Introdução
Os modos de compartilhar conhecimentos nos dias atuais demandam, em diferentes áreas do saber, profissionais que acompanhem o ritmo das transformações da sociedade. Professores, especialmente por lidarem com a formação intelectual de crianças e adolescentes, estão no epicentro das buscas e adaptações dos meios de ensino e aprendizagem - que variam de acordo com os avanços da tecnologia.
Este estudo traz relatos e reflexões sobre experiências de educadores que trabalham com novidades muitas vezes trazidas pelos próprios alunos (Rodrigues, 2017). São educadores que desfrutam das vantagens de se adaptar à realidade modificada em uma velocidade que inviabiliza qualquer plano de ação a longo prazo.
O recorte da pesquisa incide no uso pedagógico das formas de se comunicar que, nos últimos anos, estão sendo propiciadas pelas mensagens eletrônicas instantâneas enviadas por meio de dispositivos móveis, especialmente o celular. A busca pela assimilação de elementos verbais e não verbais, característicos das linguagens atuais, está em consonância com a participação na cultura letrada a que se refere Zacharias (2016, p. 17): “ser letrado hoje não é garantia de que seremos letrados amanhã, uma vez que as novas tecnologias se renovam continuamente, exigindo leitores e produtores de textos experientes em várias mídias”. De acordo com a autora, para alcançar tal objetivo, é essencial incluir no contexto escolar práticas que valorizem e reconheçam o universo multimidiático em que vivemos.
O presente artigo busca identificar, entre as várias formas de auxílio que as ferramentas tecnológicas têm oferecido no campo pedagógico, algumas que apresentam relevância e facilidade de uso. O aplicativo WhatsApp se destaca nesse contexto, pois tem promovido a interação entre grupos de alunos e professores e está conseguindo trazer recursos e conteúdos originais para as salas de aula (Lopes; Vas, 2016; Silva; Silva; Ribeiro, 2015).
De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em 2015, o WhatsApp é o aplicativo de celular mais usado no Brasil. O fato de ser possível acessá-lo de qualquer lugar, a qualquer hora, mesmo com uma internet pouco potente, coloca-o em vantagem diante de outros recursos didáticos. Além disso, a possibilidade de enviar arquivos (imagens, áudios, vídeos ou documentos) facilita o trabalho de quem precisa compartilhar rapidamente algum conteúdo.
Não por acaso, pesquisadores de diferentes áreas defendem o WhatsApp como ferramenta de comunicação rápida e promissora a ser utilizada como plataforma de apoio à educação. Moran (2015) destaca, positivamente, as facilidades proporcionadas pelo aplicativo, que estimula a utilização de uma linguagem mais familiar, com maior espontaneidade e fluência constante de imagens, ideias e vídeos.
Metodologia
Para investigar experiências de professores que utilizam o WhatsApp como recurso pedagógico, foram empregados três instrumentos de pesquisa: 1) revisão sistemática da literatura; 2) questionário on-line, aplicado por amostragem bola de neve; e 3) entrevistas semiestruturadas. Reunidos, tais instrumentos associam aspectos quantitativos e qualitativos para chegar ao melhor entendimento da questão proposta: Como se dá o uso do WhatsApp como recurso didático?
Vislumbrando o potencial de transformação do WhatsApp como ferramenta pedagógica, partiu-se do pressuposto de que o interesse de professores por seu uso didático possibilita um campo de pesquisa que vai além de uma escola ou classe de alunos. Desse modo, com auxílio de um questionário on-line, o trabalho buscou respostas de docentes de diferentes escolas, cidades ou regiões do País, por meio de mensagens espalhadas entre pessoas conhecidas e colaboradores voluntários, que foram convidados a repassá-las a outros professores na metodologia denominada amostragem bola de neve.
Essa técnica, também chamada Snowball Sampling por Baldin e Munhoz (2011), é uma forma de amostra não probabilística utilizada em pesquisas sociais nas quais os primeiros participantes indicam novos participantes que também indicam outros, e assim sucessivamente, até que seja alcançada a meta proposta.
Tal metodologia se mostra útil quando é difícil identificar respondentes em potencial, como é o caso deste estudo, que se propôs a uma busca por experiências exitosas com o uso do WhatsApp como ferramenta pedagógica sem partir de pré-requisitos sobre como essas experiências eram conduzidas.
