Introdução
O mundo atual vivencia um momento particularmente conturbado por via da pandemia da COVID-19, que está a provocar alterações aos mais diferentes níveis. O setor da educação também não ficou imune a estas alterações. O afastamento social que se impõe afetou a forma de vivenciar a relação pedagógica e os processos de ensino e aprendizagem. A noção de espaço físico de sala de aula deu lugar a uma fronteira fluida onde os artefactos digitais entraram e ocuparam um lugar de primazia. Isto porque foi necessário reinventar e substituir uma cultura de face a face por uma cultura mediada pelo digital. Para esta transição, os professores tiveram que adaptar, alterar, criar estratégias diferenciadas para conseguirem dar resposta às exigências.
A Universidade Aberta, a única universidade pública de ensino a distância em Portugal, em parceria com o Ministério da Educação, desenhou e ministrou um curso de formação para a docência digital em rede, cujo objetivo era promover, nos professores do ensino não superior, competências na área da educação a distância (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020). Neste sentido, o curso de formação para a docência digital em rede visa permitir aos professores refletir sobre as alterações pedagógicas que existem nesta tipologia de ensino, as potencialidades que a tecnologia oferece e que nos permitem ir mais além na resposta pedagógica que é necessário dar.
O presente artigo centra-se especificamente nas formas de comunicação entre os elementos da comunidade educativa, criadas pelas escolas em confinamento. Pretende-se, a partir daqui, identificar os mecanismos que garantem a ocorrência da comunicação, avaliar a eficácia dos meios utilizados e relacionar os processos comunicativos com a manutenção do sentimento de pertença à comunidade educativa.
Enquadramento
A virtualização dos sistemas educativos, a que temos assistido, pressupõe a alteração dos seus modelos e práticas e “obriga” as escolas, os professores e a comunidade educativa a assumir novos papéis e a comunicar de formas diversas daquelas a que estavam habituados. A educação acontece sempre num contexto comunicacional. Por isso, quando se alteram as condições de “estar com” que suportam a educação, importa repensar os efeitos gerados no processo educativo.
A pandemia, e o consequente fecho físico das escolas, exigiu que cada uma delas repensasse os modelos de comunicação e de acessibilidade que eram necessários. Exigiu ainda que repensassem os modelos de ensino e de aprendizagem, de acordo com os novos canais de interação permitidos pelo digital, bem como a adequação dos meios tecnológicos ao seu dispor. Finalmente, exigiu que olhassem para as competências e para a literacia digital dos professores, dos alunos (e às vezes dos Encarregados de Educação dos alunos) para aquilatar da eficácia da comunicação estabelecida e/ou dos obstáculos que se lhe colocavam.
Perguntar pela eficácia comunicativa num ambiente digital implica equacionar as seguintes quatro questões teóricas:
1 - Como é que a acessibilidade universal de todos os alunos à educação fica assegurada num contexto digital?
2 - Como é que os ambientes digitais possibilitam a efetiva centralidade da ação do aluno que aprende e focam a interação educativa (dos alunos com os professores, dos alunos entre si e dos professores com os Encarregados de Educação) na aprendizagem de cada aluno (na sua diversidade e individualidade)?
3 - Como é que as escolas olham e equacionam o necessário desenvolvimento da literacia digital da comunidade educativa que servem?
4 - Como pode pensar-se a comunicação num contexto educativo digital, tal como se tornou uma obrigação das escolas por efeito da pandemia?
A resposta à questão da acessibilidade pode ser entendida a dois níveis: o que diz respeito às condições técnicas desse acesso e aos aparatos tecnológicos que o sustentam e, por outro lado, à necessária manutenção de uma similitude com a gramática mais habitual da escola, que impeça o abandono. No primeiro nível, a acessibilidade assume um cariz mais tecnológico porque se trata de saber se os recursos existem e se as famílias e os alunos lhes têm acesso. Há internet, computador, dados móveis? Também se equaciona neste âmbito a capacidade (e novidade) dos recursos tecnológicos disponíveis.
