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Revista Brasileira de História da Educação

Print version ISSN 1519-5902On-line version ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.24  Maringá  2024  Epub June 17, 2024

https://doi.org/10.4025/rbhe.v24.2024.e329 

ARTIGO ORIGINAL

Ensino laico e o catolicismo: influência das associações religiosas leigas na educação pública em Minas Gerais na primeira metade do século XX

Secular education and Catholicism: influence of lay religious associations on public education in Minas Gerais in the first half of the 20th century

Educación laica y catolicismo: influencia de las asociaciones religiosas laicas en la educación pública en Minas Gerais en la primera mitad del siglo XX

Wilney Fernando Silva1 

Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na linha de pesquisa: História e Historiografia da Educação (2018). É professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) - Campus Avançado Porteirinha. Participa do Grupo de Pesquisa em História e Historiografia da Educação Brasileira da UFU. E-mail: wilney.silva@ifnmg.edu.br https://orcid.org/0000-0003-4563-5045


http://orcid.org/0000-0003-4563-5045

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais, Porteirinha, MG, Brasil. E-mail: wilney.silva@ifnmg.edu.br.


Resumo

Este trabalho analisou a criação da associação leiga Apostolado da Oração Sagrado Coração de Jesus, utilizada estrategicamente pela Igreja Católica, entre os anos de 1930 e 1950, na cidade de Porteirinha (Minas Gerais), para ampliar sua influência nos espaços escolares e extraescolares. Tendo como método uma pesquisa bibliográfica e documental, o texto disserta sobre como o legado católico penetrou os poros culturais da cidade por meio da associação religiosa e como se deu o investimento na composição maquínica do poder do Estado. Finalmente, ao levantar as fontes, foi possível concluir que, nesse panorama, a Igreja dialogava com os grupos políticos que objetivavam o mesmo ordenamento social. Ao Apostolado da Oração, em especial, cabia coroar a ritualização da obediência, da vida familiar cristã disciplinada, da ordem social e política, da moralização dos costumes e dos sacramentos da Igreja Católica.

Palavras-chave: Igreja Católica; Apostolado da Oração; educação; Porteirinha/MG

Abstract

This work analyzed the creation of the lay association Apostolado da Oração Sagrado Coração de Jesus, used strategically by the Catholic Church, between the years 1930 and 1950, in the city of Porteirinha (Minas Gerais), to expand its influence in school and extra-school spaces. Using bibliographical and documentary research as a method, the text discusses how the Catholic legacy penetrated the cultural pores of the city through religious associations and how the investment in the machinic composition of State power took place. Finally, when analyzing the sources, it was possible to conclude that, in this panorama, the Church was in dialogue with political groups that aimed for the same social order. The Apostolado da Oração, in particular, was responsible for crowning the ritualization of obedience, of disciplined Christian family life, of the social and political order, of the moralization of the customs and sacraments of the Catholic Church.

Keywords: Catholic Church; Apostolate of Prayer; education; Porteirinha/MG

Resumen

Este trabajo analizó la creación de la asociación laica Apostolado da Oração Sagrado Coração de Jesus, utilizada estratégicamente por la Iglesia Católica, entre los años 1930 y 1950, en la ciudad de Porteirinha (Minas Gerais), para ampliar su influencia en la escuela y espacios extraescolares. Utilizando como método la investigación bibliográfica y documental, el texto analiza cómo el legado católico penetró en los poros culturales de la ciudad a través de asociaciones religiosas y cómo se produjo la inversión en la composición maquínica del poder del Estado. Finalmente, al analizar las fuentes, fue posible concluir que, en este panorama, la Iglesia estaba en diálogo con grupos políticos que apuntaban al mismo orden social. Al Apostolado da Oração, en particular, le correspondió coronar la ritualización de la obediencia, de la disciplinada vida familiar cristiana, del orden social y político, de la moralización de las costumbres y sacramentos de la Iglesia católica.

Palabras clave: Iglesia católica; Apostolado de la Oración; educación; Porteirinha/MG

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar a criação da associação leiga “Apostolado da Oração Sagrado Coração de Jesus”, a qual era uma estratégia que a Igreja Católica utilizou, entre os anos de 1930 e 1950, na cidade de Porteirinha1, localizada no norte de Minas Gerais, para ampliar a sua influência nos espaços escolares públicos e extraescolares.

Ressalta-se que a apresentação dos resultados desta investigação é bastante atual e perene. Questões como ensino religioso nas escolas públicas, laicidade e influência da Igreja em diversos espaços chegam aos dias de hoje e, com bastante força, são discutidas nas câmaras legislativas, no senado e em lugares nos quais se debatem as políticas educacionais. Desse modo, considera-se relevante a temática para o campo da História da Educação, uma vez que traz um dos elementos mais cadentes da sociedade brasileira: a influência da religião nas instituições laicas, especialmente as educacionais, permitindo ao leitor acompanhar o debate sobre a estreita relação entre a educação laica e a religião, especialmente a católica, em nível nacional.

Conforme Wirth (1982, p. 180), no século XX, “[...] a Igreja em Minas Gerais tornou-se um campo de provas dos movimentos católicos. Os padres começaram a recrutar cidadãos do setor médio, bem como das classes profissionais e trabalhadoras”. Nesse sentido, homens, mulheres, jovens e crianças foram arregimentados; políticos, professores e jornalistas foram motivados a fazer parte da Igreja, ou seja, um grupo letrado capaz de lutar junto à hierarquia católica e fazer militância em todos os segmentos da sociedade, sobretudo no campo da educação, em prol de ampliar a influência da Igreja em todos os recantos e, em especial, no norte-mineiro.

Em Minas Gerais, a Igreja se tornou um campo de provas dos movimentos leigos nos assuntos políticos. Nesse período de crescente transformação social, política e econômica, em que a sociedade se tornava mais complexa, o movimento atraía o conservadorismo mineiro. A escola e a Igreja em Porteirinha trabalharam para domesticar as consciências das pessoas, formar a alma e, também, oferecer apoio político. Ambas serviram como eficientes instrumentos para denunciar e reprimir ações contrárias ao governo e exaltar e legitimar as suas práticas. “O legado teológico católico penetrou nos poros culturais do país, mas parte disso se deu pelo investimento na composição maquínica do poder (o Estado), seu aliado certo contra o inimigo certo” (Lenharo, 1986, p. 191).

Lenharo (1986, pp. 189-190, grifo autor) faz uma interessante explicação acerca da participação política da Igreja Católica nos anos 1930:

Na luta particular (“empresa espiritual para o bem das almas”) contra o seu inimigo visceral, a Igreja sempre contou com o auxílio do “Estado Cristão” [...]. Dessa união, entretanto, quer nos parece que a sua contribuição tenha sido ainda mais considerável, mais prestando serviços do que recebendo compensações. São dois os planos de auxílio que a Igreja prestou ao Estado no Brasil dos anos 30: o primeiro, de caráter mais constitucional, significou um apoio político decisivo em momentos cruciais da década; o segundo, não menos importante, relacionou-se à função milenar e indispensável de domesticação das consciências.

