Introdução
No contexto brasileiro, qualquer incursão na história relativamente recente das políticas de formação de professores (as) para a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, nos permite identificar, por um lado, que esse campo é marcado pela indefinição quanto ao nível de formação e, por outro, pela discussão quanto ao lócus institucional que deveria abrigar e responder por essa formação.
Essas circunstâncias impõem, igualmente, a necessidade de reconhecer que houve avanços significativos na forma de conceber e realizar a formação de professores(as), sobretudo nos domínios das instituições públicas de ensino superior que ofertam cursos de licenciatura nas diferentes áreas que compõem o currículo da escola básica.
Não se pode perder de vista que, em grande medida, os avanços alcançados no campo da formação de professores (as) estão irremediavelmente articulados ao desenvolvimento e fortalecimento de entidades científicas ligadas à formação docente, ao aumento da pesquisa e da produção dos estudos na pós-graduação em educação, à circulação de conhecimentos e experiências formativas gestadas em diferentes contextos e realidades e o crescimento de uma consciência crítica de professores (as) e pesquisadores (as) quanto à imperiosidade do tema. Basta considerarem-se, por exemplo, as críticas sobre qualidade da educação tangenciando a formação dos professores como tema recorrente, conforme indicam os estudos de Carvalho e Damasceno (2020), Santos e Cabral (2019); Damasceno; Fontes (2019) e Souza (2016, 2017) dentre outros.
Considerando que o tema da formação de professores (as) pode ser visto sob múltiplas abordagens e enfoques, o artigo que ora se apresenta opera com dois movimentos em sua base de constituição: o primeiro recupera traços, passos e descompassos da política de formação de professores (as) e do curso de Pedagogia posteriormente à aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
O segundo é configurado, sobretudo, a partir das regulamentações que objetivam imprimir diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e continuada dos professores (as) da educação básica, mormente às sucessivas postergações, rupturas, negações e enfrentamentos que denotam diferenças nem um pouco sutis entre os aspectos que passaram a balizar as referências e condutas do Conselho Nacional de Educação (CNE).E paralelas a esses fatos, a mobilização de entidades científicas do campo da formação de professores (as) e a própria ação das instituições de formação de professores (as).
Para tanto, tem-se, no horizonte, a aprovação da atual LDB, Lei nº 9.394/96 e as formulações e definições estabelecidas pelo órgão de regulamentação da educação nacional, o CNE, que instituiu um conjunto de diretrizes para orientar as instituições formadoras na formulação e/ou redefinição dos projetos pedagógicos curriculares de seus cursos de licenciatura.
De outra banda engendra-se um movimento que busca recuperar questões diretamente relacionadas às novas configurações que o curso de Pedagogia veio assumindo desde os idos do movimento nacional pela formação do educador, debate ocorrido nos anos de 1980, e em que medida essas iniciativas se aproximam da efetiva possibilidade de realização da formação do(a) professor (a) da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na educação superior, e se distanciam do ideal de formação propalado nas teses dos pioneiros de 1932 contribuindo para manutenção daquilo que se chama de “indefinição do nível de formação”.
Tal situação é agravada, mais recentemente, com a produção de novos atos legais produzidos de costas para o debate, para a produção acadêmica da área, para a circulação de informação e para a socialização de experiências e práticas formativas inovadoras.
Postas essas considerações preliminares, destaca-se que o presente estudo caracteriza-se como sendo de revisão e análise da política de formação de professores(as) ambientada no Brasil tendo como marco a aprovação da atual LDB, Lei nº 9394/96 e um conjunto de outros textos legais.
Dentro do arcabouço geral desses atos normativos/prescritos se situam: o Decreto nº 3.276/1999 o qual dispunha que a formação dos professores para atuar na Educação Infantil e AnosIniciais do Ensino Fundamental seria realizada exclusivamente nos Cursos Normais Superiores; a Resolução CNE/CP, nº 1/2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia; a Lei nº 13005/2014 que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências; a Resolução n° 02/2015, que estabelece as novas Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e a Resolução nº 02/2019 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores para a Educação Básica e Institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).
A tese aqui advogada é a que uma análise geral do conjunto desses dispositivos permite identificar que a questão da formação de professores(as) no Brasil continua carecendo da definição de uma política nacional de formação ou de um projeto de formação definido pelo Estado brasileiro.Portanto, isento de interesses circunstanciais, da pretensão de querer dar vida a intentos fracassados ou de ressuscitá-los quando de outros governos, em uma tentativa clara de não dialogar, não reconhecer e não considerar o volume de produção crítica existente no campo.