Além dos instrumentos de coleta - o questionário on-line e as entrevistas semiestruturadas -, foi feita uma revisão sistemática da literatura (RSL), seguindo protocolos propostos por autores renomados no assunto (Gonçalves; Nascimento; Nascimento, 2015; Ramos; Faria; Faria, 2014). Esse método consiste em reunir informações sobre um tema já estudado e investigar o seu atual estado da arte. Enquanto a revisão tradicional de literatura fornece conceitos e características acerca de determinadas áreas, a RSL vai além, pois mostra o que já foi feito, traz resultados e limitações e aponta para novas possibilidades de investigação.
Instrumentos utilizados
Para a coleta de dados, recorreu-se primeiramente a um questionário aplicado pelo Formulário Google (Anexo I) e, em seguida, a entrevistas com um grupo de professores selecionados entre os que responderam ao primeiro instrumento (Anexo II). Direcionado a professores que se interessam pelo tema, o questionário foi respondido por 105 profissionais.
Para a obtenção de respostas mais detalhadas, uma vez que este estudo buscou investigar de que maneiras o WhatsApp pode ser usado de forma didática em atividades escolares, recorreu-se a entrevistas semiestruturadas.
A escolha dos participantes dessa segunda etapa ocorreu mediante uma série de requisitos. O primeiro foi o de ter o participante respondido satisfatoriamente às questões do questionário on-line, ou seja, ter dado detalhes suficientes para que os pesquisadores pudessem inferir sobre a importância da inserção do aplicativo WhatsApp - ou de outras tecnologias - em suas práticas diárias.
Foram selecionados 15 possíveis entrevistados, de acordo com áreas de atuação e localidade, levando-se em conta a idade, o gênero e a categoria administrativa da escola em que trabalham (pública ou privada), já que se buscou um grupo que fosse o mais heterogêneo possível. A intenção, com isso, foi chegar a experiências diversificadas e respostas que levassem a conhecimentos mais amplos, que pudessem ser generalizados. Dos 15 convites enviados, 10 tiveram retornos positivos para participar da pesquisa.
No cruzamento feito entre as respostas dadas pelos dez professores no questionário on-line e na entrevista, pôde-se perceber que o segundo instrumento complementou de forma eficaz as informações obtidas no primeiro. Os perfis, por exemplo, mesmo que pedissem informações já fornecidas no questionário, foram muito mais elucidativos na entrevista, já que as conversas ajudaram a compreender melhor a realidade de trabalho de cada participante.
O questionário on-line e as entrevistas semiestruturadas geraram informações que, além de se somarem, mostraram-se consistentes para os objetivos deste estudo. Paralelamente, a revisão sistemática da literatura foi elaborada ao longo da pesquisa e vista como um recurso norteador para a produção das perguntas, tanto do questionário on-line quanto das entrevistas semiestruturadas, e se mostrou um instrumento essencial para etapas posteriores, como a análise de dados.
Análise de dados e resultados
Questionário
O questionário on-line ficou disponível entre os dias 18 de setembro e 10 de outubro de 2016 e acessível a qualquer pessoa que quisesse responder, ou seja, era um instrumento aberto, mas sua apresentação deixava claro que estava direcionado a professores. Foram obtidas 100 respostas válidas dentre 105 participantes. Cinco respostas geraram erros, causados por falhas técnicas do Formulário Google, que não permitiram suas análises.
Informações provenientes das respostas sobre o perfil foram importantes para analisar os interessados no tema da pesquisa. Gênero, idade, formação, disciplinas em que trabalham e modalidades de ensino, além dos tipos de rede (escolas públicas ou privadas) e da região em que moram, demonstraram a representatividade dos professores respondentes. Vale salientar que, como o perfil estava em uma questão dissertativa, nem todos os participantes forneceram respostas completas, e somente foram consideradas nesta análise aquelas que preencheram tal quesito.
Participaram 40 homens e 60 mulheres. O fato de a maioria ser do sexo feminino não é interpretado como um dado que possa expor diferenças de interesse entre os gêneros, já que outras informações obtidas no questionário não sugerem disparidade significativa nesse sentido. Ou seja, tanto os homens quanto as mulheres se interessam pelo tema sobre o uso do WhatsApp na escola.
A maior participação por média de idade ficou na faixa entre 30 e 40 anos, que obteve 38 respondentes. Os mais jovens, entre 20 e 30 anos, somaram 13; entre 40 e 50 anos, 28 e com mais de 50 anos, 12, conforme ilustra a Tabela 1.
Idade | Número | % |
---|---|---|
20 a 30 anos | 13 | 14,3 |
30 a 40 anos | 38 | 41,7 |
40 a 50 anos | 28 | 30,8 |
Mais de 50 anos | 12 | 13,3 |
Fonte: elaboração própria.
