Introdução
A Casa Familiar Rural de Santarém (CFR-STM), foi a primeira a ser criada no contexto regional do Baixo Amazonas, no Oeste paraense. A proposta teve como marco inicial o dia 26 de abril de 1999, no Fórum de articulação e debates do movimento social representativo de populações rurais que demandaram o acesso à educação para jovens das comunidades rurais tendo em vista sua emancipação política e melhoria na produção familiar rural, ampliando esta articulação para âmbito regional e ensejando a criação de outras CFRs. Destaca-se o modelo pioneiro de alternância no Brasil, desenvolvida pelo Movimento Educacional Promocional do Espírito Santo - MEPES, a partir de 1969 e que serviu de inspiração para a Casa em Santarém.
O sentido da alternância, entre tempo-escola e tempo-comunidade, norteia a educação no campo, especificamente na modalidade das CFRs, a partir da não separação entre o pensar e o fazer, com base na auto-organização dos estudantes, na construção de comunidades discursivas.
Para efeito deste estudo, o campo é entendido como o espaço geográfico politicamente determinado, marcado por aspectos comunitários de organização, da solução de conflitos, da religiosidade, das expressões culturais e contato com a natureza, além de relações de parentesco e vizinhança muito peculiar. Distingue-se profundamente das culturas urbanas e suas variadas formas de expressão (COSTA; CARVALHO, 2012).
Apresentamos uma análise da experiência da CFR de Santarém, enquanto prática educacional do campo, identificando sua proposta político-pedagógica e relacionando-a com os princípios formativos da educação do campo, a fim de identificar concordâncias ou distanciamentos, bem como desafios e estratégias à demanda de emancipação e resistência dos sujeitos do movimento de educação do campo contra o projeto dominante de desenvolvimento capitalista.
O texto traz a caracterização da Casa Familiar Rural de Santarém. Os dados coletados foram originários de fontes documentais, de entrevistas com membros antigos e atuais e, jovens alunos e ex-alunos, além de entrevistas com monitores e colaboradores voluntários da Casa. Apresentamos seu processo de constituição, funcionamento e sustentabilidade, como resultado da articulação e mobilização social no Fórum, descrevendo sua estrutura organizacional, enquanto entidade jurídico-administrativa já constituída.
Por se tratar de um objeto situado historicamente no tempo e no espaço buscou-se como referência modelos implantados como o marco teórico brasileiro do MEPES ou o francês das Maison Familiale Rurale, ambos presentes no estudo de Nosella (2014). Contemplamos, ainda uma breve descrição dos elementos constitutivos da alternância como método político-pedagógico e filosófico, isto é, os princípios formativos metodológicos que a regem, bem como as estratégias e instrumentos pedagógicos próprios da formação por alternância. Nas considerações retomamos e reafirmamos o que foi identificado nos documentos e ratificado nas entrevistas quanto aos aspectos diferenciadores da proposta: as relações com o poder estatal e as contribuições nas lutas por emancipação.
O movimento social e a história da Casa Familiar Rural de Santarém como práticas escolares constitutivas
No período de 1994 a 1998, as discussões sobre a educação do campo em Santarém ocorreram no contexto dos debates para o fortalecimento da agricultura familiar. Primeiramente nas organizações comunitárias de pequenos produtores rurais, com apoio do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais e posteriormente, com apoio das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), por meio das paróquias da Diocese de Santarém. E em seguida, foram assumidas pelo Fórum da Produção Familiar de Santarém, criado a partir dessas discussões, dando sequência a encaminhamentos, que iam desde a educação do campo até apoio para a agricultura familiar, com destaque aos processos de comercialização, valorização da produção, assistência técnica e organização dos produtores familiares.
A institucionalização da Casa Familiar Rural de Santarém se deu no primeiro espaço coletivo de discussão no território do Baixo Amazonas por meio deste Fórum, que atuou no período de 1994 até o ano de 2000. Deste modo, a educação de jovens moradores das áreas rurais por meio da pedagogia da alternância, surge apoiada nas ações de organização comunitária articulado inicialmente por este Fórum, o qual propiciou o debate a respeito desta proposta pedagógica própria à realidade do campo.
O STTR- STM, a partir de 1990, já iniciava discussão em sua diretoria, expressa nos termos e objetivos, segundo o presidente da época
[...] para superar uma dificuldade de ter um corpo técnico que pudesse contribuir com os agricultores associados (...) e oferecer a possibilidade de terem acompanhamento técnico, que seja voltado pra nossa realidade, a partir do próprio Sindicato (informação verbal)1.
A direção do Sindicato tomou conhecimento da experiência da Pedagogia da Alternância do Espirito Santo2, e após um processo de debates aprovou em assembleia o envio em 1993 de dois jovens, oriundos do campo e associados ao Sindicato, para a formação durante três anos na EFA de Olivânia/Espirito Santo. A intenção era que, após formados, trabalhassem pelo Sindicato prestando assistência técnica agrícola às comunidades (Entrevistado3, um dos jovens do Sindicato formados pela EFA/Olivânia - Entrevista em 21.09.2015).
Houve uma identificação destes jovens formados pela EFA/Espírito Santo com a pedagogia da alternância, percebendo a importância em disseminar esta proposta pedagógica para esta região. O Sindicato de Trabalhadores Rurais discute a partir de então, no Fórum da Produção Familiar a ideia pela criação da CFR-STM, sendo a primeira no Baixo Amazonas.
