Introdução
Historicamente, a Educação do Campo no Brasil enfrenta dificuldades desde a sua implementação até os dias de hoje. As justificativas mencionadas pelos governantes não são mais aceitas pela população, a qual está saturada de ouvir que as dificuldades geográficas e a dimensão do país não favorecem a educação campesina. Essas implicações deveriam ser facilmente resolvidas por meio da gestão de políticas públicas de qualidade que sejam pensadas para essas populações, o que parece não ser prioridade para os governantes.
Nesse cenário de descaso por parte dos governantes do país, a Educação do Campo vem arrastando e amargando no descaso da governança. A luta pela Educação do Campo resulta dos movimentos sociais, principalmente, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da classe trabalhadora camponesa, todavia, a luta ao acesso de uma educação pensada para o homem do campo é marcada por negações.
De acordo com Santos e Nunes (2020), o marco da Educação do Campo na agenda política brasileira deu-se partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.394 (1996), quando afirma em seu Artigo 28 a possível adequação do currículo e de metodologias apropriadas ao meio rural, bem como, a flexibilização e a organização escolar por meio da adequação do calendário escolar, para atender às condições climáticas de cada região. Com base nesse contexto, as políticas públicas educacionais vistas como direito, voltadas para a Educação do Campo começam a tomar fôlego no cenário nacional, a partir da década de 1990, mas se concretizam com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo em 2002.
Mas, no âmbito dos movimentos sociais, a gênese das discussões sobre o tema ‘Educação do Campo’, é oriunda do I ENERA (Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária), realizado em Brasília em 1997 e, logo após, em 1998, 2004 e 2015 com a realização das respectivas Conferências para a Educação Básica no Campo, além de outros encontros com a mesma finalidade. Posteriormente, as mobilizações sociais se intensificaram e incorporaram a luta pela Educação do Campo, por intermédio das ações e reinvindicações dos Movimentos Sociais e Sindicais do Campo, em harmonia com outros movimentos urbanos (Santos, 2013). Dentre os movimentos que fazem parte dessas mobilizações, destacamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Luta pela Terra (MLT), além dos indígenas e quilombolas, os quais reafirmaram o compromisso da luta pela Educação do Campo no II ENERA, que aconteceu em Luziânia/GO, em 2015. De acordo com Caldart (2009, p. 71-72),
A Educação do Campo nasceu tomando/precisando tomar posição no confronto de projetos de campo: contra a lógica do campo como lugar de negócio, que expulsa as famílias, que não precisa de educação nem de escolas porque precisa cada vez menos de gente, a afirmação da lógica da produção para a sustentação da vida em suas diferentes dimensões, necessidades, formas. E ao nascer lutando por Educação do Campo direitos coletivos que dizem respeito à esfera do público, nasceu afirmando que não se trata de qualquer política pública: o debate é de forma, conteúdo e sujeitos envolvidos.
Nessa perspectiva, o texto aborda as dificuldades enfrentadas pela Educação do Campo no Brasil e as lutas em favor desta educação, sendo que algumas delas ganham força nas Legislações vigentes no país, nas quais ainda são encontradas algumas dificuldades quanto à sua execução, devido ao fato de infraestrutura nas escolas, deixando a população campesina desprovida de melhorias educacionais. Portanto, faz-se necessário, romper com as estruturas escolares abaixo de um padrão mínimo de qualidade, pois muitas escolas não têm água ou luz, a maioria não tem laboratório, biblioteca ou espaço de lazer (Cardoso, Santos, & Oliveira, 2017); superar o modelo educacional urbanocêntrico; implementar uma proposta educacional que tenha como centralidade dos processos educativos nos movimentos sociais do campo e nos camponeses; e lutar para impedir o fechamento de escolas do campo conforme preconiza a Lei nº 12.960 (2014), pois em 2015, no Brasil, haviam 64.091 (sessenta e quatro mil noventa e uma) escolas do campo, enquanto que em 2018 esse número diminuiu para 51.519 (cinquenta e um mil quinhentas e dezenove), indicando que 12.572 (doze mil quinhentas e setenta e duas) escolas foram fechadas no período de apenas 3 (três) anos (Santos & Nunes, 2020).