Outro tópico que merece destaque no questionário é que a maioria dos participantes dessa etapa da pesquisa trabalha em escolas públicas (48 pessoas ou 70%). Em um total de 69 respondentes, 16 dão aulas em escolas privadas - 23%. Os professores que trabalham em escolas públicas e privadas (5) correspondem a 7%, conforme demonstra o Gráfico 1. Deve-se também sublinhar que um grande conjunto de respostas continha somente o nome ou a sigla da escola, o que não permitiu inferir se ela é pública ou privada.
A diversidade das áreas de formação ou atuação dos respondentes mostra que eles pertencem a pelo menos 13 grandes áreas: pedagogia, matemática, informática, idiomas, artes, português, educação física, história, física, filosofia/sociologia, geografia, química e biologia.
Em relação ao nível de ensino em que atuam, a maioria dos respondentes trabalha no ensino médio (44%), mas foram recebidas também respostas de professores do ensino superior, fundamental e infantil, além de docentes das modalidades educação a distância e educação de jovens e adultos.
Como um dos objetivos da pesquisa foi fazer um estudo generalizado sobre o uso de mensagens eletrônicas instantâneas como ferramenta pedagógica por professores, evitaram-se recortes por escola, cidade ou região do País. A intenção, com isso, foi conseguir um panorama mais amplo sobre tal aplicabilidade. A abrangência pode ser confirmada pelo fato de ter havido respondentes de todas as regiões do Brasil. Algumas cidades ou regiões não foram identificadas devido à incompletude de respostas. Entretanto, obteve-se um total de 73 depoimentos válidos nessa questão, a maioria deles (26) da região Sudeste; seguida do Centro-Oeste (21); Nordeste (15); Sul (10); e Norte (com uma resposta válida).
Em seguida ao perfil dos participantes, foram analisadas as cinco primeiras perguntas do questionário on-line, que tiveram como objetivo compreender a inserção do aplicativo WhatsApp no dia a dia dos respondentes.
A primeira questão - O WhatsApp é um aplicativo comum no seu ambiente de trabalho? - foi respondida por 100 pessoas, sendo 87 respostas positivas e 13 negativas. O resultado indica que, conforme mencionado por Silva, Silva e Ribeiro (2015), a popularização do WhatsApp acontece em ambientes informais, entre amigos e familiares dos usuários, e também em situações profissionais, já que compartilhar informações sobre o aplicativo na escola pode ser interpretado como um indício de potencial para usá-lo no campo profissional.
Na questão seguinte - Você utiliza o WhatsApp para trabalhar? -, 75 pessoas afirmaram que sim; 21 não usam o aplicativo para esse fim e marcaram a opção “utilizo somente para conversar”; e 4 escolheram a alternativa “não o utilizo”. Tais números apontam a capilaridade dessa tecnologia entre o público-alvo da pesquisa.
Em seguida, a questão sobre planejamento específico para trabalhar com o WhatsApp obteve 75 respostas válidas - 46 positivas e 29 negativas. Nessa e em outras fases da pesquisa, é possível perceber que a orientação e o planejamento são desafios consideráveis quanto à utilização do aplicativo como recurso didático.
A próxima pergunta - Você tem alguma experiência que considera bem-sucedida com o uso do WhatsApp? - foi pensada como uma ligação entre as questões fechadas e as abertas. Os participantes que marcaram “sim” (81,3%) foram encaminhados para a página de questões dissertativas e os que marcaram “não” (18,7%) seguiram para o encerramento do questionário.
As três últimas perguntas - abertas - tiveram como finalidade buscar experiências de professores que, com o auxílio do aplicativo, alcançam resultados que eles consideram satisfatórios. Esse foi um meio eficiente de conhecer perfis de profissionais que: a) tivessem tido pelo menos uma experiência bem-sucedida com o uso do WhatsApp como ferramenta pedagógica; b) fossem comunicativos; c) tivessem disponibilidade de tempo para escrever suas respostas e, em certa medida, maior potencial para colaborar participando da etapa posterior, a entrevista.
A primeira questão aberta - Conte alguma experiência sua em que o uso do WhatsApp tenha colaborado para a aprendizagem dos seus alunos - foi respondida por 60 dos 100 participantes válidos. Nem todos os relatos correspondem a experiências, de fato, pois algumas respostas tinham outro viés, mas há aqueles que merecem ser retratados na íntegra, como os trechos a seguir, nos quais os autores foram identificados por letras para preservar suas identidades.