Institucionalização da Casa Familiar Rural de Santarém (CRF-STM): breve caraterização
A efetivação da CFR de Santarém foi resultado do processo realizado pelo movimento social do campo de Santarém, com a Constituição da Associação da Casa Familiar Rural (ASSOCIAÇÃO DA CASA FAMILIAR RURAL DE SANTARÉM, 1999, n.p.), em Assembleia Geral na qual “[...] estiveram reunidas setenta e três pessoas, representando treze associações de pequenos produtores rurais, nove entidades não governamentais de assessoria, um órgão do governo e três representantes de comunidades”, instituições que integravam o Fórum da Produção Familiar, na época..
A aprovação do estatuto, eleição e posse da primeira Diretoria de sua Associação, marcaram oficialmente a criação desta CFR. A Diretoria, tem como estrutura administrativa organizacional: Presidente, vice-presidente; primeira secretária; segunda secretária; primeiro tesoureiro; segundo tesoureiro, além de um Conselho Fiscal, eleitos também naquela ocasião. Todos os membros da então diretoria se reconheciam como agricultores/as; e possuem alguma ligação anterior com a CFR-STM, como ex-aluno/a, ou pais de aluno. A aproximação de membros da diretoria da Associação da CFR, com o STTR/Santarém também é percebida. Tal fato ajuda a compreensão da recente retomada do apoio do Sindicato à CFR-STM.
Nesta compreensão, o monitor entrevistado acreditava que a Casa Família Rural era um misto de movimento social com política. Devendo ser movimento e ter relação com outros movimentos: o sindical, o comunitário e o ambiental, com a essência da agroecologia.
Para melhor compreensão, trazemos o significado de Escola do campo, a partir de Kolling, Cerioli e Caldart (2002), percebemos que na definição de Escola do campo, estão envolvidos aspectos políticos, culturais voltados ao trabalho e interesses dos sujeitos do campo, os quais estão também presentes na CFR-STM.
Os objetivos da Associação da CFR de Santarém, de acordo com seu Estatuto social, consistem em fornecer às famílias que dela são membros, possibilidade de instituir manter a Casa Familiar Rural. Observamos que a concepção associativa presente nos objetivos da Associação da CFR-STM permanece válida, pois se relacionam com a realidade concreta dos sujeitos que compõem o movimento de Educação do Campo.
O caráter público não estatal e a terceirização oficial da CRF
A CFR-STM tem como base de fundamentação legal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN nº 9394/1996 que diz no artigo 28 da referida lei, é especificado as adaptações necessárias para a oferta da educação básica à população do campo, por meio de
I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II. Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.
A partir da caracterização atual das escolas municipais, a CFR é reconhecida pelo poder público municipal, como uma “Escola Comunitária”, privada localizada na zona rural. Dentre as escolas localizadas na zona rural, a CFR de Santarém é uma das consideradas de iniciativa privada. Em relação à natureza pública não estatal das CFRs. Magalhães (2009, p.62-63) faz uma distinção destas, com outras organizações de cunho privatista, destacando:
a) A sua origem vinculada às organizações da sociedade civil e suas demandas;
b) A sua inserção na comunidade local, dialogando e interagindo com os diversos atores na construção do desenvolvimento local e regional;
c) Sua vinculação à Agricultura Familiar e ao Campesinato;
d) Não têm fins lucrativos;
e) A sua forma de gestão é participativa e democrática envolvendo em suas instâncias deliberativas os alunos, os pais, monitores, sindicato dos trabalhadores rurais e diretoria.
f) A diretoria da CFR é eleita democraticamente em Assembleia Geral dos membros da Associação de Agricultores;
g) A forma jurídica da mantenedora é de Associação de Agricultores;
h) A gestão financeira e administrativa é controlada pela Associação.
Os elementos destacados acima concordam com as características identificadas nos documentos legalmente reconhecidos da Casa Familiar Rural de Santarém, demonstrando que esta experiência, segue um padrão próprio que a distingue de outras experiências privadas.
Concordando com Barbosa e Rossetel (2017), é por meio da Educação do Campo que estrutura-se uma luta compartilhada e apropriada pelos movimentos sociais do campo na região e tem possibilitado aprendizagens comuns, no desenvolvimento de experiências pedagógicas alternativas fundamentadas em um processo formativo da identidade política do sujeito histórico e de fortalecimento da luta camponesa no campo.
No que tange ao debate entre o público e o privado há um tensionamento na dinâmica da relação entre sociedade civil e Estado na condução da Casa Familiar Rural, indicando resistência desses segmentos e interesses dialeticamente antagônicos. Percebido no depoimento a seguir
Aqui nós estamos formando um ser humano candidato a ser cidadão. O cidadão nunca vai ficar refém de governo (...). E como instituição pública, o Estado, sempre vai querer o ser humano manso. Aqui (na Casa) não pode ter essa visão, porque a educação não é só pra formar, mas também pra mudar a relação social que existe na sociedade (informação verbal)4.
Visão de resistência da CFR à sociedade capitalista que pode ser identificada também em seu ARCARFAR/PARÁ (2009, p.11) quando este diz que a “Casa Familiar Rural de Santarém, (...) pensa a formação de um coletivo de sujeitos (...) em contraponto aos ideais de individualismo, competitividade e privatização da natureza e dos saberes socialmente construídos”.
A tensão do movimento social com o Estado revelada nas falas, vem das divergências ideológicas sobre a compreensão de público e privado. Ilustrado na fala da secretária desta CFR à época da pesquisa, sobre a falta de acesso à carteira de meia passagem pelo aluno da Casa. Devido a Secretaria Municipal de Transporte entender que a CFR oficialmente reconhecida como escola privada, era impedida de ter tal direito, inviabilizando o apoio público governamental. Implicando financeiramente, pois o apoio de deslocamento dos jovens, era assumido totalmente pelas famílias.
