Introdução
Este trabalho é oriundo de um levantamento bibliográfico realizado na Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - Araraquara para uma pesquisa acerca da formação de professores que buscavam manuais didáticos sobre “administração escolar”. Na ocasião, localizou-se o livro Fundamentos de educação: princípios psicológicos e sociais, elementos de didática e administração escolar de Amaral Fontoura, a 4ª edição, publicada em 1957.
O recorte temporal dessa pesquisa tem como marco inicial o ano de 1949, por ser o ano da 1ª edição do livro Fundamentos de educação e, como marco final o ano de 1957, correspondente à 4ª edição da mesma obra. A partir da publicação do Decreto-Lei 8.530/1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal), diferentes editoras começaram a publicar vários livros voltados ao ensino normal.
O interesse em se dedicar à análise de livros que subsidiaram a formação de normalistas foi em detrimento de contatos prévios com esse tipo de fonte tanto no Mestrado quanto no Doutorado, bem como, em orientações de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso, que também analisaram livros didáticos.
Os livros didáticos representam um elemento da cultura escolar de suma importância para compreender os conhecimentos científicos que eram mais privilegiados na formação das normalistas e como eles se difundiam. Aqui, o livro didático é compreendido tal como dito por Choppin (2004, p. 553), um objeto que exerce múltiplas funções a saber: referencial, instrumental, ideológica e cultural, e documental.
Dentre os autores de livros didáticos, Amaral Fontoura não é um autor muito pesquisado, conforme ensina Maciel, Vieira e Souza (2012). Tal fato é constatado quando se pesquisou, no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo nome do autor, entre aspas: “Amaral Fontoura” e se encontraram apenas 3 trabalhos. (Quadro 1):
Título | Autor | Dissertação /Tese | Universidade /Ano |
A institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos1 | Simone Meucci | Dissertação | Unicamp / 2000 |
A Sociologia Educacional no Brasil (1946-1971): análise sobre uma instituição de ensino católica | Marcelo Pinheiro Cigales | Dissertação | UFPel / 2014 |
A Psicologia da Educação nos manuais didáticos de Afro do Amaral Fontoura, Paraná (1950-1970) | Gescielly B. da Silva Tadei | Tese | UEM / 2016 |
O encontro da Psicologia com a Educação nos discursos brasileiros sobre a criança de zero a 6 anos | Ana Priscila Christiano | Tese | Unicamp / 2017 |
Fonte: <http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/>. Acesso em: 1º jun. 2018.
Metodologia
A investigação foi realizada levando em consideração a produção do livro didático Fundamentos de educação, de Afro do Amaral Fontoura, que tem, na sua 4ª edição, 342 páginas. Na obra, buscou-se compreender a produção do autor, que publicou 13 diferentes títulos ou mais para a coleção “Biblioteca Didática Brasileira”. Privilegiaram-se para análise da obra elementos dos textos e paratextos. (GENETTE, 2009).
Quanto ao texto, observou-se o índice composto de 19 capítulos e dois anexos. No que se refere aos paratextos,2 verificaram-se elementos tais como: capa, relação de obras produzidas por Amaral Fontoura, para a coleção “Biblioteca Didática Brasileira”, dedicatória, parecer do secretário de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, apresentação da coleção “Biblioteca Didática Brasileira” e sua organização em quatro séries, além de uma nota prévia.
O livro didático, como objeto da cultura escolar, não pode ser analisado isoladamente. Dessa forma, buscando melhor compreender o compêndio em questão, analisou-se o Decreto-Lei 8.530, de 2 de janeiro de 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal.
O texto do livro didático em estudo foi analisado levando em consideração suas múltiplas funções. (CHOPPIN, 2004). A cultura escolar, aqui, é compreendida tal como em Julia (2001, p. 10): “conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.
Ter um livro didático, nos dias de hoje, como objeto de estudo, só é possível a partir da Nova História que possibilita três processos: “novos problemas põem em causa a própria história; novas contribuições modificam, enriquecem, transformam os setores tradicionais da história; novos objetos aparecem no campo epistemológico da história”. (LOPES, 1986, p. 27).
