Introdução
Os estudos em Educação do Campo1 vêm ocupando, historicamente, seu espaço nas universidades brasileiras, indicando a sua importância no avanço do conhecimento. Conforme Souza (2016), cinco fatores favorecem esse crescimento, a saber: a) a participação do MST na sociedade brasileira e suas demandas educacionais; b) o diálogo entre movimento social e sociedade política; c) a ampliação dos grupos de pesquisa dedicados aos estudos da realidade educacional do campo no Brasil; d) a existência de programas governamentais como o Pronera e o Procampo; e) o conjunto de diretrizes, resoluções e decreto presidencial que positivam a Educação do Campo como política pública.
Neste cenário, o artigo apresentado é parte das discussões realizadas na pesquisa de doutorado, intitulada “Relações entre Educação do Campo e o Território: significados da escola da/na ilha para uma comunidade tradicional de Guaraqueçaba no litoral do Paraná”, denominada neste trabalho de pesquisa matriz, cujo objetivo foi compreender o significado que a educação e a escola do campo da/na ilha têm para as comunidades do litoral paranaense na relação com o território. Para essa compreensão, utilizou-se do enfoque de pesquisa de natureza etnográfica na educação e do levantamento e análise da literatura sobre o tema da pesquisa com a proposta de contribuir com os estudos nesta área, tema recente de investigação acadêmica, instigante de novas pesquisas.
Assim, neste artigo, pretende-se oferecer um panorama das construções teóricas registradas como produção científica, tanto em termos de seu significado para o desenvolvimento do campo de conhecimento, quanto de suas vertentes temáticas e concentrações de interesses, selecionando-se um recorte da produção científica registrada. Desse modo, almeja-se contribuir com o conhecimento sobre os territórios das populações representativos da diversidade de comunidades do campo, águas e florestas, mais especificamente sobre a educação.
No sentido de ampliar e aprofundar as reflexões sobre a Educação do Campo, inserida no cenário mais amplo e complexo da educação brasileira, compreende-se que esta temática de investigação vem ocupando seu lugar nas pesquisas acadêmicas dos programas de pós-graduação, em nível stricto sensu, ainda de forma tímida, segundo enfatiza Souza (2016). Nesta perspectiva de contribuir com as investigações científicas em Educação do Campo, principalmente a partir da escola do campo e seu território, tornam-se oportunas pesquisas que busquem fortalecer o conhecimento produzido a partir da realidade do campo, das águas e das florestas. Entende-se, desse modo, que o conhecimento no seu processo de produção requer que se ultrapasse o nível da experiência imediata em busca das relações complexas que se constroem na realidade. Portanto, o conhecimento científico é considerado “[...] um produto histórico e social inserido na sociedade capitalista contemporânea e marcado pelos intensos conflitos nela presentes.” (MOLINA; ANTUNES-ROCHA; MARTINS, 2019, p. 5).
As premissas aqui analisadas convergem para a proposta deste trabalho, no sentido de colaborar com o campo de investigação, articulando a produção do conhecimento registrada, portanto validada pelas instâncias acadêmicas, com as dimensões constituintes da Educação do Campo. Metodologicamente, realizou-se levantamento de pesquisas na base de dados do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com recorte temporal no período entre 1998 e 2019.
No levantamento inicial dos trabalhos, utilizaram-se dos descritores: “escola do campo”, “escola no campo”, “escola rural”, “escola da ilha”, “escola das ilhas”, “escola na ilha”, “escola nas ilhas”, “escola em ilha”, “educação ribeirinha”, “escola ribeirinha” e “Guaraqueçaba”, destes localizou-se 53 pesquisas, sendo 10 oriundas de pesquisa de doutorado e 43 de mestrado. A fim de adensar este levantamento no diálogo como campo empírico da pesquisa matriz, identificou-se outras seis pesquisas, duas que investigaram as Casas Familiares do Mar ambas de doutorado e quatro pesquisas realizadas no contexto do litoral paranaense, dois de doutorado e dois de mestrado.
Justifica-se este trabalho por apresentar as investigações acadêmicas que contribuíram com a pesquisa matriz, a fim de identificar a produção científica de um determinado domínio do conhecimento, neste caso, a Educação do Campo. Além disso, apresenta-se um panorama do que vem sendo discutido nos diferentes territórios, no que se refere à educação e à escola do campo na relação com as demais questões relacionadas aos povos do campo, das águas e das florestas, isto é, a cultura, a identidade, os conhecimentos, os conflitos territoriais e ambientais, visando fortalecer o conhecimento sobre a Educação do Campo, bem como a existência e re-existência das comunidades.
Este texto, além desta introdução, organiza as discussões a partir dos seguintes tópicos: Revisão de literatura: Educação do Campo e os povos do campo, águas e florestas; Percurso metodológico: levantamento e apresentação das produções acadêmicas; e Resultados e análises: diálogos com as pesquisas. E, por fim, as considerações finais evidenciam as contribuições da revisão bibliográfica para a pesquisa, a importância da escola nas comunidades do campo, das águas e das florestas, para além do seu papel de escolarização. Enfatiza-se a necessidade da continuidade de novas pesquisas, na produção de conhecimentos a partir da Educação do Campo. E destaca-se que, para o fortalecimento destes povos, faz-se urgente o diálogo e articulação entre os sujeitos da terra e do mar, bem como das periferias, das cidades, ou seja, os povos que estão à margem, a partir da tomada de consciência das suas realidades.
