Introdução
A política do Estado mínimo iniciada na década de 1970 e expandida a partir da década de 1980, nasce da crise do capitalismo pós-guerra, pregando a existência de um enxugamento das obrigações do Estado, muitas delas sociais. A proposta é transferir parte das atribuições do Estado para a iniciativa privada, partindo do princípio de que Estado é burocrático e caro. Assim, a busca é pela execução de políticas públicas de forma mais eficiente, eficaz e produtiva (BARROSO, 2005).
Juntamente a expansão do Estado mínimo, uma série de organismo internacionais ou transnacionais surgiram nessa esteira, com o intuito de assumir funções antes delegada ao setor público. Amaral (2010) cita, nesse contexto, três grandes organismos, como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) e a União Europeia (UE), dentre outras. O autor os coloca como grandes exemplos de instituições que criaram estratégias de controle e regulamentação da eficiência estatal, expandindo um projeto neoliberal de influência nas decisões públicas.
Nesse contexto, emerge a necessidade de desenvolver um projeto educacional que esteja relacionado às novas demandas dessa política mundial. Nascido da teoria do capital humano, o neoliberalismo, na área educacional, pregava a universalização de acesso à educação, a formação de indivíduos com capacidade de adaptabilidade, a mensuração da qualidade educacional por meio de indicadores de desempenho e a democratização das ações. No entanto, a “trajetória da democratização se revelou muito mais uma expansão quantitativa de matrículas em contextos escolares desiguais e empobrecidos” (POCHMANN; FERREIRA, 2016, p. 1243), o que potencializou as desigualdades e exigiu maior necessidade de políticas capazes de vencer esses obstáculos.
Essa nova política educacional pregava, portanto, uma lógica econômica no fazer pedagógico, caracterizado pela modernização do serviço educacional que adotava modelos de gestão empresarial para resultados, como resposta à busca da “qualidade” almejada (BARROSO, 2005; VIEIRA; PLANK; VIDAL, 2019).
Nessa conjuntura, nascem alguns princípios fundantes da atual prática educativa do mundo capitalista globalizado, como a ideia de educação para o desenvolvimento de competências, que ganha força no cenário de modernização. Dale (2003) argumenta que, atrelado a esses princípios, vem a necessidade de se construir mecanismos capazes de averiguar se as instituições sociais, e dentre elas as educacionais, respondiam ou não às novas demandas do mercado. Era preciso que eles fossem capazes de direcionar novas políticas e funções do novo modelo de Estado que passava de Estado-regulador forte, para um Estado-avaliador que pode ser definido como “uma forma de regulação híbrida que conjuga o controlo pelo Estado como estratégias de autonomia e autorregularão das instituições educativas” (AFONSO, 2001, p. 25).
As avaliações externas ganharam força nesse contexto, como o mecanismo do Estado-avaliador capaz de verificar se os gestores educacionais, professores e demais stakeholders ligados à essas instituições estavam ou não empenhados em criar estratégias para formar indivíduos capazes de responder às demandas sociais do mercado globalizado. Além disso, elas serviriam de parâmetros para o desenvolvimento de políticas de responsabilização ou accountability (AFONSO, 2000, 2001).
Para Borges (2003, p. 128) isso garantiria “a importância dos mecanismos de participação e do empowerment dos decisores locais” e, responderia ao “conjunto de falhas dos mecanismos democráticos mais usualmente aplicados para garantir a representação dos cidadãos e a responsabilização dos representantes eleitos”.
Esse mecanismo tomou corpo e rapidamente expandiu-se como política transnacional, ultrapassando fronteiras e chegando a inúmeros países que se incluíam em maior ou menor intensidade na lógica capitalista neoliberal. Cita-se, nesse contexto, vários exemplos de projetos que respondiam a essas demandas, como o Processo de Bologna (1999) e a criação, nos anos 2000, pela OCDE, do Programme for International Student Assessment (Pisa) que se expandiram para várias nações servindo de parâmetro para a mensuração da qualidade educacional (AMARAL, 2010).
Esses programas “estandartizados”, segundo Afonso (2014), visavam uma gradual hegemonia dos saberes educacionais vinculados às necessidades do mercado, desconsiderando saberes locais e específicos, em detrimento daqueles que atenderiam às demandas vigentes do neoliberalismo. Eles propunham enxugar currículos e criar programas educacionais mais ou menos homogêneos, em clara oposição aos sistemas avaliativos mais complexos que buscavam o entendimento dos processos educacionais como um campo de múltiplos fatores causais.
