Introdução
Em 20 de dezembro de 2017, a Portaria MEC nº 1.570 determinou a homologação do Parecer CNE/CP nº 15/2017, que instituiu e orientou a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamental. São propostas cinco unidades temáticas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. Tomando como exemplo a unidade temática “números”, são propostos para o primeiro ano problemas envolvendo diferentes significados da adição e da subtração como juntar, acrescentar, separar, retirar. No segundo ano, agregam-se problemas com diferentes significados da adição e subtração; problemas com adição de parcelas iguais; resolução e elaboração de problemas de multiplicação com a ideia de adição de parcelas iguais, estratégias e formas de registros pessoais.
No terceiro ano, a multiplicação amplia-se, mas continua fundamentada nos fatos básicos da adição, incluindo cálculo mental ou escrito, problemas com diferentes significados da multiplicação e da divisão, e problemas de multiplicação.
No quarto ano, problemas de multiplicação e de divisão com diferentes significados: adição de parcelas iguais, proporcionalidade, repartição equitativa e medida, problemas de divisão cujo divisor tenha no máximo dois algarismos, números racionais e frações unitárias.
No quinto ano, essa unidade temática amplia-se para representação fracionária dos números racionais, identificação de frações equivalentes, ordenação e comparação de números racionais positivos, cálculo de porcentagens e representação fracionária, problemas de multiplicação e divisão de números racionais, resolução e elaboração de problemas de multiplicação e divisão com números naturais e com números racionais, utilizando estratégias diversas como cálculo por estimativa, cálculo mental e algoritmos.
Mediante o exposto, surgem indagações: a maturidade intelectual das crianças está sendo levada em conta pela BNCC? Ao final do 5º ano, qual o nível de compreensão da operação de multiplicação e divisão com números naturais e racionais?
Esta pesquisa se propõe a investigar a compreensão de multiplicação de estudantes do 3º ao 5º ano do ensino fundamental e quais estratégias eles utilizam para resolver uma atividade experimental envolvendo a operação aritmética de multiplicação. Ao realizar a atividade, os estudantes podem recorrer à resolução utilizando os conhecimentos que já possuem sobre as outras operações.
A multiplicação foi escolhida porque é uma operação interconectada com a adição e a divisão, numa relação de interdependência entre si. Para Rosa e Hobold (2018), os conceitos matemáticos são constituídos por significações aritméticas, algébricas e geométricas e são conhecimentos que interferem no estudo de vários conceitos ao longo de todo o ensino fundamental e médio.
É um componente curricular proposto pela BNCC e espera-se, por esse documento, que, ao final do quinto ano, os estudantes compreendam as operações de multiplicação e divisão com números naturais e racionais.
Marco teórico
Autores como Silva et al. (2015) propõem a inserção de situações práticas com a utilização da multiplicação e divisão sem a necessidade de dominar o cálculo formal do algoritmo, para facilitar a aprendizagem da aritmética desde a educação infantil. Para esses autores, seria “[...]uma orientação curricular voltada para o desenvolvimento do raciocínio e do pensamento a fim de superar as práticas de ensino voltadas apenas para memorização dos resultados da tabuada ou de manejo do algoritmo” (Silva et al., 2015, p. 744-745). Nessa perspectiva, a formalização e o domínio dos algoritmos poderiam se consolidar nos anos subsequentes. A ênfase de Silva et al. (2015) consiste em valorizar estratégias pessoais e originais de resolução sem necessariamente recorrer à formalização por meio do algoritmo e das contas ditas armadas.
Kamii (2015), na perspectiva de Jean Piaget, defende a inserção de situações de divisão em classes de primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. Para Nunes et al. (2005), mesmo os estudantes do primeiro ano do ensino fundamental já têm alguns conhecimentos prévios, intuitivos e espontâneos, acerca do campo conceitual das estruturas multiplicativas, muito antes desses conhecimentos lhes serem ensinados sistematicamente na escola.
Para Bessa e Costa (2019, p. 157):
Ao considerar diferentes modos de resolução as crianças são desafiadas a explorar a quantidade global envolvida. De forma intuitiva estão estabelecendo relações entre os termos da divisão e a análise do resto.
Vergnaud (1991) corrobora essa perspectiva e destaca o processo de construção em diversas situações que envolvem a multiplicação ou a divisão. Segundo o autor, esses conceitos adquirem sentido para as crianças, sendo que o domínio dessas concepções ocorre graças a elas mesmo, podendo ou não levar um longo período.
A perspectiva das operações aritméticas como um processo de construção é compartilhada por autores como Piaget e Szeminska (1981), Vergnaud (1991), Correa, Nunes e Bryant (1998), Piaget (2003), Moro (2005), Kamii e Joseph (2008), Fávero e Neves (2009), Lara (2011), Lara e Borges (2012), Bessa e Costa (2019), Schreiber et al. (2019), Santos e Bessa (2021), Becker (2021) e outros.
Embora muitos estudos apontem para essa aprendizagem intuitiva e construtiva da criança, as concepções hierárquicas e fragmentadas de currículo ainda impõem ações pedagógicas segmentadas na ideia de que a criança aprende a adição, depois a subtração e, em continuidade, a multiplicação e a divisão (Lara, 2011). Essas operações são formalmente ensinadas de maneira transmissiva (Kamii; Joseph, 2008). Com ênfase na memorização da tabuada, os estudantes resolvem algoritmos de forma mecânica e, quando apresentam dificuldades, seus professores propõem que sejam sanadas por meio de exercícios de treinamento (Lara, 2011).