“Entre 1930 e 1945, a Igreja Católica passou a buscar presença marcante na sociedade e conseguiu o laicato de boa parte da elite brasileira” (Mainwaring, 1989, p. 43). Como uma forte estratégia para manter a influência na sociedade, a Igreja estimulou a espiritualidade e o trabalho do apostolado entre os leigos por meio das associações religiosas. Essas associações religiosas leigas foram, por seu turno, instituições que ganharam bastante relevo e visibilidade na época.

Inúmeras referências sobre a ignorância religiosa são encontradas nas cartas pastorais do episcopado brasileiro. Sobre essa realidade, merece destaque o pensamento de Dom Leme apresentado na Carta Pastoral de 1916. Ao tratar da ignorância religiosa, Dom Leme não aborda exclusivamente a realidade de Olinda, mas algo que diz respeito ao Brasil: o clero era insuficiente, as populações rurais estavam praticamente abandonadas e eram poucos os movimentos de associações religiosas. Nessa ocasião, Dom Leme (1916, pp. 44-45) insiste em apresentar a ignorância religiosa como a raiz dos grandes males sociais:

Essa grande massa que, nas energias inconsumiveis da sua tempera, constitue o nervo resistente à dissolução da patria; esse povo imenso que forma aquillo que o Brasil tem de mais puro e forte, esse heroico povo brasileiro, cuja fibra soffredora tem sido uma verdadeira odysseia da luta insana contra os elementos da natureza e as injustiças dos homens; esse povo desconhecido que jornadeia na vastidão dos campos ou lida no vai-vem das cidades; o povo, enfim, o povo rude e pobre, é victima da mais lamentavel ignorancia religiosa.

Para Dom Leme (1916, p. 44), “[...] o povo era suscetível aos encantos e às crendices, especialmente às do espiritismo, que se enraizava com muita facilidade no seu imaginário e explorava a religiosidade popular”. De acordo com ele, sem instrução religiosa, a população tornava-se ávida por formas diferentes de culto e, na defesa deste povo pouco instruído, atacou com veemência os fenômenos dos espíritos falantes e das superstições. Defendia ainda que o veneno estava nas explicações sobre o aparecimento dos espíritos e no fanatismo religioso. A partir desses elementos, apresentou as estratégias mais eficazes para combater o grande mal da ignorância religiosa: “[...] a pregação, os boletins paroquiais, os livros de devoção, as semanas religiosas, a educação no lar, todos deviam ser educados na verdade e no bem, com esperanças de um Brasil melhor” (Leme, 1916, p. 45).

Nesse contexto histórico, apresentou outra estratégia:

Para ser a mais bela e a mais rica das nações, o Brasil precisa de homens, apenas. Nem se requer que sejam estadistas consumados ou politicos de vocação. Basta sejam homens de bem e respeitem as leis. Ora, para fomentar o culto da lei, nada melhor que a religião. [...] Haja educação cristã, iluminada e austera, e teremos magistrados, legisladores e toda uma floração de homens publicos, respeitadores da lei e respeitados do povo (Leme, 1916, pp. 85-86).

Dom Leme recomenda ao clero que insistisse com os pais sobre o dever que têm em educar de forma cristã os filhos, “[...] sendo a escola do lar a primeira garantia do futuro do indivíduo, da família, da sociedade e da pátria” (Leme, 1916, p. 86). Historicamente, percebe-se que o movimento de romanização, sobretudo a partir da década de 1920, sensibilizou parte dos intelectuais, desencadeando, dentro da Igreja Católica, novas conversões e vocações religiosas, levando um número maior de leigos motivados aos apostolados católicos. A frase “É preciso catolicizar o Brasil!” ecoou como uma espécie de lema entre o clero brasileiro. Matos (1990), imbuído deste espírito, aponta que a força do Catolicismo dependeu de sua união e organização nos anos 1920. Os católicos deviam alistar-se às associações: “Arregimentem-se. A união faz a força. A nossa imensa maioria catolica tem sido espezinhada por uma ridicula minoria, por falta de organização”, dizia o jornal O Horizonte, em 24 de novembro de 1932 (Para os catolicos vencerem, 1932). As associações leigas foram vistas como um “instrumento providencial” na formação do católico para o qual os mandamentos da lei de Deus e da Igreja eram norma segura de vida. Dentro delas, buscou-se formar “[...] o católico sincero, obediente à Santa Igreja e às autoridades eclesiásticas, modelo de cidadão, homem honesto e exemplar de virtudes cristãs e sociais” (Matos, 1990, p. 189).

A Arquidiocese de Mariana, berço da religiosidade católica mineira, em 1933, lançou um boletim eclesiástico com interessantes dados acerca do conceito e das funções das associações religiosas:

Na sociedade eclesiástica nada contribui tão eficazmente para a perfeição cristã como as Associações Religiosas, o seu rebate solene que se faz ouvir nas paróquias é como o brado de clarim aos cristãos, para que não esqueçam os “seus deveres”, nem favoreçam com a negligência a nefasta ação inimiga, que tenta subverter as classes e destruir no homem tudo que é grande. A vida paroquial incrementa-se com o prestígio inegável das Associações Religiosas; reformando-se “os costumes”, a autoridade encontra apoio, e o reino de Cristo se dilata na sociedade com um crescente sempre notável da “tranquilidade social” (Matos, 1990, pp. 189-190, grifo do autor).

No boletim, a hierarquia católica não faz um chamamento qualquer, mas diz às pessoas que deveriam cumprir seus deveres. Os católicos, arregimentados em seus apostolados e disciplinados na fé, deveriam combater os velhos inimigos da Igreja: a Maçonaria; o Protestantismo; o Espiritismo; o Materialismo; e, agora, o Comunismo. Aos párocos, juntamente com os letrados de cada recanto do país, foram dadas novas atribuições: buscar apoio junto às autoridades políticas; aquecer a imprensa católica com jornais, boletins paroquiais, livros de devoção, folhetins; e fazer circular a intenção, a doutrina e as ações da Igreja em toda sociedade.

Para a Igreja, todos deviam ser educados “na verdade e no bem”, isto é, a verdadeira educação era a cristã, mediada nos lares e nas escolas, como apregoa a concepção Sociedade Perfeita. As associações religiosas leigas tornaram-se uma poderosa estratégia para envolver as pessoas nos ensinamentos e nas práticas da fé católica.

