Introdução
O Desenvolvimento Infantil é parte integrante do processo de crescimento e socialização do indivíduo, devendo ser fomentado pelos pais, outros familiares e contexto educacional (LUOTO et al., 2019). Neste processo a alimentação adequada constitui-se como pilar fundamental e deve levar em consideração as necessidades e características de cada faixa etária. Como durante esta fase da vida muitas crianças passam boa parte de seu tempo em centros educacionais estes, por sua vez, também devem subsidiar tanto uma alimentação saudável quanto ações de cunho educativo e preventivo relacionadas aos hábitos alimentares. Neste contexto, seria ideal que estas ações de Educação em Saúde e de Educação Alimentar e Nutricional estivessem inseridas nas agendas governamentais contemplando, também, o treinamento e a capacitação dos educadores da Educação Infantil (AGGARWAL; KAKKAR, 2019; HENRIQUES et al., 2018).
O papel da escola na Promoção da Saúde, considerada um campo conceitual e de práxis, cresce ante a sua importância no enfrentamento de problemas sociais e nutricionais, fortalecendo o seu caráter promocional e preventivo, elementos desafiadores para o sistema de saúde (MALTA et al., 2016). Portanto, a implementação de atividades deste cunho, em pré-escolas, garante repercussões positivas aos vários determinantes de saúde modificáveis, além do atendimento intrínseco ao público infantil, com vistas à melhoria do panorama da transição epidemiológica, nutricional e demográfica (DUNN et al., 2019; MELO E LIMA, et al., 2018).
Deste modo, programas educativos voltados aos profissionais que atuam na educação infantil são ferramentas que podem contribuir para o desenvolvimento integral da criança, principalmente em tenra idade. Como um espaço ideal para o fortalecimento de atividades de Educação Alimentar e Nutricional, as creches, que atendem crianças de 6 meses a 5 anos de idade, podem, além de oferecer alimentação equilibrada, tanto quantitativa como qualitativa, amenizar as situações de insegurança alimentar e déficits nutricionais, promovendo, assim, o desenvolvimento e o crescimento infantil por meio da criação de hábitos duradouros (GUERRA; SILVEIRA; SALVADOR, 2016; KIM et al., 2019; SANTOS et al., 2013).
No que tange a alimentação saudável, tais ações deverão ser norteadas pela Ciência da Nutrição, que engloba uma série de análises e componentes que devem ser levados em consideração, a saber: segurança alimentar e nutricional, consumo alimentar adequado e fatores nutricionais que possam provocar carências de determinadas vitaminas e/ou minerais, bem como o contexto social em que a criança está inserida, a fim de cooperarem para o desempenho escolar satisfatório (SILVA; ENGSTRON; MIRANDA, 2015).
Quanto ao contexto social em que a criança está inserida, sabe-se que as creches públicas abrigam crianças de diferentes contextos sociais, mas, principalmente, aqueles que apresentam uma maior vulnerabilidade e que, muitas vezes, têm acesso a uma alimentação de melhor qualidade somente quando estão nesses ambientes. Deste modo, fomentar programas voltados aos educadores infantis, inseridos nestes contextos, traria um impacto relevante para a qualidade de vida e desenvolvimento desses indivíduos, contribuindo para a equidade das ações em saúde (HERRERA; LIRA; KAIN, 2017; KONSTANTYNER et al., 2017).
Contudo, ainda há na literatura escassez de estudos que apresentem protocolos, simples, práticos e que avaliem o impacto de intervenções sobre o conhecimento de educadores infantis de creches públicas quanto à alimentação infantil e sua relação com variáveis sociais, económicas e o estado nutricional destes, bem como apresentem metodologias reprodutíveis das atividades, estratégias pedagógicas e ações educativas (FONSECA et al., 2016).
Diante a sua importância na atualidade contemporânea, a Educação Infantil, considerada como uma das fases mais importante da vida escolar de uma pessoa, passa a ser vista como um campo estratégico na promoção da saúde e formação de hábitos alimentares saudáveis, e, com isso, os educadores infantis começam a trazer à tona discussões que defendem a valorização profissional, necessitando de práticas pedagógicas que orientem esses profissionais durante todo o processo educacional, como a inserção da Educação Alimentar e Nutricional em todos os campos estratégicos de ensino (NYLANDER et al., 2012; MAGALHÃES; PORTE, 2019).
