INTRODUÇÃO
A emergência do campo de estudos relacionado às políticas públicas de esporte e lazer no Brasil se desenvolveu predominantemente por meio da contribuição de pesquisadores oriundos e/ou vinculados à educação física, enquanto outros campos apenas tangenciavam, ou tratavam tais objetos como algo secundário frente às outras temáticas tidas como mais relevantes (AMARAL; PEREIRA, 2009; AMARAL; RIBEIRO; SILVA, 2014).
Grande parte dos estudos desenvolvidos no campo do lazer1 se constituiu primeiramente como ação pública, o que marcou a conformação dos primórdios de uma teoria do lazer no Brasil. Em uma etapa posterior, estudos como os de Marcassa (2002) e Werneck (2003) realizaram apontamentos que contribuíram para a relação e desenvolvimento do lazer enquanto objeto de estudo das políticas públicas. Sobre o campo do esporte, os estudos pioneiros envolveram a discussão do “Esporte para Todos” (CAVALCANTI, 1984), os setores excluídos da política do esporte no Brasil (LINHALES, 1996) e o avanço do setor privado nas políticas públicas de esporte após a Constituição Federal de 1988 (VERONEZ, 1996).
A base legal, objeto do presente campo de pesquisa, ganhou ênfase a partir da Constituição Federal de 1988, que contemplou o lazer como direito social e o esporte como direito de cada um. A partir desse momento, os dois setores foram definidos na legislação como problemas políticos, de responsabilidade do Estado, e passaram a disputar recursos públicos, por incentivo de organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Nesse sentido, a criação do Ministério Extraordinário do Esporte, em 1995, foi o primeiro passo, mas no período, não contava com o apoio técnico e administrativo. Só a partir da criação do Ministério do Esporte (ME), no ano de 2003, que o lazer e o esporte conseguiram uma estrutura governamental. Nesse período, ganhou destaque a criação de programas e projetos nas três dimensões esportivas: rendimento, educacional e participação (SILVA; BORGES; AMARAL, 2015).
O ME, nos seus primeiros anos, sinalizou para a criação de um Sistema Nacional de Esporte e Lazer (SNEL), com destaque para o debate na I Conferência Nacional do Esporte (CNE), em 2004, e II CNE em 2006. A partir de 2007 e realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, a agenda do SNEL, passou a ser substituída pela agenda dos megaeventos esportivos, materializada a partir da publicação do Plano Decenal de Esporte e Lazer (PDEL) elaborado, em 2010, na III CNE. O direcionamento de orçamento público para a agenda política dos megaeventos esportivos gerou uma série de questionamentos, e a sua análise foi de grande relevância para o aprimoramento das decisões e aperfeiçoamento das políticas públicas (SILVA; SILVESTRE; SILVA, 2020). As mudanças de agendas e direcionamentos de recursos públicos para os megaeventos esportivos contribuíram para a formação de agenda de pesquisa do grupo, que passou a desenvolver pesquisas sobre a temática.
A materialização de uma agenda em ação política para Lazer e Esporte no país também estimulou a criação do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas e Lazer (GEP3L), vinculado à Faculdade de Educação Física (FEF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a desenvolver não apenas estudos do lazer, visto que a agenda de pesquisa da universidade pública deve contemplar demandas da comunidade, região e nação.
Iniciado em 2004, o GEP3L tem se mostrado perene na produção de conhecimento e na formação de pesquisadores em políticas públicas vinculadas ao lazer e ao esporte. Os objetos de estudo e os instrumentos teórico-metodológicos eleitos pelos membros do grupo se atualizaram e diversificaram ao longo dos anos. Mas, embora acolha diversas abordagens de pesquisa, a marca deste coletivo é a base crítica na análise das políticas públicas de lazer e esporte de diferentes entes federativos (federal, estadual e municipal).
Dessa forma, o objetivo deste artigo foi descrever e analisar o processo de construção e produção científica de dissertações, teses e artigos do GEP3L no campo das políticas públicas de lazer, esporte e megaeventos esportivos articuladas com ações de extensão. Assim, buscamos responder as seguintes questões: Quais as principais temáticas pesquisadas pelo GEP3L? Quais estratégias teóricas e metodológicas foram adotadas na análise dos dados?
