Introdução
Estamos vivendo a denominada ‘era digital’, na qual a expansão dos recursos tecnológicos digitais e computacionais permeiam a sociedade modificando a maneira das pessoas se comunicarem, se relacionarem. Isso tem favorecido o desenvolvimento de artefatos extremamente avançados e inseridos nos mais diversos contextos individuais e coletivos da sociedade. Uma das consequências desse fenômeno é a emergência de novos desafios e demandas para a formação de profissionais que saibam lidar com o cenário emergente caracterizado por incertezas e imprevisibilidades. Conforme Lyotard (1986, apud Kenski, 2011), para acompanhar o movimento do mundo, o homem precisa se adaptar à complexidade proposta pela evolução tecnológica e, sendo assim, as práticas educacionais podem buscar subsídios, elementos e aportes para lidar com as transformações em curso, no contexto dessa sociedade em transformação.
As tecnologias digitais, em suas diferentes formas, podem atuar como mediadoras dos processos educativos em vários contextos, mas para que isso aconteça é necessário um redimensionamento das práticas vigentes a fim de que elas favoreçam a formação humana e tecnológica. Kenski (2011, p. 18), alinhado a esse pensamento, afirma que isso representa um desafio duplo à educação, no sentido de que ela precisa se adaptar aos avanços das tecnologias e “[...] orientar o caminho de todos para o domínio e a apropriação crítica desses novos meios”.
Apresentamos neste artigo um estudo de cunho exploratório que busca considerar alguns desafios e demandas para as práticas didáticas em Engenharia, diante do contexto da cultura digital vigente. Lévy (1999) já previa o surgimento desse cenário, se referindo a ele por cibercultura, entendido como um conjunto de práticas, de técnicas, de atitudes, de pensamentos e de valores, advindos das formas de atuação dos sujeitos, no contexto do ciberespaço. Esse, entendido como o meio ou o espaço social, permeado pelas formas de comunicação e informação possibilitadas pelas tecnologias digitais e seus recursos. André Lemos (2003, p. 19), destaca que há uma “[...] sinergia entre a sociedade contemporânea e a técnica [...]”, ressaltando que técnica e a sociedade se transformam em parceria. Nesse sentido, o estudo exploratório que compartilhamos busca tecer algumas relações entre as transformações no âmbito das indústrias advindas da chamada ‘revolução 4.0’ e suas reverberações para o ensino de Engenharia, sugerindo alguns caminhos conceituais para o redimensionamento das práticas educativas nessa área. Segundo Gil (2002), o método exploratório de pesquisa é indicado quando se deseja verificar antecipadamente a pertinência de uma questão de pesquisa, cujo tema pode estar situado na intersecção de várias áreas de conhecimento, necessitando assim ser explorada sob diversos pontos de vista. Ainda, a pesquisa exploratória tem como cerne o levantamento bibliográfico preliminar, para posterior constatação de sua relevância e contribuição para a área de conhecimento, mantendo o foco no tema, sem se tornar demasiado ampla, mas podendo ser complementada por novas pesquisas construídas a partir dela. Esse é o caso do estudo que apresentamos.
O papel do engenheiro ao longo das revoluções industriais
O cenário industrial está passando por mudanças tecnológicas significativas, projetando novas tendências no âmbito da Engenharia e criando novas demandas para os cursos dessa área. Demandas essas relacionadas ao desenvolvimento de habilidades e de competências dos egressos para lidarem com as situações que surgem relacionadas às práticas da área. Sendo assim, é relevante que esses cursos possam redimensionar seus formatos, currículos e dinâmicas pedagógicas, levando em conta, dentre outros aspectos, aquilo que o âmbito das indústrias indica em termos de inovação tecnológica em seu espaço de atuação, uma vez que esse aspecto tem um impacto social significativo.