Revisão de literatura: Educação do Campo e os povos do campo, águas e florestas
O ato da pesquisa exige a exploração inicial do que está sendo produzido no campo de inserção do investigador, decorrendo que as revisões de literatura são parte essencial no processo de produção da ciência, de modo que se possa conhecer o que já foi produzido em determinado campo de pesquisa, pois o conhecimento, assim como a vida, não é imutável, mas sim dinâmico e dialético. Neste sentido, compreende-se que o conhecimento não é estático, linear, a-histórico e sem relação com o contexto, mas sim um processo histórico, político, cultural e social. É produzido em um movimento dialético entre a materialidade da vida e da sociedade onde é elaborado, “[...] é realizado, portanto, sob um ponto de vista relacional, isso é, pela consideração dos fatos em sua relação uns com os outros; [...] de como entre si se entrosam nas duas dimensões da sucessão, transformação e simultaneidade [...]” (BUFREM, 2016, p. 100-101).
Assim, com o objetivo de buscar informações sobre as produções acadêmicas constituintes deste movimento mais amplo de produção do conhecimento, enquanto atividade cognoscente na Educação do Campo, foram realizadas pesquisas em uma base de dados ampla e reconhecida no meio acadêmico, isto é, no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foram mapeadas as pesquisas com aderência ao tema Educação do Campo, cujos resultados passam a integrar o objeto das discussões deste trabalho.
A revisão de literatura apresentada não tem o objetivo de se constituir em análise exaustiva e aprofundada das pesquisas, mas foi desenvolvida para indicar elementos a fim de compreender a Educação e Escola do Campo na relação com o território, a cultura, a comunidade, o modo de vida, bem como os caminhos que foram delineados na pesquisa originária deste texto. Optou-se por apresentar uma revisão reproduzindo uma síntese dos resumos das principais teses e dissertações selecionadas, de modo a situar as principais características de cada pesquisa. Reconhecido o estudo de Souza (2016), um levantamento da produção do conhecimento em Educação do Campo, a partir de uma pesquisa na literatura pertinente, priorizando a análise do conteúdo de teses e dissertações produzidas no período de 1987 a 2015, o trabalho aqui relatado parte de um recorte temporal mais recente.
Ressalta-se que o recorte temporal para a pesquisa foi o período entre 1998 e 2019, escolha que se justifica em virtude do marco histórico para a Educação do Campo no Brasil, com a realização da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo no ano de 1998 em Goiânia. Entende-se que esta conferência é um marco público da Educação do Campo na disputa pelos espaços institucionais como é o caso da escola e da universidade pública, como se evidencia no texto base, “Acesso de toda a população a uma escola pública, gratuita e de qualidade, desde a educação infantil até, pelo menos, o ensino médio, já colocando no horizonte a demanda do ensino superior.” (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 59).
Enquanto parâmetro para o levantamento na base de dados escolhida definiu-se a busca somente por pesquisas que dialogassem com as seguintes grandes áreas do conhecimento: Ciências Humanas, Ciências Sociais, Ciências Agrárias, Ciências Exatas e da Terra. Com o levantamento inicial dos trabalhos, cuja estratégia de busca partiu dos descritores: “escola do campo”, “escola no campo”, “escola rural”, “escola da ilha”, “escola das ilhas”, “escola na ilha”, “escola nas ilhas”, “escola em ilha”, localizaram-se 531 trabalhos entre teses e dissertações. A seguir foram localizados os trabalhos cujos títulos têm afinidades com temas transversais a este trabalho, a saber: território, comunidade, significado da escola, cultura, identidade, conhecimentos e saberes tradicionais, resistência, comunidades tradicionais e conflitos territoriais. Identificaram-se, então, 41 trabalhos com aderência à pesquisa, sendo sete teses e 34 dissertações.
Na continuidade do levantamento e considerando o território das “águas” enquanto lugar da materialidade da vida e balizando-se em Cunha (2000, p.19), a qual afirma que, “[...] No universo da pesca é possível evidenciar um conjunto de significados simbólicos impressos à água pelo pescador artesanal [...]”. A água apresenta muitos significados, água não só representa a virtude, a beleza, a liberdade; é a fonte de criação e de destruição, vida e morte (CUNHA, 2000). Optou-se em utilizar os descritores “Educação Ribeirinha” e “Escola Ribeirinha”, visto que a água é o elemento comum, que une a vida das populações das ilhas (do mar) e os ribeirinhos (o rio). Foi possível localizar 26 trabalhos entre teses e dissertações, dos quais nove pesquisas tiveram aderência ao trabalho, sendo duas teses e sete dissertações.
Buscando conhecer os trabalhos realizados, geograficamente, no campo empírico de inserção, utilizou-se o descritor “Guaraqueçaba”. Esta estratégia apresentou como resultado 67 pesquisas, das quais uma tese e duas dissertações demonstraram aderência à pesquisa matriz. Além delas, outras seis pesquisas foram encontradas, sendo duas sobre as Casas Familiares do Mar, ambas de doutorado e quatro pesquisas realizadas no contexto do litoral, sendo duas de doutorado e duas de mestrado.