A pesquisa da qual se origina este texto tem como objetivo analisar o impacto das políticas educacionais para o campo, que fazem parte do Plano de Ações Articuladas (PAR), efetivadas no município de Vitória da Conquista/BA. O referido Plano foi instituído pelo Decreto nº 6.094 (2007), no segundo mandato do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), e se insere no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Desde a sua implementação, o PAR já incidiu em três ciclos, sendo que o primeiro abrangeu o período de 2007 a 2010, no segundo mandato do Presidente Lula; o segundo ciclo no período de 2011 a 2015, no mandato da Presidenta Dilma; e a etapa atual, que compreende o período de 2016 a 2019, teve início no Governo do Presidente Temer. Nessa última etapa, os estados e municípios foram orientados a fazerem o diagnóstico de suas redes para, com base em dados atualizados, elaborarem seus respectivos Planos de Ações Articuladas. A partir do segundo ciclo, o PAR passou a ser vinculado ao Plano Nacional de Educação (PNE) ocorrendo, pois, um alinhamento entre o PAR e o PNE nas 20 (vinte) metas e estratégias relacionadas à educação básica.
As informações foram analisadas por meio da metodologia dialética que para Kosik (1997), implica em uma explicação objetiva da realidade estudada, penetrando na riqueza de seus conteúdos.
A opção pela abordagem dialética se deu como tentativa para compreender as políticas públicas educacionais implantadas no Brasil a partir da década de 1990, com foco no PAR. Nessa perspectiva, o método de análise adotado foi o Materialismo Histórico Dialético, o qual contribui para desvelar a realidade, pois, busca abranger o real a partir de suas contradições e relações entre singularidade, particularidade e universalidade.
A Educação do Campo surge das lutas dos Movimentos Sociais na busca por garantias dos direitos da população campesina. Devido à ausência de políticas públicas direcionadas a essa realidade social e, ainda, por seus vestígios históricos sobre a negação de direitos às populações do campo, surgem preocupações e políticas com o objetivo de reverter essa realidade.
As políticas de descentralização vêm ocorrendo desde a década de 1990, por meio das quais o sistema educacional passa por várias reformas pautadas na globalização capitalista, incentivadas e financiadas por organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O PAR faz parte de uma dessas políticas, visando apoio técnico e financeiro às cidades que impetraram indicadores ineficientes quanto à qualidade do ensino, com base no diagnóstico condizente com as evidências do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Entretanto, essas políticas surgem com a finalidade de atender as cobranças dos mencionados organismos internacionais que almejam por melhores resultados dos índices educacionais no país, principalmente os que estão relacionados aos indicadores do analfabetismo.
Nessa vertente é que caminham as inquietações relacionadas a este estudo, como forma de compreender as políticas públicas para a educação campesina dentro de um contexto do capitalismo.
A Educação do Campo no marco do Sistema Capitalista
No dia 15 de março de 2007 foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma política de regulação da Educação Básica. Para o professor Dermeval Saviani (2007, p. 13),
O PDE assume plenamente, inclusive na denominação, a agenda do ‘Compromisso Todos pela Educação’, movimento lançado em 6 de setembro de 2006 no Museu do Ipiranga, em São Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da sociedade civil e conclamando a participação de todos os setores sociais, esse movimento se constituiu, de fato, como um aglomerado de grupos empresariais com representantes e patrocínio de entidades como o Grupo Pão de Açúcar, Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco, Instituto Gerdau, Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Fundação Educar-DPaschoal, Instituto Itaú Cultural, Faça Parte-Instituto, Brasil Voluntário, Instituto Ayrton Senna, Cia Suzano, Banco ABN-Real, Banco Santander, Instituto Ethos, entre outros.
Para o autor supracitado (Saviani, 2007), o PDE tem como objetivo tornar a educação um compromisso de todos, apresentando em sua base, um conjunto de ações já existentes e outras novas, porém, a participação da classe empresarial é motivo de questionamentos por parte da sociedade civil. Freitas (2012) assegura que a forma de gerir o ensino pelos grupos empresariais não é uma questão nova, visto que essa iniciativa já vem ocorrendo no Brasil através das Organizações Não-Governamentais (ONGs), também denominados de “Parceiros da Educação”. Essas Organizações implantam modelos americanizados de gestão educacional a exemplo das Escolas Charters, ou seja, são escolas privatizadas que funcionam sob contrato anual, com metas específicas para serem atingidas.