Segundo Azzi (2008), nas cidades e nas vilas espalhadas em todo o Brasil multiplicaram-se estas associações. Na região Norte de Minas Gerais não foi diferente. O presente estudo apresenta, a seguir, as associações religiosas e leigas da Paróquia São Joaquim de Porteirinha e a sua influência na política, na imprensa e na educação, para a construção de um ambiente católico e renovador na cidade.

Procedimentos Metodológicos

Como método de investigação para esse trabalho no campo da História da Educação, propomos a Pesquisa Bibliográfica realizada em livros, artigos, dissertações e teses. Para tessitura do texto, utilizamos as reflexões historiográficas de Azzi (2008), Chalhoub (2001), Cunha (2013), Lenharo (1986), Mainwaring (1989), Donzelot (1980) e Rago (1985).

Além da Pesquisa Bibliográfica, empregamos a Pesquisa Documental que inclui a análise das fontes que circulavam na época, como livros de atas de reuniões de docentes, jornais locais, leis e decretos do executivo local, documentos pontifícios, manuscritos, obras de memorialistas, álbum de fotografias, livros de atas das associações religiosas e os seus manuais, livros do tombo e livros caixa paroquial. Por fim, com objetivo de manter o “ar do tempo”, foram conservadas as normas gramaticais da época.

O trabalho foi dividido da seguinte forma: em um primeiro momento, apresentamos a participação política da Igreja nos anos 1930 e a estruturação da cidade de Porteirinha/MG. No segundo momento, a fim de entender o projeto de formação de crianças, homens e mulheres da cidade, realizamos uma análise acerca das ações do Apostolado da Oração. Ao transitar no texto, dissertaremos sobre como o legado católico penetrou nos poros culturais da cidade por meio da associação religiosa, bem como a respeito do modo como se deu o investimento na composição maquínica do poder do Estado. Por fim, as considerações finais e referências fecham o trabalho.

O Apostolado da Oração e a sua influência na educação na cidade de Porteirinha/MG

Hino Sou christão!

- Ódio e guerra ao christão e à Egreja,

Morte a Deus! - O blasphemo jurou

- Mas em vão contra o Céo, se peleja,

Deus não morre! - o christão exclamou!

O christão não conhece receio;

Dá-lhe alentos a vista da cruz

Da renhida peleja no meio;

Luctará, vencerá com Jesus.

Sempre o lemma das nossas bandeiras

Há de ser: “Pela Patria” e “por Deus!”.

Não deshonrem as nossas fileiras

Renegados, traidores e atheus!

Sou christão! [...] eis a minha nobreza!

E se alguem de negar a sua fé

Algum dia tiver a fraqueza,

Impio sim, Brasileiro não é! [...]

Sem temor, sem respeitos humanos

De Jesus professemos a lei!

Ei, irmãos, repitamos ufanos:

Sou christão e christão morrerei!

Padre Amando Adriano Lochu

(Apostolado da Oração, 1923, pp. 288-289, grifo do autor).

De acordo com Cunha (2013, p. 47), desprovida da dominação que jamais deixou de tentar recuperar, a alta hierarquia da Igreja Católica partiu para a retomada de poder. Para isso, “[...] intensificou a romanização do clero, iniciada no período imperial e passou à formação de leigos, isto é, católicos não submetidos às regras nem aos votos religiosos, dotados de alta qualificação intelectual para a difusão da fé e da defesa dos interesses da Igreja”.

Foi nesse cenário que o Brasil, no final da década de 1930, experimentou uma atuação mais combativa da Igreja. Além dos grandes centros urbanos, esta atuação tomou conta dos rincões e dos sertões. Junto a ela, o nacionalismo varguista também foi levado por um novo grupo intelectual político. O hino do Apostolado da Oração Sou Christão!, entoado nas paróquias e associações católicas espalhadas pelo Brasil afora, em uma alusão a soldados prestes para irem à guerra, convocava os católicos a tomar as suas armas, o seu posto e lutar contra os inimigos da Igreja a fim de reconquistar a sua hegemonia na nação. De fato, o Apostolado da Oração muito contribuiu para preparar e escalar esses “soldados” e teve como objetivos a irradiação da vida cristã na sociedade e a divulgação e doutrinação da catequese (Azzi, 2008).

O Apostolado da Oração foi fundado em Porteirinha em 1941 pelo padre Julião Arroyo Gallo. De acordo com os seus estatutos, o Apostolado da Oração era:

[...] uma piedosa união que, destinada a promover a gloria de Deus e a salvação das almas, exerce o seu officio apostolico, não só pela oração quer mental, quer vocal, como tambem por outras obras pias, enquanto são impetratorias e podem conciliar-nos o Santissimo Coração de Jesus, para alcançarmos o dito fim (Apostolado da Oração, 1923, p. 14).

Em outras palavras, Schwengber (2014, p. 8) diz que o Apostolado da Oração propõe a seus associados “[...] um caminho rumo à santidade a partir do oferecimento diário que transforma a vida e coloca em comunhão universal de preces”. O Apostolado está intimamente ligado à ordem dos jesuítas, a Companhia de Jesus. Começou em 1844, em um Colégio dessa ordem na França, onde estudantes de Filosofia e Teologia estavam ansiosos para fazer algum apostolado. O orientador desses alunos fez ver que, enquanto estudantes não tinham condições para fazer pregação e outros trabalhos de apostolado direto, “O que poderiam fazer era oferecer seus estudos, os sacrifícios voluntários e outros atos de piedade” (Schwengber, 2014, p. 8). Dois anos depois, esse mesmo padre, orientador espiritual, publicou um livro chamado O Apostolado da Oração. O livro e a devoção obtiveram a aprovação do superior geral da ordem dos jesuítas, e o próprio papa Pio IX os aprovou em 1849.

O padre Gautrelet deu o embasamento teológico à devoção ao Sagrado Coração, bem como ao Apostolado da Oração e, daí por diante, a devoção se propagou rapidamente. Em 1861, começou a circular o Mensageiro do Coração de Jesus, em Toulouse, que logo se transformou em um órgão oficial para a coordenação do movimento e o desenvolvimento doutrinal de suas diretrizes. Prontamente, a revista foi publicada em outros países, como Itália (1864), Áustria (1865), Espanha e Estados Unidos (1866), Hungria e Colômbia (1867) e Bélgica e Holanda (1869). Para Maia (1994, p. 41), “[...] o desenvolvimento desse movimento encontrou uma época de esplendor na primeira metade do século XX. No final deste período contava com 135.100 centros e mais de 37 milhões de membros em todo o mundo”.