À medida que a tecnologia digital continua a crescer exponencialmente, as instituições educativas sentem uma pressão constante para superar a obsolescência da tecnologia que dispõem e, ao mesmo tempo, solucionar problemas de não acesso (e até de exclusão) à tecnologia, de muitos dos seus alunos (BECKMAN, et al, 2018). As escolas debatem-se com as condições que elas têm para implementar uma aprendizagem baseada em tecnologia digital (PURNOMO; KURNIAWAN; ADI, 2020). Além disso, nas escolas há uma adoção inconsistente da tecnologia digital, algumas devido às infraestruturas e outras devido à falta de implementação e aplicação das tecnologias digitais e da formação de professores (MONTEIRO, et al, 2018; BENTO, et al, 2018).
Por causa da pandemia, as escolas precisaram recorrer à tecnologia digital como um dos principais meios para iniciar e manter o contato com a sua comunidade e uma população estudantil diversificada, dando corpo à aprendizagem que acontece em qualquer lugar e a qualquer momento (BALA, 2018; CHAUDHARY; SHAHZADI; MAHMOOD, 2019). A diversidade dos alunos e do seu acesso à tecnologia nos seus domicílios exigiu que as instituições desenvolvessem programas que dessem resposta a uma ampla gama de requisitos de aprendizagem da maneira mais rápida possível em termos de tempo, espaço e custo (ABERNATHY; THORNBURG, 2020; ORAKCI, 2020). Este é o segundo nível da questão da acessibilidade: garanti-la (ALPHIN; CHAN; LAVINE, 2017) e aumentar a personalização da aprendizagem é fundamental para as instituições educativas impedirem o abandono escolar precoce e prepararem os alunos para serem cidadãos do século XXI (WHITER, 2020; MARTINS, et al, 2018).
Em estreita relação com este segundo nível de entendimento da acessibilidade está o repto, que as escolas sentiram como muito pertinente, de colocarem o aluno e a sua aprendizagem no centro da interação educativa.
A aprendizagem digital tende a reverter os papéis habituais que cabem ao aluno e ao professor no processo educativo. O ensino do professor típico, que usa o paradigma do ensino presencial em sala de aula, torna-se obsoleto, num contexto digital, uma vez que o foco importante do processo de ensino e aprendizagem é o estudante (BETTINGER; FOX; LOEB; TAYLOR, 2017; NORTHCOTE, 2019). Ao mesmo tempo, à aprendizagem são essenciais a criação, o intercâmbio e novas formas mais interativas de produção de conhecimento. Também, o acesso a uma informação globalizada e célere contribuiu para modificar o sentido do que é aprender. Tal não poderia ter acontecido sem o impacto da tecnologia cuja presença é obrigatória na educação (RAHIM; BURELL; DUNCAN, 2020). O século XXI exige continuamente maiores capacidades tecnológicas, que redefinem as competências cidadãs e digitais, conforme se tornou mais evidente durante a pandemia.
Um dos problemas mais frequentes assinalados pela exigência da transformação digital da educação referia-se à limitação da quantidade de interação social, encontrada nos ambientes tradicionais de ensino (BOLLIGER; MARTIN, 2018). Efetivamente, os avanços da tecnologia permitem que a comunicação torne acessíveis a imagem e o som, mas falta o enquadramento olfativo e táctil que se associam à presença. A necessidade é de compreender que há um outro paradigma que não substitui o presencial, mas é diferente e tem caraterísticas próprias. Todos sabemos que a escola também é um lugar de encontros, de contatos e de corpos, que o digital não anula, mas reduz a dimensão (BOLLIGER; MARTIN, 2018).