Ante ao exposto, os objetivos do presente estudo foram 1) realizar um programa de treinamento e formação nutricional, direcionado aos educadores infantis de uma Rede Municipal de Educação, quanto às práticas alimentares e alimentação escolar, e 2) avaliar a eficácia do programa na melhoria do conhecimento nutricional dos educadores, verificando possíveis associações com a escolaridade dos educadores infantis investigados.
Aspectos Metodológicos do Estudo
Trata-se de um estudo pré-experimental, do tipo pré-teste e pós-teste, realizado sem grupo de controlo. O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Lavras-UFLA sob o protocolo 80841917.0.0000.5148.
Amostra e Instrumentos Avaliativos
As intervenções educativas foram realizadas em 15 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) do município de Lavras, Minas Gerais, Brasil, tendo como público alvo os educadores infantis, do segmento pré-escolar, que atendem crianças menores de 5 anos, no período de agosto a novembro de 2018. Todas as diretoras, coordenadoras pedagógicas, professores, monitoras e auxiliares de serviços gerais (ASG) foram convidadas a participar do estudo. A amostra final foi composta por 224 funcionários, sendo: 15 diretoras, 25 coordenadoras pedagógicas, 66 professoras, 71 monitoras e 47 auxiliares de serviços gerais, e as perdas de segmento em cada módulo estão apresentadas na Figura 1, conforme protocolo TREND Statement (DES JARLAIS et al., 2004).
A amostra, sendo citada ao decorrer do texto como educadores, possui tempo de experiência variável em relação à atuação frente à Educação Infantil, muitas vezes oscilando entre as demais modalidades de ensino da Educação Básica (como o Ensino Fundamental), e ainda, não apresentavam qualquer especialização na temática da Nutrição e Alimentação infantil, dispondo em seu currículo, apenas ações de extensão universitária, como cursos, palestras e workshops sobre a temática.
Foram coletadas, via questionário, informações sociodemográficas, estratificação escolar, econômicas e relacionadas ao estilo de vida como a realização de dieta e a prática de atividade física (PEDREIRA et al., 2016).
A Estratificação socioeconômica foi realizada pelo critério descrito por Kamakura e Mazzon (2013), concebido para uso primordial em marketing, baseado no conceito teórico de renda permanente e na modelagem de classes latentes ordinais. Por último, o novo classificador simplificado adotado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) em 2013, construído por meio de regressão logística, compreendeu 15 indicadores, cujos pontos foram definidos pelo coeficiente de cada variável dummy selecionada. Em função da soma obtida de pontos, classificou-se o domicílio no respectivo estrato socioeconômico, classificados em uma das 08 classes econômicas do Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB): A1, B1, B2, C1, C2, D-E (ABEP, 2013). Neste estudo optou-se em agrupar as classes B1 e B2 e C1 e C2, resultando nas classes: A, B, C e D-E. Ressalte-se que esse classificador retrata uma classificação única para todo o Brasil, não levando em consideração a localização geográfica e composição familiar do indivíduo.
Peso e estatura foram informados no momento da coleta dos dados e o Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado. Os pontos de corte de IMC adotados foram os de baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2); eutrofia (IMC 18,5-24,99 kg/m2); sobrepeso (IMC 25-29,99 kg/m2); e obesidade (IMC ≥ 30,00 kg/m2) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000).
Escala de Conhecimento Nutricional e Intervenções Educativas em Alimentação e Nutrição
Para a mensuração do conhecimento nutricional utilizou-se a escala de Harnack et al. (1997) que foi traduzida e adaptada para o Brasil (SCAGLIUSI et al., 2006). A Escala de Conhecimento Nutricional (Figura 2) aplicada apresenta um total de 12 questões e para a classificação do conhecimento nutricional, foram utilizados os critérios: pontuações totais entre 0 e 6 foram classificadas como baixo conhecimento nutricional, entre 7 e 10 como moderado e acima de 10 alto conhecimento nutricional. A escala fomenta questionamentos a respeito da relação entre alimentação e doenças, atitudes nutricionais para prevenção de doenças, composição de fibras e gorduras nos alimentos, e recomendações de frutas e hortaliças para uma boa saúde.