Na América Latina e no Brasil, a partir da década de 1990, influenciados pelas diretrizes avaliativas internacionais, surgem exemplos de mecanismos de avaliação externa que partilhavam de seus princípios. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é um exemplo salutar de programa de avaliação externa nacional brasileira que nasce nesse contexto. A partir dele, vários estados subnacionais criam seus próprios sistemas avaliativos, sendo o estado do Ceará um dos primeiros a criar, em 1992, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece).
É inegável que essas avaliações se estabeleceram como instrumento de acompanhamento da qualidade educacional, e a conjuntura evoluiu para um estágio em que elas são essenciais para essa função. No entanto, elas não podem ser usadas como únicos meios para esta mensuração, outros aspectos como formação e valorização dos professores, estrutura e entorno das escolas, gestão educacional, fatores econômicos e de vulnerabilidade social dos alunos e aspectos socioemocionais advindos das relações entre os sujeitos da escola, para citar alguns, precisam ser levados em consideração nessa análise (AFONSO, 2014; MACHADO; ALAVARSE; ARCAS, 2015; MUCHARREIRA et al., 2020).
Objetivo e Metodologia da Pesquisa
A partir da contextualização apresentada, que coloca as avaliações externas como instrumentos de mensuração da qualidade educacional proposta pelo mercado globalizado, esse artigo tem o objetivo de analisar dados advindos dos resultados das avaliações externas como o Saeb e o Spaece aplicadas na educação do Ceará e como esses servem de base para a determinação de políticas de accountability.
Para isso, foi realizada a análise dos dados quantitativos resultantes do Saeb de 2017 e do Spaece entre os anos de 2012 a 2018, no ensino médio, da rede pública estadual cearense. Além disso, foram analisados os resultados das cinco escolas de ensino médio com os melhores resultados educacionais em comparação com as cinco que apresentaram os resultados mais baixos nas edições de 2012 e 2018 da avaliação cearense, buscando contextualiza-las em termos de modalidade educacional que ofertam, das comunidades onde se encontram, suas vulnerabilidades e se houve melhoria ou não dos índices educacionais. Os nomes das escolas foram suprimidos por razões éticas, e substituídas por letras, mantendo a identificação de qual modalidade elas atendem.
A pesquisa usou os dados do Saeb disponibilizados na página eletrônica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Spaece na página eletrônica da Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC/CE).
A metodologia utilizada para a pesquisa buscou se nortear pelos princípios dos paradigmas humanos críticos e construtivistas. Para Guba e Lincoln (2004) e ressaltado por Consaltér e Fávero (2019) isso ocorre na medida em que a pesquisa não se detém unicamente na exposição “fria” dos dados, mas propõe reflexões sobre a influência social, política, cultural e histórica que culminou com os resultados encontrados. Além disso, esse método utilizado coloca as conclusões dessa pesquisa em contextos de relativização de saberes, porém, sem perder a noção de que eles podem ser generalizados, servindo de espelhos para outros contextos sociais que se assemelham ao estudado e dando margem a novas indagações que geram novas pesquisas e, com isso, aprofundam e lapidam o conhecimento dessa realidade (JOHNSON; ONWUERGBUZIE, 2004; TALEBIAN; VAISI; ELLAHI, 2020).
Nesse aspecto, ressalta-se que todo o conhecimento, principalmente àquele fruto das pesquisas em ciências sociais, são construídos com o máximo possível de imparcialidade, sem, no entanto, consegui-la por completo, pois os próprios sujeitos da pesquisa (nesse caso específico, pesquisadores e instituições), influenciam nas análises a partir das suas visões críticas do mundo e nas suas próprias formações culturais e acadêmicas. Sendo assim, mesmo se fundamentando de dados, caracterizando uma pesquisa quantitativa, as análises realizadas foram de cunho qualitativo e estruturaram-se no paradigma do pragmatismo social (SAMPIERI; CALLADO; LUCIO, 2010).
O Saeb como instrumento de avaliação da educação brasileira
Como já mencionado, o surgimento e a expansão das avaliações em larga escala estão diretamente relacionados com a crise do estado regulador. Na América Latina, no Brasil e em muitas de suas unidades subnacionais as avaliações externas e suas políticas de responsabilização ganharam força a partir da década de 1990.
Nesse contexto, é criado o Saeb em 1992 e quatro anos mais tarde, ele é legalmente instituído no art. 9º, inciso VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394 de 20 dezembro de 1996 (LBD 9394/96) que propõe a criação de um sistema de avaliação nacional com o objetivo de definir prioridades para a melhoria da qualidade do ensino (BRASIL, 1996).