Ao lidar com o ensino das operações aritméticas, verifica-se que os estudantes têm muita dificuldade com a multiplicação, mesmo com fluência na adição. Para Castro et al. (2016), com base na teoria dos campos conceituais, as operações de multiplicação e divisão exigem a compreensão de novos significados dos números e invariantes relacionados com as operações de multiplicação e divisão, e não somente com a adição e a subtração.
Essa mesma perspectiva foi apresentada por Gitirana et al. (2014) ao fazerem menção à continuidade entre as operações de adição quanto à estrutura, alegando que na adição verifica-se uma relação ternária e grandezas iguais, e a multiplicação envolve, em sua maioria, relações quaternárias. Perspectiva que é corroborada por Magina, Santos e Merlini (2014) com base na teoria de Vergnaud (1986, 1994, 2009), ao fazer referência ao Campo Conceitual Multiplicativo.
Existem diferenças quanto à abrangência dos campos conceituais e à natureza da operação de adição e multiplicação. Para Magina, Santos e Merlini (2014), o raciocínio aditivo, diferentemente do raciocínio multiplicativo, implica um único invariante operatório, correspondente à relação parte e todo, enquanto este último envolve duas quantidades de naturezas iguais ou distintas em uma relação constante.
Santos e Rodrigues (2019, p. 542), com o objetivo de averiguar estratégias usadas por estudantes do 3º ano para realizar cálculos multiplicativos, constataram que os estudantes utilizaram múltiplas estratégias, evoluindo de estratégias aditivas, “[...] a sequências de múltiplos, para estratégias multiplicativas, estabelecendo relações numéricas, e usando fatos básicos conhecidos e propriedades da multiplicação”.
Embora a adição seja uma condição necessária para chegar à multiplicação, Nunes, Carraher e Schliemann (2011, p. 19) chamam a atenção para as consequências de ensinar a multiplicação como se essa fosse uma adição repetida: “[...] quando ensinamos a multiplicação como adição repetida, essa experiência talvez torne mais difícil para os alunos diferenciar o raciocínio aditivo do multiplicativo”. Os autores alertam que até mesmo o que é espontâneo para a criança pode ser transformado num processo mecânico e destituído de compreensão.
Piaget (1995) admite que a multiplicação é bem mais complexa que a adição, ao exigir processos mais elaborados de coordenações entre os elementos, uma vez que a adição consiste na reunião de objetos, enquanto a multiplicação consiste em depreender o número de vezes. Vergnaud (2011) corrobora essa perspectiva e acrescenta que, ao realizarem a multiplicação, os estudantes elaboram operações de pensamento que implicam raciocínio sobre quantidades e grandezas.
Gómez-Granell (1983, p. 133) discute duas importantes aquisições quando se trata da multiplicação:
[...] uma delas é a possibilidade de o estudante constatar a presença do “operador multiplicativo”, o que lhe permitirá fazer antecipações do número “n” de conjuntos. [...] outra aquisição é a capacidade de realizar uma compensação exata entre as duas variáveis: “n” - número de vezes ou de conjuntos e “x” - número de elementos de cada conjunto [...].
A descoberta desse “operador multiplicativo” a que se refere Gómez-Granell (1983) é condição necessária, porém não suficiente, para que o estudante compreenda a multiplicação, porque comporta em sua conceitualização mecanismos oriundos da abstração reflexionante (Piaget, 1995) cada vez mais complexos. Becker (2021) esclarece que são as abstrações reflexionantes, resultantes da ação do sujeito, as quais permitem a construção da noção de número e que, uma vez interiorizadas, transformam-se em operações de soma e subtração, de multiplicação e divisão etc.
O “operador multiplicativo”, conforme mencionado por Gómez-Granell (1983), permite ao estudante antecipar o número do conjunto e a compensação do número de elementos de cada um. Quando o estudante utiliza o operador multiplicativo, simultaneamente utiliza estratégias de multiplicação e divisão para resolver as situações.
Metodologia
Este estudo empírico de natureza descritiva com fundamentos na educação matemática tem como objetivo investigar a compreensão de multiplicação de estudantes do 3º ao 5º ano do ensino fundamental e quais estratégias eles utilizam para resolver uma situação experimental envolvendo a operação aritmética de multiplicação. Foi constituída amostra aleatória com 81 estudantes, 41 de escolas públicas e nível socioeconômico baixo e 40 de escolas particulares de nível socioeconômico médio de cidade goiana. A idade dos estudantes variou entre 8 e 11 anos: 33 alunos com 8 anos, 23 alunos com 9 anos, 17 alunos com 10 anos e somente 8 alunos com 11 anos. Quanto ao gênero, foram 41 meninos e 40 meninas, sendo 25 estudantes do terceiro ano, 33 do quarto ano e 23 do quinto ano.
Como instrumento de avaliação das condutas de multiplicação, foi utilizada uma atividade experimental que requeria a utilização das operações aritméticas de adição, multiplicação e divisão, em que os estudantes deveriam manipular manualmente palitos. Essa investigação se restringe à análise da operação de multiplicação, mas indicando em que situações os estudantes utilizaram as demais operações ligadas diretamente à multiplicação como a adição e a divisão. Ao longo da atividade, foram utilizadas estratégias de contra-argumentação (Delval, 2002), a fim de entender a direção do pensamento do participante.
