Introdução
O processo de aprendizagem e a taxa de sucesso do método de estudo utilizado estão intimamente ligados aos fatores cognitivos e motivacionais que formam cada indivíduo. Saber como se relacionam as diferentes variáveis motivacionais e cognitivas permite ao docente colocar em prática estratégias necessárias que levam o corpo acadêmico a alcançar melhores desempenhos. Portanto, a metodologia adotada pelo professor e a forma como ele avalia os seus alunos podem influenciar significativamente a maneira como estes aprendem (Moreno-Murcia; Silveira Torregrosa, 2015).
Uma das teorias motivacionais que estuda essas concepções é a Teoria da Autodeterminação - TAD - (Deci; Ryan, 1985, 2000; Deci et al., 1991), a qual sugere um modelo motivacional centrado na busca pelo atendimento de necessidades psicológicas básicas de autonomia, competência e relacionamento, que atuam de forma interdependente. A competência se refere à capacidade da pessoa de realizar determinada tarefa; a autonomia está relacionada ao nível de independência e ao controle das escolhas realizadas pela pessoa; e o relacionamento está ligado à percepção de um senso de conectividade com outras pessoas do ambiente. Na TAD são abordados diferentes tipos de motivação, baseados nos diferentes motivos ou objetivos que dão origem a uma ação: a motivação intrínseca, que se refere a fazer algo porque é inerentemente interessante ou agradável; a motivação extrínseca, que se refere a fazer algo porque isso leva a um resultado destacável, ou seja, por motivos externos; e a desmotivação, que é a ausência total de motivação (Deci; Ryan, 2000).
A TAD tem sido amplamente utilizada nos últimos anos como um modelo que considera as diferentes perspectivas motivacionais, as influências contextuais na motivação e as percepções interpessoais, analisando se as condutas são realizadas de forma voluntária e autônoma. Tal modelo foi proposto por um contínuo de autodeterminação, podendo a pessoa estar mais autodeterminada (motivação intrínseca e regulações extrínsecas) ou menos autodeterminada (desmotivação).
A motivação intrínseca refere-se ao tipo de motivação presente em um indivíduo que realiza uma atividade ou tarefa estritamente baseada em seu próprio interesse e satisfação (Gamboa; Valadas; Paixão, 2013). Esse tipo de motivação emergiu como um importante fenômeno de estudo no contexto educativo, uma vez que se trata de uma forma natural de aprendizagem, que pode ser sistematicamente promovida pelas práticas parentais e pelas estratégias pedagógicas dos docentes (Deci et al., 1991).
A motivação extrínseca é caracterizada pela realização de uma tarefa por motivos relacionados à eventual possibilidade de adquirir uma recompensa externa, sendo dividida em quatro tipos de regulação comportamental: a regulação externa é a forma menos autônoma de motivação, pois, nesse caso, a pessoa age para obter recompensas ou evitar punições; a regulação introjetada sugere que a pessoa administre as consequências externas mediante o resultado de pressões internas, como culpa e ansiedade; a regulação identificada é mais autônoma do que as anteriores, pois já há certa interiorização, mesmo que a razão para fazer alguma coisa seja de origem externa; e, na regulação integrada, a pessoa apresenta coerência entre o comportamento, os objetivos e os valores diante da atividade a ser realizada, sendo a forma de motivação extrínseca mais autônoma, embora o foco ainda esteja nos benefícios pessoais advindos da realização da atividade (Leal; Miranda; Carmo, 2013).
A desmotivação é caracterizada pela ausência de intenção ou de comportamento proativo. Em tal situação, observa-se desvalorização da atividade e falta de percepção de controle pessoal (Gamboa; Valadas; Paixão, 2013). Esse comportamento não é motivado intrinsecamente nem extrinsecamente (Leal; Miranda; Carmo, 2013).