Retomando alguns aspectos da relação entre as revoluções industriais e a formação do engenheiro podemos perceber que estas transformações sócio-industriais reverberaram nas práticas educativas da Engenharia. Por exemplo, até a metade do século XVIII, os produtos eram fabricados de forma manual pelos camponeses e artesãos e, consequentemente, em pouca quantidade. Com o crescente aumento da população e a constante migração das pessoas do campo para as grandes cidades, houve a necessidade de aumentar a produção dos produtos artesanais. Assim, com a necessidade do aumento da produção, aliada ao avanço do desenvolvimento científico da época (máquinas a vapor), surgiu a primeira grande revolução industrial, também conhecida como Indústria 1.0. Isso marcou a transição dos métodos de produção artesanais para processos de produção mecanizados (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit [GIZ], 2016), que por sua vez demandou por redimensionamentos na formação de profissionais, em especial do engenheiro. Assim a prática educativa se modifica incluindo alguns artefatos tecnológicos na ação pedagógica, para atender as necessidades desse período em termos de formação profissional.
Na segunda metade do século XIX, em 1870, ocorreu a segunda revolução industrial (Indústria 2.0), com a mudança do processo produtivo marcada pela introdução da eletricidade nos sistemas produtivos e pela produção em massa, passando da tecnologia mecânica para a elétrica (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial [ABDI], Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços [MDIC], 2019). Esse processo marca o início das empresas de manufatura pesada, provocando um grande crescimento na produtividade mundial.
Já a terceira revolução, conhecida como Indústria 3.0, iniciou nos anos 1970, sendo caracterizada pela automação, isto é, pela utilização da eletrônica e tecnologia da informação (TI) na indústria, aprimorando, assim, o processo de fabricação (GIZ, 2016). Dessa forma ocorreu a inserção de computadores em todos os processos organizacionais, e o uso dos controladores lógicos programáveis (CLP’s), integrados com as redes de computadores e com a Internet (Weiser, 1991). Tais recursos tecnológicos ainda são utilizados nas fábricas para automatizar tarefas mecânicas e repetitivas, responsáveis por integrar os processos, as máquinas e as pessoas (ABDI, MDIC, 2019). Esse cenário apresenta desafios para a prática educativa em vários níveis, em especial para os cursos de Engenharia.
O uso de tecnologias de automação, aspecto marcante da Indústria 3.0, desencadeou um processo que alterou a maneira de organizar e de desenvolver as ações no cenário industrial. A presença de máquinas e artefatos automatizados geraram mudanças na forma de realizar as operações industriais, na produção e na forma de se relacionar dos sujeitos envolvidos. Isso demandou transformações na formação profissional e continuada (GIZ, 2016), repercutindo na organização curricular dos cursos de Engenharia, que incluiu em seus laboratórios recursos tecnológicos alinhados aos que estavam permeando o cenário sócio-industrial.
Em 2011, durante uma feira em Hannover, uma nova revolução industrial, conhecida como Indústria 4.0, foi apresentada pela primeira vez. O processo de automação inteligente e integrado, permeando todos os níveis operacionais, táticos e estratégicos da indústria é, então, apresentado. A quarta revolução industrial traz como conceito central o Sistema Ciber-físico, no qual as tecnologias de big data e inteligência artificial são as mais importantes. Nesse cenário, o controle da produção acontece em um nível denominado Ciber, coordenado e monitorado por agentes inteligentes preditivos, autoprogramáveis e capazes de tomar decisões (Zaharija, Mladenovic, & Boljat, 2015; Zhou, Liu, & Zhou, 2015). Segundo o relatório intitulado ‘Indústria 4.0: o futuro da produtividade e crescimento nas Indústrias de Manufatura’ do Boston Consulting Group (BCG, 2015) - a qual associa líderes empresariais e sociais para enfrentar seus desafios mais importantes e capturar suas maiores oportunidades - prevê nove pilares tecnológicos da Indústria 4.0, sendo esses: robôs autônomos, simulação, integração de sistemas, internet das coisas, cibersegurança, computação em nuvem, manufatura aditiva, realidade aumentada (RA) e big data (BCG, 2015).