A aplicação da atividade fundamentou-se no método clínico. As perguntas foram feitas com adaptações necessárias ao contexto e à idade dos participantes e requeriam diferentes níveis de elaboração pelo estudante. Em algumas, o nível de informação disponível é investigado; em outras, busca-se a descrição de um processo e, ainda em outras, são solicitadas explicações conceituais que requerem maior elaboração por parte do estudante. Essa dinâmica de trabalho fundamenta-se no método clínico-crítico (Piaget 1926/1979), que consiste em uma intervenção sistemática do pesquisador em função do que o participante vai dizendo ou fazendo.
A resolução da atividade experimental permite investigar os níveis de compreensão de multiplicação do mais elementar ao mais complexo e tem como eixo orientador a multiplicação, mas permite ao estudante recorrer aos conhecimentos que já possui das operações de adição e divisão, uma vez que esses conhecimentos são interconectados, pois um único conceito matemático é insuficiente para elaborar um construto teórico.
A atividade está dividida em duas partes: entrega-se ao estudante uma quantidade de palitos (de picolé) e pede-se que ele faça o maior número de figuras com 2, 3 e 4 palitos respectivamente. A pesquisadora pergunta-lhe quantos palitos ele usou ao todo, como chegou àquele resultado e se havia outra maneira de descobrir o total de palitos. Após fazer essa atividade com 2, 3 e 4 palitos, é proposto ao estudante uma quantidade “x” de palitos (12, 15 e 18,) e pergunta-se quantas figuras diferentes ele pode fazer usando a mesma quantidade, sem sobrar nem faltar palitos. Uma vez concluída a proposta com 12 palitos, é realizado o mesmo procedimento com 15 e 18 palitos, respectivamente.
A atividade experimental foi adaptada de Zaia (2013), que organizou seis níveis de compreensão do mais elementar ao mais complexo: IA, IB, IIA, IIB, IIIA e IIIB.
Nível IA - O estudante não chega à consciência do número de vezes que pegou determinada quantidade de palitos para fazer figuras. O pensamento está centrado sobre os palitos de cada figura ou sobre a quantidade total, não coordena parte e todo. Não acredita que pode obter a mesma quantidade total a partir de figuras feitas com outras quantidades parciais.
Nível IB - Consegue tomar consciência do número de figuras feitas ou do número de vezes que pegou determinada quantidade de palitos, mas não acredita que com a mesma quantidade possa construir figuras de quantidades diferentes, sem sobrar ou faltar palitos. Realiza a maioria dos procedimentos por tentativa e erro.
Nível IIA - A multiplicação é parcialmente compreendida como adição de adições, não têm consciência da operação “n vezes x” (operador multiplicativo). Quando consegue obter a mesma quantidade total com apoio nas figuras, o faz por tentativa e erro, sem recorrer a antecipações mentais. Verifica-se o início da compensação necessária, embora intuitiva e qualitativa, pela qual se conclui que, para se obter com a mesma quantidade de palitos o maior número de figuras, é necessário que cada uma delas tenha menos palitos, ou que uma quantidade menor de figuras deve ter mais palitos cada uma.
Nível IIB - Antecipa composições possíveis, realiza cálculo mental, predomina procedimentos aditivos, ocasionalmente refere-se a procedimentos multiplicativos e, quando o faz, utiliza materiais como palitos, dedos, marcas de contagem e/ou outras representações pictóricas.
Nível IIIA - Utiliza procedimentos multiplicativos por cálculo mental e reconhece parcialmente os divisores de 12, 15 e 18 recorrendo à multiplicação.
Nível IIIB - Calcula mentalmente e simultaneamente com fluidez com base na multiplicação e divisão e reconhece os divisores de 12, 15 e 18 recorrendo à multiplicação e/ou à divisão.
Essa investigação seguiu os princípios éticos propostos em pesquisas com seres humanos e os procedimentos aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Goiás. A atividade experimental foi aplicada individualmente, após os pais ou responsáveis terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com a garantia de anonimato e confidencialidade das informações. A coleta de dados foi realizada em sala reservada pela equipe gestora das instituições. A duração da aplicação da entrevista individual foi de aproximadamente 30 minutos, no mês de setembro de 2019, com gravação em vídeo para transcrição e análise posterior da pesquisadora. Ao final da atividade experimental, realizou-se a transcrição literal da fala dos participantes em forma de protocolos, com registro minucioso, inclusive gestos, olhares e reações dos estudantes durante a atividade.
Resultados e discussão
A partir da transcrição dos dados, foi feita a classificação das respostas de acordo com os níveis apresentados por Zaia (2013). A Tabela 1 apresenta a distribuição dos níveis encontrados.
Níveis de compreensão de multiplicação | |||||||
IA | IB | IIA | IIB | IIIA | IIIB | ||
Participantes | N | 1 | 22 | 25 | 14 | 18 | 1 |
% do Total | 1,2% | 27,2% | 30,9% | 17,3% | 22,2% | 1,2% |
Fonte: Elaboração própria.
O nível mais elementar e o mais evoluído estão representados por somente um estudante. O nível IIA teve a maior representatividade com 25 (30,9%) estudantes, seguido do nível IB com 22 (27,2%), do nível IIIA com 18 (22,2%) e do nível IIB com 14 (17,3%) das crianças.
Para exemplificar os níveis de compreensão, seguem alguns excertos da atividade experimental que sinalizam o nível de compreensão de multiplicação do participante. Será utilizada a primeira letra do nome para proteger a identidade do estudante e a letra P para designar a pesquisadora.
Os excertos a seguir são do estudante S, do quarto ano, classificado no nível IB, de 10 anos, que estuda em uma escola pública e pertence ao NSE baixo.