Em sendo assim, os novos problemas, as novas contribuições e os novos objetos são analisados a partir dos pilares da história cultural “que tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. (CHARTIER, 1990, p. 16-17).
Resultados e discussões
O livro didático Fundamentos de educação, de Amaral Fontoura, com o subtítulo “princípios psicológicos e sociais: elementos de didática e administração escolar”, faz parte da coleção “Biblioteca Didática Brasileira” que, no ano de 1957, compreendia 5 volumes e havia em preparo mais seis volumes.
Além dos cinco livros da “Biblioteca Didática Brasileira”, Amaral Fontoura contava mais oito livros publicados por diferentes editoras e mais seis títulos em preparo, conforme o Quadro 2.
V. TÍTULO DA OBRA COLEÇÃO: BIBLIOTECA DIDÁTICA BRASILEIRA 1º Fundamentos de educação (342 p. Ed. Aurora, RJ; 1ª - 1949, 2ª - 1952, 3ª - 1954 e 4ª - 1957) 2º Sociologia educacional (363 p. Ed. Aurora, RJ; 1ª - 1951, 2ª - 1953, 3ª - 1954, 4ª - 1956 e 5ª - 1957) 3º Metodologia do Ensino Primário (478 p. Ed. Aurora, RJ; 1ª - 1955, 2ª - 1957e 3ª - 1957) 4º Psicologia geral (472 p. Ed. Aurora, RJ; 1ª - 1957) 5º Psicologia educacional (400 p. Ed. Aurora, RJ; 1ª - 1957) EM PREPARO Didática do Ensino Normal a) Novos horizontes para a Educação Rural b) Organização e administração da Escola Primária c) Nossa experiência de Educação Rural d) Prática de ensino e) Manual de testes f) OUTRAS OBRAS DE AMARAL FONTOURA Programa de Sociologia (Liv. do Globo; 1941. P. Alegre; 1ª - 1940, 2ª - 1942, 3ª - 1943 e 4ª - 1944) 6º O ruralismo: base da economia nacional (Rio de Janeiro; 1941) 7º Dicionário enciclopédico brasileiro (Ed. Globo - P. Alegre, colaboração referente à Sociologia, Economia e Política; 1943) 8º Introdução à Sociologia (523 p. Ed. Globo, P. Alegre; 1ª - 1948, 2ª - 1953, 3ª - 1955 e 4ª - 1957) 9º O drama do campo (Ed. da revista Serviço Social, SP; 1949) 10º Introdução ao Serviço Social (512 p. Ed. Marcel Beerens, RJ; 1950) 11º Aspectos da vida rural brasileira (Premiada com o 1º lugar no concurso levado a efeito pelo Ministério da 12º Agricultura; 285 p. Edição oficial, 1950) 13° A atualidade política brasileira à luz da Sociologia (Aula Magna na Faculdade de Serviço Social do DF.; Rio de Janeiro, 1955) EM PREPARO g) Retrato verdadeiro do Brasil: uma análise sociológica da realidade brasileira h) Tratado de Sociologia Rural brasileira i) Introdução ao Serviço Social (2º volume) j) Organização da comunidade k) Educação de base e centros sociais rurais l) O drama da criança |
Fonte: Fontoura, A. do Amaral. Fundamentos de educação, páginas iniciais.
Quem foi, então, esse autor de 13 livros didáticos publicados e de mais 12 livros em preparo, num intervalo de apenas 17 anos?
O professor Amaral Fontoura, reputado Técnico de Educação, que há muitos anos se vem batendo por essa renovação do Ensino Normal. Professor de várias Faculdades - bem como da notável Universidade Católica do Rio de Janeiro - delegado do governo junto a várias Escolas Normais, professor de inúmeros cursos de aperfeiçoamento para professores, Amaral Fontoura consegue reunir duas qualidades que raramente se encontram juntas: profundo conhecimento teórico da Pedagogia, ao lado de um admirável espírito prático, objetivo. (FONTOURA, 1957, p. xiii-xiv).