Baseado na TAD, foi proposto o Modelo Hierárquico de Motivação Intrínseca e Extrínseca - HMIEM - (Vallerand, 1997), o qual defende a existência de três formas de motivação, com diferentes níveis de generalidades, distribuídos hierarquicamente de acordo com o seu grau de especificidade (global, contextual e situacional, respectivamente). No nível situacional, considera-se que a motivação é, de certo modo, instável, dada a elevada sensibilidade que parece ter em relação aos fatores ambientais, funcionando como uma disposição que surge quando da realização de uma tarefa (Gamboa; Valadas; Paixão, 2013). O HMIEM postula ainda que orientações motivacionais em um nível de generalidade podem exercer influência no próximo nível mais alto da hierarquia. Como consequência, um estudante que experimenta frequentemente situações de motivação situacional autodeterminadas em relação a uma atividade em sala de aula acabará experimentando níveis mais altos de motivação contextual autodeterminada em relação à ciência como um todo. Importa frisar que, em contexto educativo, a modificação da qualidade da motivação pode ocorrer por meio de pequenas mudanças a nível situacional, resultantes de um número sucessivo de interações com o ambiente e repetidamente internalizadas (Vallerand; Pelletier; Koestner, 2008).
De acordo com Moreno-Murcia e Silveira Torregrosa (2015), existe relação entre a motivação e a abordagem de aprendizagem adotada, de maneira que o tipo de motivação predominante está relacionado às diferentes abordagens de aprendizagem que o aluno usa para alcançar seus objetivos. Observa-se, portanto, que os estudantes utilizam diferentes abordagens de estudo em suas tarefas, as quais representam resultados qualitativamente diferentes no processo de aprendizagem (Snelgrove; Slater, 2003; Wong; Chung, 2002; Cavanagh; Hogan; Ramgopal, 1995).
As diferentes abordagens foram classificadas como superficiais, profundas e estratégicas ou de alto rendimento (Biggs, 1993). A abordagem superficial diz respeito a uma postura baseada no mínimo de esforço possível, ou seja, o estudante encara a aprendizagem sem o interesse de entendê-la ou aprofundá-la, pautando-se pela motivação extrínseca e pelo medo do insucesso; o aluno estuda o essencial, reproduzindo-o por meio da memorização (Barros; Monteiro; Moreira, 2014). A abordagem profunda combina uma concepção qualitativa de aprendizagem, uma motivação intrínseca, relacionada com o prazer obtido pela realização da própria tarefa e estratégias mais elaboradas para os estudos, havendo sempre uma preferência por contextos menos estruturados ou rígidos (Freire, 2006), utilizando capacidades cognitivas de alto nível, como sínteses, análises, comparações e confrontações, fazendo com que esses estudantes possam atingir um nível transformador e criativo (Barros; Monteiro; Moreira, 2014). A abordagem estratégica ou de alto rendimento baseia-se na competição e na autovalorização, independentemente de os conteúdos a serem aprendidos terem ou não significado pessoal. Além disso, envolve a organização do tempo e dos materiais de estudo de forma a maximizar o sucesso e as classificações (Monteiro; Almeida; Vasconcelos, 2012).
Nesse cenário, os processos de aprendizagem mais autônomos e profundos se associam positivamente com maior bem-estar psicológico, autoestima e autoconceito acadêmico (Moreno-Murcia; Silveira Torregrosa, 2015). A motivação intrínseca é um preditor do bem-estar psicológico (Chirkov; Ryan, 2001). A variável de satisfação com a vida é considerada um importante indicador de bem-estar psicológico, sendo de extrema importância a avaliação global que o indivíduo realiza da sua satisfação e qualidade de vida, utilizando seus próprios critérios. Uma maior satisfação contribui para os acontecimentos de vida, sentimentos de gratidão, comportamentos pró-sociais, benefícios na saúde mental e física dos indivíduos e para menos comportamentos de risco (Diener et al., 1985; Huebner et al., 2005). A satisfação das três necessidades psicológicas básicas inatas (autonomia, competência e relacionamento) move o indivíduo e mostra-se fundamental para o equilíbrio cognitivo, social e funcional, além de levar a uma sensação de bem-estar e a um efetivo funcionamento do organismo. No entanto, a motivação, as relações sociais e o bem-estar geral podem se deteriorar em ambientes desfavoráveis à satisfação dessas necessidades consideradas básicas (Deci; Ryan, 2000).