Ao ser entregue a S uma quantidade de palitos, ele conseguiu fazer figuras com diferentes quantidades de 2, 3 e 4 palitos. Ao concluir figuras com 2 palitos, foi perguntado:
P: Quantas figuras você fez?
S: 5 [Olhou para as figuras e começou a contar pausadamente os palitos de um em um].
P: Quantos palitos você usou ao todo?
S: 10 palitos.
P: Como você fez para descobrir?
S: Contei de um em um.
P: Haveria outro jeito diferente desse?
S: Contar de 2 em 2
P: O menino lá da sua sala me disse que tem outro jeito de contar que seria 5 x 2 ou 2 + 2 + 2 + 2 + 2. Ele está certo ou errado?
S: Sim, porque dá 10 e aparece na tabuada. [Não soube explicar o porquê].
Foi proposto à estudante S que fizesse figuras com três e depois com quatro palitos. Em todas as situações, a estudante contava os palitos como se fossem unidades e não reconhecia a multiplicação como uma possibilidade; quando questionada sobre a multiplicação como outra forma de realizar o cálculo, afirmava que estava certa, mas não conseguia formular uma argumentação coerente. Teve dificuldade em fazer agrupamentos com 2, 3 e 4 palitos e recorria com frequência a procedimentos de tentativa e erro. Transformava a quantidade total de palitos em unidades, sem perceber a relação parte e todo, tinha dificuldade em realizar cálculo mental e preferia organizar os palitos de um em um para contá-los.
Após essa atividade inicial, foram entregues 12 palitos à estudante e foi solicitado a ela que os organizasse em distintas formas, de modo que não poderia nem faltar ou sobrar palitos. Teve dificuldade e agrupou os palitos de 2 em 2 (por sugestão da pesquisadora).
P: Quantas figuras você fez?
S: 6
P: Como você fez para descobrir que daria 6 figuras com 2 palitos cada?
S: Contei de 2 em 2.
Essa foi a primeira vez que a estudante fez menção à possibilidade de contar por agrupamentos; até então, para calcular o total, contava de um em um.
P: Daria para fazer outras formas diferentes, com outras quantidades sem sobrar ou faltar palitos?
Ficou olhando para os palitos, colocando-os de um e outro lado, num esforço de tentativa e erro, e foi formando agrupamentos de 3 palitos.
S: Vou conseguir fazer 6 figuras, menos que o anterior com dois palitos.
Fez quatro figuras com três palitos, reorganizou todos os palitos num único monte, recomeçou com quatro e afirmou que poderia fazer as figuras com 3 e com 4 palitos; houve uma tomada de consciência quanto aos agrupamentos.
P: você consegue utilizar 2, 3 e 4 palitos. Seria possível fazer figuras com 5 palitos sem sobrar ou faltar?
Nesse momento, começou a pensar e a manusear os palitos, tentando fazer novas formas.
S: Vou conseguir fazer 2 figuras e vai dar menos que o anterior, mas vai sobrar palitos porque 5 é maior do que 4.
A estudante utilizou a adição e a subtração com auxílio do cálculo mental, mas com muita dificuldade. Todo o sucesso obtido foi por tentativa e erro, pois ela não conseguiu ver a possibilidade da multiplicação nos palitos e nas formas, também não conseguiu saber quantas formas poderia construir sem sobrar ou faltar palitos e teve dificuldade em perceber o todo e as partes simultaneamente.
Ao acertar os divisores de 12, S fez relação com os números pares, pelo fato de 12 ser um número par, ou seja, parece que inferiu aleatoriamente, sem antecipação mental. Kamii e Joseph (2008) afirmam que estudantes que ainda não compreendem a relação numérica entre a parte e o todo tendem apenas a adicionar números, pois é muito complexo para eles pensarem ao mesmo tempo em dois totais. Logo, a criança transforma o todo em unidades, contando de um em um, como verificado no exemplo da estudante S.
Para Mantovani de Assis (2017), a posse da reversibilidade de pensamento ocorre quando a criança consegue ver o todo e as partes simultaneamente e, ao verificar uma transformação, consegue conservá-la, alcançando o pensamento reversível.
Embora S esteja no quarto ano, seus procedimentos estão aquém do 2º ano, conforme proposto na BNCC. Ela é capaz de juntar, acrescentar, separar e retirar, chega a utilizar o raciocínio aditivo, mas tem muita dificuldade em compreender o princípio multiplicativo. Essa estudante está incluída nos 27% dos estudantes desta investigação que estão no nível IB.
O Nível IIA é um nível intermediário, e nesta investigação foram encontrados 25 estudantes (30,9%) nesse nível, o que corresponde ao maior percentual. Segue o excerto do estudante M, de 10 anos, do NSE médio, que estuda em uma escola particular e está no quinto ano. Foram entregues a M os palitos, e ele fez 12 figuras de 2 palitos cada com rapidez e facilidade.
P: Quantas figuras você fez?
M: 12
P: Quantos palitos você usou ao todo?
M: 24 [Parou, olhou detidamente para os palitos e respondeu; não demonstrou dificuldade de responder].
P: Como fez para descobrir?
M: Na mente, contei antes de fazer as figuras.
P: Como?
M: Contei de 1 em 1.
P: Teria outro jeito de descobrir, diferente desse?
M: Contando de 2 em 2, ou assim: 2 - 4 - 6 - 8.