Diante do cenário em que tudo nesse país parece se desmontar com intenções muito claras de renegar a importância e o peso da ciência na produção do conhecimento elevado a graus sem precedentes de críticas negativas à importância da educação e da escola pública e de seus profissionais, não parece restar outra alternativa que não seja o enfrentamento, o embate e a resistência para fazer florescer a mesma força e reação levantada pelo movimento dos educadores nos idos da década de 1980.
A formação de professores(as) sob o crivo das indefinições e disputas concorrenciais
Ao tomar-se como referência a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 4024/61, que institui a licenciatura como curso superior para formação de professores perceber-se-á que, ao longo das últimas sete décadas, a discussão tem se situado entre os limites do ideal de formação e do real, cujo discurso é fortemente marcado pelas dificuldades de enfrentamento da polarização formação de nível médio e formação superior, revelando a oscilação vigente ao longo desses anos de formação de professores (as) no Brasil, sem a definição de uma política nacional de formação
Com a aprovação da atual LDB, em 1996, o tema da formação de professores passou a se constituir, novamente, em questão polêmica e controversa, como decorrência do processo de regulamentação da lei e das contradições ensejadas relativamente à manutenção da indefinição do nível de formação do(a) professor (a) das séries iniciais.
À época, essa situação ficou fortemente agravada com a flexibilidade quanto ao lócus institucional da formação de professores(as) com a pretensa criação dos Institutos Superiores de Educação (ISEs) e a propositura de se institucionalizar o Curso Normal Superior como responsável pela formação superior dos(as) professores (as) que atuariam na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Tais ações configuram-seem uma flagrante tentativa de esvaziar e não reconhecer como legítimas algumas experiências de formação desses profissionais ambientadas em cursos de pedagogia país a fora.
Ao tratar, inicialmente, das exigências da formação do(a) professor(a), a LDB determina que:
Art. 62- A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996).
O artigo da atual LDB, no caso da formação do(a) professor(a) para a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, reproduziu, quase que fielmente, a questão da indefinição do nível de formação presente nas legislações que lhe antecederam.
Prova inequívoca dessa situação pode ser observada frente à exigência formal da licenciatura para atuar na educação básica, sem especificar para qual de suas etapas; ao passo que recorre ao artifício da formação mínima de nível médio para atuar na Educação Infantil e nas Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Assim, a LDB reprisa a indefinição do nível de formação ao indicar que, a primeira etapa da educação básica, poderia continuar sendo provida com profissionais formados em nível médio enquanto propunha e reforçava a indefinição do lócus institucional da formação de professores com a infeliz ideia de criação dos Institutos Superiores de Educação, o que impingiria grau maior de indefinição. Isso por que os referidos espaços atuariam no mesmo plano que as universidades no campo da formação docente (CF. Artigo 63).
Outra questão controversa no escopo da Lei diz respeito ao tratamento dado ao curso de Pedagogia conforme se explicita a partir do Artigo 64:
Art. 64- A formação de profissionais da educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996).
Essas atribuições desconsideram,na origem, experiências de formação de professores acalentadas em algumasfaculdades de educação e em cursos de Pedagogia desde o final da década de 1980,à medida que alguns desses cursos vinham se encaminhando na direção de afirmar a docência como base da identidade profissional do egresso da Pedagogia e assumindo a formação de professores(as) para a Educação Infantil e Anos Iniciais do EnsinoFndamental como objetivo.
A partir dessas novas determinações, teve-se a aprovação do Decreto nº 3.276/1999, o qual dispunha que a formação dos(as) professores(as) para atuar Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental seria realizada exclusivamente nos Cursos Normais Superiores. Evidencia-se, então, a intenção declarada de retirar das universidades e do curso de Pedagogia esse espaço de formação,no afã de deslegitimar experiências formativas que estavam em curso desde os primórdios dos anos de 1990, sobretudo em algumas universidades públicas federais.
Não tardou para que houvesse um movimento forte e consistente de críticas e reações feitas por educadores e entidades diretamente afetas ao campo da formação de professor como, por exemplo, a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Essa mobilização e enfretamento foram fundamentais para que, mediante o Decreto 3.554/2000, procedesse a alteração da redação do parágrafo 2° do Art. 13 do Decreto 3.276/1999, substituindo a expressão “obrigatoriamente” para “preferencialmente”. Isso, em perspectiva, continuaria a convalidar que os cursos de Pedagogia seguissem habilitando professores(as) para o magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
As polêmicas, críticas e reações criadas em torno do referido decreto acabaram levando à sua revisão, na perspectiva de que a pretensa “exclusividade” fosse amenizada com a adoção do termo “preferencialmente”. Na prática, isso significou reafirmar que somente as universidades e os centros universitários gozavam de condição e autonomia para manter a formação do(a) professor(a) da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental dentro do curso de Pedagogia. As demais instituições de ensino superior deveriam optar por criar os seus ISEs e, nos seus limites, ofertar os Cursos Normais Superiores (CF. Parecer da Câmara de Educação Superior/Conselho Nacional de Educação n° 133/2001).