Um terceiro eixo teórico diz respeito ao conceito de literacia digital e à sua importância quando se discute a comunicação em ambientes digitais. Entendemos literacia digital como o conjunto de competências necessárias para alcançar a fluência digital, sustentadas por competências básicas em tecnologias digitais em rede, permitindo pesquisar, analisar, avaliar, selecionar, produzir, apresentar… informação, e de comunicar. Tais competências permitem ainda participar em redes colaborativas digitais (VUORIKARI et al, 2016).
A maioria das escolas, quando confrontada com os desafios apresentados pela COVID-19, deu-se conta da importância prática do conceito de literacia digital na planificação do trabalho a fazer (CRAWFORD; BUTLER-HENDERSON; RUDOLPH; GLOWATZ, 2020). As respostas tiveram que ser rápidas, decisivas e ágeis. As escolas fecharam, eliminaram-se as aulas presenciais e implementaram-se instruções para a educação a distância (ALPHONSO, 2020; HEITZ; LABOISSIERE; SANGHVI; SARAKATSANNIS, 2020). Todavia, as escolas depararam-se com níveis de literacia digital muito diversos entre os seus professores, e a comunicação no seio da comunidade escolar acusou o efeito disso.
Um efeito da diversidade dos níveis de literacia digital tornou-se visível no acompanhamento dos alunos em contexto domiciliário, pelos encarregados de educação. Como nem todos estavam suficientemente capazes de prover tal orientação, a situação potenciou as desigualdades sociais que já existiam (LANCKER; PAROLIN, 2020). Por outro lado, o das escolas, sem uma preparação estratégica necessária para enfrentar os desafios logísticos e tecnológicos, a responsabilidade organizacional aumentou. Contudo, muitas escolas aceitaram a inevitabilidade da circunstância como uma obrigação de agir e adaptar-se (LANCKER; PAROLIN, 2020).
Como pode pensar-se, a comunicação num contexto educativo digital é a terceira das questões teóricas que baliza este texto. Em rigor, nenhuma das tarefas que competem ao professor no ensino presencial lhe estão dispensadas num contexto digital. O professor tem de ir além da transmissão de conhecimentos e deve agora guiar o processo de aprendizagem do estudante por forma a desenvolver as suas capacidades e competências, nomeadamente, aprender a aprender, autoaprendizagem, autonomia. O professor deve, então, acompanhar, motivar, dialogar, ser líder e mediador, fomentando e facilitando uma interação humana positiva. Espera-se, ainda, que seja moderador nas relações interpessoais e intrapessoais e faça o seu papel de auto e hetero-avaliador de conteúdos e desempenhos. Espera-se também que sirva de suporte e estímulo aos estudantes, regulando e orientando as suas emoções, afetos e atitudes (MOREIRA, 2020).
No professor recaem, pois, as funções de motivador, de criador de recursos digitais, de avaliador de aprendizagens e de dinamizador de grupos e interações online. E para ser esse dinamizador é necessário compreender as especificidades dos canais de comunicação e da comunicação online, síncrona e assíncrona. É nas vicissitudes do veículo comunicacional e na sua compreensão que reside a especificidade da comunicação em ambiente digital. É, pois, fundamental criar uma boa estrutura de comunicação para gerar uma autêntica comunidade virtual de aprendizagem, onde o estudante se sinta conectado e motivado (MOREIRA; FERREIRA; ALMEIDA, 2013).
É necessário interagir com regularidade com os estudantes nos diferentes canais de comunicação (plataformas, correio eletrônico ou redes sociais) para que estes sintam a presença do professor e dos seus pares. Importa assegurar que todas as questões colocadas pelos estudantes são respondidas em tempo útil.