Segundo o monitor entrevistado, as atividades da CFR-STM, no princípio ocorriam na informalidade, isto é, a partir “da experiência prática de alguém que tomava a iniciativa em socializar com os demais” (informação verbal)5. A certificação dos alunos da Casa foi uma necessidade que surgiu no decorrer do seu funcionamento, diante da demanda de continuidade de formação acadêmica dos jovens. A exigência de uma racionalidade técnica, se distanciava da percepção do conhecimento da experiência prática, e mais próxima dos fundamentos da Pedagogia da Alternância assumida pelas CFRs.
Na história da educação brasileira, o debate sobre “a problemática do público e do privado” de Sanfelice (2005, p.165) afirma que: “[...] grande parte da historiografia produzida na área consagrou a terminologia ‘educação pública’ como sinônimo de educação estatal”. Desse modo, “referimo-nos à educação pública para expressarmos a educação oferecida pela escola pública e, muito raramente, a defesa da escola pública não é outra coisa senão a defesa da escola estatal” (SANFELICE, 2005, p.165). Ao contrário, a CFR-STM, ao ser administrada por uma associação da sociedade civil, caracteriza-se como iniciativa privada e não estatal; mas, não se enquadra na lógica capitalista, por não possuir finalidade de lucro. Ressaltando ainda que a educação, como serviço público pode ser oferecida tanto pelo Estado como pela iniciativa privada.
Apesar disso, a Associação da CFR-STM, como organização pública não estatal, para acessar recursos de políticas educacionais para o campo, junto aos órgãos oficiais de educação municipal e estadual, deveria cumprir exigências legais e normativas. Sendo uma delas, a qualificação de seu corpo profissional, do ponto de vista da certificação legal.
Ao ser cadastrada no Conselho Estadual de Educação, a CFR de Santarém, recebeu o Parecer de credenciamento 51/2009 referente ao Processo 1630/2008, com a autorização de funcionamento para o período de julho de 2009 a dezembro de 2012; cadastro que se encontrava em processo de renovação. Na esfera municipal, a CFR-STM recebeu em 2009, o título de entidade de utilidade pública da Câmara de Vereadores por meio da aprovação da Lei nº 18268/2009. Mas, esta Lei não vincula ou garante diretamente o estabelecimento de convênios ou outro apoio para o funcionamento desta Casa.
Quanto à questão organizacional das CFRs, a estrutura de distribuição de poder da CRF/Santarém se aproximava do marco teórico do modelo francês que atribuía aos pais a responsabilidade da base do processo educativo. Pois a Assembleia Geral, composta por trabalhadores do campo, era o órgão máximo de poder de decisão. Ao contrário do modelo pioneiro brasileiro do Espírito Santo, no qual o presidente da Junta Diretiva, concentrava o poder, mesmo não sendo um sujeito do campo (NOSELLA, 2014).
Outra particularidade neste aspecto administrativo-legal, é que somente após uma década de criada a CFR-STM que foi elaborado seu Projeto Político Pedagógico - PPP-STM (ARCARFAR/PARÁ, 2009, n.p), apresentando a missão de: “atuar de forma integral, na formação profissional de jovens, nas dimensões social, ambiental, étnica, geracional e cultural para atuar no trabalho rural, no fortalecimento da agricultura familiar e no desenvolvimento local sustentável”. A interpretação desta missão indica que na relação educação-trabalho, havia uma intencionalidade de percepção de formação humana total desses sujeitos. Somente então, o Projeto Político Pedagógico (PPP) passou a integrar um dos principais instrumentos pedagógicos existentes na CFR-STM, junto com seu Regimento Interno e outros documentos legais de gestão como: Ata de constituição da Associação da CFR, Ata de eleição e posse da diretoria e Estatuto Social.
Segundo a assessora pedagógica desta CFR no período de 2013 a 2016 “[...] a associação foi criada com aquele entusiasmo das lideranças que apoiavam e acreditavam no projeto” (informação verbal)6. Segundo a entrevistada, faltava o preparo organizativo destas lideranças, além da dificuldade que contavam com apoio de voluntários de instituições parceiras para monitoria, e para trabalhos de secretaria, relembrando que “[...] os primeiros monitores eram todos voluntários, como ainda ocorria” (informação verbal)7.
Foram diversos os locais onde a Casa desenvolveu a formação, cedidos por instituições parceiras governamentais e não governamentais; sindicatos, associações de moradores, universidades etc. levando à um ciclo de mudanças de local de funcionamento da Casa, lhe atribuiu a condição itinerante, precisando transferir o local do tempo formativo para outro espaço por meio de parcerias, devido mudanças na administração, etc. constituindo por um dos principais entraves ao pleno funcionamento das Casas e para o desenvolvimento da formação.
A perspectiva de espaço próprio se vislumbrou, quando a Casa recebeu um terreno de quatro hectares, localizado numa comunidade rural, repassado pela FAMCEEF (Federação das Associações de Moradores e Comunidades Extrativistas do Eixo Forte), organização representativa do Projeto agroextrativista - PAE desta região. Esta área, atualmente abriga as atividades desta CFR, e na época estava em funcionamento a instalação de uma estufa, atividade que integra um projeto em parceria com a UFOPA.
Por muito tempo, a ausência de uma estrutura física própria prejudicou o funcionamento da Casa. No entanto, a pedagogia da alternância tem representado uma aposta das famílias na formação dos seus filhos, sendo motivação para a implantação de uma estrutura de suporte ao desenvolvimento da pedagogia da alternância com condições dignas e adequadas à permanência dos jovens nos períodos de formação na Casa Familiar Rural - CFR (BENTES, 2015).