Segundo o site My Heritage Amaral Fontoura nasceu em 30 de junho de 1912, no Rio de Janeiro - RJ e faleceu em 20 de agosto de 1987, também no Rio de Janeiro - RJ. De acordo com Francisco (2006, p. 20), Amaral Fontoura foi “membro da Galeria de Honra do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais, tendo sido considerado uma das grandes “colunas mestras da Sociologia latino-americana”; foi presidente da Associação Brasileira de Escolas Normais”.
Conforme se observa no Quadro 2 - os títulos dos livros que compõem a coleção da Biblioteca Didática Brasileira, correspondem às disciplinas elencadas a segunda e a terceira séries do Curso Normal (2º ciclo), com destaque às disciplinas marcadas com a cor amarela nos Quadros 2 e 3: Sociologia educacional, Metodologia do Ensino Primário, Psicologia educacional e Prática de ensino.
De acordo com o Decreto-Lei 8.530, de 2 de janeiro de 1946 - Lei Orgânica do Ensino Normal, art. 8º, tem-se: “O curso de formação de professores primários se fará em três séries anuais, compreendendo pelo menos, as seguintes disciplinas”, conforme o Quadro 3:
SÉRIE | DISCIPLINAS |
---|---|
1ª | Português Matemática Física e Química Anatomia e Fisiologia Humanas Música e canto Desenho e Artes Aplicadas Educação Física, Recreação e Jogos |
2ª | Biologia Educacional Psicologia Educacional Higiene e Educação Sanitária Metodologia do Ensino Primário Desenho e Artes Aplicadas Música e Canto Educação Física, Recreação e Jogos |
3ª | Psicologia Educacional Sociologia Educacional História e Filosofia da Educação Higiene e Puericultura Metodologia do Ensino Primário Desenho e Artes Aplicadas Música e Canto Prática do Ensino Educação Física, Recreação e Jogos |
Fonte: Decreto-Lei 8.530, de 2 de janeiro de 1946.
Através da leitura e análise do Quadro 3, percebe-se uma ênfase acentuada às disciplinas de “Música e Canto”, “Desenho e Artes Aplicadas” e “Educação Física, Recreação e Jogos”, ofertadas nas três séries do 2º ciclo do Curso Normal. As disciplinas de “Português”, “Matemática” e “Física e Química” eram dadas apenas no 1º ano. Romanelli (1986, p. 165), ao tecer críticas sobre o currículo da Escola Normal, destaca que “a falta de flexibilidade, quanto ao Ensino Superior, limitava o ingresso de estudantes normalistas apenas a alguns cursos da Faculdade de Filosofia”. Apesar de o Curso Normal ser de caráter profissionalizante, a disciplina “Prática de Ensino” era trabalhada apenas no 3º ano.
Embora seja um estudo estrangeiro, que trata da realidade espanhola, Sacristán (2000, p. 134), ao comentar sobre a homogeneização do material didático, escreveu: “Para que um livro escolar possa ser aprovado, se requer como mínimo, que se ajuste em seu conteúdo às normas dos questionários oficiais”. Sendo assim, nota-se que o autor Amaral Fontoura estava atento às prescrições legislativas da época.
Analisando o livro Fundamentos de educação, seus textos e paratextos
O livro Fundamentos de educação (Figura 1) tem um formato 18cm x 14cm, capa dura, estando o exemplar analisado disponível na Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Campus de Araraquara. O livro didático, segundo Batista (1999, p. 529), é “efêmero, que se desatualiza com muita velocidade. Raramente é relido; pouco se retorna a ele para buscar dados ou informações e, por isso, poucas vezes é conservado nas prateleiras de bibliotecas pessoais ou de instituições”. A não preservação desse impresso é contraditória, uma vez que “as bibliotecas são encarregadas de proteger e preservar o patrimônio textual”. (CHARTIER, 1998, p. 23).
A obra fundamenta-se nos princípios educacionais de Anísio Teixeira, John Dewey, Ferrière, dentre outros pensadores, de acordo com o parecer do secretário de educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Rubens Falcão, assinado em Niterói, em 2 de janeiro de 1953.