Aplicado bianualmente, sempre nos anos ímpares, o Saeb, durante sua vigência até sua última edição em 2019, foi objeto de inúmeras modificações que procuraram adequar o exame ao que propunha as diretrizes internacionais do Estado-avaliador. Para Bonamino e Sousa (2012, p. 375), o Saeb em uma primeira fase, pode ser caracterizado como avaliação de primeira geração, pois possui “caráter diagnóstico da qualidade da educação ofertada no Brasil, sem atribuição de consequências diretas para as escolas e para o currículo”. Nesse estágio inicial, se propunha a avaliar de forma amostral, apenas algumas séries do ensino fundamental e, segundo nomenclatura criada por Carnoy e Loeb (2002), pode ser definido como uma avaliação low stakes ou de responsabilidade branda.
Em 1995, o SAEB adotou, como metodologia para elaboração das provas, a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Para Sousa (2019) essa mudança é importante, pois promoveu a possibilidade de se comparar a avaliação de forma longitudinal, mesmo quando o teste usado e o público avaliado eram diferentes de uma edição para outra. Em 1997 a avaliação é realizada a partir da construção de uma matriz somativa de referência curricular mínima e em 2001 passa a avaliar apenas as disciplinas de Língua Portuguesa (LP) e Matemática (MT). Em 2005 uma nova modificação é implementada no Saeb, pela Portaria Ministerial nº 931, que cria duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb), que mantinha as mesmas características do exame para preservar a série histórica e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), mais conhecida como Prova Brasil, que passou a ser censitária para as escolas públicas (SANTOS; FERREIRA; SIMÕES, 2019).
Essa última mudança é significativa, pois a Prova Brasil marca a passagem do SAEB da primeira para uma segunda geração de avaliação externa, caraterizada pela divulgação dos resultados até o nível de escolas, apesar de não trazer consequências materiais para elas, continuando como avaliação low stakes (BONAMINO; SOUSA, 2012).
As mudanças implementadas no Saeb vão dar suporte à criação, em 2007, do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), um indicador composto pelos resultados de desempenho dos estudantes no Saeb com as médias das taxas de aprovação das séries componentes da etapa da educação básica avaliada. Esse indicador vai permitir que sejam projetadas metas a serem alcançadas para cada extrato selecionado. Em 2017, em nova modificação, o Saeb passou a avaliar a 3ª série do ensino médio de forma censitária.
Afonso (2014) aponta uma série de objetivos que são imputados às avaliações em larga escala nesse novo modelo de Estado-avaliador, como a governança pelos números e evidências, o controle “hiperburocrático” sobre a gestão das escolas e a didática dos professores, a comparabilidade e ranqueamento entre instituições e sistemas de ensino e a descentralização na resolução dos problemas encontrados, que deveriam ser imputados aos governos, passando aos gestores das escolas, professores e suas comunidades. O Saeb associado ao Ideb, portanto, se alinha com a perspectiva posta pelo Estado-avaliador.
Nos entes federados subnacionais (estados e municipalidades) começam a surgir inúmeras avaliações externas com o intuito de aumentar o poder regulador do Estado, forçando a instauração de políticas mais ou menos hegemônicas que pudessem responder as demandas da globalização em curso. A grande maioria delas representa a terceira geração de avaliações, com caráter high stakes, ou seja, “contemplando sanções ou recompensas em decorrência dos resultados de alunos e escolas” (BONAMINO; SOUSA, 2012, p. 375) e incluindo normas legais a partir do cumprimento ou não, de metas pré-estabelecidas, fundamentando fortes políticas de accountability.
Machado, Alavarse e Arcas (2015) apontam que em 2015 apenas sete estados federados brasileiros não possuíam avaliação externa própria. E em pesquisa recente, Scheider (2017) aponta que 26 estados possuíam políticas de accountability associados aos resultados de avaliações externas. Bauer et al. (2017), em pesquisa realizada junto aos municípios brasileiros, informa que 1.573 de um total de 4.309 respondentes, apontam a elaboração de sistemas próprios de avaliação, e apesar das regiões Sudeste e Sul apresentarem a maior quantidade relativa de municípios que adotam essa estratégia (respectivamente, 83,6% e 82,5%), ela está presente em municipalidades de todas as cinco regiões brasileiras.