Neste contexto estão as políticas do PAR, implantadas pelo Governo Federal, porém, estas visam, sobretudo, atender aos interesses dos grupos empresariais e melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), (Plano de Ações Articuladas [PAR 2016-2019], 2017), o PAR sendo um instrumento de planejamento plurianual, já incidiu em três ciclos, sendo:
[...] o primeiro ciclo do PAR abrangeu o período de 2007 a 2010, e o segundo ciclo teve a sua vigência para o período de 2011 a 2014. Na etapa atual, os estados e os municípios serão orientados a fazerem o diagnóstico de suas redes para, com base em dados atualizados, elaborarem os seus Planos de Ações Articuladas com vigência para o período de 2016 a 2019 (Plano de Ações Articuladas [PAR 2016-2019], 2017).
A acessão ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação é concretizada voluntariamente por Municípios, Estados ou Distrito Federal, porém, essa adesão implica em responsabilidade do ente federado em promover qualidade na Educação Básica em seu campo de competência, que é expresso pelo cumprimento de meta de evolução do IDEB. Após a adesão os Municípios, Estados e o Distrito Federal elaboram seus planos de ação, recebendo apoio da União mediante ações de assistência técnica ou financeira, as quais são elaboradas a partir de quatro eixos: I - Gestão Educacional; II - Formação de Professores e Profissionais de Serviço e Apoio Escolar; III - Recursos Pedagógicos e IV - Infraestrutura. Nesse contexto, o Ministério da Educação (MEC) assegura que o PAR é visto como um instrumento importante para “[...] auxiliar os entes federados a atingir as metas pactuadas em seus respectivos planos de educação” (Ministério da Educação, Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino [MEC/SASE], 2014, p. 10).
Nesse cenário, faz-se necessária a abordagem sobre a Educação do Campo no contexto das políticas públicas existentes no Brasil. A Educação do Campo nasceu das lutas da classe trabalhadora camponesa, principalmente, dos Movimentos Sociais que buscam um projeto educacional na forma de política pública que respeite os interesses dos diversos sujeitos que fazem do campo o seu território de vida.
De acordo com Nascimento (2009, p. 160),
A questão da educação destinada aos camponeses no Brasil historicamente foi um grande problema. Até os anos de 1930, a temática da educação rural não se destacava nas ações governamentais. O Brasil, mesmo considerado um país eminentemente agrário, sequer mencionava acerca da educação rural em seus textos constitucionais de 1824 e de 1891, o que evidencia dois problemas de governança pública, a saber: o descaso por parte dos dirigentes com a educação destinada aos camponeses e resquícios de uma cultura política fortemente alicerçada numa economia agrária com base no latifúndio e no trabalho escravo.
Historicamente no Brasil, a escola se apresenta como dualista, dividida entre classe elitizada e a classe trabalhadora em que o acesso da população de menor poder aquisitivo é cheio de entraves e indeferimentos. O acesso à escola para todos é uma garantia estabelecida na Constituição Federal de 1988, intitulada como Constituição Cidadã, quando em seu Artigo 208 versa sobre:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII- atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
Entretanto, o não reconhecimento das especificidades das populações campesinas continuou até 1996, data que foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394/1996, a qual relata em seu Artigo 28 que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I- conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II- organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III- adequação à natureza do trabalho na zona rural (Lei nº 9.394, 1996).
Embora a Lei garanta essas adaptações para a Educação do Campo, nem sempre os municípios promovem uma Educação do Campo de qualidade, que por muitas vezes são desprovidas de quase tudo para o seu desenvolvimento.
De acordo com Santos, Cardoso e Oliveira (2018, p. 118),
O marco da Educação do Campo na agenda política e na política educacional pode ser indicado a partir da LDB, Lei nº 9.394/96, quando afirma em seu Artigo 28 a possível adequação do currículo e de metodologias apropriadas ao meio rural, bem como, a flexibilização e a organização escolar por meio da adequação do calendário, para atender às condições climáticas de cada região. Com base nesse contexto, as políticas públicas educacionais vistas como direito, voltadas para a Educação do Campo começam a tomar fôlego no cenário nacional, a partir da década de 1990.