A pedagogia da alternância na CRF-STM: marco de origem, princípios e instrumentos pedagógicos
A Pedagogia da Alternância origina-se na Europa, no período entre guerras em 1935, na França, como Maisons Familiales Rurales ou Casas Familiares Rurais8, e no pós-guerra, nos anos de 1960-1962, na Escola Família Agrícola (EFA), na Itália. Se encontrava a presença forte da Igreja Católica; na França junto às famílias de agricultores demandando, com entidades católicas articuladas aos poderes públicos, uma educação para seus filhos, diferenciada daquela oferecida pela escola tradicional, na Itália.
Esta modalidade educativa9 representava e ainda representa um novo projeto pedagógico, de inserção de saberes da agricultura, e de organização camponesa de gestão administrativa e pedagógica; constituindo-se na modalidade de Associação de Agricultores, com fins jurídicos, financeiros e administrativos. O entendimento geral concernente à participação dos pais na gestão, com orientação sindical e religiosa, onde a formação técnica aos jovens e suas famílias, priorizava-se como formação geral e conteúdos técnicos agropecuários.
Afirma Nosella (2014, p.123) que: “[...] desde as primeiras Escolas- Família, o objetivo não foi o de melhorar a escola tradicional, mas sim criar outra escola”. Assim como no marco francês dos Maisons Familiales Rurales, os trabalhadores do campo perceberam nesta ideia, uma proposta de formação diferenciada, adequada aos seus interesses e à realidade do campo.
Desse modo, a Pedagogia da alternância atualmente, uma das mais reconhecidas e amplas estratégias da educação do campo, busca envolver o estudante, a sua família, a instituição de ensino, a comunidade e a realidade do campo nos processos de ensino-aprendizagem. Nesta modalidade, os estudantes intercalam períodos de vivência comunitária e escolar, possibilitando que os saberes e os fazeres do campo se tornem a base do processo formativo (SILVA, 2003).
É oportuno trazer as contribuições de Hage (2005) por estabelecer, didaticamente, as características e as distinções entre Educação do Campo e Educação Rural. Por Educação do Campo, entende este autor, àquela definida coletivamente pelos próprios sujeitos do campo, enquanto protagonistas de sua educação, que se realiza, com eles, e não para eles, compreendida não como um fim em si mesma, mas como um instrumento de construção da hegemonia de um projeto de sociedade includente, pautada na pluralidade de sujeitos que podem viver numa relação dialógica e fraterna.
A Educação do Campo para Hage (2005) contribui ainda com a construção de outra relação entre o campo e a cidade, enfrentando a hierarquia e a desigualdade existentes e que se realiza no conjunto dos movimentos sociais, das lutas e organizações do povo do campo pela terra e por condições dignas de vida e de afirmação de sua identidade.
Begnami e Burghgrave (2012), a partir das várias formas de conceituação da Pedagogia da Alternância, vem definindo-a, como um processo contínuo de aprendizagem e formação na descontinuidade de atividades e na sucessão integrada de espaços e tempos. A formação inclui e transcende o espaço escolar, e, portanto, a experiência torna-se um lugar de aprendizagem e produção de saberes em que o sujeito assume seu papel de ator protagonista, apropriando-se individual e coletivamente do seu processo de formação.
Podemos perceber a presença de elementos característicos da Pedagogia da Alternância no depoimento de ex-aluna da primeira turma da CFR (Ano 2000) e tesoureira da diretoria da Associação desta Casa, na época da pesquisa ao falar da sua experiência na Casa
Tudo era uma novidade, porque era diferente. Tinha as matérias do núcleo comum, mas a gente estudava as técnicas também. Tinha aquele tema gerador de cada semana que a gente passava aqui estudando. Mas (..) mesmo as matérias do núcleo comum eles incluíam o tema gerador (informação verbal)10.
A CFR de Santarém foi a primeira experiência na região do Baixo Amazonas a desenvolver a modalidade da alternância, se tornando referência para os demais municípios deste território. Reafirmando que esta experiência, representava uma estratégia de educação do campo defendida pelos movimentos sociais como uma busca por uma educação para a “[...] construção de homens e mulheres que tenham o direito de problematizar sobre sua realidade, buscando transformações que viabilizem o desenvolvimento sustentável e territorial de nossa região” (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.06).
O relato do entrevistado VI (ex-aluno e assessor/monitor, demonstrou que tal qual em Olivânia/ES, na CFR de Santarém, desde o início a formação se dava de modo integral, no sentido da formação do jovem não ser descolada da sua prática, para que possa “[...] aplicar na sua vida a sua técnica na propriedade quando for trabalhar” (informação verbal)11. Portanto, houve uma identificação durante a socialização desta formação diferenciada por meio da Pedagogia da Alternância, confirmado pela vivência daquele jovem enviado pelo STTR para aquela Escola Família Agrícola, ao relatar que se tratava da mesma proposta que se aplica na CFR do Norte e Nordeste. A visão associativa e integrativa, presente nesta modalidade de alternância do marco teórico da experiência deste ex-aluno, foi modelo para a constituição da CFR de Santarém.
Devido essa proposta da alternância ser tão diferenciada do ensino tradicional, também analisado no depoimento de um dos monitores voluntários da Casa, a proposta da educação do campo por alternância, diferente da escola pública tradicional, o plano de aula “não vem pronto [mas ao contrário, a demanda vem da comunidade e é o monitor quem] deve assimilar e se apropriar, a partir da relação entre o conteúdo já construído historicamente com esse que está vindo das comunidades, tornando interessante porque “começa a trabalhar a partir da realidade dele, não é estranho” (informação verbal)12, e isso estimula os jovens.