MATERIAL E MÉTODO
O presente estudo é uma revisão bibliográfica das dissertações, teses e artigos vinculados ao GEP3L da FEF/Unicamp. O recorte temporal ocorreu entre 2004 e maio de 2021, justificado por considerar todo o período de existência do grupo.
A coleta de dados referentes às produções de mestrado e doutorado foi realizada no repositório de dissertações e teses da Unicamp. Os artigos foram buscados na plataforma Currículo Lattes da líder do grupo e, como critério de inclusão, foram selecionados os originados de pesquisas da pós-graduação stricto sensu de membros do grupo e que geraram produções coletivas. Após tais recortes, foram analisadas 7 teses, 9 dissertações e 15 artigos publicados em língua portuguesa e inglesa.
As informações foram descritas e analisadas a partir da leitura do material, título e data da defesa ou data da publicação do artigo, temática desenvolvida, referencial teórico-metodológico utilizado, tipos de análises e principais resultados.
CONSTRUÇÃO DO GEP3L, TEMÁTICAS PRIORITÁRIAS DE PESQUISA E SUAS DIFERENTES FASES
A criação do Departamento de Estudos do Lazer (DEL) da Unicamp foi pioneira no Brasil, e se constituiu como um momento importante para o campo de estudos do lazer e do esporte, com referencial teórico alinhado às ciências humanas. A produção científica no DEL, com contribuições teóricas e práticas dos professores Lino Castellani Filho, Antonio Carlos Bramante e de Nelson Carvalho Marcellino, foram, segundo Lima (2017), os principais destaques da área, na década de 1980. Esses autores sistematizaram inúmeros estudos sobre políticas públicas de lazer, naquele período, e posteriormente, assessoraram prefeituras, governos estaduais e governo federal.
A partir dessa influência e com o desmantelamento do DEL, que o GEP3L foi criado e passou a ser o reduto na FEF da Unicamp, dos alunos estudiosos do lazer e das políticas públicas de lazer e de esporte. Primeiro, a tese da fundadora, que garantiu corpo teórico para a construção do grupo, foi defendida na Unicamp, com o título “Políticas públicas de lazer e participação cidadã: entendendo o caso de Porto Alegre”, sob orientação de Antonio Carlos Bramante. A tese problematizou como se dava a participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas de lazer na cidade de Porto Alegre, ou seja, possibilidades e limites da presença da população na definição do orçamento participativo (AMARAL, 2003). Em março de 2004, após a defesa da tese, as atividades do GEP3L foram iniciadas. A partir de uma análise retrospectiva, podemos afirmar que até maio de 2021 o grupo passou por dois momentos constitutivos principais.
O primeiro momento envolveu a construção de uma produção científica em nível de graduação e mestrado. O primeiro aluno de pós-graduação em Educação Física esteve ligado à pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e defendeu a dissertação intitulada “Lazer, políticas públicas e a rede de atuação matricial em Santo André” (COSTA, 2008). Nunes Junior (2009) buscou apresentar discussões sobre lazer e espaço público, com recorte dos conflitos no uso do Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Nakamoto (2010) investigou os significados do taikô2 no Instituto Cultural Nipo Brasileiro de Campinas. Santos (2011) investigou a trajetória do direito social ao lazer a partir da contemplação na Constituição Federal Brasileira de 1988. Pizani (2012) procurou compreender e analisar os parques e recantos infantis, criados, a partir de 1940, na cidade de Campinas-SP, como importantes instituições destinadas à assistência, educação, cultura e recreação da população infantil desse município.