No Brasil, o Apostolado da Oração foi implantado em 1867, na cidade de Recife, com a fundação do primeiro centro pelos jesuítas. A sua organização nacional, porém, foi dada pelo jesuíta, padre Bartolomeu Taddei, que começou o movimento na cidade de Itu, São Paulo, em 1871. A expansão pelo Brasil ocorreu com algumas dificuldades, pois,

[...] expandir supunha um quadro de pessoal que fosse capaz e também numeroso. O Brasil apresentava paróquias sem vigários, conventos sem frades e ministérios com as massas populares, colégios e instituições sociais de caridade carentes de pessoas (Maia, 1994, p. 41).

Ainda conforme o autor, apesar das dificuldades, o apostolado logo se espalhou pelo Brasil. Esse tipo de apostolado estava ligado à própria vida dos católicos e almejava que os fiéis se sentissem verdadeiros discípulos de Jesus Cristo. Se não podiam todos pela ação e pela palavra, podiam fazê-lo ao menos pela oração propriamente dita e pela oração vital, isto é, pelo dever, pelo sacrifício, pelo sofrimento de cada hora, pela vida de oração (Maia, 1994). Nesse sentido, a oração apostólica, associada ao Coração de Jesus, “[...] era a arma principal que offerece a seus soldados para combater os inimigos de Deus e fazer triumphar a sua causa” (Apostolado da Oração, 1923, p. 29).

A ideia central que fez nascer o Apostolado da Oração é a de que:

[...] todos os batizados são chamados a cooperar na edificação do Corpo da Igreja e da comunidade de fé. Nem todos o fazem da mesma maneira (Ef. 4,16). Nem todos podem trabalhar diretamente como apóstolos e missionários. Mas todos podem e devem fazê-lo por meio da oração e do sacrifício. São Paulo diz (Cl. 1,24) que o cristão deve completar em sua pessoa o que falta à Paixão de Cristo, em favor do Corpo de Cristo, a Igreja. Assim, nossa vida torna-se um sacrifício, uma oblação oferecida com Cristo, em Cristo, para a Glória de Deus e a salvação do próximo (Schwengber, 2014, pp. 9-10).

Em Porteirinha, a concessão2 do funcionamento do Apostolado veio do bispo Dom João Antônio Pimenta, que licenciou o estabelecimento, denominando-o “Centro do Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus”. Ao pároco, cabia a tarefa de formar, entre as pessoas mais influentes e piedosas da cidade, o Conselho do Apostolado. Então, o padre selecionava “[...] as pessoas fervorosas que estivessem promptas para tomar o cargo de Zeladores da gloria de Jesus” (Apostolado da Oração, 1923, p. 81). Dentro desse conselho, funcionava a Diretoria do Apostolado, composto pelos cargos de presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro, orientados pelo diretor espiritual, o pároco.

Em sua primeira organização, a diretoria reunia pessoas de alto nível intelectual da cidade e era composta pelas professoras primárias, Rosalva Antunes da Silva (presidente) e Palmyra Santos Oliveira (vice-presidente), por Raimundo Bruno Oliveira Souza (secretário), pelo prefeito municipal Altivo de Assis Fonseca (tesoureiro), além do diretor espiritual, o padre Julião3. Havia também pessoas com baixo poder financeiro, que eram isentas do pagamento da mensalidade; no entanto, dificilmente eram indicadas aos cargos da diretoria e ficavam excluídas das decisões mais importantes e dos rumos da organização.

As reuniões do Centro do Apostolado, que eram mensais, aconteciam inicialmente na residência do prefeito. Na primeira reunião, realizada em 9 de novembro de 1941, o Centro já contava com treze zeladores e 119 zelados4. Além dos nomes dessa diretoria (zeladores) e dos zelados, a ata de estabelecimento do Centro do Apostolado registrou os principais acontecimentos religiosos, como a posse do novo vigário e a transferência da sede paroquial; ações aspiradas pelo prefeito de então:

Os esforços do Exmo. Sr. Prefeito Municipal Dr. Altivo de Assis Fonseca, juntamente com a boa vontade e o entusiasmo dos moradores desta localidade, influíram grandemente para que o Sagrado Coração de Jesus derrame suas bênçãos sobre todos os freguezes dessa Paróquia, de uma maneira especial sobre cada um dos membros deste Apostolado, produzindo abundantes frutos espirituais (Apostolado da Oração, 1941, p. 3).

Também era tarefa do Apostolado da Oração promover as festas de São José, de São Joaquim, do Sagrado Coração de Jesus e do Mês de Maria. O apostolado fazia o uso de bandeiras e estandartes nos principais momentos religiosos e civis para chamar a atenção do público, impor-se e marcar presença. A utilização de quadros e imagens do Sagrado Coração de Jesus e do Cristo Redentor5, por exemplo, completavam a lembrança da marca católica.

O impresso Manual do Apostolado da Oração tinha como objetivo normatizar e homogeneizar todos os centros do apostolado no país e no mundo. Os seus associados deviam seguir todas as normas nele estabelecidas, desde a metodologia de sua fundação, passando pela conduta moral dos seus participantes, até a promoção dos zelados aos cargos de zeladores. Nas páginas 119 e 120 do manual, por exemplo, consta como os associados deveriam proceder diariamente para serem dignos do título de “verdadeiros catholicos e dedicados de alma e coração ao Divino Salvador”:

  1. Façam cada dia, depois da Oração da manhã, que nunca se devem deixar, o offerecimento ao divino Coração de Jesus.

  2. Assistam, sendo possivel, à Missa do Apostolado, na primeira sexta-feira de cada mez.

  3. Rezem cada dia, pela conservação do Summo Pontifice e segundo as suas intenções.

  4. Frequentem o mais que puderem os sacramentos e não deixem de ganhar a indulgencia6 plenaria da 1ª sexta-feira de cada mez e a da festa do Coração de Jesus.

  5. Ainda que nenhuma destas praticas obrigue debaixo de peccado, comtudo os associados do Apostolado da Oração e alem de se esmerarem no cumprimento dos mandamentos da lei do Senhor e dos preceitos da Egreja, em seu procedimento serão rectos e honnestos; emfim não deixarão passar occasião de mostrar a todos que são verdadeiros catholicos e dedicados de alma e coração ao Divino Salvador (Apostolado da Oração, 1923, pp. 119-120).

O manual ainda traz o Methodo de vida para os zeladores, sublinhando a importância da devoção, da oração e dos sacramentos da Igreja Católica, sobretudo os da comunhão eucarística e da confissão:

  1. O zelador deve distinguir-se pelo seu zelo, pelo seu porte e pela sua devoção.

  2. Todos os dias pela manhã procure fazer um quarto de hora de oração mental; sendo possivel, assista à Missa.

  3. Formar entre as mulheres sua lista de associadas e alguma secção de communhão reparadora.

  4. Confessar-se ao menos uma vez cada mez.

  5. Fugir do ocio, das murmurações, da leitura de romances, etc.

  6. Abstenha-se da leitura de livros maus e jornaes anti-catholicos.

  7. À noite, antes de deitar-se, fazer um breve exame de consciência (Apostolado da Oração, 1923, pp. 119-123).