A teoria e a prática desenvolvidas na CFR-STM para formação de jovens do campo seguem o método político-filosófico da Pedagogia da Alternância, possuindo dois tempos formativos distintos e complementares: o tempo escolar e o tempo da comunidade. Um tempo escolar, no qual os jovens passam uma semana em regime de internato na escola ou Centro de Formação, estudando noções básicas teóricas, de disciplinas do núcleo comum, por áreas de conhecimento, e as do núcleo diversificado, a partir de temas geradores do Núcleo técnico em agropecuária. O tempo da comunidade, correspondia ao período de duas semanas, ao qual os jovens retornavam às suas propriedades para “[...] desenvolverem as atividades planejadas durante a alternância de formação” (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.17). Deste modo, o calendário letivo da CFR-STM, conforme a assessora pedagógica, era organizado em dezesseis internatos, sendo dois de recuperação, totalizando duzentos dias letivos. Nessa estrutura especial de formação por alternância, o jovem passava uma semana de formação teórica e duas semanas subsequentes de prática nas localidades onde residem.
Durante as visitas de campo e entrevistas, percebemos que o calendário de oferta das disciplinas, não é rígido, podendo ser ajustado conforme a disponibilidade de recursos ou de monitores voluntários. Durante o último internato observado para nossa pesquisa, as disciplinas ofertadas eram do núcleo técnico, devido maior facilidade em conseguir apoio voluntário de técnicos cedidos por instituições parceiras, devido falta de recursos.
Após as experiências desenvolvidas no campo pelos jovens, os educadores ou monitores organizam as estratégias do currículo, como aulas teóricas e práticas, cursos, visitas, seminários, palestras etc. Isso para que as experiências do cotidiano possam ser problematizadas, ampliadas pela mediação do conhecimento sistematizado e acumulado. Assim, a Pedagogia da Alternância apresentava uma forma de organização do ensino que vai além da oferta intercalada de atividades didático-pedagógicas, dispostas em diferentes tempos e espaços formativos. Mas fundamentava-se na estruturação de princípios próprios do acúmulo dos debates sobre Ceffa e a Educação do Campo pelo movimento social no âmbito nacional e internacional.
Os princípios formativos
Diversos textos sobre a Pedagogia da Alternância (NOSELLA, 2014; SILVA, 2003; BEGNAMI, BURGHGRAVE, 2012; CALDART, 2004; ARROYO, MANÇANO, 1999), apresentam como princípios fundamentais: o associativismo, a interdisciplinaridade nos planos de formação, nos processos de ensino-aprendizagem, na concepção do conteúdo, formação integrada e articulada no âmbito social, político, econômico agroecológico e temas geradores, executados por meio de projetos dos jovens. Teoria e empirismo de uma prática condizente com a realidade.
Os “pilares” de sustentação filosófica e política das CFRs do Baixo Amazonas, assentavam-se na visão integrada da formação do jovem, por meio dos princípios da alternância, com a finalidade do desenvolvimento de seu meio, no seu aspecto social, econômico, humano e político. Seu suporte fundamental estava na articulação da associação local, pela soma de esforços das famílias, dos profissionais e das instituições parceiras de cada uma das Casas. Como afirma Pizetta (2017, p.76), “[...] a organicidade é fundamental para o exercício e desenvolvimento político, uma vez que através dela todos podem participar de espaços coletivos, em que se reflete, se discute e se tomam decisões que os comprometem na sua implementação”.
Em conformidade com esta visão interacional, a CFR-STM, traz o anúncio dos seguintes princípios formativos, de acordo com de acordo com o projeto político pedagógico. (ARCARFAR/PARÁ, 2009):
Democracia. Refere-se à participação e garantia da terra, água, floresta, educação, saúde e lazer;
Trabalho. Enquanto espaço educativo de transformações dos sujeitos e de sua condição de classe;
Autonomia. Como condição ontológica para tomada de decisão consciente;
Inclusão social. A partir do entendimento de diversidade ao considerar potencialmente capazes as minorias estigmatizadas como gênero, etnia, condição de classe, etc;
Cultura. Na linha defendida por Caldart (2004), ou seja, no sentido de que toda pessoa humana, na medida em que se relaciona com a natureza, a transforma, produzindo sua existência e sua identidade;
Solidariedade. Como exercício do cuidado com o outro;
Agroecologia. Refere-se à valorização dos sistemas agrícolas diversificados, do saber tradicional mantedor da biodiversidade, da segurança alimentar e da estabilidade familiar, aprimorados técnica e cientificamente pelo conhecimento sistematizado.
Diálogo. Entendido como exercício argumentativo e respeitoso entre sujeitos.
Tais princípios articulados, vinculam a formação humana à noção de campo, ou seja, à concepção de um projeto de sociedade que trazia a reflexão sobre a Pedagogia da Alternância como modelo de educação para além dos limites do Estado.
Nesta prática educativa algumas atividades são comuns e próprias das modalidades de educação do campo por alternância, e no caso específico da CFR-STM, também se utiliza de suportes ou instrumentos pedagógicos, que articulam teoria e prática.
Os instrumentos pedagógicos da alternância na CFR/Santarém
A pedagogia da alternância utiliza algumas ferramentas, por meio das quais, jovens e monitores, se apropriam da realidade para que, a partir dela, priorizar as necessidades da formação.
Pesquisa participativa: Levantamento prévio, realizado na forma de entrevista às famílias, seguindo uma ficha previamente elaborada, orientada pela ARCAFAR para identificação das expectativas, e informações sobre o modo de vida das famílias dos jovens pretendentes à vaga na Casa. Apesar de não descrito em seu PPP (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.04) como instrumento pedagógico, a pesquisa participativa foi citada como o: “[...] primeiro passo para o início das atividades da primeira diretoria eleita no momento de criação desta CFR, visando a constituição da primeira turma no ano de 2000”.