Após a redefinição do papel do Estado, acerca da gestão das políticas públicas a partir da década de 1990 e as preocupações de elevação do IDEB, as políticas começam a aparecer, também, nas escolas do campo. Conquanto, de forma deficitária, os resultados nem sempre atingem ao que foi proposto, e outra questão que implica nesses resultados é o não favorecimento para todas as escolas campesinas, pois, algumas políticas exigem um percentual mínimo no número de alunos, e devido ao número restrito destes, muitas escolas não conseguem atender a esse critério, ficando de fora da maioria dos programas e projetos do governo.
Essas situações acabam provocando contradições quanto ao que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE), (Lei nº 13.005, 2014), visto que das 20 (vinte) metas estabelecidas, apenas uma é destinada a essa população, a Meta 08 que contempla o seguinte texto:
Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Lei nº 13.005, 2014).
Essa é uma tentativa de diminuir as desigualdades e valorizar a diversidade tão presente no país, no entanto, essas desigualdades estão bem visíveis no nosso cotidiano, visto que a classe dominante promove ações que prevalecem as suas determinações, visando sempre o lucro. Nesse viés, a classe trabalhadora vende sua força de trabalho que não é recompensada com salários justos e, com isso, a tendência é cada vez mais o enriquecimento de uma classe que explora outra, favorecendo o poder nefasto do capitalismo.
Esses privilégios já eram observados nos estudos de Marx e Engels (2011, p. 7) em que os autores colocam que a luta de classe sempre vai existir sob a égide do capitalismo, porque é inerente a esse sistema econômico, afirmando que “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias, tem sido a história da luta de classes [...]”, os autores ainda salientam que não haverá acordos entre opressores e oprimidos, trabalhadores e empregadores, capital e trabalho.
Sem dúvida, as ideias desses teóricos continuam bem atuais e, refletindo sobre suas palavras é notório o que elas representam, pois, dificilmente a classe opressora abrirá mão do lucro em favor da classe trabalhadora, que a cada dia tem a sua força de trabalho menos reconhecida, independente de estarem no campo ou na cidade. Porém, a população campesina pelo contexto da sua história é mais explorada, o que faz reportar para as lutas e reivindicações, ocorridas principalmente nos movimentos sociais do campo, essa população que passa por condições insalubres de trabalho, baixo reconhecimento em todos os aspectos, desde o salarial como também a qualidade e a importância da sua mão de obra para a movimentação econômica do país.
Essa situação também é vivenciada nas escolas campesinas, uma vez que nesses espaços só lhes restam, muitas vezes, as migalhas que implicam na ausência de uma educação de qualidade, cujos partícipes lutam para que essa realidade venha a ser modificada. Como nos adverte Marx, devemos analisar a realidade partindo do real para o concreto, com vistas na possibilidade não apenas de modificá-la, mas também de provocar mudanças na sociedade.
A singularidade da Educação do Campo no município de Vitória da Conquista/BA
Localizado na região Sudoeste da Bahia, o município de Vitória da Conquista fora habitado pelos povos indígenas Mongoyós, Pataxós e Ymborés. Sua superfície corresponde a 3.204,5 km² e seus Distritos são: Bate-Pé, Cabeceira da Jiboia, Cercadinho, Dantelândia, Iguá, Inhobim, José Gonçalves, Pradoso, São João da Vitória, São Sebastião e Veredinha. Ademais, o referido município possui como municípios limítrofes as cidades de Cândido Sales, Belo Campo, Anagé, Planalto, Barra do Choça, Itambé, Ribeirão do Largo e Encruzilhada (Cardoso, 2018).