É importante observar que o pároco continuamente chamava a atenção dos associados para lerem a “boa imprensa”, ou seja, os veículos de comunicação que apontavam os valores do Catolicismo e pedia aos fiéis para se afastarem das leituras de romances, de “livros maus” e de “jornais anticatólicos”. No Gazeta do Norte, o padre Osmar Novais definia os “bons livros” enquanto aqueles que elevavam o espírito; os “livros maus” fortaleciam o espectro infernal. Veja-se a matéria escrita em abril de 1944 e intitulada “Ler, mas ler bons livros” (1944, p. 3):

Si ha uma coisa digna de seleção, encontramos as nossas leituras, os nossos livros. Ler não só é agradavel, mas é antes de tudo uma necessidade para o espirito. [...] Si esta é bôa, sadia, produz na alma o efeito do bem estar. Si é má, ao contrario a alma fica sujeita aos efeitos que os narcoticos, os venenos produzem no organismo. Embotam as faculdades e estas imbuidas das más doutrinas afastam-se dos principios são e vão retraindo em si. [...]. O livro é bom se é lido com o fim de elevar bem o espirito humano. O livro póde ser tambem o espectro infernal, o vicio a abrir ambições, orgulhos, despertar tendencias que desvirtuam a origem sublime da espécie humana. Combatamos o máu livro. Aqueles livros que pregam a dissolução social, o divorcio, acordando os instintos do animal, os romances que criam mentalidades exclusivas de prazer, ou de odio. Estes devem ser banidos de todas as estantes, das mãos dos nossos jovens. É dever nosso gritar por uma literatura que ilumine a inteligencia em delineamento, e ao mesmo tempo forme caracteres uteis a sociedade. Ler, sim, mas ler o que é bom.

A literatura dita “má” era aquela que expressava os ideais dos novos tempos como a emancipação da mentalidade de uma visão religiosa do mundo e da vida humana, ligando o homem à direção de seu desenvolvimento. Era terminantemente proibida aos membros do apostolado a leitura desses impressos. Portanto, o Apostolado promoveu uma ocupação do espaço público por meio de suas expressivas ritualizações e, também, empenhou-se na luta contra as doutrinas anticatólicas e antimorais, contra a família desregrada e contra a sociedade sem princípios.

Alinhavada a esta referência religiosa, que abalizou a produção discursiva da Igreja neste período, estava uma política nacional sedenta por formar um sujeito dentro de um paradigma cultural e moral de brasilidade que sustentava e dava condições de combater os vícios degeneradores, tornando-o útil à sociedade. Sobre o combate desses vícios degeneradores em Porteirinha, Altivo de Assis Fonseca, em 16 de fevereiro de 1939, baixou o Decreto-lei nº 2, que instituiu o Código de posturas do município e normatizou as primeiras condutas da municipalidade e os padrões de comportamento que deviam ser considerados como ações concretas sobre a vida do cidadão e as suas relações interpessoais.

Neste Decreto-lei, o título n. XIV, “Da moralidade, segurança e tranquilidade públicas”, com seis artigos, era bastante impositivo no sentido de que, ao infringir a lei “[...] o morador pagava uma multa, mas a reincidência incorria em prisão correcional” (Decreto-lei nº 2, art. 125, p. 45). Confira as proibições:

- Perturbar a tranquilidade publica com vozerio e reuniões tumultuosas;

- Proferir “palavras obscenas”, fazer “gestos imorais”, escrever ou desenhar figuras nas paredes e muros e afixar em tais logares pasquins e outros escritos indecentes;

- Apresentar-se alguem em “trajes menores” perante o publico;

- Fazer ornamentos com arcos, folhagens, postes, etc., em lugares publicos, sem previa autorização da Prefeitura;

- Promover diversões “imorais” em ocasiões de carnaval;

- Dar pousada ou terreno para acampamento de “ciganos”, em qualquer parte do municipio;

- Promover danças ou outros divertimentos congeneres dentro dos povoados, sem licença das autoridades, não se compreendendo nesta proibição os bailes de reuniões familiares;

- Os individuos de ambos os sexos, reconhecidamente “vadios”, que forem encontrados em logares publicos, serão recolhidos ao xadrez durante 3 dias [...] (Decreto-lei nº 2, 1939, pp. 47-49, grifo nosso).

Para analisar este documento, convém aqui falar brevemente da representação que as elites dessa época tinham sobre o trabalho e o ócio. Chalhoub (2001, p. 73) assegura que, após a Proclamação da República, com o surgimento de uma classe dominante que necessitava do trabalho, já não mais escravo, “[...] era necessário transformar o agente social expropriado em homem de bem, isto é, em trabalhador assalariado”7. Evidentemente, isso requeria o exercício de um controle sobre a sua vida fora do espaço do trabalho, pois, afinal, um indivíduo integrado à sociedade se definia ainda por certos padrões de conduta amorosa, familiar e social.

Dentro deste contexto, em Porteirinha, a legislação que se operava entendia que aqueles indivíduos que, na condição de ociosos, negando-se a pagar a sua dívida para com o Estado por meio do trabalho, deveriam ser colocados à margem da sociedade, pois nada produziam para promover o bem comum. Assim, “[...] enquanto o trabalho era a lei suprema, a ociosidade era uma ameaça constante à ordem” (Chalhoub, 2001, p. 73). Portanto, as pessoas que rompiam com o clima pacato e ordeiro, proferiam palavras obscenas, faziam gestos imorais, trajavam-se inadequadamente, promoviam diversões imorais, dessem abrigo a ciganos, enfim, os reconhecidamente vadios, que não glorificavam o trabalho e colocavam em perigo os caminhos da ordem e “ofendiam” a sociedade, eram marginalizados. Isso, porque o pensamento vigente era o de que:

[...] um indivíduo ocioso é um indivíduo sem educação moral, pois não tem noção de responsabilidade, não tem interesse em produzir o bem comum nem respeito pela propriedade. A ociosidade é um estado de depravação de costumes que acaba levando o indivíduo a cometer verdadeiros crimes contra a propriedade e a segurança individual. Em outras palavras, a vadiagem é um ato preparatório do crime, daí a necessidade de sua repressão (Chalhoub, 2001, pp. 73-74).