Procurando identificar as características que contribuem para esses aspectos, verificou-se que para que os estudantes universitários obtivessem maiores níveis de satisfação com a vida, os fatores influentes eram: maior saúde emocional e social, e boa afetividade e características pessoais de responsabilidade (Horta, 2013). Estudos nacionais e internacionais, ao avaliarem amostras universitárias, demostraram que a satisfação de vida em geral e a satisfação de vida acadêmica estão positivamente relacionadas a decisão de carreira, personalidade, otimismo, senso de identidade e orientação para o trabalho (Bardagi; Hutz, 2010; Lounsbury et al., 1999, 2005), além de rendimento acadêmico e satisfação com as atividades acadêmicas (Chow, 2005).
Nesse sentido, o interesse em analisar os motivos de ingresso em um curso superior e de que forma os estudantes estudam e aprendem vem aumentando ao longo dos anos, fazendo com que as universidades busquem novos recursos de ensino e reestruturação de suas metodologias, dando ênfase em favorecer e maximizar o desenvolvimento de capacidades e competências que permitam ao estudante adaptar-se às demandas de uma sociedade em contínua evolução (Muñoz; Gomez, 2005). Conhecer quais são os motivos que levam o estudante a querer aprender é a chave para uma intervenção docente eficaz, permitindo que se elaborem estratégias mais adequadas para suscitar interesse nos educandos, potencializando suas habilidades e as competências necessárias para alcançar uma aprendizagem mais profunda, autônoma e duradoura (Moreno-Murcia; Silveira Torregrosa, 2015).
Nota-se a importância do estudo e da identificação das características dos estudantes que procuram a universidade para sua formação e qualificação profissional. Este trabalho busca identificar os perfis motivacionais em estudantes universitários e comprovar sua relação com as diferentes formas de estudo adotadas, assim como sua possível relação com a satisfação com a vida. Espera-se que um perfil motivacional mais autodeterminado esteja relacionado de maneira positiva com um enfoque de aprendizagem profundo e com maior satisfação com a vida.
Método
A amostra foi composta por 761 estudantes universitários (343 homens e 418 mulheres), matriculados em cursos que compreendem as três áreas de conhecimento (Ciências das Humanidades, Ciências da Vida e Ciências Exatas e Tecnológicas), de uma universidade do estado de Santa Catarina, no Brasil.
Para avaliar a motivação dos estudantes, foi utilizada a Escala de Motivação Situacional (Situational Motivation Scale - SIMS) (Guay; Vallerand; Blanchard, 2000), traduzida e validada para a língua portuguesa por Gamboa, Valadas e Paixão (2013). Essa escala foi construída inicialmente com o intuito de avaliar a motivação situacional em contexto educativo, tendo por referência o HMIEM, elaborado por Vallerand (1997).
A SIMS é composta por 16 itens que avaliam a razão pela qual o indivíduo se encontra envolvido na realização de determinada atividade ou tarefa. Os itens estão equitativamente distribuídos pelas quatro subescalas, as quais, por sua vez, correspondem às dimensões referidas pela TAD, sendo os itens 1, 5, 9 e 13 referentes à motivação intrínseca; 2, 6 e 14, regulação identificada; 3, 7 e 15, regulação externa; 4, 8, 12 e 16, desmotivação. A resposta aos itens que apresentam razões subjacentes à realização ou envolvimento na tarefa é dada em uma escala de tipo Likert, oscilando as opções de resposta entre 1 (não corresponde nada) e 7 (corresponde exatamente). A consistência interna foi obtida pelo Alpha de Cronbach, com valor de 0,70 para motivação intrínseca, 0,75 para regulação identificada, 0,62 para regulação externa e 0,70 para desmotivação.