O Ceará e os resultados no Saeb
O estado do Ceará situa-se na região nordeste do Brasil, sendo considerado uma unidade federativa pobre com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,682 em 2010, bem abaixo da média nacional brasileira que, no mesmo ano, foi de 0,727. Isso colocou o estado na 17ª posição entre os vinte e seis estados e o Distrito Federal, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indica que, em 2010, a renda per capita no estado era de R$ 552,72 e a porcentagem de pobres e extremamente pobres era de, respectivamente, 22,33% e de 8,41%.
Mesmo nesse contexto social desfavorável, a educação pública cearense despontou positivamente no cenário nacional. Os resultados de aprovação e da última edição divulgada do Saeb/Ideb 2017 para o ensino médio estão demonstrados na tabela 1.
Resultados do Saeb, Aprovação e Ideb | Ceará | Nordeste | Brasil |
---|---|---|---|
Proficiência Língua Portuguesa Ensino Médio | 259,3 | 249,9 | 259,5 |
Proficiência Matemática Ensino Médio | 259,1 | 250,4 | 259,4 |
Taxa de Aprovação Ensino Médio | 88,2 | 81,6 | 81,4 |
Ideb do Ensino Médio | 3,8 | 3,3 | 3,5 |
Fonte - INEP/MEC. Elaboração própria.
Pela análise da tabela percebe-se que o estado do Ceará está abaixo apenas 0,2 na escala de proficiência em relação à média Brasil em LP, e quase 10,0 pontos acima em relação à média da região Nordeste. Quando os resultados analisados são da disciplina de MT, eles mostram que o estado cearense está a 0,3 pontos abaixo da média do Brasil e 9,3 pontos acima da média da região Nordeste. Os resultados de aprovação do estado são superiores em 6,6 e 6,8 pontos percentuais, respectivamente, a média nordestina e brasileira.
Quando o resultado avaliado é o do Ideb, o Ceará está acima 0,3 e 0,5 pontos, respectivamente, da média Brasil e região Nordeste, colocando o estado em quarto lugar no ranking nacional, atrás dos resultados dos estados do Espírito Santo, Goiás e Pernambuco. Os dados mostram que a rede pública estadual cearense está entre as de melhor resultados no Brasil, indicando melhoria da aprendizagem em conjunto com o aumento do fluxo escolar.
O Spaece e os resultados do Ceará
O Spaece nasce em 1992 e possui alinhamento metodológico e de objetivos com o Saeb. Segundo Magalhães Junior e Farias (2016) o Spaece, assim como o Saeb, passou por inúmeras modificações nesses quase trinta anos de existência, sendo que sua institucionalização se dá em 2000, pela Portaria nº 101 de 15 de fevereiro de 2000 (CEARÁ, 2000).
Hoje, avalia anualmente, de forma censitária, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, os alunos regularmente matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental (5º ano), séries finais do ensino fundamental (9º ano), ensino médio (3ª série) e educação de jovens e adultos (EJA) fundamental e médio, da rede pública estadual e das redes municipais de todos os 184 municípios cearenses. Além disso, o Spaece avalia o grau de alfabetização dos alunos regularmente matriculados no 2º ano do ensino fundamental das redes citadas, e é denominado de Spaece-Alfa.
O Spaece visa a construção de parâmetros para mensurar as políticas públicas cearenses, a nível de rede, escola e alunos. Atrelado a isso, a Lei 15.923 de 15 de dezembro de 2015, e regulamentada pelo Decreto 32.079/2016, que institui o prêmio Escola Nota Dez, visa bonificar escolas da rede pública municipal a partir do seu desempenho na avaliação (CEARÁ, 2015, 2016a). Além do prêmio Escola Nota Dez, a lei 16.448, de 12 de dezembro de 2017, conhecida como Foco na Aprendizagem, prevê bonificação salarial aos professores e funcionários das escolas estaduais que atingirem as metas propostas a partir dos seus resultados (CEARÁ, 2017). Isso caracteriza a utilização da avaliação em políticas de accountability fortes, responsabilizando gestores e educadores e atrelando bonificações aos resultados das escolas.
O resultado do Spaece baseia-se numa escala de proficiência que classifica os alunos em níveis crescentes de aprendizagens. No ensino médio (3ª série) a escala classifica os alunos, as escolas e a rede avaliada nos seguintes níveis: a) em LP - proficiências abaixo de 225 são muito críticas, de 225 até abaixo de 275, são críticas, de 275 até abaixo de 325 são intermediárias e de 325 acima são adequadas; b) em MT - proficiências abaixo de 250 são muito críticas, entre 250 até abaixo de 300, são críticas, entre 300 até abaixo de 350 são intermediárias, e de 350 acima são adequadas (CEARÁ, 2018). A Lei Foco na Aprendizagem em seu artigo 1º prevê bonificação pecuniária “aos integrantes do quadro funcional de até 50 (cinquenta) escolas de ensino médio da rede estadual de ensino do Ceará” (CEARÁ, 2017), com base nos resultados do Spaece.