Ao realizar os agrupamentos com 2, 3 ou 4 palitos, M sempre mencionou as mesmas formas de calcular (contando de 2 em 2, 3 em 3 ou de 4 em 4). Antes de fazer as figuras, separava rapidamente os palitos conforme a solicitação em 2, 3 ou 4 e ia montando as figuras, mas sempre utilizando o procedimento aditivo, mesmo diante de contra-argumentos; chegou a reconhecer a operação de multiplicação, mas alegou que preferia usar a adição.
Na situação inversa, foram entregues 12 palitos a M e perguntado: Com esse tanto de palitos, quantas figuras diferentes você pode fazer usando a mesma quantidade, sem sobrar nem faltar palitos? Ele dividiu os palitos de 2 em 2, depois de 4 em 4 e resolveu usar 3 palitos para fazer as figuras:
P: Você tem certeza que usou o mesmo número de palitos em cada figura?
M: Tenho sim, porque eu separei 3 palitos para cada figura.
P: Quantas figuras você fez?
M: 4
P: Quantos palitos você usou ao todo?
M: 12 palitos.
P: Como fez para descobrir?
M: Contei antes e só depois separei os palitos para fazer as figuras.
P: Com seus palitos você poderia fazer figuras com outras quantidades em cada uma, sem sobrar, nem faltar? Por quê?
M: Dá com 2 ou 4, porque antes de fazer as figuras eu contei se dava, aí escolhi fazer com 3.
P: Com quantos palitos poderia fazer cada figura?
M: 2 ou 4.
Pelas respostas de M, verifica-se que ele utilizou o cálculo mental ao separar a quantidade de palitos para descobrir quantas figuras poderia montar. Fez menção a contar de 4 em 4 ou de 3 em 3, relacionou o todo e as partes, mas não se referiu à multiplicação, parece que ainda não descobriu a relação quantitativa “n vezes x”, a multiplicação parece ser compreendida como adição de adições. Descobriu dois divisores de 12 (2 e 4), mas não sentiu a necessidade de buscar os demais divisores.
Ao trabalhar com 15 palitos, M fez as formas por tentativa e erro; primeiro fez com 3 palitos, depois com 2, 4 e 5, e, ao tentar várias vezes, afirmou que poderia utilizar 3 e 5 palitos e que “assim seria melhor”.
P: Você tem certeza que usou o mesmo número de palitos em cada figura? Como você fez para descobrir?
M: Sim, separei os palitos e escolhi usar 3 palitos.
P: Quantas figuras você fez?
M: 5
P: Como fez para descobrir?
M: Contei os palitos 1 por 1 na cabeça.
P: Com seus palitos você poderia fazer figuras com outras quantidades em cada uma, sem sobrar, nem faltar?
M: Com 5 palitos, 4 e 2 não dá, sobram palitos, eu tentei, mas não deu.
P: Com quantos palitos poderia fazer cada figura? Por quê?
M: 5 palitos, porque não sobra palitos.
P: Você tem certeza que usou o mesmo número de palitos em cada figura? Como você fez para descobrir?
M: Sim, tenho 15 palitos, contei antes, procurando a quantidade certa, para fazer a figura sem sobrar.
Quando lhe foram entregues 18 palitos, ele fez como na quantidade anterior, pegou os palitos e os foi dividindo por 2, 3, 4, 5 e 6, concluiu que daria para fazer figuras com 2, 3 e 6 palitos, não chegou a perceber o 1, 9 e 18 como divisores. Utilizou esquemas de correspondência a fim de estabelecer a equivalência entre as partes, contudo, o fez de forma intuitiva e, quando solicitado a explicitar como havia chegado àquele resultado, alegava estar contando.
M utilizou o processo de distribuição dos palitos por 2, 3, 4 e assim sucessivamente. Esse procedimento é descrito por Correa, Meireles e Curvelo (2000, p. 13) como divisão partitiva, porque envolve quantidades contínuas:
[...] o aspecto partitivo da divisão aparece com maior frequência na vida diária das crianças, envolvendo principalmente a distribuição de determinada quantidade entre certo número de pessoas.
Para Bessa e Costa (2017), o aspecto partitivo da divisão é um tipo de conhecimento inicialmente intuitivo e espontâneo, progredindo para reelaborações mentais.
O maior percentual de estudantes desta investigação está nesse nível (IIA), no excerto de M do 5º ano de escola particular; verifica-se que seus procedimentos são intuitivos, ao utilizar com frequência a tentativa e erro. É possível que se fossem propostas representações fracionárias com números racionais, ou divisão com números racionais, conforme proposto na BNCC como componentes do 5º ano, esse estudante teria acentuada dificuldade.
Na perspectiva desenvolvimental de Davýdov, Rosa e Fontes (2022, p. 4) destacam que “[...] os conceitos sejam abordados a partir da revelação e modelação do núcleo conceitual no estudo das relações entre grandezas contínuas e discretas, na indissociabilidade entre aritmética, álgebra e geometria”. Nesse contexto, seria a “[...] inter-relação das significações aritméticas, algébricas e geométricas no movimento que envolve o geral, universal, particular e singular, a partir das relações entre grandezas discretas e contínuas (Rosa; Hobold, 2018, p. 388). Esse seria um movimento contrário à hierarquização da aritmética, da álgebra e da geometria apresentadas de forma fragmentada tão predominante no ensino brasileiro (Rosa; Fontes, 2022).