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que se consolidou uma agência de inteligência do governo federal brasileiro para o setor produtivo, juntamente com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) identificaram, além das tecnologias acima, outras que são potencialmente utilizadas na nova era das indústrias, como: sistemas ciber-físicos, inteligência artificial (IA) e biologia sintética (ABDI, MDIC, 2019).
Diante desse cenário emergente, as instituições de ensino superior estão diante de um desafio: preparar seus estudantes para lidar com esse cenário sofisticado. Não é o caso apenas de conhecer as novas máquinas e artefatos, ou a forma geral de operá-los, mas principalmente saber pensar de forma a lidar com os problemas e desafios que surgem nesse contexto.
A indústria 4.0 pode trazer inúmeras vantagens para os ambientes fabris, gerando maior produtividade, pela redução de falhas e de desperdícios, pelo melhor controle, comunicação e logística. Porém, autores como Zhou et al. (2015) apontam desafios nas áreas científicas, tecnológicas e sociais decorrentes deste novo paradigma. Não se pode desconsiderar o conflito existente entre a necessidade de manter uma atividade econômica que, devido a grande competitividade, precisa aumentar a produtividade sem impactar negativamente nos níveis sociais e econômicos da população.
Tecnologias da indústria 4.0 para a sala de aula
O impacto das tecnologias digitais repercute em todos os setores da sociedade: educação, saúde, emprego, governança, entretenimento, bem estar, energia, agricultura, entre outros (Augusto, Callaghan, Cook, Kameas, & Satoh, 2013). Para oferecer um caminho para pensar práticas pedagógicas, com potencial de formar engenheiros que tenham capacidade de lidar com o cenário demandado da indústria 4.0, apresentaremos, a seguir, as recomendações de alguns pesquisadores que se dedicaram a essa temática.
Os artefatos usados nas atividades industriais, bem como as dinâmicas ali desenvolvidas por essa presença, podem ser ponto de partida para se pensar em ambientes de aprendizagem para cursos de Engenharia. Por exemplo, simulações em 3D em computador, que são utilizadas nas indústrias para desenvolvimento de produtos, máquinas, processos de produção e operações nas fábricas, podem constituir uma ferramenta de cunho didático. Os softwares de simulação utilizam dados para espelhar o mundo físico em um modelo virtual. A Figura 1 ilustra um caso de visualização simulada 3D que mostra, na janela da direita, um operador em um ambiente virtual. Nele é possível incluir ou excluir máquinas, produtos e humanos na simulação, permitindo que os operadores testem e otimizem as configurações da máquina para o próximo produto no mundo virtual antes da troca física, reduzindo os tempos de configurações das máquinas (BCG, 2015).
Carneiro, Alvez, Silva e Fagundes (2016), em seu estudo, apresentam resultados sobre a realização da automação de uma fábrica virtual de tintas com seus estudantes do curso de Engenharia. Os autores utilizaram um controlador lógico programável (CLP) para programar a lógica de funcionamento da fábrica e um ambiente virtual. Com a integração entre o ambiente virtual e o programa do CLP foi possível fazer simulações e realizar os testes das lógicas de controle para descobrir alguns defeitos no sistema. Eles concluíram que o uso do ambiente virtual foi importante para o desenvolvimento das habilidades de programação de CLP, tornando o processo seguro e econômico, e com simulação próxima de uma fábrica real.