Para medir os enfoques de aprendizagem, o instrumento utilizado foi o Questionário Revisado do Processo de Estudo (Revised Two-Factor Process Questionnaire - R-SPQ-2F), de Biggs, Kember e Leung (2001), traduzido e validado para o Brasil por Godoy (2009). Esse instrumento é constituído por 20 itens, medidos por meio de escala tipo Likert de 5 pontos. Os 20 itens são divididos em dois fatores principais, denominados enfoque profundo e enfoque superficial, estes, por sua vez, são divididos nos subcomponentes motivos e estratégias, de 5 itens cada, conformando 4 subescalas: motivo profundo, estratégia profunda, motivo superficial e estratégia superficial. Cada subescala possui 5 itens com questões inerentes ao seu respectivo subcomponente. Dessa forma, os itens 1, 5, 9, 13 e 17 estão relacionados ao subcomponente motivação profunda; estratégia profunda relaciona-se aos itens 2, 6, 10, 14 e 18; motivação superficial, itens 3, 7, 11, 15 e 19; e o subcomponente estratégia superficial, itens 4, 8, 12, 16 e 20. A consistência interna foi obtida pelo Alpha de Cronbach, com valor de 0,81. A consistência interna foi de 0,66 para a subescala de motivo profundo, 0,65 para estratégia profunda, 0,69 para a subescala de motivo superficial e 0,65 para estratégia superficial.
Para avaliar a satisfação com a vida, foi utilizada a Escala de Satisfação para a Vida (Satisfaction With Life Scale- SWLS), elaborada por Diener et al. (1985), traduzida para a língua portuguesa por Simões (1992), com o objetivo de avaliar o juízo subjetivo que cada sujeito faz sobre a qualidade da própria vida, como as pessoas experienciam a vida, de maneira positiva ou negativa, tendo em conta os critérios estabelecidos por si e não pelo investigador. A versão é composta por 5 itens, constituída como uma escala de tipo Likert, variando de 1 (discordo totalmente) a 7 pontos (concordo totalmente). A pontuação do sujeito poderia variar entre um mínimo de 5 e um máximo de 35 pontos. Segundo Diener et al. (1985), a análise dos dados obtidos na escala de satisfação com a vida deve se dar pelo somatório das pontuações assinaladas em cada questão, indicando as seguintes classificações: extremamente insatisfeito (entre 5 e 9 pontos), insatisfeito (entre 10 e 14 pontos), razoavelmente insatisfeito (15 a 19 pontos), razoavelmente satisfeito (20 a 24 pontos), satisfeito (25 a 29 pontos) e extremamente satisfeito (30 a 35 pontos). A consistência interna foi obtida pelo Alpha de Cronbach, com valor de 0,81.
A coleta de dados aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2017, com aplicação presencial do instrumento, preenchido durante o período de aulas na universidade, de forma a garantir a fidelidade das respostas, sendo o tempo requerido para resposta ao questionário de aproximadamente 15 minutos.
Foi realizada a estatística descritiva e correlacional de todas as variáveis, sendo também analisada a consistência interna de cada fator, utilizando o coeficiente Alpha de Cronbach. O registro e a posterior análise de dados foram realizados por meio do pacote estatístico SPSS, versão 20.
Resultados
Para análise dos dados descritivos, a amostra foi separada em dois grupos, sendo 448 estudantes ingressantes e 313 concluintes (Tabela 1) dos cursos de graduação no ensino superior, apresentando média de idade de 19 anos (DP = 3,01) para os ingressantes e 24 anos (DP = 3,79) para os concluintes, com idade mínima de 18 e máxima de 45 anos.