O terceiro nível ora descrito, com 14 (17,3%) estudantes, foi o IIB. Nesse nível, pode ser verificada uma compensação exata entre o “número de figuras, vezes número de palitos em cada figura”, e o estudante descobre a relação quantitativa “n vezes x”. Os estudantes não sentiram necessidade de recorrer à comprovação empírica, foram capazes de antecipar as composições possíveis, operando mentalmente, mas com predominância de procedimentos aditivos. Para uma figura cujo número de palitos corresponde a 4 figuras de 3, o estudante é capaz de afirmar que o processo envolvido corresponde a 3 + 3 + 3 + 3 (ou seja, utiliza procedimentos aditivos); indagado-se sobre outras formas de calcular, ou se houver um contra-argumento de multiplicação, é capaz de operar por procedimentos multiplicativos e afirma que pode ser 4 x 3; eventualmente utiliza suporte empírico como palitos, marcas de contagem, desenhos pictóricos ou os dedos, a fim de comprovar o pensamento, mesmo que seja para si mesmo.
Vejamos a seguir o excerto da estudante H, de 9 anos de idade, que está no quarto ano, estuda numa escola pública e é de nível socioeconômico baixo. Foram-lhe entregues os palitos, e ela rapidamente entendeu o que deveria fazer e foi produzindo as figuras com dois palitos, sem dificuldades. Montou 3 figuras de 2 palitos em 15 segundos.
P: Quantos palitos você usou ao todo?
H: 6 palitos.
P: Como você fez para descobrir?
H: Contei 2 x 3 = 6
Fez 4 figuras com 3 palitos. Quando perguntada como fez para descobrir, ela disse:
H: Fiz 3+3=6, 6+3=9, 9+3+12.
P: E teria outro jeito diferente desse?
H: 3 x 4
Com 4 palitos, H fez 4 figuras de 4 e utilizou novamente a adição afirmando que calculou 4 + 4 + 4 + 4, e a outra forma encontrada foi 4 x 4. Com segurança, utilizava a adição e a multiplicação.
Na segunda situação, foram-lhe entregues 12 palitos, ela os pegou e ficou pensando como se estivesse fazendo os cálculos mentalmente e começou a separar os palitos de 2 em 2 e a montar as figuras; montou 6 figuras de 2 palitos.
P: Você tem certeza que usou o mesmo número de palitos em cada figura?
H: Sim [contou novamente para ter certeza que tinha 12 palitos e 2 em cada figura].
P: Quantas figuras você fez?
H: 6 figuras de 2 palitos
P: Como fez para descobrir?
H: Contei para saber. É 6 x 2 = 12.
P: Com seus palitos você poderia fazer figuras com outras quantidades em cada uma, sem sobrar, nem faltar?
H: Sim, 2 figuras de 6 ou 6 figuras de 2, pode ser 2 x 6 ou 6 x 2.
P: Teria mais alguma figura com outras quantidades?
H: Não.
A estudante não encontrou os demais divisores de 12 (1, 3, 4 e 12). Ao receber 15 palitos, H rapidamente fez 3 figuras com 5 palitos e disse que sabia que tinha a mesma quantidade por que era 3 x 5; também admitiu que poderia ser 5 x 3, não percebeu que poderia utilizar 1 e 15 palitos, mesmo diante dos contra-argumentos. Com 18 palitos, a estudante fez agrupamentos com os divisores 2, 6 e 9 e fez menção a 2 x 9=18 ou 9 x 2=18 e 6 x 3 =18. Nesse momento, foi lançado o seguinte contra-argumento:
P: Uma garota de outra sala de sua idade me disse que daria para descobrir utilizando outro jeito, por exemplo, 18 dividido por 2 daria 9. O que você acha disso? Ela está certa ou errada?
H: Tá certa.
P: Por quê?
H: [Pensou algum tempo e respondeu] É difícil, melhor procurar a tabuada.
A estudante não recorreu aos dedos ou marcas de contagem para chegar ao resultado; eventualmente utilizou os palitos para confirmar o que estava fazendo, mas preferiu não utilizar a divisão como uma possibilidade de cálculo e não conseguiu visualizar todos os divisores de 12, 15 e 18. Na primeira parte da atividade, utilizou a adição e a multiplicação e parcialmente descobriu o papel do “operador multiplicativo”, fez a compensação exata entre o número de figuras vezes o número de palitos em cada figura, mas na segunda parte não conseguiu recorrer à divisão e preferiu utilizar a multiplicação. A opção por procedimentos aditivos ou multiplicativos denota conhecimento dessas operações e uma maior facilidade nos cálculos (Gómez-Granell, 1983).
Essa atividade favorecia o relacionamento entre a adição, a multiplicação e a divisão. Ao realizar o experimento, a estudante poderia recorrer à resolução utilizando os conhecimentos que já possuía sobre as outras operações; foi o que aconteceu com H, que usou a adição e a multiplicação com habilidade, mas teve dificuldade em relacioná-las com a divisão. A estudante demonstrou conhecimento e destreza com as operações e consciência da relação entre elas, mesmo que ainda incompleta.
No nível IIIA, foram encontrados 18 estudantes (22,2%). Nesse nível, constatou-se o uso frequente do cálculo mental e a percepção do “operador multiplicativo” descrito por Gómez-Granell (1983); contudo, os estudantes preferiram utilizar a divisão como um processo multiplicativo, diferentemente do nível IIIB, no qual utilizavam sem hesitação a divisão ou a multiplicação, num processo de reversibilidade de pensamento. Bessa (2017, p. 179) menciona que “[...] graças ao pensamento reversível o estudante consegue refazer o caminho inverso das operações e começa a construir conceitos, subordinando o pensamento imagístico, estático, ao pensamento operativo que agora opera sobre a realidade, transformando-a”.