A referida publicação apresenta, ainda, em suas páginas, influências religiosas, com ênfase nesse aspecto desde a dedicatória do livro, quando se refere às professoras como “abnegadas missionárias”.
Às professoras fluminenses3, abnegadas missionárias
que consomem sua mocidade e sua vida obscuramente,
incompreendidas
lutando pelo bem dos outros
e pelo progresso da comunidade.
(FONTOURA, 1957, dedicatória).
A formação religiosa cristã do autor pertencente ao Catolicismo romano é destacada por Maciel, Vieira e Souza (2012, p. 242). “Na abertura de cada um dos manuais, observa-se a preocupação em deixar registrado para os professores a indicação de uma “oração da mestra”, uma “prece da renovação pedagógica”, uma “oração para o mestre dizer cada manhã”, ou um poema “Ser mestre”, escrito por ele ou por outrem”.
Ao longo do livro Fundamentos de educação, Amaral Fontoura apresenta pensamentos de religiosos como os de Pio XI, a destacar: “Nunca deve perder- se de vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo e unidade de natureza”. (FONTOURA, 1957, p. 7).
Ao apresentar os princípios da educação renovada, o autor afirma que “a educação, para ser integral, não pode deixar de lado a estrutura religiosa do homem, e por isso deverá desenvolver nos alunos atitudes de respeito a Deus, amor a seus semelhantes e outras virtudes do coração humano”. (1957, p. 15).
Dessa forma, segundo Chartier,
as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. [...] As lutas de representações têm tanta importância como as lutas económicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. (1990, p. 17).
Nesse caso, as concepções religiosas do autor são impostas aos leitores da obra Fundamentos de educação que está estruturada em três partes, conforme o Quadro 4: Fundamentos de educação: metodologia e administração escolar.
Aqui faço um destaque à parte “Administração Escolar”, uma vez que essa não está contemplada no currículo do Curso de Formação de Professores Primários, mas no currículo dos Cursos de Especialização e de Administração Escolar, conforme o Decreto-Lei 8.530, de 2 de dezembro de 1946, art. 11, onde lemos: “Os cursos de administradores escolares do grau primário visarão habilitar diretores de escolas, orientadores de ensino, inspetores escolares, auxiliares estatísticos e encarregados de provas e medidas escolares”.
Conforme o Quadro 4, observa-se que, na terceira parte do livro, o autor dedica um capítulo para tratar de estatística escolar. No início do livro, Fontoura do Amaral (1957, nota prévia) reforça que “um dos pontos mais difíceis para o professor primário atualmente é o preenchimento do “mapa estatístico” mensal, agora padronizado no Brasil inteiro, pelo IBGE.” Ou seja, o livro tem a preocupação de apresentar aos seus leitores atualizações pedagógicas necessárias aos professores daquele período.
1ª parte: Fundamentos de educação Capítulo I - A educação - a escola - princípios de educação renovada Capítulo II - Pedagogia e psicologia - a psicologia da infância Capítulo III - Psicologia diferencial - as diferenças individuais Capítulo IV - A criança-problema - desajustamentos na vida social e na escola - disciplina escolar Capítulo V - Os testes mentais e sua importância Capítulo VI - Psicologia da aprendizagem 2ª parte - Metodologia Capítulo VII - Metodologia da leitura e da escrita Capítulo VIII - Metodologia do cálculo Capítulo IX - Metodologia do desenho e dos trabalhos manuais Capítulo X - Metodologia das ciências físico-naturais Capítulo XI - Metodologia das ciências sociais Capítulo XII - Os métodos de “centros de interesse” e de “projetos” 3ª parte - Administração escolar Capítulo XIII - Instituições Escolares Capítulo XIV - Verificação do aproveitamento escolar Capítulo XV - Condições higiênico-pedagógicas das construções escolares Capítulo XVI - Estudo das doenças próprias da infância Capítulo XVII - Administração do ensino fluminense Capítulo XVIII - Organização do ensino primário Capítulo XIX - Constituição do magistério / estatística escolar Anexos Modelo de questões objetivas Vocabulário |
Fonte: Fontoura (1957, p. ix-xii).