Em outro cenário, Costa, Blanco, Schirmbeck e Santos (2019) apresentaram uma dinâmica pedagógica, desenvolvida pelo SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), adequada à formação na área de Engenharia, na qual laboratórios virtuais poderiam ser utilizados tanto para cursos técnicos que relacionam assuntos de Engenharia, como, também, para o ensino superior com o mesmo viés. Os autores expuseram que o uso dos laboratórios virtuais prepara os estudantes para a prática com máquinas, equipamentos e instrumentos com os quais eles irão interagir nos laboratórios físicos em ambientes universitários e na própria indústria. Os mesmos autores também relataram a associação da aprendizagem baseada em jogos educacionais, em que as simulações desafiam o estudante a resolver situações de aprendizagem elaboradas pela metodologia desenvolvida, que tem como base o desenvolvimento de competências. Concluíram por meio desse estudo que o desenvolvimento de laboratórios virtuais, que é realizado por intermédio de uma metodologia específica de ensino e de aprendizagem, é apenas um exemplo possível dentre outros que permitem aos professores contextualizarem as capacidades necessárias para a formação de futuros profissionais. Enfatizaram que reconhecer essa realidade implica em formar futuros profissionais com capacidade de tomar decisões e de desenvolver uma visão estratégica para desafios pessoais e profissionais, a fim de resolver problemas reais nos ambientes que utilizam a Indústria 4.0.
Com a tecnologia da realidade aumentada (RA) é possível gerar objetos virtuais num ambiente real. O usuário, utilizando algum dispositivo com a tecnologia da realidade aumentada (óculos específicos, smartphone, tablet, etc.), consegue visualizar dados e objetos virtuais no ambiente concreto e em tempo real, conforme a Figura 2 e a Figura 3. Na Figura 2, o usuário está enxergando uma peça interna do motor sem precisar retirar de dentro do carro. Na Figura 3, o usuário visualiza dados de uma máquina em tempo real sem precisar acessar o computador que armazena esse tipo de informação.
Assim, a realidade aumentada é utilizada para complementar o mundo real com componentes virtuais, fazendo objetos físicos e objetos virtuais coexistirem no mesmo espaço do mundo real (Lopes, Vidotto, Pozzebon, & Ferenhof, 2019).
De fato, a RA vem sendo utilizada na educação em variados contextos (Lopes et al., 2019). O estudo de Lopes et al. (2019) aponta que existem práticas na Engenharia Civil, Arquitetura, Design, Ciências da Saúde, entre outras. O trabalho esclarece, ainda, que a RA é utilizada de várias maneiras, como: por meio de dispositivos móveis compatíveis com o uso da RA, da aplicação de RA a livros e do uso de jogos com RA. Os autores complementam que a combinação das tecnologias, de jogos e da realidade aumentada favorecem a motivação dos estudantes para o aprendizado. Por meio da revisão, eles identificaram que é uma tendência o uso da realidade aumentada na educação com a criação e utilização de livros com esse recurso.
Big data, outro pilar da Indústria 4.0, está relacionado com a análise de grandes volumes de dados. Os dados são coletados, analisados, processados e contextualizados em um processo de tomada de decisão, de manutenção preditiva ou outro. Segundo a pesquisa de Dóro, Tavares, Frigo, Queiroga, e Rodrigues (2018), a análise de Big data pode ser utilizada em várias áreas. Um exemplo citado foi a análise de dados de clientes pelas empresas com o intuito de compreender o perfil de seus consumidores, otimizando processos e visualizando eventuais mudanças e novas tendências antes dos concorrentes. Outro ramo, abordado na pesquisa pelos autores, em que se utiliza a análise de Big data é no ensino. Essa tecnologia é utilizada no ensino, por exemplo, para ajudar os agentes da educação a identificar os estudantes que se encontram em risco através de dados que mostram a evolução dos estudantes.
Em linhas gerais, podemos dizer que a inteligência artificial (IA) é a área que se ocupa da resolução de problemas e do processamento inteligente (Luger, 2013). Por meio dessa tecnologia é possível que as máquinas aprendam com experiências, ajustem-se a novas situações e executem tarefas comumente realizadas apenas por seres humanos (Fong, Nourbakhsh, & Dautenhahn, 2003). Para simular o raciocínio humano, avaliar possibilidades e identificar padrões novos e desconhecidos, a IA utiliza métodos de aprendizado de máquina (machine learning e deep learning) (Luger, 2013).