Neste estudo, somente a estudante J, de 10 anos, NSE médio, do quinto ano de uma escola particular, conseguiu chegar ao nível IIIB. Ela foi capaz de compreender a operação “n vezes x” por antecipação mental, sem o auxílio de nenhum suporte empírico, e utilizou procedimentos multiplicativos por cálculo mental. A estudante encontrou todos os divisores de 12 (1, 2, 3, 4, 6, 12), de 15 e de 18, por cálculo mental, fazendo menção à multiplicação e à divisão sem nenhum suporte empírico. Constatou que a partir do todo - que é divisível - é possível obter partes iguais.
[...] ao trabalhar com uma variedade de situações-problema, explorando as relações (quaternária e ternária), os eixos (proporção simples e múltiplas, comparação multiplicativa e produtos de medidas) e, dentro de cada um deles, suas classes (um para muitos, muitos para muitos, configuração retangular etc.), o professor estará permitindo que seus estudantes formem de maneira sólida e expandam o Campo Conceitual Multiplicativo. (Magina; Santos; Merlini, 2014, p. 532).
Os estudantes utilizaram os procedimentos de adição, antes de recorrer à multiplicação, como dissertam Mendes, Brocardo e Oliveira (2013, p. 135): “[...] na aprendizagem da multiplicação importa desenvolver a passagem de um raciocínio aditivo para um multiplicativo que permita perceber, por exemplo, que 5 + 5 + 5 + 5 = 4 × 5 e, também, relacionar 4 × 5 com 5 × 4, 4 × 50 ou 20 ÷ 5”. Contudo, essa passagem não é um processo rápido, mas requer uma longa construção com diferentes processos de abstração (Piaget, 1995).
Realizou-se uma análise quantitativa dos dados utilizando como suporte o programa estatístico SPSS para o Windows, versão 22.0 (IBM/SPSS). Os níveis encontrados foram relacionados com as variáveis: idade, ano escolar (3º, 4º, 5º ano do ensino fundamental), nível socioeconômico (baixo e médio) e o gênero (masculino ou feminino). Para a pontuação das variáveis, foram utilizadas medidas de centro, dispersão e forma. Foi utilizado o teste Shapiro-Wilk para verificar a pressuposição de normalidade na distribuição da amostra. O teste paramétrico t Student foi realizado conforme apropriado. Para identificar o nível de relacionamento entre as variáveis contínuas (ano escolar, idade e nível de compreensão de multiplicação), foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. Para todos os tratamentos, adotou-se um nível de significância de 0,05.
O teste t Students para amostras independentes mostrou que não existem diferenças significativas entre os sexos (t (79) = 0,504,p>0,61). A média do sexo masculino foi de 3,29 (DP=1,23) e do sexo feminino foi de 3,43 (DP, 1,13). Homens e mulheres tiveram compreensão muito similar quanto à operação de multiplicação.
O nível socioeconômico foi avaliado pelo teste t Students, e os resultados mostraram que não existe diferença significativa (t (79) = 0,504; p>0,62). Com média de 3,29 (DP=1,23) para o nível socioeconômico baixo, e 3,43 (DP=1,13) para o nível socioeconômico médio, o índice foi muito similar ao encontrado quanto ao gênero.
Mantovani de Assis (2017), ao promover intervenção pedagógica com estudantes da educação infantil de diferentes níveis socioeconômicos, verificou que a proporção de estudantes que atingiram o estágio das operações concretas não aumentou em relação direta ao nível socioeconômico como era esperado. A autora concluiu que o nível socioeconômico aos quais os estudantes pertenciam não teve influência no progresso cognitivo e justifica o fato afirmando que a necessidade de conhecer é inerente às estruturas da inteligência, independentemente do nível socioeconômico.
A idade dos estudantes variou de 8 a 11 anos, com média de 9,0 (DP=1,01), e os estudantes mais velhos tiveram melhor compreensão de multiplicação. Os estudantes de 8 anos tiveram uma média de 3,12; os de 9 anos, uma média de 3,17; e dos estudantes de 10 anos a média foi de 4, mostrando uma pequena evolução em relação aos estudantes de 8 e 9 anos; contudo, a média dos estudantes de 11 anos foi de 3,50, ou seja, os mais velhos com média um pouco menor que os mais novos de 10 anos.
Quanto ao ano escolar cursado, a média foi de 3,36 (DP=1,17). Os estudantes do 3º ano tiveram uma média de 2,88 (DP=1,13); do 4º ano, a média foi de 3,21 (DP=1,02); e do 5º ano foi 4,09 (DP=1.12). Verifica-se uma evolução dos estudantes quanto ao ano escolar.
A fim de verificar a existência de associação entre o nível de compreensão de multiplicação, o ano escolar (3º, 4º e 5º anos) e a idade dos participantes, foi realizada a técnica da correlação de Spearman, que permite verificar a existência de correlação entre as variáveis.
Todas as variáveis se correlacionaram significativamente entre si (p <0,05), conforme pode ser verificado na Tabela 2. A idade se correlacionou positiva e fortemente com o ano escolar (ρ = 0,743; p<0,001), e o nível acadêmico se correlacionou positiva e fortemente com melhores níveis de compreensão de multiplicação (ρ = 0,389; p<0,001); algo semelhante foi verificado com a idade: estudantes mais velhos tiveram melhores níveis de compreensão de multiplicação. A correlação da idade com a compreensão de multiplicação foi positiva e moderada (ρ = 0,223; p<0,001). Conclui-se, pois, que estudantes do 5º ano e mais velhos tiveram melhores níveis de compreensão de multiplicação.