Plano de estudo (PE): Elaborado pelos jovens juntamente com os monitores, no tempo presencial da formação, para ser aplicado na pratica. Conforme o monitor voluntário, “[...]quando o jovem volta da sua comunidade, vem trazendo algumas informações, mas também traz dúvidas. E esse material é analisado pelos técnicos e feito uma socialização, que é a ‘colocação em comum’; em seguida tentamos atender essa demanda” (informação verbal)13. Segundo o PPP da CFR-STM, este Plano é um instrumento orientador de descoberta, na forma de um roteiro de questões que orienta a construção do texto coletivo para a definição do tema gerador, proposto para o próximo internato. Permite aos jovens o cruzamento da informação do campo, orientando sua pesquisa junto com a família e a comunidade.
Caderno da realidade: É o instrumento do aluno para anotações de dúvidas ou sobre o tema que traz para socializar. Funciona como um diário de campo, no qual o jovem “[...] registra os avanços e dificuldades sobre suas experiências produtivas, suas pesquisas de aprofundamento dos temas geradores” (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.21).
Caderno didático ou da alternância: É um instrumento de ensino e aprendizagem, compreendido como ficha pedagógica, elaborada pela equipe pedagógica e monitores, a partir das necessidades manifestadas pelos jovens no decorrer de sua formação. Este caderno integra o plano de formação do jovem e permite que ele participe de sua elaboração.
Visita às famílias: Esta ação também é um instrumento de avaliação do desempenho do jovem e do envolvimento da família no processo de formação. Não se trata de uma visita técnica às propriedades, mas “[...] é um momento de coleta de dados para atualização do diagnóstico sobre os aspectos social e humano (...) e engajamento do educando” (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.19).
Acompanhamento das atividades práticas de campo: Visitas pedagógicas relacionadas ao desenvolvimento do Projeto de vida (profissional) do jovem educando da Casa ou da sua experimentação prática dos temas geradores. Esta atividade envolve o jovem, mas também sua família e comunidade e deve ter acompanhamento de monitores ou outro técnico. Segundo o monitor “[...]o ideal é que haja esse acompanhamento para o jovem tirar dúvida, e também pra gente aprender” (ARCARFAR/PARÁ, 2009, p.19).
Visitas de estudo ou intercâmbio: são atividades nas quais os jovens saem para conhecer outras experiências ou socializarem conhecimentos com outros grupos ou CFR. Esta atividade não ocorre com frequência devido dificuldade financeira. Contam algumas vezes com ajuda de instituições parceiras que contribuem com transporte, quando o deslocamento é mais acessível. A exemplo das experiências agrícolas localizadas no Centro cedido para a formação da Casa.
Estágio supervisionado: Previsto no Plano de Formação, cumpre uma finalidade de aperfeiçoamento técnico dos jovens. É realizado por meio de parcerias ou convênios com empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural ou com empresas e/ou produtores com experiências produtivas exitosas. Pode estar ainda direcionado ao Projeto de vida (profissional) do Jovem.
Projeto profissional: Também chamado de Projeto de vida, consiste em um plano de trabalho elaborado pelo jovem sobre a experiência produtiva que pretende desenvolver para geração de renda, com a sua formação. Este projeto orienta o estágio e formação técnico-profissional do jovem.
Avaliação: É realizada após cada internato, com os alunos, considerando: infraestrutura, participação de monitores, coordenadores, direção da Casa e dos próprios jovens. Outros instrumentos são os registros feitos pelos jovens durante a realização de suas práticas no tempo-comunidade. Além da avaliação pedagógica, de planejamento dos monitores e equipe pedagógica.
Considerando as entrevistas, o PPP e as observações in loco à CFR-STM foi possível afirmar que tais instrumentos são fundamentais para a formação do jovem, e trazem sobretudo, a contribuição na relação e envolvimento das famílias. Segundo o monitor entrevistado,
[...] se o tema não tiver interessante pra família, se não tiver relação com a vida deles, a escola vai ser só escola, à parte dele(...). [...] a escola deve ser a extensão do lote, não pode ser algo estranho. E a gente precisa da família do jovem que vem para Casa, como uma resposta para escola (informação verbal)14.
Esta proposta, segundo este monitor, é interessante para tornar o jovem e sua família, parceiros e corresponsáveis pela Casa. Nesta proposta da alternância, segundo o monitor, a escola traz conhecimentos, que são articulados nas experiências de vida das pessoas, através do trabalho e reflexão, para orientar a vida profissional e social do jovem.
Na condução dos conteúdos para a formação dos jovens, por meio desta Pedagogia, não se percebia dificuldade de integração das disciplinas do núcleo técnico e comum, por meio da interdisciplinarmente dos conteúdos na perspectiva de permitir a compreensão elaborada da realidade. Conforme fala do monitor/voluntário entrevistado.
Ao compararmos a literatura a respeito da Pedagogia da Alternância, com a descrita no marco teórico e a vivência de outras Casas, relacionando à experiência de Santarém, não encontramos dissonâncias quanto à proposta pedagógica filosófica. Mas, particularidades, em relação ao seu contexto de criação, situações de dificuldades e busca por alternativas de solução. Desse modo, a proposta pedagógica desenvolvida da CFR-STM, não destoa daquela que se buscava na origem da pedagogia da alternância. Mudando os contextos, mas mantendo a proposta político-filosófica, na perspectiva do modelo pedagógico libertador freiriano, sujeitos integram o processo de construção do seu conhecimento, associando teoria e prática.