Faraon, Pereira, Araujo, e Silva (2017) apresentam resultados de um estudo que mostra as possibilidades da IA em diversos contextos, na Engenharia Química, na Administração, na Arquitetura, na Ciência da Computação, em cursos de TI, entre outros. Os autores relatam que para os estudantes das engenharias explorar temas como rede elétrica inteligente (smart grid) e Indústria 4.0 articulados a intervenções problematizadoras e desafiadoras, por parte do professor, resultou em práticas interativas precursoras da aprendizagem.
Outra tecnologia presente no cotidiano é a internet das coisas (internet of things - IoT, sigla em inglês). Essa, de forma sucinta, tem por objetivo interligar o mundo real com o digital através de dispositivos conectados em rede. Assim, essa tecnologia caracteriza-se como uma rede de dispositivos e de máquinas que conectam os itens usados no dia a dia à internet e estabelecem uma troca de informações e de dados, além de desempenhar atividades e controles por meio de recursos operacionais. Como exemplos da utilização da internet das coisas pode-se citar o recebimento de notificações sobre o tráfego nas rotas diárias, usando o Google Maps, a utilização do celular para fazer compras e até mesmo o monitoramento das câmeras de segurança da residência através de smartphones (Biaggi et al., 2018). Esse conceito é um dos pilares da indústria 4.0, uma vez que no setor industrial, as empresas que utilizam essa tecnologia, controlam as informações de toda a cadeia de suprimentos, onde equipamentos, maquinários e fornecedores estão conectados em rede. Isso permite que os gestores visualizem a produtividade da indústria, verificando alguma queda de produtividade ou falhas nos processos operacionais antecipadamente, tomando decisões rápidas em tempo real (Biaggi et al., 2018).
Para inserir os conceitos de IA e de internet das coisas, dentre outros, nas práticas educativas dos cursos de Engenharia, diversos países da América, Ásia e Europa mantêm, há mais de uma década, diretrizes educacionais incentivando o uso de tecnologias desde as séries iniciais até o ensino médio. Nesses contextos, o intuito não é apenas iniciar e proporcionar aos estudantes o acesso às tecnologias, mas prioritariamente favorecer a construção de amplo domínio tecnológico, ao longo dos anos escolares, a fim de promover fortemente a cultura digital.
A cultura digital é um conceito amplo e abrange uma série de competências segundo a BNCC (2018). Dentre as competências incluídas nesse conceito, destaca-se a relevância do pensamento computacional. O pensamento computacional envolve habilidades que procuram aprofundar o conhecimento e as capacidades dos estudantes buscando o domínio das tecnologias (Papert, 1980; Wing, 2006; Brennan & Resnick, 2012). Por ‘domínio das tecnologias’ entende-se que os estudantes devem aprendam a criar e projetar artefatos computacionais, combinando elementos de forma a empregar e manipular símbolos e formalismos da computação. Não se inclui nesse conceito o uso das tecnologias, tal como a navegação, uma conversação ou interações por meio de sistemas. O pensamento computacional está relacionado a aspectos como: análise de informações e formulação de estratégias utilizando simulações; representação de dados através de abstrações, organizações lógicas e processos algorítmicos; análise e interpretação de resultados; generalização e transferência do processo de resolução de um problema para outros contextos.
A transposição informática, conceito proposto por Nicolas Balacheff (2000) para caracterizar as modificações do saber a ser ensinado, considerando os requisitos básicos da representação simbólica da computação, é um conceito que pode ser de valor quando o propósito é partir das tecnologias emergentes na indústria 4.0 para pensar numa didática para ensino da Engenharia.