Na sequência apresentam-se, sinteticamente, as principais pesquisas acadêmicas com aderência com a pesquisa matriz. De modo geral, indicam a importância de investigações científicas no campo educacional junto às populações tradicionais, dialogando com a realidade dos povos do campo, das águas e das florestas. Com respaldo nas pesquisas existentes, nas teorias relacionadas a questões de interesse para este trabalho, nos temas e evidências destacados e em diversos estágios de estudo, relatados nas fontes pesquisadas, foram reforçados pontos de partida para esta criação intelectual.
Percurso metodológico: levantamento e apresentação das produções acadêmicas
Conforme descrito, realizaram-se pesquisas na base de dados do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), onde foram encontrados, para o devido mapeamento e análise, os trabalhos com aderência a esta pesquisa.
Os trabalhos expostos nesta seção, conforme Quadro 1, foram produzidos em diferentes programas de pós-graduação, áreas do conhecimento e instituições, somando 59 pesquisas, distinguindo-se em pesquisas de Doutorado (D) e de Mestrado (M).
Localizadas através de pesquisa com os seguintes descritores | Número de trabalhos | ||
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D | M | Total | |
“Escola do Campo” | 04 | 14 | 18 |
“Escola no Campo” | 00 | 07 | 07 |
“Escola Rural” | 02 | 11 | 13 |
“Escolas da Ilha” | 0 | 01 | 01 |
“Escola das Ilhas” | 01 | 01 | 02 |
“Escolas das Ilhas” | 0 | 0 | 0 |
“Escola na Ilha” | 0 | 0 | 0 |
“Escola nas Ilhas” | 0 | 0 | 0 |
“Escola em Ilha” | 0 | 0 | 0 |
“Escola em Ilhas” | 0 | 0 | 0 |
“Educação Ribeirinha” | 0 | 01 | 01 |
“Escola Ribeirinha” | 02 | 06 | 08 |
“Guaraqueçaba” | 01 | 02 | 03 |
Total de trabalhos | 10 | 43 | 53 |
Localizadas através de leituras e não encontradas com os descritores selecionados. | Número de trabalhos | ||
D | M | Total | |
Casa Familiar do Mar | 02 | 0 | 02 |
Contexto do Litoral | 02 | 02 | 04 |
Total de trabalhos | 04 | 02 | 06 |
Total de pesquisas selecionadas para a revisão de literatura a partir dos descritores e leituras. | 14 | 45 | 59 |
FONTE: Paula (2019).
Outro dado relevante, conforme o Gráfico 1, é que após 2007 houve crescimento significativo de pesquisas relacionadas à Educação do Campo, evidência indicativa do reconhecimento por parte dos pesquisadores dessas universidades, da necessidade de investigações acadêmicas neste campo específico de pesquisa. Um dos elementos que justificam este aumento de trabalhos pode ser o conjunto de ações representativas dos avanços das políticas públicas da Educação do Campo, no período, principalmente referentes à ampliação do acesso ao ensino superior.
Evidencia-se também, conforme levantamento, a diversidade de áreas do conhecimento dos programas de pós-graduação onde foram realizadas as pesquisas, o que demonstra a capilaridade da Educação do Campo, enquanto objeto de pesquisa a partir de diferentes enfoques e olhares, porém destaca-se a área da Educação.
A fim de apresentar as pesquisas identificadas na base de dados buscou-se, através de uma análise seletiva dos resumos das pesquisas, expressar os principais elementos dos referidos trabalhos, os quais são apresentados e organizados a seguir a partir dos seus descritores de busca e ano da pesquisa. Estes estudos permitiram conhecer as problemáticas tratadas e as demandas de novas pesquisas.
Na sequência expõem-se quadros com informações detalhadas referentes às pesquisas selecionadas, com as seguintes informações: Autor(a), Ano, Instituição de Ensino Superior, Programa de Pós-Graduação. Ressalta-se que somente serão descritas as principais pesquisas localizadas, dentre aquelas aderentes com a pesquisa matriz.
Primeiramente, apresentam-se as principais pesquisas oriundas do descritor “Escola do Campo”, foram selecionados 18 trabalhos entre quatro teses e 14 dissertações.
Autoras(es) | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
---|---|---|
Mendes (2009; 2017), Moura (2009), Pereira (2003), Klein (2013), Melo (2014), Silva (2014a), Silva (2014b), Gugelmin (2014), Souza (2015), Santos (2015), Nahine (2017), Ziech (2017), Lima (2017), Silva (2018), Uchoa (2018), Vieira (2018),Correia (2018). | UFPR, UFMS, UNIOESTE,UFES, UFPI,UCDB,UFMT, UNEMAT, UFGD, UNIJUÍ, UNESP, UFMG, UFAM, UFS. | Educação, Geografia, Educação nas Ciências, Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe. |
FONTE: Os autores (2020).
O trabalho de Mendes (2009) identifica o significado que a Escola do Campo tem para os professores e professoras, considerando os elementos que constituem a especificidade destas escolas. A pesquisa de Pereira (2013) evidencia a importância do Movimento Nacional por uma Educação do Campo, e como ele contribuiu com a conquista de políticas públicas educacionais, as quais valorizam a identidade e a cultura das populações do campo. Busca compreender como a Educação do Campo se territorializou nas escolas do campo articulada com as organizações populares, demonstrou que a Educação do Campo e a escola são um movimento que busca mudanças na sociedade e no Estado.