Para se conseguir a bonificação a escola precisa cumprir as metas estabelecidas pela SEDUC/CE, através dos resultados do Índice de Desenvolvimento do Ensino Médio (IDE-Médio), um indicador semelhante ao Ideb, e composto pelos resultados de proficiência do Spaece atrelados à média de aprovação das séries componentes do ensino médio, e pelo Índice de Alcance das Metas (IAM), um outro indicador que leva em consideração a modalidade e atendimento das escolas de ensino médio. Além disso a Lei 16.144 de 07 de dezembro de 2016, prevê no parágrafo único de seu artigo 1º a premiação com um notebook ou tablet aos alunos que conseguirem proficiência adequada em LP e MT no Spaece (CEARÁ, 2016b).
Essas características descrevem uma avaliação de terceira geração em formato high stakes, atrelando bonificações e premiações, respectivamente, aos funcionários e aos alunos regularmente matriculados, a partir dos seus resultados. Uma das consequências negativas possíveis da política de bonificação para escolas, é que elas foquem em ações procedimentais voltados para “o teste”, o que leva a um estreitamento curricular, e a desconsideração de aspectos importantes do currículo e do contexto escolar (BONAMINO; SOUSA, 2012).
O gráfico 1 traz os resultados no ensino médio entre 2012 e 2018.
Ao analisar o gráfico 1 percebe-se que, apesar de em ambas as disciplinas haver certa oscilação de um ano para outro, se evidencia uma tendência de crescimento dos resultados. Num período de seis anos, em LP, a proficiência aumentou vinte pontos na escala, enquanto em MT o aumento foi ligeiramente menor, correspondendo a 11,8 pontos. Não houve, no período em questão, e em nenhuma das duas disciplinas, uma mudança no nível de proficiência médio do estado, ambas iniciaram em 2012 no padrão crítico de proficiência, e chegaram em 2018 ainda no mesmo nível.
A seguir analisou-se os dados dos grupos de escolas com maior e menor desempenho. Para isso, as escolas foram renomeadas de acordo com a oferta de ensino médio que oferecem em: escolas em tempo parcial, escolas em tempo integral não profissionais (aqui denominadas de escolas em tempo integral), escolas em tempo integral profissionais (aqui denominadas de escolas profissionais) e colégios militares. Ressalta-se que o artigo nº 12 da Resolução nº 4 do CNE/CEB de 13 de junho de 2010, classifica as escolas com menos de sete horas/aulas diárias, como escolas em tempo parcial, e aquelas com sete ou mais horas/aulas diárias, como escolas em tempo integral (MEC/CNE, 2010). Excluiu-se dessa análise, para aumentar a comparabilidade e por conta de suas especificidades em temos de currículos, horários e calendários letivos, as escolas indígenas, do campo, quilombolas e institutos especializados.
MAIORES RESULTADOS EM LÍNGUA PORTUGUESA | |||||
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2012 | 2018 | ||||
Escola | Proficiência | Nível | Escola | Proficiência | Nível |
Colégio Militar A | 321,9 | Intermediário | Escola Profissional D | 336,5 | Adequado |
Escola Profissional A | 319,7 | Intermediário | Colégio Militar A | 333,8 | Adequado |
Colégio Militar B | 318,9 | Intermediário | Escola Profissional A | 328,9 | Adequado |
Escola Profissional B | 308,3 | Intermediário | Escola Profissional E | 328,8 | Adequado |
Escola Profissional C | 307,0 | Intermediário | Escola Profissional C | 324,3 | Intermediário |
MENORES RESULTADOS EM LÍNGUA PORTUGUESA | |||||
2012 | 2018 | ||||
Escola | Proficiência | Nível | Escola | Proficiência | Nível |
Escola Tempo Parcial A | 218,1 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial F | 237,1 | Crítico |
Escola Tempo Parcial B | 217,2 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial G | 236,1 | Crítico |
Escola Tempo Parcial C | 211,2 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial H | 234,7 | Crítico |
Escola Tempo Parcial D | 202,3 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial C | 233,6 | Crítico |
Escola Tempo Parcial E | 197,2 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial I | 230,0 | Crítico |
Fonte - CAEd/UFJF. Elaboração própria.