Nesse primeiro momento, o grupo desenvolveu projetos de extensão articulados com a produção científica. Pode-se destacar dois projetos: “Meu Corpo, meu Brinquedo” e “Lazer Itinerante”. O primeiro tinha por objetivo proporcionar a vivência lúdica de diferentes atividades para crianças de 4 a 11 anos, na utilização dos corpos como forma de linguagem e expressão. O segundo buscou consolidar uma relação entre a universidade e a sociedade, ao promover por meio de demandas de diferentes comunidades da cidade de Campinas, ruas de lazer. A ideia consistia em criar intervenções em cogestão com a sociedade. Esses projetos existiram até 2010 e foram deles que se originaram alguns dos pós-graduandos do GEP3L. Os temas recorrentes do primeiro período foram a participação popular e gestão matricial. Além disso, o grupo desenvolveu uma pesquisa “guarda-chuva” intitulada “Usos do tempo livre na Vila Holândia: o lugar das práticas corporais” (2009-2011). Esse projeto partiu do pressuposto de que a aceleração e expansão da exploração do solo pela iniciativa privada produziu a redução da vida comunitária, do tempo e dos espaços antes destinados à convivência e, consequentemente, à fruição de práticas corporais naquele local. A partir desse levantamento, foram organizadas, com os moradores, oficinas de práticas corporais, escolhidas de acordo com a relevância das mesmas para a comunidade.
No segundo momento, de consolidação do GEP3L, com a presença de estudantes de pós-graduação e de outros membros interessados no desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, o grupo passou a se organizar com a seguinte ementa:
O GEP3L tem por objetivo desenvolver estudos sobre o lazer, esporte e as suas políticas públicas, especialmente relacionadas à Educação Física. Para isso, o grupo realiza reuniões periódicas, nas quais se discutem esses temas, fazem-se leituras coletivas de obras importantes a esses estudos, planejam-se publicações e ações coletivas. A aplicação e difusão do conhecimento acontece pela participação em congressos, em pesquisas realizadas com outros grupos nacionais e internacionais, por intervenções pontuais por meio de palestras ou assessoramento a órgãos públicos e privados, bem como pela constante atualização em disciplinas de graduação e pós-graduação e em cursos de extensão.3
Duas teses foram defendidas na transição de períodos, a primeira de Pereira (2012), que analisou o capital social e lazer da cidade de Angra dos Reis-RJ, interligadas ao negócio da residência secundária, e a segunda de Ribeiro (2012), que investigou a intersetorialidade nas políticas públicas de lazer na cidade de Brotas-SP. Ambas envolveram a análise de políticas públicas e do direito social ao lazer, o que contribuiu para a compreensão do contexto histórico e apropriação dos espaços e equipamentos esportivos como parques públicos. Outros subcampos da educação física foram incorporados em função dos interesses de novos alunos que passaram a compor o grupo no: mestrado, a condição de trabalho e lazer dos professores da educação básica pública paulista (SILVESTRE, 2016); e doutorado, as políticas nacionais pioneiras para as emergentes práticas de lazer de aventura no Brasil e na Nova Zelândia (BANDEIRA, 2016), o Centro de Estudos do Lazer do Serviço Social do Comércio (GALANTE, 2018) e Paganella (2020), que investigou as percepções de diretores, coordenadores e professores de educação física na formulação do Programa Saúde na Escola na Região da Grande São Paulo.
A partir da consolidação da agenda política para sediar os megaeventos esportivos no governo federal, o grupo também se viu demandado a priorizá-los. Por consequência, surgiram pesquisas que buscaram compreender os projetos desses eventos, os programas que lhes deram sustentação e os legados que deixaram para as cidades brasileiras - a qual foi entendida para além de um conjunto de direitos e deveres, encarada como a prática de efetiva participação no destino da sociedade em que vivemos.
Pode-se destacar duas dissertações do período: Paes (2014) investigou as políticas públicas de esporte educacional organizadas pela Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, a partir do contexto de realização dos Jogos Olímpicos de 2016 e Bastos (2016), que analisou os significados de megaeventos esportivos como Copa das Confederações da FIFA de 2013, Copa do Mundo da FIFA de 2014 e Jogos Olímpicos 2016 em reportagens da Revista Piauí. Três Teses relacionadas à temática foram defendidas: Silva (2016) analisou o planejamento e a gestão de risco da Copa do Mundo da FIFA de 2014, com ênfase nos riscos econômicos, sociais, políticos, organizacionais, ambientais e de saúde do Estado de São Paulo; Campos (2016) investigou as mudanças sociais da reforma realizada no estádio Mineirão, em Belo Horizonte-MG, no contexto da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e Miranda (2020), que se debruçou sobre a implementação da Rede Nacional de Treinamento após os Jogos Olímpicos do Rio 2016. Na mesma linha dos megaeventos esportivos, realizou-se uma pesquisa de pós-doutorado da líder do grupo, na Espanha, no ano de 2015, um projeto sobre o modelo Barcelona dos Jogos Olímpicos de 1992 e sua relação com a realização dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. O quadro 1 apresenta as pesquisas em nível de mestrado e doutorado concluídas, e os respectivos pesquisadores da linha de políticas públicas4.
RESULTADOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA DO GEP3L: TEORIAS E METODOLOGIAS
Percebe-se pela descrição apresentada na seção anterior que o GEP3L se caracteriza por uma abordagem interdisciplinar e uma perspectiva epistemológica pluralista no que diz respeito às metodologias de análise em políticas públicas. Nesse sentido, o ecletismo no aporte teórico se justifica pela iniciativa de acolher alunos com experiências nas diferentes áreas das ciências humanas: ciência política, história, sociologia e antropologia, um esforço interdisciplinar. Entretanto, há leituras comuns no planejamento das reuniões, que balizam a produção conjunta, tais como Rua (1998) e Frey (2000).
No que diz respeito às metodologias de análise das políticas públicas, encontramos três abordagens principais na produção de pós-graduação do GEP3L: 1) os trabalhos que dialogam com a vertente neoinstitucionalista histórico; 2) os que trabalham com a perspectiva marxista; 3) e os inspirados por um olhar da antropologia da política.
Na primeira abordagem, os trabalhos que dialogaram com o neoinstitucionalismo histórico, foram o de Silva (2016) e Miranda (2020), que buscaram identificar marcas históricas na formulação e implementação de políticas esportivas e megaeventos esportivos no Brasil. Autores como Hall e Taylor (2003) e Pierson (2015) argumentam que a dependência de trajetória é utilizada pelo neoinstitucionalismo histórico para sustentar pontos importantes, como os padrões específicos de tempo (timing) e sequência (sequence), com importantes contribuições para o campo de estudos das políticas públicas.
Apesar de haver opções, determinados obstáculos obstruem um simples processo de reversão da escolha inicial, ou seja, é possível observar uma tendência de trajetória na política a partir de seus arranjos iniciais. Nessa perspectiva, ao levar em conta o referencial do neoinstitucionalismo histórico em uma policy analysis, as pesquisas que dialogam com tal vertente buscaram situar as instituições em uma cadeia causal que considerou fatores de desenvolvimento econômico, políticos e sociais. A análise a partir do neoinstitucionalismo histórico envolve a influência e interferência entre as instituições e seus atores, o que permite a análise de como as instituições influenciam no comportamento dos atores e como os atores influenciam nas mudanças das instituições (HALL; TAYLOR, 2003).
Entre as pesquisas fundamentadas na matriz teórica marxista, destaca-se: a tese de doutorado de Amaral (2004) que, entre outros elementos, buscou analisar o orçamento participativo da cidade de Porto Alegre - RS, perpassou pela categoria de totalidade e com o entendimento de que a realidade se constitui como a síntese de múltiplas determinações; a dissertação de Silvestre (2016), que dedicou parte da pesquisa à realização de uma análise documental das políticas públicas no Estado de São Paulo e as consequências na relação entre trabalho e lazer dos professores que atuam na rede pública de educação desse Estado. Em síntese, os resultados indicaram que as políticas neoliberais degradam o trabalho docente e impactam todas as esferas da vida desses trabalhadores, sobretudo o tempo livre e o lazer; a dissertação de Paiva (2019), que investigou as políticas públicas vinculadas à Copa do Mundo de futebol masculino no Brasil nos anos de 1950 e 2014, utilizou o método de análise de políticas sociais proposto por Boschetti (2009), sobretudo a configuração do financiamento e gasto desses eventos. Em tal perspectiva, entende-se que as políticas públicas não devem ser avaliadas como fatos em si, mas sim, como uma parte integrante de um todo, ou seja, não são apenas espaços de confrontação de tomadas de decisão, mas constituem elementos de um processo complexo e contraditório de regulação política e econômica das relações sociais.