O trabalho de Silva (2014a) analisa as práticas mono/multi/interculturais presentes no currículo de uma escola do campo, articulando-as com a produção das identidades/diferenças dos/as alunos/as. Aponta que o currículo da escola ainda desenvolve práticas monoculturais, embora em alguns momentos recorra a práticas inter/multiculturais. Mendes (2017) ao desenvolver sua a pesquisa, objetivou contribuir para a compreensão dos significados da especificidade da Educação do Campo e da escola do campo que circulam na cultura escolar como resultado da produção de diferentes sujeitos sociais. Defende a tese de que os argumentos para justificar a especificidade da Educação e da Escola do Campo sofreram transformações expressivas nas duas últimas décadas.
Por fim, o trabalho de Vieira (2018) busca compreender as relações que os jovens de uma escola do campo estabelecem com as demandas por especificidades em sua escolarização, nas condições específicas de ser jovem em uma situação particular - alunos de escola de assentamento da reforma agrária. Os resultados colocam em evidência elementos da cultura dos jovens que vivem no campo e trazem seus pontos de vista sobre os significados da escolarização, a presença e as contribuições dos livros para sua formação, e suas expectativas enquanto jovens que vivem a sua condição juvenil.
A seguir apresentam-se as principais pesquisas oriundas do descritor “Escola no Campo”, todas em formato de dissertações.
Autoras(es) | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
---|---|---|
Rodriguez (2008), Cruz (2013), Rego (2016), Albuquerque (2017), Araújo (2017a), Araújo (2017b), Boito (2017). | UFSC, UFV, UERR/IFRR, UFPR, UEPB, UNEB, UFRGS. | Educação, Economia Doméstica, Educação: Teoria e Prática de Ensino, Formação de Professores, Educação e Diversidade. |
FONTE: Os autores (2020).
O estudo de Rego (2016), desenvolvido a luz do materialismo histórico-dialético, foi realizado em uma escola pública do campo, tendo como objetivo geral investigar o currículo desenvolvido em uma escola no campo e sua inter-relação com o mundo do trabalho. Aponta alternativas para um trabalho pedagógico voltado para a emancipação e transformação da Escola do Campo. Albuquerque (2017) objetiva com sua pesquisa compreender como o estudante que vive no campo percebe sua escola. Foram realizados estudos de caráter etnográfico com o intuito de captar elementos de sua realidade cotidiana e os conhecimentos adquiridos com suas experiências na e fora da escola, que pudessem contribuir para a formação de sua percepção.
Boito (2017) no seu trabalho objetiva compreender quais especificidades das práticas pedagógicas caracterizam uma escola no campo como do campo. Evidencia ações pedagógicas que favorecem, no contexto pesquisado, uma perspectiva de escola no/do campo, tais como: a reelaboração constante do Projeto Político Pedagógico junto à comunidade; a intensa parceria entre família, escola e comunidade; a valorização das “coisas do campo” nas práticas pedagógicas da instituição; e o reconhecimento do brincar, e da ludicidade.
Continuando, apresentam-se as principais pesquisas oriundas do descritor “Escola Rural”, sendo 13 trabalhos, duas teses e 11 dissertações.
Autoras(es) | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
---|---|---|
Queiroz (1992), Rodrigues (1993), Oliveira (2003), Benfica (2006), Cristo (2007), Lima (2008), Silveira (2009), Reis (2009), Ferraz (2010), Teodoro (2010), Ferreira (2010), Lima (2015), Lima (2018). | UFC, UFMG, UFPA, PUC-MG, UFPA, UFV, UFPEL, UFBA, USP, UNB UFAM, UEFS, UNEB. | Educação, Agriculturas Amazônicas, Extensão Rural, Psicologia, Educação e Contemporaneidade. |
FONTE: Os autores (2020).
Rodrigues (1993), cujo objetivo foi compreender o significado da escola para os sujeitos das áreas rurais, tenta captar a influência das condições e da natureza do processo de trabalho na construção desse significado. A pesquisa de Oliveira (2003) discute a execução de um programa governamental em escolas rurais, levanta questões acerca da contribuição de tal programa para a melhoria do processo ensino-aprendizagem dos alunos e alunas e para a mudança das práticas pedagógicas das professoras.
O trabalho de Ferraz (2010) investiga os agenciamentos operados na escola na produção de modos de subjetivação, no contexto de transformações das comunidades ribeirinhas. Aponta a importância que os moradores atribuem à escola, percebida como componente que favorece a melhoria das condições de vida. A escola apresenta-se distante da realidade local, desqualifica o saber tradicional, impondo concepções mercantilizadas e a transmissão de um saber hegemônico. Ferreira (2010) estuda o cotidiano de uma escola rural/ribeirinha na Amazônia, analisando se - e de que forma - a vida, a cultura e o rio entram na escola, identificando como estas temáticas são consideradas e trabalhadas (ou não) no contexto escolar, além de verificar se essa realidade diferenciada é considerada nos processos de formação dos professores.