A análise da tabela 2 permite perceber que, das cinco escolas com os melhores resultados de proficiência média em LP em 2012, três continuam no grupo das cinco melhores em 2018 (o colégio militar A e as escolas profissionais A e C). Mesmo variando a posição dentro do grupo, todas elas conseguiram avançar as suas proficiências no intervalo de seis anos analisado. No entanto, apenas no colégio militar A e na escola profissional A, esse crescimento veio acompanhado da mudança de nível (mudaram do nível intermediário para o adequado). A escola profissional C, mesmo sem ter mudado de nível, apresentou o maior crescimento no período, avançando 17,3 pontos. É importante destacar que nesse grupo, em nenhum dos anos analisados, aparecem escolas em tempo parcial ou em tempo integral. Cabe ressaltar que a implantação da política de educação em tempo integral para escolas não profissionais é recente no Ceará, e começou a partir de 2016, o que pode ter influenciado no não aparecimento desse grupo no estrato estudado.
Quando se compara os dois grupos de escolas com menores proficiências, observa-se que não há a mesma homogeneidade apresentada nos grupos de maiores proficiência, pois apenas uma, dentre todas, está no grupo inferior de proficiência em 2012 e em 2018, a escola em tempo parcial C, cujo crescimento foi de 22,4 pontos. É importante ressaltar que mesmo a escola em tempo parcial C não saindo do grupo inferior, ela teve um crescimento 30% maior que aquela que mais cresceu no grupo de maior proficiência. Em 2012, o grupo com piores resultados era formado por escolas no nível muito crítico, enquanto em 2018, as escolas desse grupo apresentam-se todas no nível crítico.
Esses dados são relevantes e mostram como o simples ranqueamento das escolas com base unicamente nos resultados das avaliações externas podem esconder o esforço que as instituições fazem na melhoria da qualidade educacional, pois, mesmo tendo um crescimento maior que aquele apresentado no grupo de escolas com maior desempenho, a escola em tempo parcial C permanece no grupo daquelas com menores resultados. Outro fato a se ressaltar é o esforço empreendido pelas escolas com resultados inferiores, pois, mesmo ainda sendo as de menor resultados, todas progrediram em sua proficiência a ponto de mudarem de nível.
As desigualdades se revelam quando se compara as proficiências da escola com a maior proficiência com aquela de menor proficiência. Em 2012, a maior proficiência era cerca de 64% maior quando comparada a de menor proficiência, o que representava uma diferença de 124,7 pontos na escala. Quando analisamos o mesmo dado em 2018, percebe-se que essa diferença cai para 46%, ou seja, 106,5 pontos na escala. Ou seja, percebe-se que houve um leve achatamento das distâncias entre as escolas na casa de 18,2 pontos, cerca de 2,6 pontos ou 2,25% em média por ano. Em virtude disso, é importante ressaltar o esforço que as escolas de menor resultado estão fazendo para a melhoria da qualidade educacional, por isso, torna-se essencial conhecer outras ações além dos resultados das avaliações externas que possam ter contribuído para essa melhoria.
Em MT as análises podem ser verificadas na tabela 3.
MAIORES RESULTADOS EM MATEMÁTICA | |||||
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2012 | 2018 | ||||
Escola | Proficiência | Nível | Escola | Proficiência | Nível |
Escola Profissional F | 360,4 | Adequado | Escola Profissional A | 403,1 | Adequado |
Escola Profissional A | 357,0 | Adequado | Escola Profissional D | 383,3 | Adequado |
Escola Profissional G | 355,3 | Adequado | Escola Profissional H | 372,7 | Adequado |
Colégio Militar B | 351,8 | Adequado | Escola Profissional I | 369,7 | Adequado |
Colégio Militar A | 349,6 | Intermediário | Escola Profissional C | 369,4 | Adequado |
MENORES RESULTADOS EM MATEMÁTICA | |||||
2012 | 2018 | ||||
Escola | Proficiência | Nível | Escola | Proficiência | Nível |
Escola Tempo Parcial J | 227,7 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial N | 239,5 | Muito Crítico |
Escola Tempo Parcial K | 227,1 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial O | 239,1 | Muito Crítico |
Escola Tempo Parcial L | 226,8 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial P | 238,5 | Muito Crítico |
Escola Tempo Parcial E | 225,1 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial Q | 238,1 | Muito Crítico |
Escola Tempo Parcial M | 224,6 | Muito Crítico | Escola Tempo Parcial R | 236,4 | Muito Crítico |
Fonte - CAEd/UFJC. Elaboração própria.