Dentre os trabalhos que buscaram dialogar com um olhar da antropologia e política, Ribeiro (2012) e Bandeira (2016) atendem ao chamado por mais estudos de inspiração etnográfica para descrever os bastidores do fazer político. No sentido de observarem seus microprocessos de elaboração conduzidos de “dentro” de suas estruturas e órgãos, o que permite problematizar relações entre agentes sociais envolvidos nos processos por seus perfis sociodemográficos e/ou trajetórias de vida. De modo a não analisarem apenas os produtos do fazer governamental despersonalizado, como documentos estanques, após sua publicação e/ou implementação, mas que mostrem a vida em negociação que os personifica.
Segundo Miranda, Oliveira e Paes (2007) a antropologia da política se volta para a análise do confronto entre diferentes instituições. Complementarmente, Kuschnir (2007), afirma que o “mundo da política” não é um dado a priori, como fazem parecer as grandes teorias generalistas, mas muito variável. Portanto, precisa ser investigado a partir dos comportamentos de agentes sociais peculiares, em contextos particulares.
Vale ressaltar que, entre os anos de 2004 e maio de 2021, a produção do grupo vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física, na área de concentração Educação Física e Sociedade, consistiu em 12 dissertações de mestrado, oito teses de doutorado e um pós-doutorado. Do total, apenas três dissertações de mestrado e uma tese de doutorado não foram analisadas, embora parte do referencial teórico-metodológico utilizado possa ser relacionado.
DISCUSSÃO DA PRODUÇÃO DE ARTIGOS DO GRUPO E PERIÓDICOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS
A análise da produção científica de artigos especificamente acerca de políticas públicas de esporte e lazer considerou as publicações coletivas dos membros do GEP3L, que estão listadas a seguir por título e ano de publicação (Quadro 2), o que permitiu o debate sobre seu referencial teórico-metodológico, recorte temático e principais resultados.
Entre os artigos que se debruçaram sobre as políticas públicas de esporte e lazer em geral, foram analisados 12 artigos: três sobre a produção científica; seis sobre as ações políticas do governo federal e quatro sobre as políticas de governos municipais.
Sobre os três artigos de revisão, Amaral e Pereira (2009) analisaram a produção científica das políticas públicas de Educação Física, Esporte e Lazer no Brasil entre os anos de 1999 e 2009. Foram encontrados 159 artigos e a análise indicou que a produção científica estava centrada na dimensão conceitual e na implementação de políticas governamentais, enquanto as dimensões da arena política e normativa não recebiam a mesma atenção. Amaral, Ribeiro e Silva (2014) analisaram publicações acadêmicas brasileiras sobre políticas públicas de esporte e lazer, a partir de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa em cinco periódicos científicos, entre 2009 e 2013. A revisão realizada destacou que a produção científica nas políticas públicas aumentou significativamente em relação ao período analisado pelo primeiro artigo, com abordagem interdisciplinar e com pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas. Os principais resultados indicaram uma concentração de pesquisas na temática do lazer como direito social, políticas públicas do governo federal, democratização da gestão e intersetorialidade. Por fim, indicaram como tendências as pesquisas sobre os megaeventos esportivos, devido à mudança de agenda política do ME, bem como a demanda de pesquisas sobre espaços e equipamentos, financiamento do esporte e arenas políticas. Ribeiro, Amaral e Silva (2014) analisaram a especificamente a produção científica sobre a fragmentação e a intersetorialidade nas políticas públicas de esporte e lazer no Brasil. Desenvolveram revisão de literatura em periódicos científicos e banco de teses da Capes, com abordagem qualitativa. Constataram que a intersetorialidade nas políticas de esporte e lazer não se materializa na prática e se limita ao discurso dos gestores e documentos públicos. Por fim, indicaram a necessidade de mais estudos sobre a intersetorialidade para atender a demanda e incipiência do campo de pesquisa. Os três artigos de revisão contribuíram para o campo das políticas públicas, ao sistematizarem, sintetizarem, quantificarem e mostrarem tendências e lacunas científicas de cada período e temática investigada.