Uso para envio de apostilas e exercícios. Como é o grupo da sala de aula, no momento de resolver as atividades, as dúvidas são postadas e há uma interação entre os alunos mutuamente, inclusive comigo, ajudando nas resoluções ou, posteriormente, auxílio nas dúvidas que não foram resolvidas no momento. (Professor D).
Em uma aula de educação física, meus alunos fizeram vídeos sobre uma prática no esporte na escola. Eles realizaram entrevistas sobre o futebol feminino, narraram o jogo misto (meninos e meninas) que estava acontecendo na quadra e fizeram imagens fotográficas dos alunos jogando. Após essa atividade eles passaram estes vídeos e imagens para mim por meio do WhatsApp. (Professor H).
Os depoimentos são uma mostra da vastidão de possibilidades de uso do WhatsApp como ferramenta pedagógica. Sabe-se, no entanto, que muitas outras são plausíveis e estão sendo aplicadas em salas de aula pelo Brasil. No livro Escol@ Conect@d@: os multiletramentos e as TICs, Rojo (2013) discute a necessidade de a instituição escolar formar a população para uma sociedade que é cada vez mais digital. A autora lembra que os professores precisam preparar seus alunos para que tenham capacidade de leitura e escrita de acordo com os tempos atuais, e vários depoimentos colhidos nesta pesquisa colocam o WhatsApp como a linguagem do momento. Rojo (2013, p. 8) é enfática ao dizer que, “se os textos da contemporaneidade mudaram, as competências/capacidades de leitura e produção de textos exigidas para participar de práticas de letramento atuais não podem ser as mesmas”.
As duas questões subsequentes no questionário - Que vantagens o aplicativo tem? e Quais os maiores desafios você destacaria para atividades em que os alunos fazem uso do telefone celular para aprender? - receberam uma grande diversidade de respostas e, por isso, foram compiladas em dois tópicos: 1) Principais vantagens: o aplicativo é atrativo, pois os alunos podem receber conteúdos em formatos não apenas de textos, mas também áudios, vídeos e fotos; estimula a colaboração entre os alunos, já que, em grupos de WhatsApp eles se ajudam mais, trocam dicas e se tornam mais solidários; permite a continuidade dos trabalhos, especialmente na organização das atividades extraclasse; é econômico, pois quem tem internet no celular fala gratuitamente com outros usuários do aplicativo; gera estímulo ao ampliar o sentimento de pertencimento; é instantâneo, rápido, dinâmico, prático e ágil; e representa novas oportunidades, porque torna possível trabalhar com um público grande, bem maior do que o de uma sala de aula. 2) Principais desafios: o aumento das atividades, já que gerir grupos requer atenção constante e tempo para ler muitas mensagens, que chegam em diferentes horários e dias da semana; a conectividade, visto que muitas escolas proíbem o uso de celular ou o acesso a Wi-Fi e alguns alunos não têm acesso à internet nem dentro nem fora da escola; a privacidade, uma vez que os alunos têm dificuldades para distinguir mensagens pessoais e profissionais; e a falta de orientação pedagógica, que acaba gerando dúvidas sobre como lidar com a dispersão da turma ou com a dificuldade em fazer o planejamento das aulas inserindo tal recurso nas atividades.
Nota-se que há um grande engajamento por parte de professores quando o assunto é detalhar vantagens, desvantagens, desafios e oportunidades proporcionados pelo uso do WhatsApp como instrumento de ensino. E que, enquanto alguns profissionais enxergam certas características como negativas, outros as descrevem como positivas, por exemplo, no caso de o aplicativo permitir que a aula continue além do horário da escola. Houve relato de docente que mostrou a mobilidade como vantagem nesse sentido e houve, também, professor que mencionou como grande desafio conseguir descansar, pois, com a febre do WhatsApp, os alunos acham que ele deve estar disponível o tempo todo.
O aumento da interatividade também foi visto de diferentes maneiras. Um participante comentou que com o WhatsApp a comunicação flui porque as pessoas interagem mais. Outro professor disse que enxerga um problema no excesso de opinião que as pessoas dão por meio do aplicativo, já que, com o WhatsApp, há mais possibilidades de interpretações equivocadas por parte dos participantes das conversas. Segundo ele, como os diálogos são rápidos, instantâneos e cheios de abreviações, nem sempre as palavras transmitem o que quem escreve, de fato, queria dizer.