A comunicação digital nos processos de ensino e aprendizagem deve ser assertiva, empática e atenta (VELETSIANOS, 2020), podendo ocorrer de forma síncrona ou assíncrona. Os espaços ou salas de aula virtuais de comunicação assíncrona (caso dos fóruns) são fundamentais e respondem à essência da educação digital em rede, já que não requerem uma confluência do professor e de seus estudantes no espaço e no tempo, proporcionando a flexibilidade que caracteriza este ambiente educativo (MOREIRA et al, 2020). No entanto, para que estas salas de aulas sejam uma poderosa ferramenta de comunicação, é essencial que elas estejam bem organizadas e estruturadas nos diversos formatos de interação e participação e que toda a comunidade conheça suas regras operacionais e as siga. Os espaços de comunicação síncrona assentes em ferramentas como as webconferências permitem a comunicação com visualização dos utilizadores, donde resulta uma multiplicidade de aplicações e estratégias pedagógicas diferenciadas - debates, apresentações... (MOREIRA et al, 2020).
Na transposição de um ensino presencial para ambientes virtuais, importa ter presente a questão estruturante sobre como pode pensar-se a comunicação num contexto educativo digital e exigir que todos os intervenientes (professores e escolas) façam uma reflexão / hermenêutica da circunstância comunicativa que conseguem assegurar. Foi essa questão que norteou o estudo.
Metodologia
Enquadramento do estudo
No auge da primeira vaga da pandemia, foi decretado o estado de emergência em Portugal e o confinamento levou a que as instituições tivessem de fechar portas recorrendo, em muitas situações, ao teletrabalho. A instituição escola viu, também, as suas portas encerradas e a comunidade escolar ficou em casa. Neste cenário, surgiu a necessidade de recorrer a outras estratégias para que as atividades letivas seguissem o seu curso, mas com as adaptações que o momento impunha. Um ensino presencial dava então lugar a um ensino remoto, num contexto emergencial em que se procurou reduzir a vulnerabilidade e aperfeiçoar a comunicação entre escolas, professores e comunidade.
Foi neste contexto que surgiu o Curso de Formação para a Docência Digital em Rede, do qual se recolheram os dados em análise neste artigo. Dada a premência da formação e o vasto número de professores a serem formados foi necessário tomar decisões nesse campo. Assim, a Direção Geral de Ensino (DGE) do Ministério da Educação de Portugal indicou como público alvo prioritário os diretores de agrupamento e mais dois profissionais por eles indicados entre as lideranças intermédias.
Neste grupo, encontramos formandos de diferentes áreas disciplinares, com experiências profissionais diversas e níveis de fluência digital - na expressão de Dias-Trindade e Ferreira (2020) - bastante díspares. Neste cenário de diversidade, o propósito do curso é dotar os professores, que dele fizeram parte, de conhecimentos chave capazes de suportar a sua prática docente em ambientes digitais.
O desenho do Curso de Formação para a Docência Digital em Rede encontra-se estruturado em torno de 4 blocos temáticos principais organizados sequencialmente, como ilustra a figura 1.
Cada um dos módulos centrava-se numa temática principal: o módulo 1 centrava-se nas questões da Educação e comunicação online e modelos pedagógicos virtuais; o módulo 2 nas plataformas e tecnologias digitais online; e, finalmente, o módulo 3 nas e-atividades de aprendizagem e avaliação digital online. Em cada um destes módulos, solicitavam-se aos formandos as seguintes tarefas: leitura e análise crítica dos recursos e visionamento dos vídeos; construção colaborativa de conhecimento com recurso ao debate em fórum. No final de cada um destes três módulos, havia um momento síncrono visando a sistematização das ideias essenciais, promover a interação entre formandos e equipa docente, o debate e esclarecimento de questões relacionadas com as temáticas trabalhadas durante a semana (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020). Por último, era proposta a realização de um trabalho final, desenvolvido colaborativamente entre os elementos da mesma escola ou agrupamento de escolas.