Outros seis artigos discutiram as ações políticas do governo federal. Santos e Amaral (2010) buscaram discutir o tratamento recebido pelo lazer enquanto direito social por parte do Estado brasileiro, a partir de uma análise documental. Destacaram nos resultados que, apesar de o lazer figurar na Constituição Federal de 1988 enquanto um direito social, não há legislações infraconstitucionais que tratem especificamente do lazer, o que acarreta ações difusas e ausência de políticas de Estado vinculadas a esse direito social. Silva, Borges e Amaral (2015) analisaram as ações políticas de esporte e lazer do ME, a partir de uma pesquisa descritiva, com análise de conteúdo de documentos oficiais. Os principais resultados indicaram que: o modelo de gestão se aproximou de uma abordagem gerencial e neoliberal, com ênfase nas ações assistencialistas para um público em vulnerabilidade social; a concepção de direito social esteve relacionada à prestação de serviço, distante do lazer como direito social; os canais de participação social só ocorreram de forma institucionalizada, por meio das Conferências Nacionais do Esporte (CNEs) e do Conselho Nacional de Esporte, com membros indicados pelo ministro do esporte, na sua maioria, representantes do governo. Silva, Silvestre e Amaral (2020) avaliaram os principais resultados da loteria Timemania como política pública de esporte, a partir de uma pesquisa descritiva-analítica, com abordagem qualitativa e análise documental. Os achados principais indicaram que a Timemania não foi eficaz e eficiente, por não atender os objetivos iniciais de arrecadação (500 milhões anuais) em nenhum dos anos pesquisados, entre 2008 e 2017, e por não pagar as dívidas dos clubes esportivos. Constatou ainda que a loteria não foi efetiva e não impactou no desenvolvimento do esporte, ao se limitar a uma política regulatória, que cumpre a garantia de aporte financeiro para o pagamento das dívidas dos clubes esportivos. Bandeira e Amaral (2020) analisaram a criação da Comissão de Esportes de Aventura (CEAV) do ME, como pioneira política pública nacional e os motivos pelos quais a mesma se dissolveu. Os resultados indicaram que única ação da CEAV foi a publicação de definições oficiais para esportes radicais e de aventura, em 2007, mesmo ano que deixou de se reunir, o que sinaliza paralisia decisória e abandono de agenda. Além da especificidade dos termos eleitos para as definições oficiais, em contraste com o caso da Nova Zelândia também estudado no projeto do qual deriva o artigo, dialogaram com Kingdon (1984), para quem o estudo da não iniciação de políticas públicas ou sua retirada da agenda política formal é tão relevante quanto o daquelas que são implementadas, pois processos de pré decisão permanecem desconhecidos. Os motivos encontrados para a desarticulação da CEAV foram: a) saída do cargo dos principais agentes que apoiaram essa iniciativa; b) dificuldade interna de consenso entre membros de interesses diversos; c) reorganização do organograma do ME com os esportes competitivos e megaeventos. Entretanto, mais recentemente novos eventos políticos acerca destas práticas demandam acompanhamento, tais como inclusão da expressão práticas corporais de aventura como conteúdo da educação física escolar na Base Nacional Comum Curricular. Destaca-se ainda a inclusão de escalada, surfe e skate nos Jogos Olímpicos, o que borra a fronteira entre práticas corporais e espaços de lazer antes considerados subversivos ou alternativos. Paganella e Amaral (2020) apresentam estudo analítico-comparativo dos gastos com estádios e parques olímpicos e concluem que não há compatibilidade entre o ordenamento jurídico e o direcionamento de recursos públicos com os megaeventos esportivos. Todos os cinco artigos discutiram as políticas do governo federal, o que contribuiu para o debate e aperfeiçoamento sobre a política nacional de lazer e de esporte. Bandeira, Silva e Amaral (2021), a partir de um estudo qualitativo, de inspiração etnográfica, analisaram a reação de lideranças de entidades esportivas aos primeiros projetos de lei sobre as atividades de aventura no Brasil. Os principais resultados indicaram que a ocorrência de acidentes em práticas de aventura colocou as atividades de aventura como agenda política do Governo Federal. No entanto, os projetos de lei foram arquivados após a tramitação, o que fomentou o debate entre Estado, sociedade civil e setor privado. Os atletas ou esportivas de aventura buscaram a garantia constitucional de acesso gratuito aos ambientes naturais e a liberdade de gestão de risco.