Na sequência, apresentam-se as principais pesquisas recuperadas a partir do descritor “Escola da Ilha” e “Escola das Ilhas”, sendo três trabalhos, uma tese e duas dissertações, optou-se por agregar os descritores em decorrência do baixo número de trabalhos localizados. Os descritores “escolas das ilhas”, “escola na ilha”, “escola nas ilhas”, “escola em ilha” e “escolas em ilhas” não apresentaram resultados de trabalhos que tivessem aderência à pesquisa matriz.
Autoras(es) | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
---|---|---|
Freitas (1997), Oliveira (2017), Farias (2018). | UNICAMP, UFPR, UFG. | Educação, Educação em Ciências e em Matemática, Geografia. |
FONTE: Os autores (2020).
O trabalho de Freitas (1997) investiga os conhecimentos do "saber-fazer" dos moradores de determinada localidade, destaca que para se utilizar o conhecimento dos alunos em sala de aula, para propiciar uma apropriação com significado do conhecimento institucional, é necessário o envolvimento do pesquisador, do professor, dos alunos e da comunidade de forma integrada e inter-relacionada. Oliveira (2017) realiza sua pesquisa a partir de consulta a fontes orais, mediante entrevistas com cinco professores que participaram do processo de organização, elaboração, construção, formação continuada, e implementação da Proposta Pedagógica das Escolas das Ilhas do Litoral Paranaense. Destaca que as escolas das ilhas, devido às características geográficas e históricas da região, bem como dos modos de vida de suas populações, apresentam uma realidade diversa da realidade das escolas do continente. A pesquisa realizada por Farias (2018) propôs compreender e potencializar o ensino de geografia em escolas ribeirinhas, a partir do contexto amazônico e a relação/interação com o lugar e com o mundo como referência na construção do conhecimento. Analisa se a proposta curricular e o livro didático contemplam, orientam e possibilitam o ensino de geografia, a partir do contexto amazônico e a relação/interação com o lugar e com o mundo.
Dando continuidade, apresenta-se uma dissertação resultante da busca a partir do descritor “Educação Ribeirinha”.
Autoras | Instituição | Programa de Pós-Graduação |
---|---|---|
Pinheiro (2009) | UFPA | Educação |
FONTE: Os autores (2020).
A pesquisa de Pinheiro (2009) investiga o currículo e seus significados para os sujeitos de uma escola ribeirinha multisseriada. Analisa como se define e se materializa o currículo na escola, identificando quais significados são atribuídos ao currículo escolar pelos alunos, pais, comunitários e a professora. Evidencia que a educação ribeirinha precisa ser valorizada enquanto espaço de construção do conhecimento, a partir da valorização dos saberes culturais ribeirinhos, despertando-os para uma leitura de mundo e para construção de novos sujeitos políticos e sociais sintonizados com a sua territorialidade e identidade cultural.
Na base de dados pesquisada encontraram-se outros trabalhos que provavelmente contribuiriam com as análises sobre o tema, porém não foi possível o acesso aos seus resumos, devido a não disponibilidade do formato digital.
Seguindo a descrição das pesquisas, apresentam-se os principais trabalhos oriundos do descritor “Escola Ribeirinha”, sendo oito trabalhos, representados por duas teses e seis dissertações.
Autoras(es) | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
---|---|---|
Victória (2008), Pinheiro 2 (2009), Ferreira 3 (2010), Vasconcelos (2010), Lima (2011), Silva (2015), Oliveira (2016), Pereira (2016). | UFAM, UFPA, UFAM, UFPel, UNOESTE, UEPA | Educação |
FONTE: Os autores (2020).
A investigação de Vasconcelos (2010) analisa como a prática pedagógica docente funciona como mediadora no processo de construção da identidade cultural de estudantes ribeirinhos. Os resultados da pesquisa demonstraram o desenvolvimento de práticas pedagógicas que contribuem com a construção da identidade cultural dos estudantes rurais/ribeirinho. Lima (2011) investiga a maneira como o currículo de uma escola ribeirinha se relaciona com os saberes culturais do meio onde se encontra. Evidencia que o currículo desenvolvido na escola investigada estabelece uma relação de aproximação com os saberes culturais de ribeirinhos da comunidade. A pesquisa de Oliveira (2016) avalia a participação da comunidade escolar ribeirinha nos encontros de preparação para a construção do projeto educativo escolar. Afirma que a escola teve a oportunidade de refletir sobre a sua prática pedagógica, a importância da participação efetiva da família e, sobretudo, repensar o processo de construção e/ou apropriação do conhecimento.
A seguir as pesquisas oriundas do descritor “Guaraqueçaba”, com três trabalhos, dos quais uma tese e duas dissertações.
Autoras | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
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Duarte (2013; 2018), Barbosa (2014). | UDESC, UFPR, UFF. | Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, Geografia. |
FONTE: Os autores (2020).
A pesquisa de Duarte (2013) investiga os conflitos territoriais decorrentes do estabelecimento do Parque Nacional do Superagui em um território tradicionalmente ocupado no município de Guaraqueçaba - PR. Os conflitos são decorrentes da sobreposição de interesses de diferentes agentes em um mesmo espaço. Defende que a luta das comunidades tradicionais e a formação das identidades locais são legítimas, mas é preciso que os sujeitos envolvidos nesta luta estejam atentos à pedagogia da hegemonia imbuída nos discursos de algumas organizações não-governamentais, bem como em políticas públicas.