Esse autor enfatiza que a transposição informática não se constitui numa simples transcrição dos recursos digitais e informáticos para as práticas de aprendizagem. Ele destaca a necessidade de construções e de transformações para que os recursos presentes nos processos industriais possam ser considerados objetos de aprendizagem. Na interação com o computador, “[...] estão em jogo diversos aspectos do funcionamento cognitivo, como a criação de outras formas de relação espaço-temporal, o gerenciamento da memória e a forma de representação do conhecimento, bem como sua capacidade de modelar o real” (Bittencourt, 1998, p. 03). Sendo assim, as tecnologias digitais quando integradas à prática educativa, desde essa abordagem, podem favorecer a exploração e a construção de conhecimento.
Balacheff (2000) ainda ressalta que os recursos tecnológicos poderão se tornar apoio para a aprendizagem quando utilizados como um instrumento de mediação pedagógica, pois, dessa forma, viabilizam que o estudante possa experimentar algumas propriedades dos objetos em estudo de uma maneira dinâmica, estimulada pelos recursos de simulação e de representação advindos dos recursos tecnológicos computacionais. Assim, os recursos digitais podem colocar o estudante diante de situações-problema e de desafios que o levem à reflexão e à exploração, aspectos que são potencializadores da aprendizagem.
Considerações finais
A inserção de recursos tecnológicos presentes na sociedade e na indústria, no contexto acadêmico, levando em conta as dimensões computacionais, pode desempenhar um papel importante nos processos de ensino e aprendizagem; criando situações que simulam o real; possibilitando uma aprendizagem contextualizada e desafiadora; permitindo que os estudantes explorem e reflitam sobre sua ação, ampliando suas concepções acerca do objeto de conhecimento.
Neste trabalho, apresentamos um estudo de cunho exploratório no qual refletimos sobre como algumas das tecnologias industriais emergentes podem atuar como ponto de partida para o redimensionamento das práticas didáticas na formação em Engenharia. Destacamos que as revoluções industriais repercutiram na formação de engenheiros, indicando que a inserção das tecnologias nas práticas industriais demandava por sua presença nas práticas educativas. No cenário atual, as transformações que emergem na indústria 4.0, onde as expressões inteligência artificial, realidade virtual e modelos de simulação estão em evidência, somos desafiados a repensar a maneira de formar os profissionais dessa área. Os resultados do estudo que apresentamos sinalizam que um conceito que pode ser útil para responder a esse desafio é o de pensamento computacional, que pode ser entendido como um processo lógico e algorítmico para formulação e resolução de problemas por processamentos computacionais. Ele oferece um conjunto de competências computacionais que podem ser relevantes para criar práticas pedagógicas para ensino do engenheiro.
Outro conceito importante para isso é da transposição informática de Balacheff (2000) que oferece um caminho metodológico para fazer a transposição dos conceitos da indústria 4.0 para as práticas educativas na área de Engenharia. Os recursos computacionais, quando inseridos nas práticas educativas do ensino da Engenharia, levando em conta as dimensões da transposição informática podem desempenhar um papel importante, pois possibilitam a criação de situações de aprendizagem que simulam o real e uma aprendizagem contextualizada e desafiadora, onde os discentes possam explorar e refletir sobre sua ação, ampliando suas concepções acerca do objeto de conhecimento.
Ressaltamos que o uso da tecnologia digital, como aliada aos processos didáticos, precisa ser realizado a partir de teorias de base construtivista, onde o estudante é sujeito de seu processo de aprender e os recursos digitais/computacionais seja meio para isso, aliadas a mediação do professor.
Finalizamos inferindo que, para que ocorra essa aproximação do ensino com a realidade da sociedade e do mercado de trabalho, é importante o diálogo entre os agentes da área da educação e os profissionais da área industrial, aliado aos interesses dos professores em capacitar-se para utilizar essas ferramentas em suas práticas didáticas.
Desejamos que as considerações apresentadas possam desencadear reflexões e trocas de ideias para desenvolver planos e ações voltadas para a formação de engenheiros em ambientes de aprendizagem, abertos e dialógicos, alinhados às tendências e demandas sócio-industriais contemporâneas.