O questionário é composto por três etapas: a primeira contém quatro questões sobre relação entre dieta e doenças; a segunda etapa possui sete questões sobre fibras e lipídeos nos alimentos; e a terceira é composta por uma questão sobre a quantidade de porções de frutas e hortaliças que uma pessoa deve consumir. A escala foi administrada aos educadores no período pré-teste onde os mesmos foram orientados a responder da maneira mais honesta possível. Decidiu-se não reaplicar o questionário nos indivíduos, pois estes poderiam receber alguma educação nutricional nos próximos dias.
As intervenções compreenderam 2 Módulos: I. Curso de Capacitação com o objetivo de aperfeiçoar os conhecimentos nutricionais deste público e de fornecer atualizações sobre o tema de Alimentação Infantil; II Módulo. Jornada de Educação Alimentar e Nutricional dentro do ambiente escolar, a fim de qualificarem o seu aprendizado sobre a temática de alimentação infantil e de ações de intervenções educativas em saúde nutricional e transferirem as informações ao público infantil. Utilizou-se o modelo de avaliação de treinamento nível 2 (aprendizagem) de Kirkpatrick (FRYE; HEMMER, 2012), com foco na avaliação da mudança na forma de perceber a realidade e/ou aumento de conhecimentos, bem como aumento de habilidades.
No I módulo foi ministrado um Curso sobre Promoção da Saúde e a Prática Pedagógica na Educação Infantil, por profissionais da área de saúde, sendo um Nutricionista, alunos do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Lavras e uma Médica expert em Educação em Saúde (Faimer Fellow), contemplando uma carga horária total de 12 horas. O curso foi dividido em 2 etapas de aprendizagem: 1. Atualização em Alimentação e Nutrição na Educação Infantil, com os tópicos abordados: Hábitos Alimentares na Infância; Amamentação e Alimentação Complementar; Características e Recomendações Alimentares e Nutricionais para o Pré-escolar e Guia Alimentar para a População Brasileira e 2. Método Indutivo de Pestalozzi (1946) em Educação Alimentar e Nutricional, método em que a educação pode ser construída por meio dos sentimentos e emoções e preocupando-se em relacionar conhecimentos e atividades práticas, de modo a viabilizar de modo articulado o desenvolvimento intelectual e moral do homem, propondo que os educadores atuem na temática de atividades de intervenção no ambiente escolar, sendo os tópicos abordados: Objetivos da Educação Alimentar e Nutricional (EAN); Importância da EAN; Diferenças entre a EAN e a Orientação Nutricional (ON); Aplicações da EAN na Educação Infantil; Método intuitivo como proposta Inovadora e Aplicações do método intuitivo na EAN, sendo este módulo, ministrado pelos alunos do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Nutrição, da linha de pesquisa da temática educacional, contemplando o desenvolvimento de ações de promoção da saúde.
No II Módulo os grupos de Intervenção Nutricional realizaram as atividades propostas pela II Jornada de Educação Alimentar e Nutricional (EAN), lançada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, autarquia vinculada ao Ministério da Educação do Governo Federal, contemplando 20 h de atividades (BRASIL, 2018).
O objetivo da Jornada de EAN foi o de incentivar o debate e a prática das ações de educação alimentar e nutricional no ambiente escolar, direcionado aos educadores, e dar visibilidade àquelas já desenvolvidas nas escolas públicas de educação infantil. Jornada de EAN foi composta de 4 (quatro) etapas contemplando os temas: 1. Comida de verdade na escola; 2. Promovendo a alimentação adequada e saudável no currículo escolar; 3. Propaganda e publicidade de alimentos para o público infantil; 4. Envolvimento da família na alimentação escolar: vamos aprender juntos. Cada etapa tinha uma breve descrição da ação executada e a inserção de um exemplo de como a mesma deveria ser realizada.