Os últimos quatro artigos analisaram as políticas públicas municipais. Costa e Amaral (2012, p.218) objetivaram identificar obstáculos estruturais, políticos, culturais, teóricos e subjetivos existentes nas cidades de Itapira e Santo André para a implantação de um novo modelo de gestão matricial na implementação de políticas públicas de lazer. A partir de um pressuposto teórico de que há fragmentação de políticas públicas, o artigo buscou compreender o funcionamento do Estado como rede, concepções de governança social baseadas em arranjos de diferentes institucionais entre governos, mercado e sociedade civil, e o poder público municipal como um articulador. Os principais obstáculos para a implementação da matricialidade foram: “o número de programas de lazer dispersos existentes nos diferentes órgãos da administração pública, a fragilidade conceitual e política com que as políticas de lazer são encaradas, a baixa cooperação institucional existente entre os órgãos municipais, e as disputas de um poder político que pensa mais em elegibilidade do que em governabilidade”. Ribeiro e Amaral (2016) realizaram uma investigação em contexto municipal, com as políticas públicas de lazer em Brotas, São Paulo, a partir de uma observação direta das reuniões do Conselho Municipal e análise documental. Nos anos de 1990, as atividades de lazer na natureza começaram a se destacar, e nos anos 2000, leis municipais inovadoras no país, com expectativa de intersetorialidade, foram criadas e serviram de modelo para outros municípios. A legislação para o lazer em Brotas indicava simetria entre o lazer esportivo participativo, ambiental e turístico. Os principais resultados indicaram que o lazer turístico de negócios foi o maior foco da prefeitura e houve nessa administração a facilitação do turismo exploratório, que se direcionava mais aos interesses privados do que à conservação ambiental e democratização do acesso ao lazer para o cidadão. Silvestre e Amaral (2019), a partir de uma lente de leitura marxista, tecem uma análise das políticas educacionais do Estado de São Paulo e a precarização do trabalho e do lazer dos professores vinculados à Secretaria do Estado da Educação. A partir da aplicação de questionários e entrevistas, a discussão do artigo destaca que as condições precárias de trabalho refletem em práticas de lazer precárias. Nunes e Amaral (2010) por meio do método de pesquisa antropológica tematizaram a relação entre lazer e espaço urbano a partir de observações no Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Por meio do diálogo com autores vinculados às teorias do lazer, identificaram que a ocupação desse lugar se materializa sob a produção de um espaço que revela diversidades e subversões. Os quatro artigos realizaram uma reflexão sobre as políticas públicas dos municípios do Estado de São Paulo, o que sinaliza para uma contribuição científica local e regional.
Sobre os megaeventos esportivos no Brasil, encontramos três artigos. Amaral et al. (2014) analisaram a atuação da sociedade civil na resistência contra a remoção forçada das comunidades em localidades próximas às construções relacionadas aos megaeventos esportivos no Brasil, a partir de uma pesquisa descritiva, análise de conteúdo de documentos e reportagens de jornais. Os principais resultados indicaram impacto social negativo para moradia, com cerca de 170 mil pessoas que tiveram que deixar suas casas, com aluguel social ou indenização feita abaixo do valor de mercado (valor venal estimado pelo poder público). A sociedade civil se mobilizou por meio da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, com repertórios de ocupações de prédios públicos, protestos, abaixo-assinados e postagens de vídeos em redes sociais. Paes e Amaral (2017) objetivaram analisar as políticas públicas de esporte educacional organizadas pela Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (SELJ), com ênfase no possível impacto da realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a partir de uma triangulação de dados de entrevistas, diários de campo e pesquisa documental. Constatou-se nos resultados que a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil reforçou a pirâmide esportiva, com esporte educacional na base. Criou-se um Comitê São Paulo Rumo a 2016 para implementação de políticas públicas para o esporte e o paradesporto, no entanto, teve uma redução do financiamento esportivo entre 2008 e 2014, período do fim da coleta de dados. Campos e Amaral (2013) analisaram o conceito do (novo) estádio mineirão em Belo Horizonte/MS, em decorrência da realização da Copa do Mundo de 2014, a partir da análise dos discursos e documentos oficiais. Os principais achados sinalizaram para: no que diz respeito a construção do mineirão, em 1965, e sua reforma em 2014, a necessidade de “ser moderno” e melhorar a imagem organizada do país; transformação do torcedor em cliente e privatização do equipamento público, com ênfase no planejamento urbano e política neoliberal.