Curso | Período | Sexo | |||
Ingressantes (n=448) | Concluintes (n=313) | Masculino (n=343) | Feminino (n=418) | Total | |
Administração | 16 | 31 | 26 | 21 | 47 |
Ciências Biológicas | 20 | 7 | 10 | 17 | 27 |
Ciências Contábeis | 27 | 17 | 16 | 28 | 44 |
Direito | 29 | 19 | 16 | 32 | 48 |
Educação Física | 29 | 15 | 22 | 22 | 44 |
Enfermagem | 31 | 21 | 5 | 47 | 52 |
Engenharia Civil | 37 | 37 | 40 | 34 | 74 |
Engenharia da Computação | 20 | 16 | 33 | 3 | 36 |
Engenharia de Produção | 21 | 18 | 26 | 13 | 39 |
Engenharia Elétrica | 16 | 11 | 22 | 5 | 27 |
Engenharia Mecânica | 41 | 26 | 61 | 6 | 67 |
Engenharia Química | 12 | 11 | 5 | 18 | 23 |
Fisioterapia | 13 | 7 | 3 | 17 | 20 |
Medicina | 34 | 28 | 25 | 37 | 62 |
Odontologia | 40 | 14 | 17 | 37 | 54 |
Psicologia | 46 | 22 | 5 | 63 | 68 |
Publicidade e Propaganda | 16 | 13 | 11 | 18 | 29 |
Fonte: Elaboração própria.
Para a avaliação da motivação, foi realizada a estatística descritiva (Tabela 2) e observou-se que entre os ingressantes houve baixa pontuação de desmotivação, com 2,59 pontos sobre 7, sendo os maiores valores na subescala de regulação identificada com 5,87 pontos sobre 7. Entre os concluintes, os resultados foram semelhantes, com valores baixos de desmotivação, 2,74 pontos sobre 7, e altos para regulação identificada, sendo 5,77 pontos sobre 7.
Itens da SIMS | Média | Desvio Padrão | Máximo | Mínimo | Moda | |
---|---|---|---|---|---|---|
Ingressantes | Motivação Intrínseca | 5,19 | 0,86 | 7 | 1 | 6 |
Regulação Identificada | 5,87 | 0,88 | 7 | 1 | 6 | |
Regulação Externa | 4,70 | 1,16 | 7 | 1 | 6 | |
Desmotivação | 2,59 | 1,32 | 7 | 1 | 2 | |
Concluintes | Motivação Intrínseca | 4,97 | 0,96 | 7 | 1 | 6 |
Regulação Identificada | 5,77 | 0,86 | 7 | 1 | 6 | |
Regulação Externa | 4,77 | 1,05 | 7 | 1 | 6 | |
Desmotivação | 2,74 | 1,27 | 7 | 1 | 2 |
Fonte: Elaboração própria.
Ao avaliar as formas de estudo, enfoque de aprendizagem (Tabela 3), tem-se uma maior pontuação na escala de motivo profundo para os ingressantes (4,07 sobre 5) e menor pontuação de motivo superficial (2,38 sobre 5). De forma similar, foram obtidas as pontuações para os concluintes, sendo 3,97 sobre 5 para motivo profundo e 2,43 sobre 5 para motivo superficial.
Itens da R-SPQ-2 | Média | Desvio Padrão | Máximo | Mínimo | Moda | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Ingressantes | Motivo profundo | 4,07 | 0,58 | 5 | 1 | 4 | |
Estratégia profunda | 4,06 | 0,74 | 5 | 1 | 4 | ||
Motivo superficial | 2,38 | 0,79 | 5 | 1 | 1 | ||
Estratégia superficial | 2,99 | 0,82 | 5 | 1 | 4 | ||
Concluintes | Motivo profundo | 3,97 | 0,62 | 5 | 1 | 4 | |
Estratégia profunda | 3,86 | 0,66 | 5 | 1 | 4 | ||
Motivo superficial | 2,43 | 0,81 | 5 | 1 | 1 | ||
Estratégia superficial | 2,95 | 0,91 | 5 | 1 | 4 |
Fonte: Elaboração própria.
Para a satisfação com a vida, os valores médios das pontuações registradas oscilaram entre 4,41 e 5,52 pontos para ingressantes, e 4,35 e 5,44 pontos para concluintes. No somatório para escore de satisfação com a vida, tanto os estudantes ingressantes quanto os concluintes apresentaram 25 pontos, sendo classificados como satisfeitos.