Os temas foram abordados e trabalhados para todas as faixas etárias, de acordo com a política pedagógica dos CMEI’s, bem como a comunidade escolar e pais, abrangendo assim todos os sujeitos envolvidos no processo de construção de práticas alimentares saudáveis. Todas as ações de alimentação e nutrição realizadas foram ilustradas por materiais educativos e lúdicos, como réplicas, fotos de alimentos e medidas caseiras, além de jogos educativos e teatro, visando favorecer a compreensão das mensagens. A intervenção nutricional foi acompanhada por 3 nutricionistas estudantes de pós-graduação e 2 graduandos em Nutrição, treinados e supervisionados pelos pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Ao final da formação, foi solicitado que cada educador apresentasse um planejamento, denominado de portfólio, para a realização de ações nutricionais, no âmbito escolar, informando os seguintes pontos: 1) O que é a ação, qual o seu título? 2) O que motivou sua realização? 3) Quais os objetivos pretendidos? 4) Como foi realizada a ação? 5) Você identificou algum resultado da ação até o momento? Se sim, qual foi/quais foram? 6) Relate aqui os desafios encontrados até o momento e as lições aprendidas. Os educadores tiveram acesso aos instrutores para tirarem dúvidas, além de sugestões no planejamento e feedback.
Análise dos dados
Para a avaliação de aquisição de conhecimento utilizou-se um questionário, em uma escala do tipo Likert, de 7 pontos, contemplando o contexto de pré-teste e pós-teste (Mcmillan & Schumacher, 1997). Para cada um dos itens, o profissional deveria escolher uma resposta, considerando as opções da escala Likert: 1 (muito pouco), 4 (moderado), 7 (bastante).
Foram utilizadas estatísticas descritivas para caracterização da amostra e procedimentos de inferência para analisar os resultados da intervenção. Para a avaliação da eficácia da intervenção educativa foi utilizado o teste t pareado para comparar as pontuações médias de conhecimento nutricional dos educadores após e antes da intervenção. As diferenças (conhecimento nutricional médio pós vs antes intervenção) foram consideradas significativas quando p < 0,05.
Para avaliar se a diferença do conhecimento nutricional provocada pela intervenção dependia da escolaridade dos educadores, foi utilizada Análise de Variância. Nesta etapa, foi analisado o efeito de cinco categorias de Estratificação escolar (variável independente) sobre a variável ganho de conhecimento (variável dependente). Para cada participante, o ganho de conhecimento foi definido como a diferença entre as notas após e antes da intervenção.
Os pressupostos para aplicação dos procedimentos estatísticos paramétricos foram verificados e em todas as análises utilizou-se o software R versão 3.5.1 (R CORE TEAM, 2018).
Resultados
A amostra total de 224 educadores caracterizou-se em 99,1% do gênero feminino (n=222) e com idades entre 20 e 67 anos. A estratificação socioeconômica da amostra, segundo os critérios estabelecidos pela ABEP, apontou que 46,4% e 36,2% da amostra pertencem às classes B e C, respectivamente. Pela estratificação escolar, 42,9% dos educadores apresentam Ensino Médio completo ou Superior incompleto. A maior parte dos participantes (54%) alegou já ter realizado algum tipo de dieta, todavia sem a prática de exercícios físicos (62,9%). O resultado da avaliação do estado nutricional, segundo o Índice de Massa Corporal (IMC), mostrou que 38,8% dos educadores apresentavam sobrepeso e 19,2% obesidade (Tabela 1).
Variável | N | (%) |
---|---|---|
Gênero | ||
Feminino | 222 | 99,1 |
Masculino | 2 | 0,9 |
Estratificação socioeconômica | ||
Classe A | 20 | 8,9 |
Classes B1-B2 | 104 | 46,4 |
Classes C1-C2 | 81 | 36,2 |
Classes D-E | 8 | 3,6 |
NA | 11 | 4,9 |
Estratificação escolar | ||
Analfabeto/Fundamental I incompleto | 12 | 5,3 |
Fundamental I completo/Fundamental II incompleto | 35 | 15,6 |
Fundamental completo/Médio incompleto | 17 | 7,6 |
Médio completo/Superior incompleto | 96 | 42,9 |
Superior completo | 60 | 26,8 |
NA | 4 | 1,8 |
Realização de dieta | ||
Sim | 121 | 54 |
Não NA | 100 3 | 44,6 1,4 |
Se sim, qual orientação | ||
Nutricionista | 76 | 65 |
Por conta própria | 32 | 27,3 |
Internet/Blog | 09 | 7,7 |
Atividade Física | ||
Sim | 70 | 31,3 |
Não | 141 | 62,9 |
NA | 13 | 5,8 |
Avaliação antropométrica | ||
Baixo Peso | 4 | 1,8 |
Eutrofia | 69 | 30,8 |
Sobrepeso | 87 | 38,8 |
Obesidade | 43 | 19,2 |
NA | 21 | 9,4 |
NA = Não declarado.