Além destas produções recortadas e analisadas aqui, os projetos de pesquisa que geraram esses artigos promoveram tantas outras produções acadêmicas de impacto científico nos mais diferentes matizes: sob o formato livros, capítulos de livro e oficinas/cursos de desenvolvimento profissional, ministradas pelo grupo para diferentes prefeituras do estado de São Paulo, realizadas nas unidades do Serviço Social do Comércio (SESC), de Sorocaba, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Taubaté e São José dos Campos no ano de 2013. O grupo apresentou inúmeros trabalhos em congressos, como o Encontro Nacional de Recreação e Lazer (Enarel), Congresso Brasileiro de Estudos do Lazer (antigo Seminário O Lazer em Debate) e Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Conbrace), com representantes do GEP3L nos respectivos comitês científicos. Cabe destacar, que o grupo liderou a organização do XVI Seminário O Lazer em Debate5, na cidade de Campinas, em 2013, sediado pela FEF-Unicamp e Sesc Campinas, e promoveu em 2020, o evento Diálogos Internacionais sobre Políticas Públicas de Educação Física, Esporte, Lazer, Saúde e Cultura, realizado no formato online, devido à pandemia de Covid-19. Além disso, seus membros realizaram ao longo dos anos colaborações com diferentes instituições e pesquisadores, com destaque para as estabelecidas com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade de São Paulo (EACH-USP), em nível nacional, e, internacionalmente, além do pós-doc na Universitat de Barcelona, foram realizados três estágios de doutorado sanduíche: na University of Southampton/Inglaterra, na Universidade de Waikato/Nova Zelândia e na Universitat de Barcelona, financiados pelo CNPq e CAPES.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS DO GP3L
Procuramos apresentar o desenvolvimento e produção científica do GEP3L e suas contribuições para o campo das políticas públicas de Educação Física, Esporte e Lazer no Brasil. Para tanto, discorremos, para além do início das atividades do grupo e sua consolidação, sobre as temáticas e produções oriundas de trabalhos de graduação e pós-graduação realizados em seu interior. Constatamos que a realização de palestras, oficinas e cursos, bem como a participação e organização em/de congressos acadêmicos e projetos de extensão à comunidade constituíram importantes esforços de impacto na sociedade, com sistematização e divulgação do conhecimento produzido pelo grupo.
No que tange aos pesquisadores com passagem pelo grupo de estudos, seguindo a trajetória de formação acadêmica dedicada aos estudos do lazer - iniciada no DEL e continuada por meio das atuais linhas de pesquisas vinculadas ao GEP3L-, diversos dos que realizaram seus estudos em nível de mestrado e/ou doutorado contribuem com o campo prático e teórico do lazer, atuando em instituições de ensino superior, tanto públicas como particulares ou na educação básica e cargos de gestão pública de várias regiões do país.
Como perspectivas futuras o grupo tem trabalhado em dois projetos, um ligado ao PRINT-CAPES, cuja temática versa sobre o lazer na/da cidade de Campinas como foco inicial, mas será ampliado para análises comparadas com parceiros internacionais. Existe uma perspectiva de uma análise após os jogos olímpicos, a extinção do Ministério do Esporte e das políticas públicas de esporte e lazer na atual conjuntura neoliberal.
Por fim, é importante registrar a crescente relação entre o GEP3L e outros grupos de pesquisas referenciados na área sociocultural e pedagógica da educação física, existentes na FEF da Unicamp. Articulados por meio do Laboratório Margem, esses grupos de estudo têm participado de seminários e projetos comuns de pesquisa. A atuação do GEP3L diz respeito à inserção das temáticas do lazer e das políticas públicas nesses estudos integrados.