A população estimada deste município em 2017, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era de 348.718 (trezentos e quarenta e oito mil setecentos e dezoito) habitantes, cujo quantitativo o define como a terceira maior cidade do Estado da Bahia, ficando atrás das cidades de Salvador e Feira de Santana, além de ser a quarta do interior do Nordeste. Desse dado populacional que vive no município, avalia-se que até o ano de 2012, apenas 32.274 (trinta e dois mil duzentos e setenta e quatro) habitantes estão no meio rural, e que em 2016, essa população era de 37.000 (trinta e sete mil), de acordo com os dados do IBGE (2016). A área rural de Vitória da Conquista é extensa e composta por 284 (duzentos e oitenta e quatro) povoados que são distribuídos em 11 (onze) Distritos. A alta concentração urbana é uma realidade que apresenta preocupação quanto à exploração dos recursos ambientais e os modos pelos quais os povos campesinos têm ocupado os espaços urbanos. Os dados revelam que a população urbana de Vitória da Conquista possui 274.739 (duzentos e setenta e quatro mil setecentos e trinta e nove) habitantes enquanto que a população rural é de 32.127 (trinta e dois mil cento e vinte e sete) habitantes (IBGE, 2016).
A educação é um dos principais eixos de destaque do município de Vitória da Conquista, sendo que a Secretaria Municipal de Educação (SMED) possui 175 (cento e setenta e cinco) instituições escolares e destas, 94 (noventa e quatro) encontram-se no espaço rural e apenas 50 (cinquenta) no espaço urbano, além de 31 (trinta e um) Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), dos quais 23 (vinte e três) são instituições municipais e 8 (oito) são conveniadas. Vale ressaltar que o município de Vitória da Conquista possui apenas 1 (uma) creche no espaço rural.
A Zona Rural de Vitória da Conquista possui um território extenso e é formada por 19 (dezenove) Círculos Escolares Integrados (CEIs), a saber: Assentamento Chapadão, Assentamento Sede, Bate-Pé, Cabeceira, Campo Formoso, Capinal, Cercadinho, Dantelândia, Estiva, Gameleira, Iguá, Inhobim, José Gonçalves, Limeira, Pradoso, São João da Vitória, São Sebastião e Veredinha; estes Círculos atendem 81 (oitenta e uma) escolas e 2 (dois) Círculos de Nucleadas1 com 47 (quarenta e sete) escolas que são dirigidas por apenas 1 (um) Diretor e 1 (um) Vice-Diretor, cujas turmas nessas Escolas Nucleadas são multisseriadas (Secretaria Municipal da Educação [SMED], 2020).
Vale registrar que as escolas pertencentes aos Círculos de Nucleadas contam com a atuação de professores, em sua grande maioria, do quadro de contratados, pois devido à distância e a dificuldade de transporte em algumas regiões, muitos seguem viagem na segunda-feira e só retornam na sexta-feira, tendo que ficar na localidade por todos esses dias, passando apenas os finais de semana em suas respectivas residências, na zona urbana, evidenciando o que Hage, Molina, Silva, e Anjos (2018, p. 11) afirmam:
[...] o trabalho articulado diretamente com as escolas do campo, apesar de também sofrer com a descontinuidade, surte mais efeito visto que a rotatividade dos professores se dá de uma escola para outra. Isto porque, geralmente, a maioria destes é contratada e permanece nessa condição durante toda a vida profissional; seja por não haver concursos públicos, seja pelos concursos, quando existentes, oferecerem vagas reduzidas frente a demanda existente.
Em Vitória da Conquista, apesar da redução do número de escolas e de alunos nas áreas campesinas, o número geral de matrículas aumentou entre os anos de 2012 e 2020, contando atualmente com mais de 44.000 (quarenta e quatro mil) alunos matriculados e 1.791 (mil setecentos e noventa e um) professores, entre efetivos e contratados. No tocante às políticas educacionais federais do Plano de Ações Articuladas (PAR), o município de Vitória da Conquista implementa alguns Programas nos espaços educativos campesinos, como: Educando com a Horta na Escola, Escola Ativa, Mais Educação, Educação Inclusiva, Educação para a Diversidade, Pró-Letramento, Pró-Gestão, Proinfantil, Brasil Alfabetizado, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), Transporte Escolar e Cisterna na Escola, dentre outros. Em âmbito estadual desenvolveu o Programa Todos Pela Alfabetização (TOPA) e o Pacto pela Educação e municipal, conta com o Programa Educarte.