Em relação ao Questionário de Conhecimento Nutricional, aplicado a fim de se mensurar o conhecimento prévio (pré-teste) dos participantes, antes das intervenções, observou-se uma escala de conhecimento com escore médio de 8,1±2,0 pontos, havendo pontuação mínima e máxima de 2 e 12 pontos, respectivamente, demonstrando que 68,3% (n=153) apresentaram moderado conhecimento nutricional, 19,6 (n=44) baixo conhecimento nutricional e 12,1% (n=27) um alto conhecimento nutricional. O escore médio de aquisição de conhecimento, antes e após intervenção, foi 3,40 e 5,07 pontos, respectivamente.
Participaram do I Módulo (Curso sobre a Promoção da Saúde e Prática Pedagógica na Educação Infantil) 42,9% (n=96) dos educadores e a participação na Jornada de EAN foi de 71,4% (n=160). A diferença na adesão aos módulos deve-se ao fato de que o I Módulo ocorreu ao fim de semana, não considerado dia letivo no calendário escolar. E ainda, para a realização da Jornada de Educação Alimentar e Nutricional (II Módulo), houve a obrigatoriedade da entrega de um portfólio de atividades, a fim de certificação dos participantes.
Por meio do teste t pareado e considerando a amostra total (n = 224), observou-se diferença (p < 0,001) entre as notas médias após (5,07) e antes (3,4) do programa de intervenção nutricional, comprovando o ganho no conhecimento nutricional dos educadores. A diferença observada na pontuação média após a intervenção educativa ( x D = 1,67) pode ser de até 1,89 pontos na população, considerando um nível de confiança de 95% (IC95% ( 𝜇 𝐷 ): [1,44; 1,89]). Em relação à Estratificação Escolar da amostra, por meio da análise de variância, verificou-se que não há diferença estatística significativa entre os grupos em relação ao ganho médio de conhecimento nutricional adquirido, com valor-p = 0,26 (Tabela 2). Isso significa que o ganho médio com a intervenção é independente da escolaridade dos educadores.
Estratificação Escolar dos educadores | n | Ganho médio no conhecimento nutricional | |
---|---|---|---|
Analfabeto/Fundamental I incompleto (Analfabeto/Primário Incompleto) | 12 | 1,44 | |
Fundamental I completo/Fundamental II incompleto (Primário Completo/Ginásio incompleto) | 35 | 1,87 | |
Fundamental completo/Médio incompleto (Ginásio Completo/Colegial incompleto) | 17 | 1,10 | |
Médio completo/Superior incompleto (Colegial Completo/Superior Incompleto) | 96 | 1,54 | |
Superior completo | 60 | 2,02 | |
Valor-p | 0,26 |
Discussão
Os resultados desse estudo reforçam que, em instituições e unidades educacionais, voltadas à educação infantil, ainda predominam educadores do sexo feminino, representando 99,1% da amostra (GOMES, 2017; VASCONCELOS; SALOMÃO, 2016). A percepção foi confirmada no Censo Escolar 2018, divulgado pelo Ministério da Educação, que apontou que cerca de 80% dos 2,2 milhões de docentes da educação básica brasileira são do sexo feminino (BRASIL, 2019).
Este fenômeno da “feminização do magistério” foi evidenciado e compreendido pela organização sindical docente paulista, no final da década de 1990, diante de um quadro de crise econômica do país, a qual culminou na ampliação do número de instituições escolares e na migração dos homens para atividades melhor remuneradas em outros setores da economia, abandonando as salas de aula nos cursos primários e as Escolas Normais, sendo as instâncias responsáveis pela divulgação do saber, das normas e técnicas necessárias à formação dos professores (CAVALCANTE; CORRÊA, 2012; VIANNA, 2013). Considera-se, portanto, que o ato do magistério, sendo representado em paralelo ao trabalho casual e ao cuidado minucioso com as crianças, torna-se intrínseco às mulheres, reforçando a figura da educadora à representação familiar materna (LIU et al., 2018; SANTOS ROCHA; FACINA, 2017).