O trabalho de Barbosa (2014) trata da emergência de Povos e Comunidades Tradicionais no cenário das lutas sociais no Brasil, como um processo de emergência de “novos” sujeitos sociais conformando identidades coletivas e territoriais, que afirmam sua identidade e diferença na luta pelo território, geralmente marcados por conflitos decorrentes do avanço do capitalismo espoliatório e, concomitantemente, marcado pelo enfrentamento/resistência dessas comunidades tradicionais em defesa de seus territórios.
Duarte (2018) versa sobre um contexto de conflito territorial decorrente da instauração de Unidades de Conservação restritivas em territórios tradicionalmente ocupados por pescadores(as) artesanais e caiçaras no município de Guaraqueçaba-PR, analisa a luta pelo território tradicional e constata que a participação popular vinha sendo acionada com o fim de legitimar processos de gestão territorial dos quais pescadores e caiçaras discordavam ou desconheciam.
Devido ao contexto e à relação entre os povos das águas e o mundo rural, apresentam-se pesquisas realizadas nas Casas Familiares Rurais localizadas nas águas, no mar. Estas não foram identificadas a partir dos descritores utilizados na busca na base de dados da CAPES, mas por meio da leitura de outros trabalhos sobre as escolas rurais e escolas do campo.
Autoras | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
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Corrêa (2008), Pezarico (2014). | UFSC, UTFPR. | Educação Científica e Tecnológica, Tecnologia. |
FONTE: Os autores (2020).
Corrêa (2008) investiga “uma escola diferente” no estado de Santa Catarina, localizada em uma comunidade com predominância da pesca artesanal. Destaca que este tipo de escola contribui com o desenvolvimento local por meio de atividades inseridas no contexto de comunidades litorâneas e representando um processo inovador de formação escolar dos jovens. Indica na sua pesquisa que no Brasil existem outras escolas do mar na Bahia, Espírito Santo, Ceará. Pezarico (2014) pesquisa as relações estabelecidas entre o objeto “Casa Familiar”, a terra e o mar como laboratórios, espaços técnicos concretos e simbólicos no contexto da Pedagogia da Alternância. O estudo analisa processos de apropriação técnica no contexto da Pedagogia da Alternância, a partir das interações entre espaços técnicos e objetos, vivenciadas em nove Casas Familiares Rurais e uma Casa Familiar do Mar, localizadas na região Sul do Brasil.
Concluindo a apresentação das pesquisas, destacam-se as realizadas no contexto do litoral do Paraná, porém não foram identificadas com os descritores utilizados na busca na base de dados da CAPES, mas por meio da leitura de outros trabalhos sobre a realidade pesquisada.
Autoras | Instituições | Programas de Pós-Graduação |
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Cunha (2007), Cunha (2010), Moura (2016), Andreoli (2016). | UFPR, UTP | Educação, Meio Ambiente e Desenvolvimento, Desenvolvimento Territorial Sustentável. |
FONTE: Os autores (2020).
Cunha (2007) investiga como ordens e desordens socioambientais se manifestam em dinâmicas pesqueiras da porção central da costa paranaense, privilegiando o conhecimento tradicional do pescador artesanal. Procura mostrar que a inter-relação entre pescador e mar é marcada, concomitantemente, por movimentos ordenados e desordenados, seja em sua dinâmica interna, seja em sua dinâmica externa. O estudo realizado por Moura (2016) trata do tema de povos e comunidades tradicionais e seus territórios, especificamente sobre pescadores artesanais, que possuem uma dinâmica própria de constituição de sua territorialidade baseada em práticas de uso comum dos recursos naturais.
A investigação de Cunha (2010), realizada em um campo empírico semelhante ao qual nos inserimos, isto é, em uma comunidade localizada em uma ilha do litoral paranaense, assume a etnografia como abordagem metodológica e discute a educação escolar na relação com a comunidade, elementos que se aproximam com nosso trabalho e nos ajudam a avançar nas compreensões da educação na realidade das ilhas. A autora salienta que “é preciso revigorar a discussão sobre os povos ribeirinhos e ilhéus [...]. Novas pesquisas sobre práticas educativas inspiradas na educação do campo, nesta região, considerando seu papel na sociedade, fazem-se necessárias.” (CUNHA, 2010, p. 160). No seu estudo busca perceber a relação entre a escola e a comunidade local, definindo como objetivo geral analisar a relação existente entre a educação escolar e a vida na Vila de Ilha Rasa, em Guaraqueçaba-PR.
A pesquisa de Andreoli (2016) analisa quais são as relações entre a Educação Ambiental, o currículo e o desenvolvimento comunitário local, a partir da discussão sobre a educação e a formação humana como elementos de transformação social frente a crise socioambiental que se apresenta. Destaca-se que, de modo geral, as pesquisas apresentadas neste levantamento da produção de teses e dissertações do banco de dados da CAPES demonstram uma diversidade de preocupações em relação à vida dos povos que vivem e trabalham em comunidades localizadas no campo, nas águas e florestas.
Percebe-se, a partir das leituras realizadas, a busca de processos de pesquisa para além do campo da educação, em sua maioria apresentando análises articuladas com os aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos, vislumbrando um olhar a partir da totalidade. O expressivo número de trabalhos encontrados, a partir dos descritores definidos, confirma o avanço de pesquisas em um campo fértil de conhecimentos a serem desvelados e revelados, que anunciam e denunciam.