Entrevistas semiestruturadas
As entrevistas foram feitas entre os dias 17 de outubro e 1º de novembro de 2016, em horários agendados com base na disponibilidade dos voluntários. Gravadas, as conversas aconteceram presencialmente, por telefone ou via internet. Como proposto no método de pesquisa, conseguiu-se alcançar um grupo bastante heterogêneo de entrevistados. Foram quatro homens e seis mulheres e as áreas de formação e atuação são variadas - o que permitiu captar diferentes experiências e visões sobre o uso do WhatsApp como ferramenta pedagógica. Os professores que participaram dessa etapa também não tiveram seus nomes publicados, tendo sido numerados de acordo com a ordem alfabética de seus nomes. Pôde-se perceber que um professor de português tem formas muito diferentes de trabalho em sala de aula se comparado a um professor de física ou matemática, por exemplo. E a riqueza de informações obtidas nessa fase da pesquisa ilustra isso bem. Foi importante ter a visão de profissionais que atuam em escolas públicas (8), em escolas privadas (5) ou em ambos os tipos de rede de ensino (3).
Mesmo tendo formado um grupo majoritariamente jovem - a média de idade dos entrevistados é de 36 anos -, a maior parte deles (80%) tem mais de cinco anos de experiência em sala de aula e falou com segurança e propriedade de pontos positivos ou negativos referentes ao uso de tecnologias como o WhatsApp para se comunicar com os alunos.
As diferentes regiões do País em que atuam esses dez participantes da pesquisa sinalizaram importantes características, como dito anteriormente, para identificar realidades diversas de estados, cidades, escolas, sistemas de ensino e indicadores sociais das comunidades em que vivem os alunos e colegas de trabalho. Ficou evidenciado que os alunos de um professor que trabalha no Distrito Federal podem ter uma relação com a tecnologia diferente daquela que têm os alunos de um professor que atua em uma zona rural do interior de Minas Gerais. Enquanto um entrevistado fala do problema do acesso à tecnologia, outro demonstra que o excesso de possibilidades de acesso é que pode ser um desafio, como revelam as falas a seguir:
Há muitos desafios para o uso do celular em sala de aula, mas penso que a minha realidade é paralela ao que acontece no restante do Brasil, eu dou aula em zona rural. A minha grande questão é o acesso ao celular com internet, que muita gente não tem. E então nem todo mundo pode participar das atividades (utilizando esta ferramenta). (Professor 7).
É difícil manter a atenção do aluno ou garantir que ele vai usar seu telefone apenas para o que foi proposto pelo professor. Com um smartphone e conexão com a internet, os alunos tendem a acessar redes sociais, checar seus e-mails e jogar durante a aula. Cabe ao professor planejar de tal modo que o tempo ocioso seja mínimo, diminuindo a chance de distração ou de uso indevido do dispositivo (Professor 6).
Outro ponto importante a ser destacado nessa etapa é o grau de instrução dos entrevistados, que, de certo modo, influenciou na participação da pesquisa - seja pelo entendimento da importância de contribuir para a elaboração de dados científicos (e, assim, dedicar um tempo para isso), seja por conhecer as dificuldades pelas quais passa um pesquisador (e, então, o coleguismo influi na decisão de colaborar). Dos dez participantes, 80% têm pós-graduação concluída ou em andamento.
Depois de averiguar o perfil e a trajetória profissional, a segunda pergunta da entrevista, sobre o início do uso pessoal do aplicativo, serviu para conhecer mais os participantes. A intenção foi saber se os que utilizam o WhatsApp como ferramenta pedagógica são pessoas muito ligadas à tecnologia ou se isso não é, necessariamente, uma regra.
Nenhum deles lembrou data, mês ou ano exato em que começou a usar o aplicativo. Todos os entrevistados indicaram épocas aproximadas, não exatas, e disseram que é fácil utilizar o aplicativo, ou seja, não tiveram dificuldades iniciais. A grande maioria também não se lembrou, exatamente, do motivo pelo qual começou a usar. Pelas respostas, pode-se inferir que nem todos têm o perfil de serem atentos às novidades tecnológicas, ou seja, isso não é um preceito.
De acordo com Bottentuit Junior, Albuquerque e Coutinho (2016), as tecnologias da informação e comunicação (TICs) estão tão inseridas no dia a dia das pessoas que, hoje, vivemos em uma sociedade que respira mudanças. Para os autores, o uso da internet e das ferramentas que a acompanham é um fenômeno crescente em vários setores da sociedade, inclusive na educação. Eles chamam a atenção para o que pode ser percebido já nas primeiras perguntas das entrevistas semiestruturadas: o uso da internet em diferentes suportes é um fenômeno crescente e, provavelmente, irreversível. Consequentemente,
tudo ao nosso redor se transforma muito rápido e, continuamente, o trânsito de informação assume um papel central em nossas vidas, instigando-nos a desenvolver habilidades diversas para lidar com a comunicação de forma instantânea. (Bottentuit Junior; Albuquerque, Coutinho, 2016, p. 70)
O uso profissional do WhatsApp com os alunos foi o tema da terceira pergunta do roteiro da entrevista. Buscou-se saber quando e como se deu o início desse uso e se foram os alunos que pediram, o professor quem propôs ou algum colega que sugeriu.