Frequentaram o curso 2.300 (dois mil e trezentos) diretores e professores com cargos de liderança intermédia (subdiretores, coordenadores de departamento, coordenadores de diretores de turma, entre outros), oriundos de 756 (setecentos e cinquenta e seis) agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas de todo o país. Os formandos foram divididos por sete turmas virtuais. O curso tinha uma coordenação que integrava elementos da UAb e da DGE e o acompanhamento de cada turma foi feito por uma equipe multidisciplinar composta por um professor da Universidade Aberta, dois formadores com ligação à Universidade Aberta e um elemento indicado pela DGE (Figura 2). Esta equipe tinha como função acompanhar os formandos nas atividades propostas.
Desenho metodológico
Como em qualquer processo de pesquisa, a análise dos dados coletados é uma etapa necessária para tirar conclusões. O corpus da nossa análise é composto por 100 dos 250 trabalhos finais realizados colaborativamente, pelos cerca de 2.300 professores.
Reconhecendo que a principal preocupação das escolas se corporiza nos planos realizados por elas para assegurar a continuidade da comunicação entre a escola, os professores, os alunos e a comunidade educativa, a análise recaiu precisamente sobre esta dimensão comunicacional. Para tal, seguimos uma metodologia qualitativa, com base na análise de conteúdo temática. Os métodos de pesquisa qualitativa abrangem uma série de técnicas de recolha e de análise de dados (MUCCHIELLI, 2011) e visam compreender experiências pessoais e explicar certos (aspetos dos) fenómenos sociais. Neste caso, a comunicação entre aos elementos da comunidade escolar e entre esta e a comunidade educativa.
De acordo com Mucchielli (2006), a análise de conteúdo é uma coleção de procedimentos diversos, objetivos, metódicos, exaustivos, qualitativos e quantitativos cujo objetivo comum é extrair, a partir de documentos, a maior informação possível sobre, os factos relatados, os tópicos explorados, mas também e especialmente para descobrir o significado dessa informação. Assim, a análise de conteúdo consiste em organizar num conjunto de temas representativos do corpus analisado (MUCCHIELLI, 2006; FALLERY; RODHAIN, 2007). Concretamente, neste artigo, identificamos os temas relacionados com a comunicação, visando identificar padrões significativos seguindo um rigoroso processo de familiarização de dados, codificação e refinamento de temas (Figura 3).
Processos comunicacionais nas escolas durante a pandemia
Tal como temos vindo a referir, a comunicação foi um elemento chave em todo o processo que levou à transição rápida, emergencial, do ensino presencial para o ensino remoto nas escolas. Designadamente, nas escolas portuguesas, para situar no nosso foco de análise entre os meses de março e junho 2020. Os processos comunicativos que se estabeleceram foram determinantes para gerar o sentimento de pertença à comunidade educativa e para manter o vínculo dos estudantes às respetivas turmas e professor(es). Foram ainda essenciais à continuidade dos processos instrucionais durante o confinamento generalizado (lockdown) devido à crise pandémica (HODGES, et al, 2020).
A análise de conteúdo temática realizada aos trabalhos finais desenvolvidos no âmbito do curso de Formação para a Docência Digital em Rede resultou na identificação de um primeiro nível de categorização, seguido de um segundo nível de codificação. Ambos sustentam a temática comunicacional (Figura 4).
Importa agora discutir os elementos refletidos na análise apresentada em função das questões de investigação apresentadas. Começando pelas questões da acessibilidade, vimos que esta apresenta dois níveis para a sua concretização: por um lado as condições técnicas ou tecnológicas e, por outro, as condições para a sua garantia e generalização. O primeiro nível remete genericamente para os media digitais - plataformas utilizadas, ferramentas de webconferência, ferramentas de “chat” (conversação escrita síncrona). O segundo nível - da garantia da acessibilidade - tem também uma dimensão técnica que visa assegurar a comunicação com os alunos que não têm conectividade assegurada (LANCKER; PAROLIN, 2020). Encontramos aqui referências ao #Estudoemcasa (uma iniciativa da DGE em articulação com a Rádio Televisão Portuguesa para assegurar a transmissão de aulas através da televisão pública), ao correio, ao telefone e até a deslocações presenciais a casa de algum aluno numa situação mais crítica de isolamento e exclusão. A garantia da acessibilidade passa também por assegurar condições de equidade, através do suporte às famílias e a estratégias pedagógicas centradas no aluno (WILLIAMSON; EYNON; POTTER, 2020). São exemplos disto as referências à aferição de necessidades, à monitorização e análise de incidentes críticos, à humanização. Mas também as atividades colaborativas, o apoio e o feedback.