O perfil dos jovens da CFR-STM que compõem as turmas, desde que a CFR-STM começou a realizar suas ações na região com a implantação da primeira turma no ano de 2000 de Ensino Fundamental era composta por 29 jovens, do sexo masculino e feminino, filhos de pequeno-agricultores, extrativistas, pescadores, quilombolas, oriundos de comunidades das regiões ribeirinhas da região.do Tapajós, Arapiuns e Lago Grande, do Eixo Forte no Planalto e Arapixuna, na região de Várzea. Este perfil permanece sem grandes alterações.
Foi possível constatar também, nas entrevistas e visitas de campo, o envolvimento dos jovens, a partir da divisão de responsabilidades para o funcionamento das alternâncias. Contribui para tanto, o fato de serem participativos nas organizações sociais de suas comunidades, sendo a maioria destes sindicalizados e inseridos em associações, ou na própria administração da CFR de Santarém, constituindo-se em lideranças onde residem.
Estratégias de sustentabilidade, dificuldades e possibilidades.
A associação da CFR busca manter seu funcionamento, através de um sistema de parcerias, sobretudo com o apoio de instituições do movimento social. As principais parcerias atuais desta CFR são: STTR, UFOPA, FAMCEEF, EMATER/Regional, EMATER/local, TAPAJOARA e FEAGLE. Outras parcerias existentes se dão com ONGs que esporadicamente, cedem apoio técnico e/ou logístico, que se caracteriza pela cessão de transportes para o deslocamento dos alunos e/ou de técnicos na operacionalização das atividades formativas.
Ainda sobre a mobilização realizada pela CFR-STM, verificamos que desde o início, a associação da CFR-STM revelava um potencial articulador, talvez influenciada por ter sua origem por dentro do Fórum da Produção Familiar de Santarém. Mantendo o vínculo com o Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Santarém, e com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura - FETAGRI, envolvidos nos debates temáticos: política agrária, formação de lideranças do campo, questões fundiárias, assistência técnica, etc.
A participação das famílias dos jovens como forma de manutenção das alternâncias, durante a “feira da chegada”, foi uma estratégia de contribuição das famílias com a sua produção, trazida pelo aluno da Casa, para sua própria alimentação durante a semana de formação na CFR, arcando ainda com custos de passagens de deslocamento dos jovens.
Outras estratégias de sustentabilidade da Casa foram a realização de eventos esporádicos, os quais a Associação da CFR-STM, os quais envolvia alunos, famílias, coordenação pedagógica, monitores e instituições parceiras, voluntariamente na organização desses eventos, com a finalidade de arrecadar recursos para iniciar trabalhos na área destinada para a construção das futuras instalações da CFR-STM, localizada na comunidade da região (Santa Maria), no Eixo Forte. Assim, a partir de 2014, com a parceria junto à Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, foi desenvolvido o projeto de hortifruticultura, com a instalação de uma estufa no local almejado para a construção de sua sede e para o desenvolvimento de outros projetos.
A presença de apoio da Prefeitura Municipal, por meio das secretarias de educação e de agricultura, se dava de modo informal, quando o governo possuía representantes próximos ao movimento da educação do campo. Houve formalização de convênios com órgãos públicos estaduais. No entanto, os prazos e burocracia existentes na relação com o recurso público nem sempre atendiam à urgência que as ações necessitavam para sua plena execução. Pois era um fator limitante na relação com o poder público municipal, a inexistência no orçamento público de recurso financeiro para apoio às Escolas do Campo-CFR. Cabendo então à decisão do gestor público, pois não há uma lei municipal que formalize o repasse de recursos.
O apoio governamental do Estado para a manutenção das atividades da CFR-STM se efetivou temporariamente com a formalização de convênios anuais, entre a sua Secretaria de Educação e a Associação da Casa Familiar Rural de Santarém, nos anos de 2013 e 2014 por meio do Plano de Trabalho do convênio, para a contratação de profissionais além de recursos para a manutenção das alternâncias, destinada à alimentação, material de consumo e transporte. Mas segundo a tesoureira da CFR-STM, este recurso não era suficiente para cobrir as despesas necessárias ao seu funcionamento. A Associação da Casa, buscou negociar formas para garantir o funcionamento. Como por exemplo, priorizar a oferta das disciplinas do núcleo técnico, por contar com profissionais de instituições parceiras. Até o momento da pesquisa, a Associação da Casa, aguardava pela renovação do convênio para ter acesso a recursos financeiros, sendo que desde maio de 2015, os monitores estavam trabalhando de modo voluntário.
É pertinente observar que a CFR-STM entendia que cabe ao Estado, a responsabilidade pelo financiamento da educação, por conta disso, sempre buscou a formalização de convênios e parcerias com esse intento.
Considerações finais
Como vimos na realidade tratada ao longo deste trabalho, há ainda muitos desafios e limitações, relatados pelos próprios sujeitos do movimento social do campo, que precisam ser superados, refletindo as dificuldades da maioria das CFRs do Baixo Amazonas, como: Ausência de espaços adequados (estrutura e infraestrutura) para experimentação (áreas produtivas, laboratórios, etc.); Dificuldades para credenciamento e habilitação dos alunos concluintes para a obtenção das carteiras do CREA; Além de dificuldades para o envolvimento das famílias na gestão e manutenção das CFRs. (Encontro regional sobre Educação do Campo, em 25.04.2015).
Outras dificuldades enfrentadas pela Associação da Casa, segundo relato da coordenadora pedagógica, dizem respeito à falta de informação, principalmente das primeiras diretorias, por não estarem preparadas tecnicamente; sendo este conhecimento, fundamental à gestão da Casa e à captação de recursos, ao exemplificar que para a “[...] questão de elaboração de projeto sempre dependeu do apoio de assessoria voluntária” (informação verbal)15.