Na Figura 1 pode-se verificar alguns dos Programas que foram implementados em Vitória da Conquista no período de 2010 a 2016. Quanto às conquistas e os avanços, tanto no cenário nacional quanto no município de Vitória da Conquista, as políticas públicas para a Educação do Campo ainda não são satisfatórias como pode ser observado na Figura 1.
Detectou-se que existe um silenciamento ou omissão por parte dos governantes no município em questão para o atendimento nas escolas campesinas e, para romper com esse estigma, é preciso pensar novas ações políticas que estejam direcionadas para a universalização do ensino público, com vistas na qualidade da educação no meio rural, uma vez que muitos alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, anos iniciais e finais, encontram-se fora dos espaços escolares. Ademais, a Educação Infantil em Vitória da Conquista caminha a passos lentos no meio rural, sendo que existe como fora mencionado, apenas 1 (uma) creche em todo o espaço campesino do município pesquisado. Vale salientar que das crianças que vivem no campo, muitas ainda se encontram sob os cuidados dos avós, tios e outros parentes, enquanto suas mães trabalham para ajudar no orçamento da casa, quando, na verdade, essas crianças deveriam estar frequentando a escola.
Outra questão que merece destaque na educação campesina de Vitória da Conquista é o fato de muitas escolas funcionarem, ainda, em prédios escolares mal iluminados e pouco ventilados, com mobiliários velhos e estragados ou mesmo inadequados para alunos com necessidades especiais, principalmente, as escolas que funcionam com classes multisseriadas.
Informações que podem ser confirmadas através das pesquisas de Santos e Nunes (2020) e do banco de dados do Grupo de Estudos e Pesquisa Movimentos Sociais, Diversidade, Educação do Campo e da Cidade (GEPEMDECC) abordam as condições físicas das escolas públicas de alguns municípios da Bahia, dos quais tomamos como referência os elementos alusivos ao município aqui enfatizado neste estudo, como pode ser conferido na Tabela 1.
Ao observar as informações da Figura 1, nota-se que as Escolas do Campo estão em desvantagens em relação às Escolas Urbanas, revelando que ainda se tem muito a fazer para equiparar essas desvantagens, e ações simples como rede de esgoto, sanitário dentro do prédio e coleta de lixo ainda são deficitárias nas escolas do Campo. O descaso dos governantes resulta na necessidade dos envolvidos no processo educativo pela reivindicação de melhores condições de trabalho, assim como a população que precisa se envolver, com o objetivo de solucionar tais discrepâncias visando assim, melhor atendimento.
Nesse sentido, ancorando-se nos escritos de Marx e Engels (2011) no texto inicial da obra Manifesto do Partido Comunista, vale salientar que o sujeito precisa deixar seu estado de alienação frente ao sistema e desenvolver a consciência revolucionária em busca das reais necessidades pelas quais perpassam os sujeitos, sobretudo, aqueles que se encontram inseridos nos espaços campesinos. Concomitante a isso, Marx e Engels (2011, p. 45-46) enfatizam que:
A história de toda a sociedade que até hoje existiu é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposição uns com os outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta.
2010 | 2018 | |||
Dependências Físicas e Serviços das Escolas | Do Campo | Urbanas | Do Campo | Urbanas |
Biblioteca | 2 | 44 | 1 | 41 |
Cozinha | 76 | 99 | 98 | 80 |
Laboratório de Informática | 6 | 37 | 3 | 35 |
Laboratório de Ciências | 1 | 16 | 0 | 18 |
Quadra de Esporte | 1 | 31 | 1 | 35 |
Sala de Leitura | 12 | 35 | 17 | 51 |
Sala para Diretoria | 20 | 93 | 15 | 89 |
Sala para Professores | 13 | 78 | 23 | 83 |
Sala para Atendimento Especial | 2 | 10 | 3 | 20 |
Sanitário dentro do Prédio da Escola | 39 | 93 | 73 | 95 |
Água via Rede Pública | 26 | 100 | 47 | 100 |
Energia via Rede Pública | 87 | 100 | 100 | 100 |
Rede de Esgoto via Rede Pública | 6 | 78 | 9 | 93 |
Coleta de Lixo Periódica | 19 | 100 | 33 | 100 |
Merenda | 100 | 56 | 100 | 60 |
Água Filtrada | 99 | 99 | 96 | 99 |
Internet | 4 | 67 | 8 | 92 |
Banda Larga | 1 | 55 | 6 | 77 |
Escola com Acessibilidade | 6 | 28 | 6 | 40 |
Fonte: Adaptado pelas autoras com base em Santos e Nunes (2020).