Os intervenientes nestes processos foram variados. Encontramos pessoas singulares, como seja o caso dos professores e encarregados de educação, também estruturas pedagógicas (Equipas pedagógicas, equipas E@D, por exemplo) ou de caráter administrativo (por exemplo, estruturas de gestão intermédia como os coordenadores de departamento, de grupo ou de diretores de turma e conselho pedagógico). O suporte decorreu também das redes de apoio local (como municípios, juntas de freguesia, associações locais,...). Cabe ainda destacar a interação com o Ministério da Educação, designadamente através da DGE e documentos orientadores como, por exemplo, o roteiro de princípios orientadores para a implementação do ensino a distância nas escolas Ministério da Educação de 2020.
Estes aspetos vão ao encontro da garantia da acessibilidade, tal como defendida por Alphin, Chan, Lavine (2017), ao mesmo tempo que sustentam o aluno e o processo de ensino e aprendizagem no centro da interação educativa (BETTINGER; FOX; LOEB; TAYLOR, 2017; NORTHCOTE, 2019).
Os níveis diversos de literacia digital identificados na teoria referem-se a alunos, encarregados de educação no acompanhamento das crianças e a professores (LANCKER; PAROLIN; 2020; MONTEIRO, et al, 2018). Também os nossos dados refletem assimetrias nestas três dimensões. Nestes casos, para além de respostas encontradas através das redes locais de suporte (já referidas) e que permitiram encontrar respostas céleres e adequadas às situações problemas que foram sendo identificadas, destaca-se também o esforço de capacitação desenvolvido pelos docentes. Efetivamente, o corpo docente investiu em ações de formação (caso do curso aqui em análise), em recurso a tutoriais, webinares e redes de trabalho colaborativo entre os professores de uma escola ou agrupamento de escola ou em comunidades mais alargadas formadas no âmbito das redes sociais (ALPHONSO, 2020; HEITZ et al, 2020).
Efetivamente, o trabalho colaborativo de equipes ou grupos permite o desenvolvimento de comunidades de prática (OKADA, 2011; 2013). No caso dos alunos, permite o desenvolvimento de competências e conhecimentos, na medida em que os vários elementos se apoiam e complementam para responder à tarefa. No caso dos professores, as comunidades de prática permitem evitar a duplicação de esforços, a partilha de boas práticas e alavancar as lições aprendidas.
Outros estudos têm indicado que, quando os professores têm níveis adequados de desenvolvimento profissional, apoio por parte das lideranças escolares e oportunidades de desenvolverem trabalho colaborativo com os colegas, melhoram os processos de ensino e aprendizagem que impactam nos resultados dos alunos (DATNOW, 2019). Dito de outro modo, o trabalho colaborativo entre professores impulsionado por processos de desenvolvimento e aprendizagem é muito mais eficaz na melhoria dos resultados educativos do que os sistemas baseados em modelos burocráticos e de prestação de contas (DATNOW, 2019).
Finalmente, as intervenções comunicativas aconteceram tanto de forma síncrona, como numa forma assíncrona, tendo estas uma periodicidade elevada. Tais interações são suportadas, sobretudo, pelos media digitais (tal como referido antes). As competências de comunicação no digital remetem para o uso dos media e das redes sociais para expressar ideias, dar ou receber e incorporar feedback, partilhar informações de modo adequado, identificar tendências e ideias diversas… (BATES, 2015). Tais competências estão na base dos processos de ensino e aprendizagem tecnologicamente mediados, do trabalho colaborativo e do desenvolvimento profissional docente (BATES, 2011).