O apoio de voluntários no início do funcionamento da Casa foi importante porque não havia recursos para contratar monitores. No entanto, a partir da formalização do convênio com o Estado nos anos 2009, 2010 e 2014, “as coisas começaram a se descaracterizar” (informação verbal)16, segundo a assessora pedagógica da CFR-STM, pois a maioria dos monitores contratados não tinham vínculo ou afinidade com a proposta filosófica dos movimentos sociais. Demonstrando um distanciamento da filosofia da alternância do ponto de vista da execução metodológica. Pois estes professores vinham com uma visão tradicional de ensino, enquadrado por um sistema de horas/aula que não permitia a dedicação ao acompanhamento das atividades dos alunos.
Apesar das situações desfavoráveis, em 2011 foram retomadas as articulações com a ARCAFAR-PA, que conduziu a aprovação do Regimento Unificado das CFRs do Estado do Pará pelo Conselho Estadual de Educação em dezembro do ano seguinte. Dando andamento ao credenciamento das entidades mantenedoras de vinte e quatro CFRs, da região. Obtendo na época, como resultado, a autorização provisória de dezoito (18) meses para funcionamento das CFRs na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos Ensino Fundamental - como 3ª e 4ª etapas - e Médio integrado à formação profissional. Além da aprovação das matrizes curriculares e a autorização na forma de Escolas Comunitárias conveniadas, mesmo que na época da pesquisa necessitassem da renovação.
Percebemos um esforço por parte da gestão da CFR-STM em não esgotar nenhuma possibilidade de parceria em virtude da manutenção do funcionamento da Casa; demonstrado na flexibilidade das relações que busca estabelecer. Nesse aspecto, vimos que se trata de uma Casa que se movimenta, mesmo que com avanços e recuos, respeitando sua proposta filosófica, consciente das dinâmicas conjunturais que levaram a se transformar e a repensar suas ações e perspectivas. E que, sobretudo, sabe do tênue e ambíguo desafio que é caminhar entre o público e o privado nas questões educacionais do campo.
Constatamos que na história de funcionamento da CFR-STM, ao longo de quase duas décadas, a construção de parcerias com organizações locais do movimento social foi a base para realizações, que se concretizaram no desenvolvimento da Pedagogia da Alternância, como experiência que buscava atender às demandas da realidade do jovem do campo. Além de outros bons resultados, segundo lideranças, ao contribuir para a disseminação de técnicas sustentáveis para o meio rural, permitindo aos jovens o aprendizado na escola, e a replicação desses conhecimentos nas práticas familiares e/ou comunitárias; atendendo a demanda de ensino adequado à realidade do jovem que quer permanecer no seu meio (BENTES, 2015).
Os depoimentos das lideranças do movimento social, indicaram que a dificuldade de aproximação do poder público, sobretudo o municipal, pode advir da não obrigatoriedade legal do município; já que a CFR-STM atende somente o ensino médio. O apoio da Prefeitura era eventual e não havia ações que integrasse um plano institucional, mas uma política de governo e não de Estado, a qual trazia instabilidade, e a justificativa do não comprometimento formal-legal para o investimento público. Acreditava que se o governo municipal definisse como política pública, poderia priorizar o apoio à Casa e projetar recursos. (Entrevista, Liderança do movimento social do campo).
Acreditavam as lideranças que a questão central que alimentava esse distanciamento devia-se a inexistência de política pública que respaldasse as ações entre governo e movimento social do campo, em especial à CFR. Entendiam que essa modalidade “[...] traz dificuldade para o diálogo com o governo, sendo que não tem o controle como política de educação, mas tem no máximo uma parceria” (informação verbal)17.
Avaliamos ser necessária, ao poder público municipal, uma ampliação de concepção sobre educação do campo não, para o campo, no que se refere à CFR. Pois mesmo que na sua fala, destaque a importância da pedagogia da alternância “[...] porque não tira a vivência do aluno do dia a dia” (informação verbal)18, fazia uma distinção com a “escola do campo”, sendo as escolas atendidas pelo sistema educacional formal do município, localizadas na área rural. Segundo o coordenador de rios, da Secretaria, “[...] estão quase funcionando hoje como as escolas normais, [principalmente] [...]nas grandes vilas onde já tem uma urbanização” (informação verbal)19. Desse modo, percebemos certa distorção conceitual que distancia o escrito (oficial) e o real (fala).
Nos arriscamos em situar a proposta da alternância, presente na educação do campo, como aquela embasada nas teorias da resistência, chamada por Silva (2011), como neomarxista, ou inspirando-se em Gramsci, como “contra hegemônica”. Mas, no que diz respeito às lutas no capitalismo do Estado burguês, se faz necessário lembrar que é própria da ideologia neoliberal, a habilidade de se apropriar do discurso criado pelo movimento social, para atender aos seus
E por fim, constatamos que a CFR-STM, apesar de receber influência de uma experiência nacional, a EFA de Espírito Santo, respondeu nesse aspecto ao princípio da totalidade; mas adquiriu uma dinâmica própria face à especificidade da realidade local e regional. Entendendo que a educação, não pode ser vista como um serviço no campo do mercado, mas como direito, vinculado à saúde, cooperação, justiça, cidadania, e um valor fundamental à vida e formação humana. Possibilitando ver inúmeras experiências em desenvolvimento no campo, que ao longo do tempo vem se consolidando e construindo novas alternativas educativas de uma concepção de projeto de sociedade que nos leva a refletir sobre o papel das escolas do campo e demais modalidades que atuam na Pedagogia da Alternância - no conjunto das lutas sociais para o fortalecimento de uma educação que se propõe a formar sujeitos capazes de transformar sua realidade.