O panorama de transição nutricional das populações, em especial das mulheres, classifica a obesidade em crescente dimensão global, na classe de doenças endócrinas, nutricional e metabólicas pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000), a qual pode trazer grandes repercussões à saúde (OGDEN et al., 2014). No Brasil, segundo dados da Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas (VIGITEL), observa-se um aumento da prevalência de obesidade em mulheres com mais de 18 anos na última década, partindo de 11,5% em 2006 para o percentual de 18,1% em 2016, sendo encontrado no estudo um percentual de 19,2% obesidade entre os educadores (BRASIL, 2018).
O sedentarismo, representado neste estudo em 62,9%, constitui-se como um problema mundial e tem maior prevalência entre as mulheres, idosos e pessoas de baixa renda, sendo considerada como um dos principais problemas de saúde pública na sociedade moderna, reconhecida como uma pandemia global, contribuindo para o aumento de peso da população (AL-HAZZAA, 2018; AN et al., 2016; SOUZA; FILLENBAUM; BLAY, 2015). O Brasil apresenta o menor percentual de atividade física, em relação a outros Estados da América Latina, sendo menos de 150 minutos semanais (SALVO et al., 2017).
Em relação ao conhecimento nutricional, até o momento, existem poucos trabalhos na literatura que utilizam a presente escala de Harnack et al. (1997) como instrumento para avaliação de conhecimento nutricional entre educadores, seja no âmbito infantil ou em outras faixas etárias. Independente da ferramenta de mensuração utilizada, o conhecimento nutricional dos indivíduos pode favorecer o consumo de alimentos saudáveis e assim promover mudanças nas práticas alimentares, podendo, dessa forma, reduzir os riscos de incidência de doenças crônicas não transmissíveis, porém, estudos que avaliam o nível de conhecimento em nutrição de indivíduos adultos ainda são escassos (BARBOSA et al., 2016).
Para que esse conhecimento seja efetivado, ações intersetoriais, envolvendo gestores, profissionais e comunidade em geral, devem ser pautadas na finalidade de promover Educação em Saúde, visando a redução dos percentuais de sobrepeso/obesidade e adotando medidas educativas que possam favorecer, além do indivíduo, todos que à acercam, enfatizando e promovendo ações que minimizem os inadequados hábitos e práticas alimentares (DIAS et al., 2017; FRANÇA et al., 2018).
Ademais, deve-se monitorar os ganhos de conhecimento, bem como a eficácia de diversos tipos de protocolos educativos. Neste estudo optou-se por trabalhar, em completude, as temáticas concernentes à educação nutricional e sua relação com as variáveis individuais dos participantes. Constatou-se, paradoxalmente, moderado conhecimento nutricional (68,3% da amostra) e a prevalência de excesso de peso (58%). Fator este que justifica a complexidade das escolhas alimentares e a discussão sobre os atributos fundamentais que corroboram com esta realidade, como o crescente aumento do processo de urbanização e modernização no comércio de alimentos, gerando mudanças nos comportamentos alimentares tradicionais com o aumento do consumo de alimentos industrializados (MORATOYA et al., 2013).
Estratégias nacionais vêm sendo implantadas, a fim de modificar este cenário, como o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014) incentivando o consumo dos alimentos in natura e/ou minimamente processados, estes apresentando maior disponibilidade de nutrientes e colaborando para a manutenção da saúde.
A Promoção da Saúde, vista sob a ótica da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde é definida como o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle desse processo” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1986), devendo ser uma estratégia multissetorial e uma ação processual onde o empoderamento individual é o mecanismo central aos comportamentos desejáveis e estes aplicados ao público de interesse (JOH et al., 2017).
A realização da educação para a saúde, seja em sessões individuais ou em grupos, possui os objetivos de melhoria dos conhecimentos, das atitudes e da capacidade de mudança. Esse processo deve ser realizado em instituições promotoras de saúde que apresentem escassez destas atividades e em localidades que apresentem alto nível de vulnerabilidade, como em espaços institucionalizados, a fim de reduzir os agravos e desfechos insatisfatórios encontrados e no contínuo planejamento de promover a saúde (LINGAWI; MAHER; AFIFI, 2017; LYU et al., 2017; PERCIVAL et al., 2016; PHADNIS; KAR, 2017; WALSH et al., 2018).