Ao realizar a análise correlacional de todas as variáveis (Tabela 4), destaca-se a correlação positiva da motivação intrínseca com a abordagem de estudo de motivo profundo e estratégia profunda, bem como com a satisfação com a vida. Observa-se também a correlação positiva entre a abordagem de estudo de motivo profundo e estratégia profunda com a satisfação com a vida. Da mesma forma, houve correlação negativa da desmotivação com a abordagem de estudo de motivo profundo, a estratégia profunda e a satisfação com a vida.
Média | Desvio Padrão | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | |
1. Motivação intrínseca | 5,10 | 0,91 | - | 0,58** | 0,10** | -0,38** | 0,35** | 0,26** | -0,23** | -0,11** | 0,23** |
2. Regulação identificada | 5,83 | 0,88 | - | 0,26** | -0,45** | 0,16** | 0,10** | -0,22** | -0,10** | 0,15** | |
3. Regulação externa | 4,74 | 1,12 | - | 0,10** | -0,04 | -0,03 | 0,04 | 0,10** | 0,00 | ||
4. Desmotivação | 2,66 | 1,30 | - | -0,15** | -0,08* | 0,41** | 0,31** | -0,12** | |||
5. Motivo profundo | 4,04 | 0,61 | - | 0,63** | -0,21** | -0,13** | 0,22** | ||||
6. Estratégia profunda | 3,98 | 0,72 | - | -0,16** | -0,13** | 0,08* | |||||
7. Motivo superficial | 2,41 | 0,80 | - | 0,63** | -0,14** | ||||||
8. Estratégia superficial | 2,98 | 0,86 | - | -0,10** | |||||||
9. Satisfação com a vida | 4,91 | 1,18 | - |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: ** a correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades); * a correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades).
Discussão
Na avaliação do perfil motivacional, foi considerada a razão pela qual o indivíduo se encontrava envolvido na realização de determinada atividade ou tarefa. Sendo assim, foi observado nessa amostra um perfil motivacional voltado ao prazer e à satisfação pela realização da atividade acadêmica e menos relacionado a recompensas e/ou punições externas. Foram obtidas pontuações maiores nas subescalas de regulação identificada e motivação intrínseca, e pontuações menores nas subescalas de motivação externa e desmotivação, tanto em estudantes ingressantes como em concluintes.
Outros estudos foram realizados e corroboram esses achados (Moreno-Murcia; Silveira Torregrosa, 2015), mostrando a existência de grupos mais autodeterminados (pontuações maiores de motivação intrínseca e menor extrínseca e desmotivação) e grupos menos autodeterminados (maiores pontuações de desmotivação e motivação extrínseca e menor intrínseca). Estudantes que apresentam perfil motivacional mais autodeterminado possuem padrão de aprendizado mais otimizado e melhores notas no ambiente educacional (Vansteenkiste et al., 2009). Os processos de aprendizagem autônoma estão associados positivamente com maior bem-estar psicológico, maior autoestima e autoconceito acadêmico, sendo a motivação intrínseca um preditor de bem-estar psicológico, independentemente do desempenho (Burton et al., 2006).
Estudantes utilizam diferentes abordagens nas tarefas de aprendizagem, as quais representam resultados qualitativamente diferentes no processo de aprendizagem de cada aluno (Godoy, 2009). O ambiente em que se promovem os processos de aprendizagem parece apresentar especial importância para a melhoria do rendimento acadêmico e da percepção dos estudantes sobre a satisfação com o estudo e a motivação (Hernández Piña et al., 2010). Nesse sentido, observa-se a importância de práticas educacionais que promovam processos de autonomia e autorregulação para contribuir no incremento da motivação e da aprendizagem acadêmica.