Resultados e análises: diálogos com as pesquisas
A partir da revisão de literatura, pode-se afirmar que o diálogo com os trabalhos contribuiu significativamente com novas compreensões referentes à Educação do Campo, visto as aproximações com as questões discutidas na pesquisa de doutorado que originou este texto. Merece especial destaque os trabalhos de Mendes (2009; 2017), na investigação sobre a especificidade da Educação e Escola do Campo, Moura (2009) nas discussões sobre uma Educação do Campo que respeite o lugar e os saberes da comunidade escolar e Vieira (2018), que desenvolveu um estudo etnográfico em uma escola do campo em assentamento.
As pesquisas realizadas a partir da realidade Amazônica trouxeram outro olhar, isto é, a importância do contexto dos povos das águas e das florestas no entendimento da especificidade da escola do campo neste território, de modo especial às pesquisas de Cristo (2007), Ferraz (2010), Ferreira (2010), Pinheiro (2009) e Lima (2011), todas significativas para o entendimento das singularidades desta realidade. Os trabalhos de Freitas (1997), Oliveira (2017), Farias (2018), Corrêa (2008), Pezarico (2014), sobre o contexto das escolas relacionadas às ilhas ou ao mar, mostram o quão ainda é desafiante realizar práticas educativas condizentes com a realidade dos sujeitos, contudo, demonstraram a importância da educação e da escola para as comunidades.
Evidenciam-se também as pesquisas voltadas a questões sobre o território de Guaraqueçaba, realizando seus estudos a partir das análises dos conflitos territoriais e ambientais enfrentados pelas comunidades tradicionais no seu cotidiano. Destacam-se os estudos de Duarte (2013; 2018) e Barbosa (2014), as pesquisadoras sugerem a continuidade de um percurso que já vem sendo realizado, com a luta pelos direitos individuais e coletivos destas comunidades. As quais têm como um dos seus maiores obstáculos o próprio Estado, o qual deveria garantir o que minimamente se preconiza nas legislações que tratam dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. Pesquisas realizadas no contexto do litoral do Paraná, como as de Cunha (2007), Cunha (2010), Moura (2016) e Andreoli (2016) indicam elementos importantes que contribuíram nas problematizações relacionadas às práticas realizadas nas comunidades de pescadoras(es) artesanais e caiçaras e o papel da escola no diálogo com os sujeitos que produzem estes territórios tradicionalmente ocupados.
Cunha (2007), ao discutir os elementos da cosmovisão do pescador artesanal, apresenta questões relativas ao conhecimento tradicional destes sujeitos, que também são utilizados nas suas atividades de trabalho, no pescado. Moura (2016) ao investigar as práticas tradicionais de uma comunidade formada por pescadores e pescadoras artesanais e caiçaras, mostra a importância destas práticas no processo de territorialidade da própria comunidade. Demonstra que os conhecimentos tradicionais presentes no cotidiano são a expressão da dinâmica do modo de vida destes povos. As análises destes dois pesquisadores contribuem para a reflexão sobre a relação entre o conhecimento tradicional e o conhecimento científico, bem como trazem elementos que constituem o modo de vida destas comunidades.
A questão que orienta a pesquisa de Cunha (2010), “como ocorre à educação escolar na ilha e qual a relação existente entre o mundo da vida e a prática pedagógica nos anos iniciais?”, tem parte das discussões mediadas pelo seguinte questionamento: “há um vínculo entre o mundo da escola e o mundo da Ilha?”. Apontando elementos a serem observados, de modo a avançar no olhar para as comunidades situadas nas ilhas. Evidenciando como a comunidade se relaciona (ou não) de forma integrada com a escola, vista a consolidação das instituições escolares presentes na comunidade.
O estudo de Andreoli (2016) discute educação e formação humana como meios de transformação social, considerando a educação ambiental, o currículo e o desenvolvimento comunitário local como elementos importantes neste processo. Ao enfatizar a dimensão comunitária do campo empírico da sua pesquisa, aponta questões sobre a relação entre escola e comunidade, fortalecendo a importância de problematizar a relação entre os sujeitos e o território, este como meio de resistência das comunidades tradicionais. As reflexões da pesquisadora contribuíram para visualizar os possíveis significados da escola para a comunidade, evidenciando que o desenvolvimento comunitário também passa pela escola, a qual é fundamental para a formação dos sujeitos do campo que vivem e trabalham nas ilhas.
Neste sentido, as pesquisas realizadas no contexto do litoral paranaense contribuem significativamente para ampliar a análise conjuntural e estrutural que se manifestam nas políticas, mais delimitadamente no campo educacional, efetivadas na última década no estado do Paraná. São governos (Beto Richa e Ratinho Júnior), conduzido por grupos políticos alinhados a uma política neoliberal, de direita, baseados na lógica economicista da educação, tem efetivado políticas de desmonte das escolas públicas estaduais, o que também se percebe em muitos gestores municipais. No contexto do campo, existe um agravante, representado pelo fechamento das escolas, cuja estratégia tem sido a diminuição de turmas e a não oferta de vagas para determinados anos de ensino. Contraditoriamente, também existe no Estado organizações populares e sociais, como a Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, das Águas e das Florestas (APEC) que faz o enfrentamento constante pela garantia e avanços dos direitos dos sujeitos que vivem e trabalham nestas realidades ameaçadas e atacadas por políticas neoliberais de extermínio das formas de vida destes povos.