A Intervenção nutricional, neste estudo, foi capaz de aprimorar os conhecimentos nutricionais dos educadores, aumentando de forma significativa o score médio de aquisição de conhecimento da amostra total. Todavia, não foi observada diferença estatística com o grau de escolaridade. Este conhecimento, como representação de um processo cognitivo individual e relacionado à informação sobre alimentação e nutrição, deixa clara a importância da educação escolar como um fator básico para obtenção de conhecimentos relacionados ao tema. Tal discordância sugere que nem sempre o nível de escolaridade é preditor para um bom conhecimento nutricional, resultado que expõe a possível falta de conteúdos nutricionais na educação básica brasileira e currículos acadêmicos, o que deveria ser revisto como um importante elemento de impacto, tanto para a qualidade de vida individual quanto para a formação de multiplicadores do conhecimento (BARBOSA et al., 2016; DEVIDES; MAFFEI; CATANOZI, 2014; LEMBECK; SIMAS; JUNIOR, 2018; SPRONK et al., 2014).
A rotina dos educadores, independentemente de sua escolaridade, deixa clara a importância de que a educação no ambiente escolar é um fator básico para a obtenção de conhecimentos relacionados à nutrição e que tal conhecimento faz parte de suas ações cotidianas, configurando-se como uma informação factual e interpretativa que leva à compreensão/entendimento útil para se tomar alguma decisão ou desenvolver alguma ação informada previamente (BARBOSA et al., 2016; PAGOTTO et al., 2018).
A EAN insere-se como uma ferramenta fundamental na promoção da alimentação adequada e saudável e na condução de práticas alimentares promotoras de saúde, sendo definida neste campo como uma intervenção eficaz em mudanças comportamentais em diversas etapas da vida (MAHMUDIONO et al., 2018). Assim, a ampliação no conhecimento nutricional deve tanger os diversos profissionais de saúde e educação, sendo estes influenciáveis pelo seu público alvo, na transmissão de conhecimentos e na formação de hábitos alimentares saudáveis (KRIS-ETHERTON et al., 2014).
Assim, a Intervenção Nutricional, por meio de abordagens metodológicas problematizadoras, incluindo práticas educativas voltadas para a transversalização do tema alimentação e nutrição, enquanto projeto pedagógico, deve envolver atores envolvidos na promoção da saúde em escolas e creches, por meio de cursos, oficinas e grupos de discussão, numa abordagem socioconstrutiva (SANTOS; RAMOS; SALOMÃO, 2015) impactando, positivamente, nos conhecimentos adquiridos.
Do ponto de vista das Políticas Públicas, enfatiza-se a importâncias das ações e ferramentas de EAN no ambiente escolar, seguindo as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), devendo haver a curricularização de tais ações, contribuindo para a promoção de hábitos alimentares saudáveis, e ainda, inserindo o educador como eixo central das ações, com o apoio dos profissionais em Nutrição, além de assegurar do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e resgatar as culturas alimentares e os diferentes sentidos e significados da Alimentação Escolar (RAMOS; SANTOS, REIS, 2013; PAIVA; FREITAS; SANTOS, 2016).
A infância é considerada um momento decisivo para a construção e solidificação de hábitos e atitudes (CARVALHO, 2015), sendo estes posteriormente levados por toda a vida. Assim, promover a adoção de práticas alimentares saudáveis, dentro da escola, representa um grande desafio para profissionais da educação, objetivando a melhoria na qualidade de vida. O educador deve potencializar este processo sendo um agente protagonista envolvendo, principalmente, na sua formação, a educação de estudantes sobre assuntos relevantes à saúde e o treinamento ou sensibilização de pais e/ou comunidades (MUKAMANA; JOHRI, 2016).
Limitações do estudo
Não houve avaliação do impacto da intervenção educativa nutricional na prática das escolas envolvidas nesse estudo. Assim, futuros estudos devem ser realizados no sentido de avaliar se ações completas de educação alimentar e nutricional têm impactos diretos na rotina da alimentação escolar e na vida dos escolares.