Por outro lado, na vida conjugal, a Igreja Católica advogava que o indivíduo trabalhador, ao lado de uma esposa devota, seria verdadeiramente integrado ao universo idealizado pela política e pela religião, evitando-se, desta forma, atitudes de vadiagem, depravação e desordem. A família seria um pilar para a manutenção do estado de controle pela Igreja e pelo Estado. Donzelot (1980), na obra A polícia das famílias, aponta a figura do padre como um dos responsáveis pela gerência da sexualidade do casal sob o ângulo da moralidade familiar. Um exemplo dessa relação está descrito no Livro do Tombo da Paróquia de Porteirinha durante as Santas Missões de 1944, realizadas nas capelas filiais da Paróquia. O pároco Julião Arroyo Gallo transcreveu parte do sermão de um redentorista à população:

Na capela de Gameleira o povo da roça soube aproveitar da Santa Missão “confessando-se” e assistindo aos atos religiosos, aprontaram a Capela, trouxeram as madeiras para fazer o pulpito, “auxiliaram para as despesas” da Stª Missão e para as vocações missionarias etc. etc. Mas os moradores do comercio8 não quizeram aproveitar-se da Stª. Missão. Esta Villa corrupta com dois “cabarés” não é merecedora de Missão. O povo d’aqui não tem religião e com nada cooperou, é indigno de Missão; ele abusou de Deus desprezando a Stª Missão, mas fiquem sabendo que com Deus não se brinca (Paróquia São Joaquim, 1941b, p. 31, grifo nosso).

As Santas Missões era um dos acontecimentos mais importantes na vida das populações interioranas. Consideradas instrumentos de grande importância pastoral, as Santas Missões tinham como objetivos o afervoramento religioso, as conversões e a regularização de vida, a reconciliação de ódios, a volta aos sacramentos e o afastamento dos abusos e superstições (Fragoso, 1980).

As Santas Missões partiam do pressuposto de que a sociedade era cristã. Se se falasse em conversão, era no sentido de uma renovação de vida, sob um prisma moralizante. O missionário, do púlpito, quase sempre colocado em uma praça ou largo, explicava a doutrina cristã, começando pela existência de Deus e terminando com o juízo universal. Depois da catequese das crianças, seguia-se o atendimento das confissões até o meio-dia. À tarde, havia uma explicação doutrinária, com base em um texto evangélico. No tempo intermediário, o missionário mobilizava a população para os trabalhos da Igreja, do cemitério, de açudes, de estradas. “O povo carregava em procissão, ao som de hinos e cânticos, madeiras, pedras, tijolos. Normalmente, uma missão costumava demorar de uns 9 a 12 dias” (Fragoso, 1980, p. 209).

Para completar a análise sobre o evento em Porteirinha, o padre também fez o balanço das Santas Missões e, insatisfeito, disse:

Temos passado aqui sete dias pregando as Stª Missões, e qual foi o resultado? Infelizmente não foi satisfatório. Parece-me que aqui há pouca religião, há muitos que não quizeram “confessar-se” e muitos tambem que nem “assistiram aos atos religiosos”, aqui há muitos “pagãos não batizados”, há muitos sem fé e sem religião; aqui há poucas familias boas; há muitos “paes de família” que não prestam pois não deixaram seus filhos fazer a “1ª Comunhão”. Desgraçados d’elles, vão pagar caro. Procurem mudar de vida antes de se acabar a misericordia de Deus (Paróquia de São Joaquim, 1941b, p. 31, grifo nosso).

Outro interessante exemplo que apresenta a figura do padre como o responsável pela administração da sexualidade, sob a égide da moralidade, está no livro da memorialista Palmyra Santos Oliveira (2016), Montes Claros, Porteirinha e outros amores meus. Dona Palmyra, como é conhecida, já era professora no Grupo Escolar João Alcântara e membro das associações religiosas da cidade, em 1942. Ao escrever sobre o noivado e o casamento, relata que ficou noiva no mês de junho daquele ano, “[...] o Iozinho mandou me pedir em casamento [...]. O pedido foi feito à minha mãe, nem percebi que tratava do meu destino” (Oliveira, 2016, p. 75). Depois de ter aceito o convite, o casamento ficou marcado para 15 de agosto. Um dia após terem distribuído os convites, o noivo resolveu fazer uma surpresa ao tentar antecipar o casamento para o dia seguinte. A conversa logo circulou pela cidade e chegou aos ouvidos do padre Julião, que rapidamente procurou a moça. Preocupado com a reputação, ele a indagou:

- “Chié”9, Palmyra, vai casar hoje?

- Não, senhor. Foi apenas uma brincadeira.

- “Chié”, ele retrucou - que teria havido? Palmyra, uma moça direita casar às pressas?

- Não senhor, não houve nada - justifiquei (Oliveira, 2016, pp. 77-78, grifo nosso).

“Cidade pequena, Porteirinha na época, a notícia correu rápida como fogo em rastilho de pólvora. E estourou como uma bomba [...] ”, descreveu a memorialista acerca do resultado da notícia (Oliveira, 2016, p. 78). Evidentemente, Palmyra, enquanto uma jovem mulher, bem formada e egressa de um colégio católico, professora e zeladora do Apostolado da Oração, não havia aceito a antecipação do casamento e casou com Iozinho em 15 de agosto daquele ano, conforme a vontade de ambos, sob os preceitos morais e ante as benções religiosas.

Como é possível observar no diálogo, constata-se uma Igreja que a todo custo mantinha a sua imposição quanto ao controle da sociedade e da família. Para tanto, o padre fazia uma defesa das famílias regradas, ou seja, aquelas que prezavam pelos sacramentos (confissão e batismo), que participam dos atos religiosos e que incentivavam os seus filhos a frequentarem a Catequese e a receberem a primeira comunhão. No entanto, as pessoas que não estivessem alinhadas a essa moralidade, como as que frequentavam casas de prostituição e as que não contribuíam financeiramente para os eventos religiosos, eram ameaçadas a pagar um preço caro por isso. Donzelot (1980, p. 154) denomina esse processo de “[...] troca simbólica entre o fiel e a Igreja Católica como um sistema de intercâmbios matrimoniais que se operava alimentado por uma antiga cumplicidade baseada em benefícios mútuos”. Ou seja, por um lado, havia a obediência aos sacramentos e aos ritos do Catolicismo pelo fiel, e por outro, a legitimação das relações familiares pela Igreja. Eis os detalhes apontados pelo autor:

A família recebia a garantia de suas uniões por meio da distribuição dos sacramentos. Em compensação, o clérigo recebia dinheiro na contratação de um casamento. O padre serve à Igreja para o destacamento de uma população que ela pode tornar útil a seus próprios fins missionários. O dispositivo da confissão fornece à família o meio de gerir a distância inevitável entre o caráter estratégico das alianças e as tendências sexuais. Ele propicia à Igreja, em compensação, um domínio direto sobre os indivíduos, a possibilidade de uma direção das consciências. A Igreja aumenta seus benefícios em dinheiro, poder e expansão na medida em que reforça a hegemonia da família sobre seus membros (Donzelot, 1980, p. 155).