Níveis Noção Multiplicação | Idade | Ano Escolar | ||
Níveis Noção Multiplicação | Spearman's rho | - | ||
p-value | - | |||
Idade | Spearman's rho | 0.223* | - | |
p-value | 0.045 | - | ||
Ano Escolar | Spearman's rho | 0.389*** | 0.743*** | - |
p-value | < .001 | < .001 | - |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: * p < .05, ** p < .01, *** p < .001.
Estudos de Magina, Santos e Merlini (2014) encontraram resultados similares. As autoras analisaram o desempenho de estudantes de 3º e 5º ano na resolução de situações do campo conceitual multiplicativo e constataram que, do ponto de vista das estratégias, os estudantes do 5º ano utilizaram, preferencialmente, procedimentos multiplicativos, enquanto os do 3º, procedimentos aditivos.
Pesquisa de Spinillo, Lautert e Santos (2021) com estudantes de 3º e 5º ano em que as crianças eram solicitadas a resolver problemas de estrutura multiplicativa apresentou resultados similares para esses dois grupos de estudantes, desde que fosse considerado o papel facilitador da explicitação na resolução dos problemas.
Rosa e Fontes (2022) introduziram conceitos de multiplicação e divisão com 23 acadêmicas de um curso de Pedagogia, por meio de um experimento didático desenvolvimental ao longo de 15 encontros, considerando o ponto de partida, o processo de aprendizagem e o ponto de chegada. As autoras constataram que durante o experimento as estudantes chegaram ao algoritmo da divisão, mas só depois de compreenderem o que cada elemento significava, para que pudessem interpretar os problemas e elaborar corretamente o algoritmo.
Considerações finais
Considerando o proposto na Base Nacional Comum Curricular: educação é a base, os resultados foram aquém do proposto nesse documento, quanto ao ensino de matemática nos anos iniciais, e ao pressuposto de que os estudantes ao final do 5º ano fossem capazes de trabalhar com multiplicação e divisão com números naturais e racionais. Este estudo constatou que os estudantes investigados das escolas públicas e particulares dos níveis socioeconômicos baixo e médio estão aquém dessas habilidades. Somente uma estudante do 5º ano de escola pública, num universo de 81, foi capaz de compreender com fluência a multiplicação e a divisão, identificando os divisores de três números naturais com base na multiplicação, utilizando o cálculo mental e o pensamento reversível.
O grupo de estudantes de escolas públicas e particulares deste estudo tem acentuada dificuldade com a multiplicação e divisão com números naturais. Se os estudantes tiverem de trabalhar com número racionais em conformidade com a BNCC, é possível que tenham muitas dificuldades de aprendizagem e corre-se o risco de promover a exclusão de muitos estudantes que não conseguem atingir as expectativas curriculares. Se forem classificados quanto aos componentes curriculares propostos na BNCC, a maior parte dos estudantes desta investigação corresponderiam ao 2º ou 3º ano do ensino fundamental.
Alguns estudantes recorreram a procedimentos intuitivos e espontâneos de contagem com utilização de símbolos pictóricos, dedos ou a contagem das unidades nos palitos para resolver a atividade experimental. Os procedimentos dos estudantes incluíram preferencialmente procedimentos do tipo aditivo, utilizando esquemas como contar de 1 em 1, ou de 2 em 2, separar os palitos em agrupamentos e contar a partir das unidades ou do agrupamento; mediante contra-argumentos, reconheciam o princípio multiplicativo, mas preferiam utilizar o aditivo, deixando transparecer a dificuldade em utilizar os procedimentos multiplicativos. Esse resultado corrobora estudos de Moro e Soares (2006). A evolução dos procedimentos dos estudantes não ocorreu do mesmo modo para todos eles e somente uma estudante incluiu a divisão como estratégia de resolução da atividade. A complexidade da divisão representou muita dificuldade para os estudantes.
A evolução dos procedimentos dos estudantes foi orientada para o percurso em comum: adição, multiplicação e divisão, resultados similares já verificados em outras investigações, como as de Gómez-Granell (1983), Baek (2006), Kamii e Joseph (2008), Mendes, Brocardo e Oliveira (2013), Bessa e Costa (2017, 2019), Santos e Bessa (2021).
O gênero e o nível socioeconômico não foram bons preditores de melhores níveis de compreensão de multiplicação. O nível acadêmico e a idade apresentaram diferenças significativas. Os estudantes do 5º ano e ocasionalmente mais velhos se sobressaíram nas condutas mais evoluídas em relação aos estudantes do 3º e 4º ano.
Esses resultados demonstram a importância da compreensão da multiplicação, por ser uma operação complexa, que envolve processos cognitivos de abstração e requer estratégias pedagógicas que levem em consideração ideias e procedimentos que permitam aos estudantes compreender os vários significados dessa operação e suas implicações com as demais operações aritméticas. Como destacam Rosa e Fontes (2022), a organização do ensino da matemática requer a dissociabilidade das significações aritméticas, algébricas e geométricas e, segundo elas, a ausência de uma dessas significações redundaria na fragmentação do sistema conceitual.
Este artigo foca a compreensão da operação de multiplicação, com uma amostra restrita de estudantes, e necessita ser objeto de maiores investigações quanto aos processos cognitivos, conferindo amplitude à análise de intervenções pedagógicas.