Das cinco escolas com maiores proficiências em 2012, apenas uma delas - a escola profissional A - permanece no grupo em 2018. De um modo geral, ao se comparar a maior proficiência de 2012 com a maior de 2018, percebe-se um salto de 42,7 pontos, o que representa 12% de crescimento. Há, portanto, uma caminhada positiva das escolas da rede, o que se confirma ao comparar a proficiência da escola profissional A, que cresceu 46,1 pontos no intervalo estudado, classificando-a como a de melhor resultado em 2018.
Quando se analisa o grupo das cinco escolas com menores resultados, percebe-se uma variação ainda mais acentuada, pois nenhuma do grupo em 2012 está presente em 2018. Há, no entanto, um deslocamento positivo na escala de proficiência, pois ao comparar a menor proficiência em 2012 com a menor de 2018, percebe-se um crescimento de 11,8 pontos, o que representa 5% de crescimento. Porém, isso representa menos da metade do crescimento ocorrido com as escolas de maior proficiência, o que levou a todas as escolas de 2018 a permanecerem no nível muito crítico, o mesmo de 2012.
A diferença de proficiência entre a escola de maior e a de menor resultado em 2012 é de 135,8, o que significa uma diferença de 61%. Esse distanciamento cresce para 166,7 pontos, ou seja, 70% de diferença em 2018. Nota-se aqui que houve um aumento das distâncias entre as escolas de maior e menor resultado. Isso permite concluir que houve um aumento da desigualdade entre elas, levando a questionar a ideia de igualdade de oportunidades educacionais para os estudantes de uma mesma rede escolar pública.
É importante ressaltar que em ambas as disciplinas a maioria das escolas que formam os grupos de melhores desempenhos, são de ensino médio integrado a educação profissional, e que não existe, nos grupos de menores desempenhos nenhuma escola dessa modalidade de ensino. Alguns fatores podem influenciar nesse achado, como: o Índice de Complexidade da Gestão (ICG), o tempo de permanência do aluno na escola, o processo seletivo de admissão de alunos e a estrutura pedagógica ofertada, dentre outros.
Segundo dados disponíveis da página eletrônica do Educacenso, as escolas de ensino médio integradas à educação profissional, tem em média um Índice de Complexidade da Gestão (ICG) menor que os das outras escolas, pois atendem a apenas uma modalidade de ensino (ensino médio regular), enquanto que outras escolas podem atender a várias etapas e modalidades de ensino (ensino médio regular, ensino fundamental, educação de jovens e adultos, dentre outras). Isso favorece as escolas profissionais pois os educadores que nelas atuam, possuem foco em desenvolver e acompanhar ações estratégicas de melhoria. Para Vitelli, Fritsch e Corsetti (2018) o ICG, apesar de carecer de outros fatores para aumentar a confiabilidade do indicador, pode apontar para a maior dificuldade em gestões de escolas mais complexas.
Além disso, segundo informação disponível na página eletrônica da SEDUC/CE, as escolas de ensino médio integrado à educação profissional da rede pública cearenses são todas em tempo integral, desenvolvendo atividades pedagógicas durante, em média, nove horas diárias. No entanto, o simples aumento do tempo de permanência pode não significar necessariamente aumento da melhoria da aprendizagem. Apesar da maior permanência do aluno contribuir para as atividades de ensino, o que vai contar decisivamente é a qualidade das ações pedagógicas. Souza e Charlot (2016), Gawryszewsk (2018) e Maciel, Silva e Frutuoso (2019) argumentam que há que se diferenciar educação em tempo integral de educação integral. Para os autores a educação integral favorece o desenvolvimento de ações mais concretas na melhoria dos fatores socioemocionais e cognitivos dos alunos, impactando diretamente no seu aprendizado, e que o tempo integral pode favorecer essa estratégia. Estudos realizados pelo Pisa (OCDE, 2011) corrobora as afirmativas anteriores e aponta que não é o tempo do aluno na escola que melhora o seu desempenho, mas sim a qualidade das aulas que ele tem. Porém, é importante ressaltar que, para além das ações pedagógicas, o maior tempo de permanência do aluno na escola o afasta de fatores de vulnerabilidade social como a violência e as drogas, o que pode contribuir significativamente para o seu desempenho escolar.