A situação de precariedade ocorre como resultado de decisões políticas dos “gestores”, que manipulam as comunidades, com falsas promessas de que a escola da cidade é melhor, de que haverá mais dias de aulas, melhoria de estradas rurais, melhores professores(as), entre outras falácias. É visto que o contexto precário das condições de vida no campo, nas águas e nas florestas passa pelo aspecto econômico, social e político e consequentemente reflete-se na dimensão educacional. Esta compreensão, de uma escola que, limitadamente, somente ensine a ler e escrever passa por uma questão ideológica, construída socialmente por um projeto de educação hegemônico. Esse projeto constrói o significado de uma escola precarizada, atrasada para as comunidades camponesas, pesqueiras, quilombolas, indígenas. Contundo é preciso pensar a escola a partir das reflexões de Cunha (2010), que apontam, em relação a uma educação vinculada com a vida de quem mora na ilha, que é fundamental uma aprendizagem, educação articulada com os hábitos já existentes na comunidade, que a educação tenha relações com o cotidiano das ilhas, a educação escolar influencia e é influenciada pela vida na ilha (CUNHA, 2010).
Findando esta seção de apresentação, análise e descrição das pesquisas, conclui-se que nas discussões realizadas pelas(os) autoras(es), são evidenciadas a existência de uma diversidade de preocupações em relação à vida dos povos que vivem e trabalham em comunidades localizadas no campo, nas águas e nas florestas. Percebe-se a partir das leituras realizadas, a busca de processos de pesquisa para além do campo da educação, em sua maioria apresentando análises articuladas com outros aspectos e segmentos da sociedade para além da educação. O expressivo número de trabalhos encontrados, a partir dos descritores definidos, demonstra o avanço de pesquisas na Educação do Campo.
Considerações Finais
O conhecimento das pesquisas em Educação do Campo enseja a percepção de lacunas, limites, avanços e desafios deste domínio de investigação em educação. A revisão bibliográfica contribui no processo de identificar o que já foi produzido em determinado campo do conhecimento, neste caso a Educação do Campo, para que o(a) pesquisador(a) com um olhar crítico em relação à ciência possa propor outras pesquisas, no sentido de contribuir com o avanço do conhecimento em determinado campo.
A importância dos trabalhos expostos é evidente, bem como a lacuna de pesquisas que dialoguem com a realidade das comunidades que vivem e trabalham nos territórios tradicionalmente ocupados no contexto das ilhas do litoral brasileiro, principalmente no que se refere à educação. As pesquisas realizadas no contexto ribeirinho também contribuíram, visto que, como no caso das ilhas do litoral paranaense, estas populações estão inseridas na realidade da água e da floresta e historicamente resistem às diversas formas de violência e expulsão vivenciadas cotidianamente em seus territórios.
Nesses contextos específicos das populações do campo, das águas e das florestas, a escola tem se mostrado, em muitos casos, restrita ao lugar do aprender a ler e escrever. No entanto, há que se superar a visão dominante da escola nestas comunidades, a percepção de uma escola atrasada, com professores(as) não suficientemente qualificados, bem como as visões romantizadas destes territórios. No entanto, em muitas pesquisas apresentadas neste estudo, evidenciaram-se articulações possíveis entre a comunidade e a escola, no sentido de promover ações escolares que dialogam com a realidade dos territórios e das demandas dos sujeitos. Neste sentido, defende-se que a escola também deve ensejar a socialização, a compreensão da diversidade cultural, a apropriação de conhecimentos universais, a valorização dos conhecimentos tradicionais e ancestrais, evitando que o cotidiano da vida seja deslocado da escola, na expectativa de ir além do ler e escrever, buscando produzir uma educação emancipadora.
Enquanto cenário específico da Educação do Campo, no contexto das ilhas, entende-se ser necessário problematizar a existência ou não do diálogo entre terra e mar, entre os sujeitos que constituem as comunidades do campo, das águas e das florestas e suas relações em contexto muitas vezes precário de existência. Pensar em estratégias de superação, enquanto sujeitos comprometidos com a emancipação e com poder de transformação, a partir da tomada de consciência de sua realidade, torna-se um possível caminho para sair das condições de opressão e marginalidade.
É urgente a articulação e diálogo para o fortalecimento e busca da unidade na diversidade da classe trabalhadora, isto é, entre as(os) trabalhadoras(es) do campo, das águas, das florestas, das cidades, das periferias. Essa articulação é possível a partir da centralidade do diálogo em prol da construção de relações sociais mais autênticas e justas, que emerge da referência constante à realidade destas populações e às formas como elas constroem esta realidade. Vislumbra-se, dessa forma, um trabalho ao longo do processo pedagógico de transformação social, sempre em respeito à relação entre conhecimento e política, entre educação e movimentos sociais do campo, que considere as dimensões fundamentais da vida dos sujeitos.
Diante do exposto, salienta-se também a importância da continuidade de estudos que fortaleçam o movimento de produção de conhecimentos em uma realidade específica, ou seja, a Educação do Campo, território também produtor de conhecimento, que se vê desafiado a produzir novas pesquisas comprometidas com a transformação social.