Estudos demostram que as abordagens de estudo utilizadas pelos estudantes vão se formando em função dos modelos pedagógicos utilizados pelos professores (Hernández Piña; García Sanz; Maquilón Sánchez, 2005). Nesse ponto, destaca-se a importância da avaliação e otimização no estilo de ensino do docente, adotando um conceito pedagógico de maior apoio à autonomia do estudante, opondo-se a um perfil docente controlador. Segundo Reeve (2009), apoiar a autonomia consiste em nutrir os recursos motivacionais internos do estudante, proporcionando fundamentos explicativos, utilizando uma linguagem não controladora, mostrando paciência para permitir ao estudante o tempo necessário para aprender. Dessa forma, o estudante se envolve mais na tomada de decisões, utilizando uma metodologia indagativa, dando mais importância ao processo, incentivando o esforço e o aperfeiçoamento pessoal (Moreno-Murcia et al., 2014).
Segundo Biggs (1987), a influência da motivação profunda nas abordagens e formas de estudo contribui para maximizar a compreensão do conteúdo ministrado no ambiente educacional, além de otimizar a capacidade de ler em profundidade, discutir e refletir acerca do tema. Por outro lado, estudantes com abordagens superficiais estão voltados a formas de estudo que demandem mínimo esforço, com utilização de métodos de repetição do conteúdo, sem interesse em adquirir conhecimento sólido ou aprofundado. Assim, existe uma tendência de que estudantes com abordagens mais profundas apresentem melhor desempenho acadêmico quando comparados aos perfis de estudantes com abordagens superficiais (Godoy, 2009).
No caso desta pesquisa, quando os estudantes foram questionados acerca de sua satisfação pessoal sobre as abordagens de estudo, o escore obtido foi 4,66, evidenciando elevada satisfação pessoal no ambiente educacional, corroborando os resultados obtidos por Monteiro e Gonçalves (2011), que demostram relação significativa entre o desempenho acadêmico e a satisfação pessoal. Da mesma forma, os resultados da escala de satisfação com a vida apresentaram valores positivos, com boa percepção de satisfação.
O estudo do perfil motivacional, das abordagens de estudo e da satisfação com a vida produzem resultados valiosos para o âmbito educacional, bem como para a otimização do processo de aprendizagem. Os resultados obtidos neste trabalho reforçam a necessidade de análise das abordagens de estudo e dos motivos que levam a se adotar tal método para a elaboração de intervenções mais eficazes por parte do corpo docente, com o objetivo de potencializar a aprendizagem dos estudantes.
Em conclusão, o perfil motivacional dos estudantes investigados neste estudo se mostrou mais autodeterminado, com valores maiores de motivação com regulação identificada e motivação intrínseca, isto é, as atitudes que levaram os estudantes a participarem das atividades no seu curso de graduação foram motivadas por um sentimento mais interiorizado de realização, no caso da regulação identificada, e prazer e satisfação em realizá-las, no caso da motivação intrínseca, bem como menos relacionado a recompensas e/ou punições advindas dela. A maior parte dos estudantes demostrou abordagens de estudo relacionadas a motivações profundas, sendo importante observar aqueles que apresentaram abordagens superficiais, ou seja, que possuem motivos que os levam a enfrentar em profundidade o conteúdo a ser aprendido, mas utilizam abordagens que minimizam a aprendizagem. Os estudantes também se demonstraram satisfeitos com a vida. Destaca-se a correlação positiva entre a motivação intrínseca, a abordagem de estudo de motivo profundo e estratégia profunda, e a satisfação com a vida; e entre a abordagem de estudo de motivo profundo e estratégia profunda e a satisfação com a vida.
Este estudo apresenta algumas limitações, uma vez que concentra a observação dos dados em um estudo correlacional, estabelecendo relações de causalidade, sendo interessante que novos estudos sejam realizados para aprofundar as análises. Alguns exemplos seriam trabalhos longitudinais, de intervenção ou que também considerem as metodologias utilizadas pelos docentes e como estas influenciam na motivação para aprendizagem, abordagens de estudo e satisfação dos estudantes com a vida, observando se esses fatores também podem melhorar o rendimento acadêmico. Observa-se a importância do papel do professor e do uso de metodologias ativas no incentivo à autonomia dos estudantes, ampliando a participação e o compromisso destes, fazendo com que sejam construtores do próprio conhecimento, adquirindo diferentes competências envolvidas em cada profissão e contribuindo para melhor satisfação com a vida.