Cada um dos capítulos do livro Fundamentos de educação está estruturado da seguinte forma: começa com a exposição do conteúdo, seguida de um resumo; sequencialmente, tem a seção para o seu fichário e finaliza com questionários e tópicos para discussão, leituras complementares ou obras para consulta.
A título de exemplo de como eram compostos os questionários e tópicos para discussão, a transcrição a seguir é referente ao Capítulo XVIII - Organização do Ensino Primário.
Que se entende por “ensino primário” e quais são os seus objetivos, no Estado do Rio?
Quais são as principais determinações da Constituição Brasileira em relação ao ensino primário?
Como se divide o ensino primário, quanto às suas categorias?
Que diferença existe entre ensino elementar, complementar e supletivo?
Que se entende por “lei orgânica do ensino primário”?
Que matérias compõem o currículo do ensino primário elementar? E do complementar?
Diferencie os tipos de escola primária existentes no Estado do Rio.
Qual a situação do ensino religioso nas escolas públicas?
Pode um candidato de 14 anos ser admitido à matrícula na 1ª série do curso primário elementar?
Existe a obrigatoriedade de os pais matricularem seus filhos na escola primária. - Isso é o bastante para que todas as crianças brasileiras recebam a necessária instrução? Que mais seria preciso na sua opinião?
Como é realizada a verificação do rendimento escolar nas escolas primárias públicas do Estado do Rio?
Qual o critério estabelecido para a promoção do aluno?
Na sua opinião, devia ou não entrar em linha de conta, para a promoção do aluno, o julgamento do seu professor?
Podemos dizer que a Divisão de Estatística Educacional tem estabelecido escores muito baixos para a promoção, nos últimos anos? Por quê?
Podemos dizer que “as provas objetivas de fim de ano têm sido muito fáceis”? Por quê? (FONTOURA, 1957, p. 300-301, grifo nosso).
Como pode ser observado no exemplo acima, algumas questões exigem leitura e interpretação da legislação e fundamentos teóricos para serem respondidas. É nesse sentido que o autor faz a sugestão de leituras complementares, para que a aluna da Escola Normal possa responder ao seu questionário.
No item 10 da citação acima, pode-se perceber um exemplo da função documental do livro didático. Nessa função, “acredita-se que o livro didático pode fornecer, sem que sua leitura seja dirigida, um conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja observação ou confrontação pode vir a desenvolver o espírito crítico do aluno”. (CHOPPIN, 2004, p. 553).
Para uma melhor visualização do que são essas leituras complementares, apresentam-se as sugestões dispostas no Capítulo XVIII - Organização do Ensino Primário.
Toda a bibliografia já citada no fim do capítulo anterior.
AMARAL FONTOURA - Legislação do Ensino do Estado do Rio de Janeiro - Biblioteca Didática Brasileira, Série II, Volume 2º; Editôra Aurora; Rio, 1957.
Constituição Brasileira - Título VI, Capítulo II, “Da Educação e da Cultura” (artigos 166 a 175).
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, de 20 de junho de 1947.
Lei Orgânica do Ensino Primário (federal) - Decreto-Lei nº 529, de 2/1/1946.
Lei Orgânica do Ensino Primário (estadual) - Decreto-Lei nº 1.757, de 20/9/1946, publicado a 22/9/1946.
Regulamento do Ensino Primário - Baixado com o Decreto nº 196- A, de 24/12/1936. (FONTOURA, 1957, p. 301).
Nota-se que as sugestões de leitura exigem certo grau de aprofundamento, que passa pela leitura da legislação tanto federal quanto estadual. A partir disso, questiona-se: Onde a aluna teria acesso a essa documentação? As Escolas Normais possuíam bibliotecas com esse tipo de material?
Os manuais pedagógicos, conforme Silva,
manifestaram rituais das aulas ministradas junto aos normalistas quando explicaram determinadas ideias e sugeriram procedimentos e atividades a serem reproduzidos futuramente pelos estudantes no exercício do magistério. Assim, esses textos definiram regras ideiais para se conduzir o ensino ou, em outras palavras, delimitaram “rituais” ou “ritos” específicos da escola primária. (2005, p. 54).