Também para essa questão houve uma diversidade grande de respostas. Boa parte dos colaboradores não se lembra de quando começou o uso profissional (40%). Isso evidencia uma característica colocada anteriormente: muitas pessoas começam a utilizar o aplicativo de maneira espontânea, de modo quase naturalizado e, por isso, não demarcam períodos específicos em que isso ocorreu.
Sobre como foi o início do uso pedagógico, dois professores contaram que começaram a usar com colegas de trabalho, formando grupos com professores. Os outros oito participantes começaram a usar com estudantes. Três entrevistados relataram que começaram a utilizar o WhatsApp com fins didáticos por sugestão dos próprios alunos. Cinco disseram que os alunos já utilizavam o WhatsApp antes, para se comunicar entre eles, conversar sobre questões relacionadas às aulas, repassar avisos de atividades, de horários etc.
O professor 4 dá aulas em diversos colégios, cada um com uma realidade diferente quanto ao uso do WhatsApp. Há, inclusive, um colégio que proíbe os alunos de utilizarem o celular em sala de aula, enquanto outro estimula esse uso. Ele relatou que há vantagens e desvantagens em cada uma das opções e que considera mais proveitosos os grupos que se formaram com outros professores, em virtude da troca de informações, do planejamento, já que quase não são mais necessárias as reuniões pedagógicas presenciais em um dos colégios: “temos grupos de estudo. E entre os professores, nossos discursos se unificam. Dá para marcar encontros (virtuais) com muito mais facilidade”. Com estudantes, o professor 4 tem somente um grupo, que é composto por alunos muito focados nos estudos, pois, por questão de privacidade, ele não gosta de compartilhar seu número de celular com muitas pessoas.
A quarta pergunta da entrevista pediu a descrição de uma experiência com o uso do WhatsApp como ferramenta pedagógica que o próprio professor tenha considerado bem-sucedida. A maior parte deles (90%) disse que utiliza o aplicativo para transmitir recados ou tirar dúvidas - funções bastante comuns. Somente um (10%) dos respondentes (professor 6, de história) não utiliza mais o WhatsApp para grupos de estudantes, pois prefere um dispositivo compartilhado com todos os docentes e alunos da escola, o Google Classroom, que ele considera mais apropriado para se comunicar com fins didáticos do que o WhatsApp.
Como pode ser observado no Quadro 1, a diversidade de respostas para a quarta questão mostra que os entrevistados utilizam o WhatsApp para fins diferentes, conforme evidenciam trechos das respostas destacados.
As experiências descritas nesta pesquisa mostram que são várias as maneiras e as possibilidades de utilizar o WhatsApp como ferramenta pedagógica. Idade, gênero ou formação não chegam a pesar tanto na decisão de utilizá-lo ou não quanto o desejo de se aproximar de recursos e instrumentos que fazem parte do dia a dia dos alunos, que os deixam mais à vontade para se expressar, estudar ou opinar sobre determinados temas.
Revisão sistemática de literatura (RSL)
Seguindo o protocolo de pesquisa sugerido por Gonçalves, Nascimento e Nascimento (2015), foram definidas as três perguntas norteadoras dessa parte da investigação: a) Como os professores estão utilizando o WhatsApp como ferramenta pedagógica? b) Que motivos os levaram a fazer tal apropriação? c) Que resultados têm obtido?
As bases de dados consultadas para essa fase foram a do Google Acadêmico (scholar.google.com.br); a do Portal de Periódicos Capes (periodicos.capes.gov.br); e a do Scielo (scielo.org). Como descritores, utilizaram-se os seguintes conjuntos de palavras: “WhatsApp + Escola”, “WhatsApp + Educação”, “WhatsApp + Ensino Médio”, “WhatsApp + Sala de Aula” e “Mensagens Eletrônicas + Educação”.
Os critérios de inclusão e exclusão foram definidos de acordo com a proximidade de trabalhos que pudessem enriquecer a pesquisa como um todo. O formato artigo acadêmico foi escolhido pelo interesse em analisar textos que já tivessem passado por alguns critérios de seleção, como relevância e qualidade do trabalho, e também que não fossem muito extensos. A data de publicação foi um importante definidor para que as descrições e conclusões pudessem ser consideradas válidas, já que, quando se trata de inovações tecnológicas, a volubilidade das conclusões costuma ser grande. Com tais deliberações, descreve-se a seguir o fluxo de seleção dos estudos analisados.