Anos depois, no movimento de construção, discussão e aprovação de diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Pedagogia assistiu-se a uma oposição de forças no que tange às ênfases e objetivos formativos que esse curso deveria vir a assumir, o que acabou por retardar a aprovação de tal documento.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, Resolução CNE/CP nº 1/2006, em seu Artigo 2º preceituam:
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006).
De acordo com o que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, os diferentes componentes curriculares seriam organizados e distribuídos em núcleos aglutinadores à formação, conforme previsto no Artigo 6°:
Artigo 6° A estrutura do curso de pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-á: I - um núcleo de estudos básicos; II- um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos; III- um núcleo de estudos integradores. (BRASIL, 2006).
Em 2015, o Conselho Nacional de Educação viria a aprovar uma nova regulamentação para o conjunto dos cursos de formação de professores existentes no Brasil que, dentre outras questões, definiu o tempo mínimo de duração dos cursos de licenciatura para quatro anos e a carga horária mínima de 3.200 horas/aula.
O Parecer CNE/CP nº 2, de 2015, que resultou na Resolução CNE/CP nº 2, de 2015, estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, definiu uma dinâmica formativa, tendo por eixo a base nacional comum, estabelecida nos referidos marcos regulatórios.
Passou-se, portanto, a requerer das instituições formadoras um projeto institucional de formação que se articule ao Projeto de Desenvolvimento Institucional e ao Projeto Pedagógico Institucional, para que se materialize em projetos pedagógicos de cursos mais orgânicos e vinculados à educação básica e, desse modo, expresse a identidade institucional.
A esse respeito, Dourado (2015) afirma:
[...] as novas DCNs enfatizam a necessária organicidade no processo formativo e sua institucionalização ao entender que o projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de ensino e instituições de educação básica, envolvendo a consolidação de Fóruns Estaduais e Distrital Permanentes de Apoio à Formação Docente, em regime de cooperação e colaboração. Tais questões implicam novos horizontes à dinâmica formativa dos profissionais do magistério da educação básica, pois a garantia do direito à educação a grupos e sujeitos historicamente marginalizados exige transformação na forma como as instituições de educação básica e superior estruturam seus espaços e tempos, suas regras e normas, incorporam novos materiais e recursos pedagógicos. Para atender a essa concepção articulada de formação inicial e continuada, as novas DCNs definem que é fundamental que as instituições formadoras institucionalizem projeto de formação com identidade própria, em consonância com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto Pedagógico de Curso (PPC).Considerando a importância da formação continuada oferecida pelos centros de formação de estados e municípios, bem como pelas instituições educativas de educação básica, as novas DCNsreconhecem esse lócus de formação continuada como parte constitutiva da nova política que se quer consolidar no país. (DOURADO, 2015, p. 307).
Em conformidade com a legislação vigente, a Resolução define que a formação inicial do profissional do magistério da educação básica, em nível superior, deve contemplar a formação para o exercício da docência e da gestão educacional e escolar na educação básica, adequada à área de conhecimento e às etapas e modalidades de atuação, garantindo acesso a conhecimentos específicos sobre gestão educacional e escolar.
Também, formação pedagógica para o exercício da gestão e coordenação pedagógica e atividades afins; e que a formação inicial de profissionais do magistério será ofertada, preferencialmente, de forma presencial, com elevado padrão acadêmico, científico, tecnológico e cultural, como definido na LDB (CF. DOURADO, 2015).
Como órgão de regulamentação da educação nacional, o CNE previa dois anos para efetivar as orientações contidas na Resolução CNE/CP 02/2015. Era de se supor, portanto, que, até o mês julho de 2017 as IES tivessem readequado os projetos pedagógicos dos seus respectivos cursos de licenciatura.
