiores beneficiários das emendas parlamentares. Estes somaram R$ 12,5 bilhões (84,2%) dos recursos alocados pelos parlamentares. Estas características refletem a mobilização por parte do parlamentar em atender localidades específicas, especialmente, porque quase a totalidade das emendas individuais estavam ligadas às unidades federativas aos quais o parlamentar estava vinculado. Esta característica também reflete uma tendência de atendimento voltado mais para as demandas locais e individuais dos parlamentares, e menos para as demandas de uma política esportiva nacional planejada e coordenada pelo ente federal, que no caso, o extinto ME.
O interesse de mobilização por parte dos parlamentares somado à quantidade de representantes em cada unidade federativa impactou de maneira direta na distribuição geográfica dos recursos orçamentários. Entre as unidades federativas, exceto por Espírito Santo, os estados da região Sudeste totalizaram o maior volume de recursos orçamentários via emendas parlamentares: Rio de Janeiro (R$ 1,6 bilhões), São Paulo (R$ 1 bilhão) e Minas Gerais (R$ 983 milhões).
Tendo em vista a relevância que as emendas parlamentares têm no estabelecimento do volume orçamentário do ME e, consequentemente, no financiamento das políticas esportivas previstas pelo ente federal, consideramos relevante o desenvolvimento de mais pesquisas relativas ao processo de emendamento, especialmente no que se refere às emendas individuais. Também destacamos a necessidade de outros estudos que aprofundem os processos de execução das emendas, bem como o impacto no orçamento do setor esportivo da obrigatoriedade de execução de parte das emendas individuais a partir de 2015.