Como uma das características da RSL é que o estudo tenha validade científica e possa ser replicável, optou-se por colocar como critério que os artigos selecionados estejam acessíveis ao público em geral, além de estarem hospedados em plataformas que possuam credibilidade no meio acadêmico. Outro critério adotado na seleção foi que o texto descrevesse uma experiência concreta de um professor com atuação no Brasil.
Chegou-se ao subconjunto de 18 artigos analisados nessa etapa da pesquisa, realizada ao longo de nove meses e concluída em 18 de dezembro de 2016. Na impossibilidade de descrever todos, destacam-se trechos da análise de dois deles.
Em Celular no ensino/aprendizagem de inglês - uma análise do uso do WhatsApp sob a perspectiva da professora, Zardini (2015) enfatiza que, com a evolução dos smartphones, nossas vidas são influenciadas por inovações que proporcionam agilidade nas atividades, rompimentos de fronteiras e acesso à informação de maneira rápida e segura. “A utilização de dispositivos móveis conectados à internet não apenas favorece a comunicação entre as pessoas, como incentiva uma série de aplicativos que proporcionam conhecimentos e interatividade numa rapidez jamais vista” (Zardini, 2015, p. 2).
Ao relatar o trabalho realizado utilizando o WhatsApp como ferramenta didática em aulas de língua inglesa, a autora pontua algumas vantagens da ferramenta, na visão dos discentes: a) o ambiente informal/descontraído das discussões geradas pelo grupo; b) o aumento da comunicação entre os alunos; c) a troca de informação e conhecimento; d) a interação entre alunos; e) o contato com a língua; f) a melhoria do processo cognitivo na formulação de frases e ideias, propiciando uma melhoria na conversação; g) a troca de material; e h) a rapidez na solução de dúvidas.
Afirma ainda que, por meio dessa experiência, foi possível observar as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos, os desafios e as possibilidades de desdobramentos das atividades e sugestões para aprimorar a prática em sala de aula.
Zardini ressalta também que o uso de novas tecnologias em sala de aula requer um planejamento e que, apesar de não ter sido criado com um propósito pedagógico, o aplicativo apresenta boas oportunidades de uso, principalmente como extensão da sala de aula. Para a autora,
ao se oferecer aprendizagem contínua, através de troca de mensagens instantâneas e de fácil leitura, o aplicativo pode ser considerado um aliado à educação. Suas potencialidades, assim como suas restrições, fazem parte do processo de adaptação e utilização de dispositivos móveis na educação. (Zardini, 2015, p. 6).
Na mesma linha, Silva (2015) elucida a importância de refletir sobre o fato de que um grande desafio da educação, atualmente, é o de interagir com as linguagens de modo criativo e trazer para a sala de aula os recursos tecnológicos que a maioria dos alunos domina. Para a autora, o uso das novas mídias enfrenta desafios como o de precisar desmistificar questões que estão muito arraigadas à cultura da maioria das escolas, a exemplo da velha máxima de que o conhecimento não sistematizado não deve ser considerado no processo de ensino-aprendizagem. Ela inclusive reconhece que as informações trocadas entre os alunos são, algumas vezes, mais atualizadas do que aquelas de que o próprio professor dispõe: “com eles (alunos) pode-se aprender novas metodologias de ensino, as práticas de uso de celulares, mensagens, redes sociais e isso pode ser adequado à prática docente” (Silva, 2015, p. 7).
De forma generalizada, e exemplificada pelos trechos citados, os resultados dessa revisão sistemática da literatura demonstram a contribuição do aplicativo para aumentar o engajamento e a participação dos alunos nas aulas presenciais de diferentes áreas do conhecimento.
Considerações finais
Reflexões teóricas e análises de práticas pedagógicas conjugam-se para responder à pergunta norteadora da pesquisa: “Como se dá o uso do WhatsApp como recurso didático?”. Os resultados mostram que têm razão os professores que afirmam serem as relações entre tecnologia e ensino muito mais complexas do que alguns estudos podem fazer supor. No entanto, independentemente do grau de complexidade, é possível concluir que, mesmo não havendo um modo único de utilizar algum recurso, o importante é trabalhar com coerência em relação ao que se acredita serem escolhas acertadas.