A Igreja Católica, portanto, contou com uma estrutura pautada no controle que atingia todos os níveis da sociedade: das crianças recém-nascidas sendo batizadas ao moribundo que recebia a extrema-unção em seu leito de morte. A sua influência e a interferência se davam nos espaços públicos e, sobretudo, nos espaços privados, onde se processava e se criava o ordenamento social almejado. Nesse panorama, a alta hierarquia dialogava com os grupos políticos que também objetivavam aquele ordenamento social. Ao Apostolado da Oração, em especial, cabia coroar a ritualização da obediência, da vida familiar cristã disciplinada, da ordem social e política, da moralização dos costumes e dos sacramentos da Igreja Católica. O que queremos dizer com isso é que, tanto os documentos regulamentares da associação religiosa, quanto os da Prefeitura de Porteirinha apontavam para o mesmo objetivo: estabelecer uma moral restauradora dos valores cristãos e reconduzir os ineptos a uma vida regrada e obediente. Para utilizar as palavras de Cambi (1999, p. 197), era “[...] uma sociedade governada pela autoridade política, religiosa e cultural, representada no grau máximo pelo prefeito e pelo padre, que eram os avalistas da ordem social e cultural”.

A própria construção da nação brasileira foi identificada com um ideal unitivo. O bispo de Montes Claros, Dom José Alves Trindade10, evocou, em seu Brasão de Armas, o seguinte lema: Omnes unum, repetindo a mesma oração de Jesus Cristo aos seus diocesanos Ut omnes sint unum (Jo, 17, 21), que significa: “Que todos sejam um”, ou seja, que todos os cristãos sejam uma unidade, assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que representam um só ser. Significava, também, que a coletividade se sobressaía sobre as individualidades, uma Igreja forte, centralizadora e unida11. Da mesma forma, o projeto do governo buscou, por meio do espírito unitário, a formação de uma nação disciplinada e unificada. Enfim, era a concepção tridentina, que marcou, pelo viés apologético, toda uma sociedade e que considerou a Igreja uma Sociedade Perfeita.

Nos fundamentos teológicos do Apostolado da Oração, a marca da unidade ganhou relevo nos seguintes termos:

“Ainda que muitos, somos um só corpo em Christo, e cada um de nós, membros uns dos outros” (Rm, 12, 5). Assim, a Associação será sempre um principio de força e efficacia incomparavel. O Apostolado da Oração une os christãos na oração, e por esta oração associada e apostolica, faz dos mesmos christãos um exercito (Apostolado da Oração, 1923, p. 34, grifo do autor).

O esforço de conhecer um sujeito sadio, sugerido por uma moral cristã, recolocava esse mesmo sujeito em uma esfera maior, em que ele próprio teria uma funcionalidade. A convergência de todos em um único objetivo, dentro de um sistema corporativista, daria ao todo social uma vida orgânica na qual cada indivíduo, inserido em seu meio de trabalho (braçal, intelectual e/ou religioso), teria um papel importante nessa execução comum. A partir daí, não se poderiam admitir as divergências e as oposições, caso contrário, o organismo se deterioraria.

Ser membro do Apostolado da Oração de Porteirinha trazia uma responsabilidade, posto que, no momento em que algum associado transgredisse as normas contidas em seu manual, sofria punição. Em uma reunião do Centro do Apostolado, por exemplo, em maio de 1942, o padre Julião adotou a seguinte postura repreensiva para com alguns zeladores:

O Sr. Revdmo. Diretor, Padre Julião, declarou não se achar satisfeito com o proceder de alguns membros da Diretoria do Apostolado, por não terem comprido o dever da comunhão no dia de hoje. Chamou a atenção dos membros e julgou necessario que seja aplicada certa disciplina, e que neste caso deveriam ficar suspensos do cargo por um mes (Apostolado da Oração, 1941, p. 8).

Em outra ocasião, a pena foi ainda mais severa. Ao observar que a zeladora não mais cumpria os seus deveres, o padre foi taxativo:

Tomando a palavra o Revmo. Presidente expôs aos presentes as faltas da zeladora Elita Martins Rocha às reuniões e em seguida propôs que a mesma fosse substituída pela zelada sra. Judite Lacerda (Apostolado da Oração, 1941, pp. 10-11).

Em 1947, o pároco excluiu novamente outros membros da associação religiosa:

Há diversas zeladoras que não cumprem as obrigações, nem tem justificado a causa dessa negligencia. [...] Em vista do exposto, estas ficam excluidas do Centro do Apostolado desta Paroquia, ficando o cargo vago será por mim exercido provisoriamente até a nomeação de um novo secretario efetivo (Apostolado da Oração, 1941 p. 42).

Mesmo ocorrendo exclusões, não era desejável para um habitante de uma cidade pequena ser excluído do Centro do Apostolado, uma vez que o título de zelador ou zelado do Sagrado Coração de Jesus constituía um status social e religioso, sendo considerado até mesmo um privilégio, pois essas pessoas se destacavam nas missas, nos festejos, eventos religiosos, bem como na chegada das autoridades eclesiásticas, políticas e administrativas quando constituíam comissões de honra em tais eventos12.

Muitas professoras13 e filhas de pessoas influentes e poderosas na região participaram desta associação e representaram uma juventude capaz de preservar o que se almejava: a virtude da pureza e o exemplo de mulher obediente e caridosa. A educação certamente foi comprometida com estes caros valores cultivados para a sociedade de então. O Manual da Pia União das Filhas de Maria (Pia União das Filhas de Maria, 1943, pp. 41-43) orientava que as jovens deveriam se afastar de qualquer forma de pecado e das más companhias; que evitassem relações de amizade com homens; que não participassem de danças proibidas, principalmente em bailes carnavalescos, de espetáculos perniciosos; e que não lessem maus livros; odiassem a mentira, maledicência, as críticas e todas as conversas não edificantes; que não tivessem nenhuma espécie de superstição; que evitassem os namoros inconvenientes e as cantigas imodestas; que não seguissem as modas escandalosas; que não saíssem sozinhas na parte da noite; evitassem gestos exagerados, como gritos, pulos, gargalhadas, correr pelas ruas; ou seja, tudo que não ficasse bem a uma jovem cristã bem educada.

Essas instruções revelam o modelo de jovem católica almejado pela Igreja. As sensibilidades e os instintos femininos, que eram incontroláveis, deveriam ser vigiados a todo momento. Elas deveriam fugir das influências ditas malignas e más companhias, como homens e livros de romances. Deveriam ter, no pároco, a figura de seu tutor espiritual e moral, a pessoa que deveriam obedecer, daí a frase: “[...] um penitente que obedece nunca se condena”. A frequência às missas e à confissão eram práticas obrigatórias às associadas.