Nesse contexto, os processos comunicativos foram importantes para manter a colaboração entre os professores, sobretudo no âmbito dos conselhos de turma, bem como para manter o vínculo dos alunos ao professor, ao trabalho letivo e assegurar o feedback e a avaliação formativa. A partir dos dados analisados, verificamos que o grupo de professores não descura a importância que a comunicação tem na relação com os pais e encarregados de educação, esclarecendo dúvidas e prestando apoio.
Deste modo, verificamos uma atenção especial aos processos comunicacionais no contexto do ensino remoto de emergência, revelando-se suficientes para manter o vínculo dos estudantes às respetivas turmas. Tais resultados seguem a linha de diversos autores (MOREIRA et al, 2013; MOREIRA, 2020; HODGES et al, 2020). Dito de outro modo, a estrutura comunicacional é essencial para motivar os alunos, para ligar e reforçar os sentimentos de pertença à comunidade de aprendizagem e dar visibilidade à presença do professor.
Em síntese, da análise construíram-se algumas ideias que a nuvem de palavras seguinte ilustra (Figura 5): designadamente, colaboração, tecnologia, videoconferência, conectividade e capacitação. Todas estas ideias reforçam a análise e discussão apresentada.
Conclusões
Sem o recurso ao digital durante o período em que as escolas foram fechadas devido à crise pandémica da COVID-19, não teria sido possível assegurar a ação educativa. A aprendizagem digital revelou-se, pois, um meio eficiente e eficaz para servir os estudantes das escolas portuguesas.
A aprendizagem digital, não tendo limitações, requer um corpo docente criativo e motivado para a mudança (CONNELLY; MILLER, 2018; OLUWAFEMI; LASEINDE, 2019). Do mesmo modo, exige do estudante mais maturidade e autonomia do que, geralmente, a aprendizagem tradicional. Esta maior exigência decorrente da mudança forçada, emergencial, para a aprendizagem remota causou stress aos estudantes, aos docente e às famílias (DUARI; SARKAR, 2018).
O cenário de constrangimentos que a pandemia tem vindo a proporcionar também mobilizou oportunidades de desenvolvimento, aprendizagem e inovação para as comunidades educativas e para as escolas, que assim puderam testar os seus limites e capacidades de comunicação interna e externamente. Neste contexto, a tecnologia emergiu e afirmou-se como uma ferramenta educacional ligada ao uso extensivo de tecnologias síncronas e assíncronas para o ensino e aprendizagem (ALBRAHIM, 2020). O desafio institucional que se coloca às escolas numa fase posterior será o de determinar o papel da tecnologia, a sua influência e o seu lugar nos processos de ensino e aprendizagem. Os agentes educativos (líderes de topo e intermédios e os próprios professores) também perceberam a necessidade de desenvolvimento e de formação dos docentes para a implementação bem-sucedida de uma aprendizagem de qualidade tirando o máximo partido das potencialidades das ferramentas digitais. Como resultado, é expectável que a aprendizagem digital seja uma prioridade tática na generalidade das instituições educativas (TERESEVICIENE, et al, 2020). Tornando, deste modo, a educação mais centrada no aluno, facilitando as competências de aprendizagem ao longo da vida, como a aprendizagem autodirigida, autodisciplina, autonomia e pensamento crítico. Uma pesquisa recente na Austrália sugere que o blended learning, combinando a educação presencial e mediada pela tecnologia, pode ser tão eficaz quanto a educação exclusivamente presencial, em sala de aula (FINKEL, 2020).
Às instituições educativas cabe o desenvolvimento de novas estruturas e sistemas organizacionais que promovam formas comunicacionais para incentivar a aprendizagem de qualidade, seja presencial, a distância ou híbrida.