Entre os que foram ouvidos, professores que se adaptam e se preocupam em acompanhar o tempo e as demandas dos alunos se mostraram preparados para agregar valor às suas práticas de ensino. Nas três instâncias pesquisadas - revisão sistemática da literatura, questionário on-line e entrevistas -, pôde-se perceber que, quanto menos alheios às transformações sociais da contemporaneidade, mais esses profissionais têm facilidade de promover processos de ensino e aprendizagem que sejam, de fato, efetivos, dinâmicos e colaborativos. Ou seja, os resultados se mostraram convergentes.
Em relação às vantagens de utilizar o aplicativo com os alunos, os tópicos citados de forma recorrente foram: ser atrativo, ser colaborativo, permitir um trabalho contínuo, ser econômico, ser estimulante, proporcionar a comunicação de forma instantânea e dar diferentes oportunidades de um uso conveniente. Já entre os pontos negativos, tratados como pontos de atenção, destacam-se: gerar aumento da carga de trabalho - especialmente porque requer tempo para ler as mensagens -; exigir uma conectividade nem sempre possível para todos os participantes; representar desafios como o de lidar com meios que são mais conhecidos entre os alunos do que entre os professores; causar dispersão; e ser informal.
No entanto, entre os relatos, notou-se que alguns pontos são considerados positivos para uns e negativos para outros, como o fato de o WhatsApp proporcionar repasses de conteúdo que se estendem além dos horários de aula. Tal situação confirma que não há um modo unânime de enxergar ou lidar com a ferramenta.
Durante as entrevistas, foi possível perceber que, mesmo não sendo um item imprescindível na vida das pessoas - como se mostra hoje um aparelho de celular, por exemplo -, o aplicativo WhatsApp foi conquistando seus usuários, seja pela praticidade, pela facilidade de uso ou pela economia que ele representa no cotidiano de milhares de pessoas que passaram a se comunicar por mensagens eletrônicas instantâneas quando, antes, precisavam fazer ligações telefônicas.
Com o recorrente uso pessoal para se comunicar com familiares e amigos, os professores relataram que passaram a perceber possíveis usos profissionais, tanto por iniciativa de alunos, que os convidaram a formar grupos para tirar dúvidas, por exemplo, quanto por inciativa deles próprios ou de gestores das escolas em que trabalham, ao notarem que o aplicativo, além das funções de comunicar e entreter (que já eram mais comumente conhecidas), poderia ser usado também como uma ferramenta pedagógica eficaz.
Muitos professores mencionaram que aprenderam coisas novas com os alunos durante as atividades realizadas pelo WhatsApp. E não só nas questões de ordem prática quanto à tecnologia, especificamente, mas também a partir de reflexões, que se tornaram mais recorrentes e fluidas com as possibilidades de participação trazidas pelo ambiente virtual. Grande parte dos professores não teve contato com artefatos tecnológicos no período da sua formação acadêmica - ou da empolgação da adolescência, como os seus alunos têm hoje - e, por isso, é mesmo uma tarefa complexa se colocar no lugar de aprendiz em situações dessa natureza. No entanto, foi possível notar que o uso de tecnologias tem relação também com a sensibilidade e a adequação do professor à realidade do aluno.
Ficou evidente ainda que, como qualquer trabalho pedagógico, o uso do WhatsApp com os alunos requer estratégias e, sobretudo, planejamento. Não parece ser possível realizar uma atividade bem-sucedida com o aplicativo sem sair do lugar de grande detentor de conhecimentos para se colocar como mediador de grupos. Ou sem organizar previamente o tempo e os materiais que serão despendidos. E, ainda, sem propor objetivos claros a serem alcançados.
Aos alunos da geração atual é preciso oferecer mais do que conteúdos curriculares. Para conquistá-los, o professor precisa ofertar aulas e atividades atrativas, lúdicas, divertidas e que tragam algo novo em relação às vivências que eles já têm. Muitos alunos, inclusive, têm dificuldade de discernir a hora de falar sério por meio do aplicativo da hora de poder brincar, como é comum no WhatsApp. Mas até isso pode ser visto pelos professores como ensinamento importante para os estudantes.
Nota-se que foi em virtude do poder de capilaridade do aplicativo que se chegou a tal diversidade de profissionais pesquisados. O envio do convite para responder o questionário on-line, por e-mail, pelas redes sociais e pelo próprio WhatsApp, revelou a dinâmica da amostragem bola de neve e também o interesse que o tema desperta em pessoas tão diferentes, que vivem nas mais diversas regiões do País. Dessa forma, chegamos a professores jovens e experientes; focados, antenados ou dispersos; que trabalham em grandes cidades ou em escolas rurais do interior do Brasil. E assim por diante.