Além do tempo de permanência, as escolas profissionais cearenses, obedecendo a política da SEDUC/CE realiza processo seletivo para admissão desses alunos no ensino médio. Esse processo envolve a análise de seu rendimento no ensino fundamental e entrevista com o aluno e seus responsáveis. Isso coloca a escola profissional em um patamar diferenciado, visto que tem a possibilidade de admitir apenas alunos que já apresentem um determinado desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, ela atua de forma excludente, utilizando mecanismos associados à meritocracia. Alves et al. (2015) argumentam, a partir de pesquisa com escolas de periferia de São Paulo, que essa prática discrimina e penaliza normalmente àquelas famílias em maior vulnerabilidade e de maiores necessidades socioeconômicas e culturais, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais, pois favorecem alunos com cognição mais desenvolvida.
Para finalizar, um último fator a ser levado em consideração é que as escolas profissionais trabalham na perspectiva de desenvolver competências e habilidades cognitivas que vão além daquelas propostas pelo ensino médio regular, visando o desenvolvimento também de competências específicas para o exercício de uma profissão (SILVA; RAMOS, 2018). Segundo informações disponíveis na página eletrônica da SEDUC/CE, a maioria das escolas profissionais cearenses ofertam, em média, três cursos técnicos de nível médio que preparam o aluno para a inserção no mercado de trabalho ao final do ensino médio, o que pode justificar maior empenho do estudante e de suas famílias no esforço para se qualificar. Além disso, nessas escolas há oferta de três refeições diárias, o que pode contribuir significativamente para um maior desempenho desses alunos.
Isso leva a inferir que a rede pública de escolas de ensino médio integrado à educação profissional no Ceará se constitui num conjunto diferenciando de escolas no interior da rede escolar que, por possuir características especificas relacionadas a processos de admissão dos alunos, carga horaria discente, modelo de gestão, trabalho docente, atendimento em programas suplementares diferenciados aos alunos, como três refeições por dia, desenvolvimento de projetos pedagógicos, etc., consegue obter avanços expressivos nos indicadores de aprendizagem nas avaliações de larga escala. Elas estão sendo responsáveis pelo aumento de desigualdade interna na rede estadual de ensino e pela criação de um cluster de equipamentos escolares diferenciado, colocando sob escrutínio o direito à educação de qualidade previsto na Constituição Federal de 1988.
Análises Conclusivas
As análises das políticas de avaliação externas não podem ser desvinculadas das premissas adotadas pelo modelo de Estado-avaliador, na medida em que essas contribuem para o enxugamento das funções do estado, principalmente nas áreas sociais, e para a adequação da formação dos alunos às demandas impostas pelo mercado globalizado.
Essas políticas avaliativas tendem a um encurtamento das dimensões curriculares, deixando de avaliar outros campos dos saberes humanos que também são importantes para o desenvolvimento emancipatório das crianças e jovens. Por conta disso, há a necessidade crescente de aumentar as variáveis a serem avaliadas na mensuração da qualidade educacional.
Em virtude disso, avaliações como o Saeb, ou o Spaece, tendem a reduzir e instrumentalizar o conceito de qualidade educacional, visto que se restringem a avaliar uma parte mínima do currículo e justificar os ganhos ou perdas apenas com uma visão parcial dos sistemas educacionais.
É importante frisar que a educação cearense tem avançado, os dados mostram que tanto no Saeb quanto no Spaece há um crescimento dos resultados da rede pública estadual. O Spaece aponta também, crescimentos no desempenho das escolas, tanto em Língua Portuguesa quanto em Matemática, mesmo levando em consideração escolas em estratos diferentes de desempenho. No entanto, a velocidade desse crescimento entre os grupos de escola ainda é preocupante, principalmente em Matemática, visto que, se esse comportamento permanecer, as desigualdades entre elas tendem a crescer. É fundamental ressaltar que tal tipo de mensuração não pode ser assumido unicamente como um padrão de qualidade da educação do estado, e a análise deve envolver outros fatores intra e extra escolares de forma a se ter um quadro de situação das escolas mais próximo da realidade. Isso contribuirá para a formulação de políticas educacionais mais consistentes na busca da qualidade educacional.
É inegável, no entanto, que as avaliações externas se estabeleceram como mecanismos capazes de identificar aspectos que contribuem para apontar pistas que podem vir a ter relevância para as discussões sobre qualidade educacional, e vieram “para ficar”. Porém, não se pode esquecer que muitas outras variáveis como infraestrutura escolar, condições de trabalho, formação dos professores, complexidades específicas das redes escolares, modelos de gestão adotados mais ou menos participativos, fatores de vulnerabilidade social e de renda dos professores e alunos, contribuem significativamente para compor, em conjunto, o conceito de qualidade da educação.