Os questionários amplamente utilizados nos manuais didáticos às alunas de Escolas Normais, posteriormente eram empregados nas salas de aulas das Escolas Primárias. Para ilustrar a questão das sugestões de leitura, apresentam-se, também, as leituras complementares arroladas no Capítulo XVII - Administração Escolar:
AMARAL FONTOURA - Legislação do Ensino do Estado do Rio de Janeiro - Biblioteca Didática Brasileira, Série II, Volume 2º; Editôra Aurora; Rio, 1957.
BALLESTEROS & SAINS - Organización escolar; La Lectura, Madrid, 1925.
BELO, Rui Aires - Princípios de Administração Escolar; Editôra Globo; Pôrto Alegre, 1956.
FAYOL, Henri - Administration Industrielle et Général; Dunod; Paris, 1931.
KANDEL, I. L. - Educação Comparada; 2 volumes, Editôra Nacional, São Paulo, 1943.
LEÃO, Carneiro - Administração Escolar; Editôra Nacional, São Paulo, 1939.
PENA, Luís Damasco - Problemas de Administração Escolar; Editôra Nacional, São Paulo, 1936.
SANTOS, Teobaldo Miranda - Noções de Administração Escolar; Editôra Nacional, São Paulo, 1954.
TEIXEIRA, Anísio - Educação Pública: sua organização e administração; Dep. de Educação, Rio, 1935. (FONTOURA, 1957, p. 283).
O autor apresenta nove sugestões de leitura, sendo sete publicações nacionais e duas estrangeiras, uma em Espanhol e uma em Francês. No currículo apresentado no Quadro 3, com base na Lei Orgânica do Ensino Normal, não era dada nenhuma língua estrangeira nos Cursos Normais. Será que essas alunas da Escola Normal possuíam habilidades linguísticas para ler tais obras? Esses trabalhos estavam disponíveis em bibliotecas no Estado do Rio de Janeiro e nos outros Estados do Brasil às alunas das Escolas Normais?
Afirma-se que o conteúdo do livro Fundamentos de educação era bastante completo e caso as normalistas tivessem acesso e se dispusessem a realizar as leituras complementares sugeridas por Amaral Fontoura, sairiam da Escola Normal com um conhecimento bastante aprofundado, no que diz respeito aos fundamentos da educação.
Considerações finais
Este estudo, embora seja inicial, permitiu visualizar, de forma geral, os conhecimentos científicos escolhidos para formar as futuras professoras fluminenses e a constituição do sistema escolar brasileiro. A análise do livro didático Fundamentos de educação, de Amaral Fontoura, propiciou compreender, em parte, o currículo das Escolas Normais nas décadas de 1940 e 1950, no Brasil, por intermédio do cruzamento de dados apresentado no livro didático e no Decreto-Lei 8.530, de 2 de janeiro de 1946 - Lei Orgânica do Ensino Normal. Possibilitou, ainda, identificar que Fundamentos de educação é um livro integrado, pois apresenta conteúdos de três disciplinas: Fundamentos de Educação, Metodologia e Administração Escolar, sempre com ênfase no contexto do Estado do Rio de Janeiro.
A importância desse estudo se deu por conta de apresentar um autor não muito discutido entre os pesquisadores sobre livros didáticos - que foi Amaral Fontoura -, bem como a análise da obra Fundamentos de educação. Além disso, os trabalhos que foram localizados até então analisavam os livros didáticos de Amaral Fontoura das disciplinas de Sociologia Educacional (MEUCCI, 2000; CIGALES, 2014), Psicologia Educacional (TADEI, 2016; CHRISTIANO, 2017) e Metodologia do Ensino Primário. (FRANCISCO, 2006). Seria esse, então, o primeiro trabalho que analisou o livro Fundamentos de educação?
Como sugestão para trabalhos futuros, poderiam ser feitas a localização e a análise de outras obras do autor, sobretudo aquelas que dizem respeito à Educação Rural, para a realização de uma investigação de caráter longitudinal.