Contudo, é preciso entender que a luta de classes não se estabelece apenas pelo confronto armado, mas, sobretudo, pela ideologia presente nos mais diversos processos institucionais, políticos, legais e sociais que a classe dominante utiliza para perpetuar sua dominação. É necessário, portanto, romper com o capitalismo sociometabólico, pois, de acordo com Mészáros (2014), esse processo social formado, desenvolvido e renovado pelo capitalismo, descaracteriza a relevância da fixação do homem do campo, colocando-o como mecanismo de garantia e legitimidade das áreas urbanas, reforçando o sistema sociometabólico do capital. Nessa perspectiva, é preciso assegurar uma educação que seja a mola propulsora capaz de romper com a lógica do capital, sendo, portanto, uma educação para além do capital.
Além de todas as discrepâncias aqui referendadas ainda surge como agravante a dificuldade de acesso em muitas escolas que fazem parte do Núcleo das Escolas Nucleadas I e II, que se encontram no meio rural, porém, em regiões distantes (Hage, 2014).
Para nucleação das escolas, os transportes escolares são utilizados como meio para transportar os alunos de uma localidade a outra, entretanto, esse transporte nem sempre é favorável ao atendimento, sofrendo várias críticas por parte de alunos e professores. Em pesquisa recente realizada por Santos e Nunes (2020), as seguintes informações relatadas por professores da educação campesina são reveladas por autores.
Ao serem questionados sobre como classificariam o transporte escolar para os alunos, obtiveram as respostas que constam na Tabela 2. Quando questionados acerca de como é feito o transporte escolar dos alunos, os autores supracitados obtiveram as informações colocadas na Tabela 3.
As informações revelam que o transporte escolar, direito do aluno estabelecido pela Lei nº 10.880 (2004) que institui o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE), além de ser garantido também pela LDB nº 9.394/96 não é executado em sua essência. No Título III, do Direito à Educação e do Dever de Educar - Art. 4º, a LDB determina que:
O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático escolar, ‘transporte’, alimentação e assistência à saúde (Lei nº 9.394, 1996, grifo nosso).
Nesse sentido, observa-se que o transporte escolar em algumas situações não vem sendo utilizado como deveria, servindo a outros propósitos, como a retirada do aluno do campo para a cidade proporcionando assim, a perda de vínculo com o ambiente que reside, além de desmerecer as suas peculiaridades e saberes e romper com suas tradições e culturas campesinas.
Este fato sugere que instituir e perpetrar o funcionamento de escolas não é o bastante; é preciso ir além da construção do espaço arquitetônico escolar, sendo necessário, portanto, maior atenção ao âmbito político e pedagógico das escolas campesinas.
Ótimo | Ruim | Bom | A escola que trabalho não tem transporte |
3% | 18% | 40% | 39% |
Fonte: Adaptado pelas autoras com base em Santos e Nunes (2020).
Informações | Porcentagem |
De ônibus intracampo para escolas do campo | 39% |
De ônibus do campo para a cidade, vila ou povoado | 40% |
Minha escola não é atendida pelo transporte | 18% |
Fonte: Adaptado pelas autoras com base em Santos e Nunes (2020).
Antunes-Rocha e Martins (2009) evidenciam que a probabilidade é construir uma organização pedagógica administrativa e financeira com o principal agente da história dos movimentos sociais, que esteja em conformidade com o projeto de desenvolvimento popular do campo. As autoras supracitadas apresentam uma visão ampla de escola e asseguram que:
[...] a escola demandada pelos movimentos vai além da escola das primeiras letras, da escola dos livros didáticos. É um projeto de escola que se articula com os projetos sociais e econômicos do campo, que cria uma conexão direta entre a formação e produção, entre educação e compromisso político. Uma escola que, em seus processos de ensino e de aprendizagem considera o universo cultural e as formas próprias de aprendizagem dos povos do campo, que reconhece e legitima esses saberes construídos a partir de suas experiências da vida. Uma escola que se transforma em ferramenta de luta para a conquista de seus direitos como cidadãos (Antunes-Rocha & Martins, 2009, p. 40).