No entanto, por força de outros interesses ou mesmo em função da nova configuração posta na composição do CNE, o próprio órgão se encarregou de proceder alterações quanto às datas de cumprimento da implantação das diretrizes. Inicialmente esse intento foi objetivado através da Resolução CNE/CP nº 1, de 9 de agosto de 2017, que alterou o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de julho de 2015, nos seguintes termos:
Art. 1º Alterar o prazo, previsto no Art. 22, da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que passa a ter a seguinte redação: Art. 22. Os cursos de formação de professores, que se encontram em funcionamento, deverão se adaptar a esta Resolução no prazo de 3 (três) anos, a contar da data de sua publicação. Art. 2º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2017).
No ano seguinte, pela Resolução do CNE/CP nº 3, de outubro de 2018, houve a dilatação do prazo para quatro anos a contar da data da publicação da Resolução CNE/CP nº 02/2015, ou seja, até julho de 2019.
Não bastasse, assistiu-se, ainda, à aprovação da Resolução CNE/CP nº 1, de 2 de julho de 2019 que, em seu Art. 1º, alterou, mais uma vez, a Resolução 02 de 2015.
A Res. CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, passa a vigorar com a seguinte alteração: Art.22 - Os cursos de formação de professores, que se encontram em funcionamento, deverão se adaptar a esta Resolução no prazo máximo de 2 (dois) anos, contados da publicação da Base Nacional Comum Curricular, BNCC, instituída pela Resolução CNE/ CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 22 de dezembro de 2017. (BRASIL, 2019).
Sobre esse movimento de postergar a implantação da Resolução 02/2015, as análises de Freitas (2019), em entrevista concedida ao Portal EPSJV/Fiocruz, são esclarecedoras:
Nessa direção de retomar velhas propostas, já rejeitadas pela área, nós temos atualmente o agravamento do quadro atual, pois em 2015, o CNE aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores, que contemplam a luta histórica dos educadores, desde a década de 80. O Ministério e essa equipe trabalham com uma visão minimalista da formação - reduzida ao domínio dos conhecimentos específicos das áreas de conhecimento, das áreas de ensino, que serão objeto da formação na educação básica. O atual alinhamento da Base Nacional Comum de Formação de Professores ao currículo da educação básica - a BNCC - nos permite afirmar que a formação passará a ser regulada pela Base Nacional Comum Curricular, e não pelos fundamentos científicos no campo das ciências da educação e das ciências pedagógicas e a produção de conhecimento da área educacional, que contemplam as relações entre escola, sociedade e trabalho, impactando sobre a organização da escola, do currículo, do percurso formativo, e da formação da infância, da juventude. (FREITAS, 2019, p. 3-4).
Por fim, dando cabo e prosseguimento à ação de desmonte dos avanços e conquistas que a Resolução 02/2015 contemplava enquanto concepção de formação inicial e continuada dos(as) professores(as) da educação básica, mais uma vez, a sanha desmobilizadora levada a efeito pelo CNE aprova a Resolução 02/2019, a qual rompe com as diferentes perspectivas que vinham sendo adotadas pelas IES para formatar novos projetos pedagógicos aos cursos de formação de professores(as).
Dessa forma, busca-se uma aceitação às determinações da base nacional comum para a formação inicial e continuada de professores(as) da educação básica o que difere frontalmente daquilo que, historicamente, o movimento de professores vem defendendo enquanto base comum nacional.
O texto da referida resolução desconsidera, por exemplo, a movimentação que vinha sendo praticada por um conjunto de instituições públicas no redesenho dos projetos institucionais de seus cursos de licenciatura, além de desprezar o debate e a produção crítica produzida no campo da formação de professores(as) no sentido de retomar “velhas propostas” já superadas e negadas pela área, apegando-se ao discurso de que tal resolução está referenciada na implantação da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC).
Contraditoriamente, o texto da Resolução trata de um capítulo ao qual denomina “Dos Fundamentos e da Política da Formação Docente” negligenciando aspectos e questões fundamentais contempladas na Resolução 02/2015, desconsiderando as metas do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) no que tange à formação e valorização dos profissionais da educação. Desconsiderando, também, os resultados até aqui alcançados com a política nacional de formação dos profissionais do magistério da educação básica consubstanciada nas ações do Parfor, por exemplo (Decreto 67.55/209).
O texto expressa uma compreensão monolítica, reducionista e simplista da complexidade que envolve a formação de professores em contextos e realidades tão distintas e distantes como a brasileira, quando diz que a política de formação de professores para a educação básica se desenvolverá em consonância com os marcos regulatórios especialmente com a BNCC. (CF. Artigo 6).