Esses são, pois, desafios que carecem de atenção e compromisso por parte dos sujeitos envolvidos e dos governantes para com essa realidade de ensino. Concomitante a isso, Molina (2010) afirma que a luta pela garantia do direito à educação escolar para os camponeses passa pela criação de escolas do campo, pelo não fechamento das instituições que já existem, bem como pelo crescimento na oferta das etapas de escolarização nos espaços educativos que estão em funcionamento e, principalmente, pela implantação de uma política de formação de educadores do campo.
Na esteira dessas discussões, recorremos aos questionamentos de Mészáros (2008, p. 17), ao refutar: “[...] para que serve o sistema educacional mais ainda, quando público, se não for para lutar contra a alienação? Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens?”. Assim, deve-se pensar em estratégias que possam romper com esse sistema omisso de gestão, que este possa construir teorias alternativas capazes de transformar a realidade da Educação Infantil nos espaços campesinos de Vitória da Conquista/BA. Por fim, Freire (2006) já proferia que ensinar exige a convicção de que a mudança é possível, ou seja, este é um princípio do trabalho educativo para a emancipação humana.
Nessa perspectiva, Marx assegura que a emancipação humana só se concretiza por meio da dupla ação revolucionária, ou seja, pela ação política pela qual o proletariado pode alcançar o domínio político e assim, desmantelar o Estado político e, consequentemente, seu sustentáculo, o mercado; e pela revolução social, cuja finalidade consiste em transformar a forma de civilidade capaz de superar o mercado e a política. Para tanto, a educação se constitui como marco essencial dessa ação revolucionária.
Considerações finais
As políticas públicas para a educação campesina no Brasil estão marcadas por desajustes e contradições, pois, nem sempre estas acontecem como deveriam, consecutivamente, cercadas por mediações que buscam realizações, cujos objetivos definidos nem sempre ocorrem em consonância com a realidade. Para que essa integridade não ocorra, diversos pretextos são elencados, como a falta de estrutura física e de recursos humanos. Todavia, espera-se que essas dificuldades sejam sanadas para que as políticas públicas aconteçam de forma correta, beneficiando assim, a população.
As políticas públicas para a Educação do Campo vêm acontecendo sempre em detrimento da educação urbana, o que deixa a população do campo sempre em desvantagem. Outro agravante são os critérios adotados para que as unidades escolares recebam os recursos para executarem as políticas e programas, visto que devido a alguns dos critérios adotados pelo Estado, como por exemplo, a quantidade de alunos por escola que acaba deixando algumas das escolas campesinas de fora desse processo. Isso pode promover o seu fechamento, sendo que alguns dos governantes municipais preferem colocar transporte escolar para deslocar os estudantes para outras unidades escolares visando, com isso, atender aos critérios estabelecidos pelo Governo Federal para o recebimento de verbas. Também há diminuição do quantitativo de profissionais envolvidos nesse processo, o que acaba provocando uma descaracterização das especificidades da Educação do/no Campo, uma vez que ações como essas propiciam aos estudantes à perda da sua identidade quanto ao lugar onde vivem.
Atitudes como essas giram em torno dos interesses do Estado Capitalista, o qual visa a preparação de mão de obra barata para as fábricas, com um contingente dócil, cujo protagonismo da classe trabalhadora não reivindica por melhorias salariais, tão pouco por condições favoráveis de trabalho e por seus direitos, estando estes trabalhadores e estas trabalhadoras a serviço da classe dominante que explora e almeja, cada vez mais, por lucro. Esses trabalhadores dedicam boa parte do seu tempo ao trabalho, com carga horária superior ao que podem resistir; assim, seu tempo não é seu, senão do patrão, ou seja, a sua vida é controlada pelo horário das empresas. O capitalismo está no controle de tudo e libertar o trabalhador desse controle é tarefa difícil, visto que o sistema capitalista tem se fortalecido cada vez mais.