Fala-se de carga horária mínima sem especificar-se, no entanto, o tempo mínimo de duração dos cursos. Em que pese seu caráter autocrático quando determina “devem respeitar”, “não contrariar”, deixa facultado às instituições o fato de que estas podem dispor as 3.200 horas mínimas em tempo inferior a quatro anos.
Não seria exagero ressaltar que a questão do tempo mínimo de duração dos cursos de licenciatura nos moldes estabelecidos pela Resolução 02/2015 é, por certo, um dos aspectos que muito contribuíram para as sucessivas postergações de sua implantação, considerando principalmente as perspectivas da iniciativa privada que ofertam cursos de licenciatura em períodos noturnos e respondem em grande medida pela formação de professores em diferentes regiões do país.
Ademais, não definir tempo mínimo de duração dos cursos acaba deixando livre à iniciativa de quem oferta poder fazê-la no tempo que julgar conveniente abrindo espaço de disputas e concorrências.Isso pode vir a contribuir ainda mais para o rebaixamento da qualidade e aligeiramento da formação de professores em percursos formativos duvidosos pautados pela lógica do mercado e da concorrência.
Considerações Finais
As análises e demarcações que aqui são apresentadas concorrem para demonstrar que em se tratando da formação do(a) professor(a) daEducação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental ainda persistem as indefinições quanto às exigências relativas ao nível de formação, admitindo-se a formação de nível médio principalmente nas regiões menos desenvolvidas do país. Tal condição impõe como imperativa a necessidade de uma política nacional de formação de professores.
De outra feitam explicitam-se, ainda, tendências desfavoráveis ao fato de o curso de Pedagogia se constituir como a licenciatura que responde pela formação do(a) professor(a) da Educação Infantil e Anos Inicias do Ensino Fundamental.
Com a aprovação da Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006, e dos demais atos regulamentadores da formação de professores(as), imaginava-se que ao menos a questão do nível de formação do(a) professor(a) estivesse equacionada e que, enfim, a educação superior passasse a assumir a formação de todos(as) os(as) docentes que atuam na educação básica independentemente da etapa a qual estivessem vinculados(as).
Acredita-se que, no cenário da realidade educacional brasileira, não se pode discutir formação de professores(as) descolado do papel que as entidades científicas têm desempenhado nesse movimento principalmente na defesa de políticas de formação conforme assinala Aguiar (2009, p. 251). A referida autora demarca o reconhecimento de “um papel importante no debate nacional sobre a formação e valorização do magistério da educação básica e na formulação e implementação da política educacional”.
No caso da Resolução CNE/CP nº 02/2015, além de se estabelecer a definição, em seu escopo, do tempo mínimo de duração e carga horária,estava explicitada uma dinâmica de formação que incorporava como eixo estruturante os princípios da base nacional comum, fundamento historicamente defendido pela Anfope, além de se assentar em um projeto formativo que evocava organicidade e articulação entre as instituições formadoras e os sistemas de ensino.
No corpo da referida resolução também estava presente a definição de que a formação inicial do profissional para atuar na educação básica, independentemente da etapa, deveria ser objeto de realização da educação superior, contemplando tanto a docência quanto a gestão das unidades escolares.
Todavia, as diferentes iniciativas levadas a efeito pelo CNE, posteriormente ao ano de 2016, parecem ter caminhado na direção de desmontar e não reconhecer os novos cenários formativos propostos no corpo da Resolução CNE/CP nº 02/2015 que encontrava lastro e fazia eco com questões discutidas e debatidas desde os anos de 1980.
Em uma ação de direção oposta o órgão máximo de regulamentação da educação nacional foi criando diferentes subterfúgios e alguns outros enredos de retórica para estender o prazo de sua efetivação, até se chegar à formulação de um outro marco, a Resolução CNE/CP nº 02/2019, que não dialoga com conquistas e avanços até aqui produzidos, tampouco os reconhece.
Para ilustrar, nesse movimento de retorno ao passado cita-se, por exemplo, a questão da indefinição do nível de formação do(a) professor(a) da Educação Infantil e Anos Iniciais di Ensino Fundamental aquando, em seu Artigo 18, trata exatamente da formação em nível médio, na modalidade normal, destinados à formação de docentes da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Aliás, terminologia inexistente, desde o momento em que pela reforma do ensino de 1º e 2º graus, pela Lei 5692/71, os antigos cursos normais foram transformados em habilitação específica para o magistério.
Diante das circunstâncias postas e do movimento que vinha sendo operado, resta, aqui indagar acerca de qual é o projeto de formação de professores(as) que está se delineando? E ainda, a que tipo de interesses e disputas concorrenciais ele serve?