O Livro de atas de reuniões de Porteirinha mostra que eram recorrentes os registros do pároco chamando atenção das participantes acerca do comportamento, dos deveres, das virtudes, das vestimentas e de ser um “[...] espelho da Filha de Maria”14 (Paróquia São Joaquim, 1951, p. 16). Essa vigilância se reforçava durante alguns períodos do ano, quando o cuidado e a atenção às normas necessitavam ser redobrados: no Carnaval, por exemplo, as mulheres participavam de retiros espirituais a fim de “não abraçar o demonio tentador” e evitar que “as velhas vontades tomem corpo e surgem à flor do instincto”, como era propagado por boa parte da sociedade15. Durante o tempo da Quaresma, jejuns eram acrescentados à rotina; e os costumes e as atitudes morais deveriam ser vigiados.

Esses princípios provêm das orientações do papa Pio X, na encíclica Casti Connubii, que fala sobre o matrimônio cristão e o papel do homem e da mulher na união conjugal. Nele, o emissor, ao ponderar sobre o matrimônio, “[...] princípio e fundamento da sociedade doméstica e de toda a sociedade humana [...]”, demonstra que este enlace representa “[...] a universal restauração do gênero humano; a sua reintegração na pureza primitiva da sua divina instituição; além de levar o homem à dignidade de verdadeiro e grande sacramento da Nova Lei”. A partir daí, o papa Pio XI dá ênfase à sua Igreja, a “Esposa de Deus”, confirmando que “Ele delegou toda a disciplina e cuidado a ela na realização dos desígnios de amor” (Pio XI, 1930, p. 1-2).

Pio XI se apoiou nos textos bíblicos a fim de agregar às suas palavras “a vontade de Deus”. Ao evocar a função do homem e da mulher no matrimônio, elevou a obediência e a sujeição da mulher ao marido e a superioridade deste enquanto a “cabeça da mulher”:

Consolidada, enfim, com o vínculo desta caridade a sociedade doméstica, nela florescerá necessariamente aquilo que Santo Agostinho chama ordem do amor. Essa ordem implica, por um lado, a superioridade do marido sobre a mulher e os filhos, e, por outro, a pronta sujeição e obediência da mulher, não pela violência, mas como recomenda o Apóstolo nestas palavras: “Sujeitem-se as mulheres aos maridos como ao Senhor; porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja” (Ef. 5, 22-23) (Pio XI, 1930, p. 6, grifo do autor).

Ao posicionar-se a favor do continuísmo sociocultural e da legitimação da família patriarcal, o pontífice se pautou na tradição e nos papéis sexuais normatizados, delimitando uma função à mulher. A sua emancipação fugiria à norma e quebraria o ciclo familiar, que podia ser representado pela ótica do casamento cristão, geração de filhos sob a guarda de uma mãe católica obediente e um pai católico provedor. “Se houvesse uma quebra deste ciclo familiar e rompimento de sua estabilidade, a mulher seria a primeira prejudicada [...]”, alerta e persuade. Veja-se o texto:

Pelo contrário, essa falsa liberdade e essa inatural igualdade com o homem redundam em prejuízo da própria mulher; porque, se a mulher desce daquele trono real a que dentro do lar doméstico foi elevada pelo Evangelho, depressa cairá na antiga escravidão (senão aparente, certamente de fato) tornando-se, como no paganismo, simples instrumento do homem (Pio XI, 1930, p. 15-16).

Ele reafirmou e legitimou todas as orientações contidas no manual do Apostolado da Oração. O Folha do Norte, em 1930, também noticiava os limites da emancipação da mulher:

Poucas são as mulheres que não sorriem perante a idea da sua emancipação. E, todavia, poucas comprehendem a transcendencia d’essa importante e grave questão. Desde os que pretendem a libertação completa e absoluta da mulher perante a lei, até aos que apenas a querem emancipada nos pontos que teem por mais convenientes á magnitude e sublimidade da sua missão. A mulher precisa ser emancipada do tristissimo preconceito que apenas a considera escrava do homem. Queremos a mulher instruida, a mulher educada, a mulher formada: instruida para que, comprehendendo os seus direitos, aquilate os seus deveres; educada para que dê, às flores de todos os seus delicados attributos, o candido perfume que irradia suavidade para toda a parte; e formada pelo coração e pela alma, para que, nos desentranhamentos do seu amor, frutifique a felicidade que se espera d’ella (A emancipação da mulher, 1930, p. 3).

As orientações contidas na matéria vão de encontro a algumas normas da Igreja Católica apresentadas anteriormente. O articulista fala da emancipação feminina, pois era um assunto debatido no país e motivo de reivindicação por parte das mulheres16. No entanto, de modo conservador, ele afirma que essa emancipação deveria acontecer apenas para enriquecer a função primordial no lar: “[...] ser a primeira educadora e instructora dos seus filhos”. A emancipação política e social era considerada um “desastre terrível”.

De modo geral, guiado sob a égide dos párocos, o Apostolado da Oração ajudou a Igreja Católica a promover a sua influência e a ocupar o espaço público por meio de suas expressivas ritualizações. Nessa estratégia, a família tinha lugar de destaque. O modelo da família nuclear elevaria o sentido dos cônjuges, pois, “[...] ao homem, à família nuclear, reservada, voltada sobre si mesma, instalada numa habitação aconchegante deveria exercer uma sedução no espírito do trabalhador, integrando-o ao universo dos valores dominantes” (Rago, 1985, p. 61). À mulher estava reservado o papel da sensibilidade em cada lar. A mulher representava o papel de “[...] mãe, irmã, esposa e filha, o conjunto de afeições que podem unicamente ligar todos os membros da associação elementar assim constituída”, ainda conforme estudos de Rago (1985, p. 62).

Finalmente, para a Igreja Católica, a manutenção dessa representação legitimada e tida há séculos como verdadeira era vantajosa. Ao fortalecer as famílias católicas e a sua própria hierarquia, por meio de documentos oficiais, a instituição garantiu a sua influência e, por consequência, a sua existência. Uma possibilidade de análise das questões aqui expostas é partir da ideia de circularidade, como sugere Vieira (2013), ou seja, apontar que um pai católico provedor, casado catolicamente com uma mulher que seguisse os moldes almejados pela Igreja, o de boa mãe, esposa, dona de casa e educadora exemplar dos filhos, seria a garantia da formação de adultos católicos, que, em tese, casariam, formariam família e manteriam essa circularidade. Por outro lado, deve-se ter em mente que o conservadorismo aqui estudado, ainda que presente no discurso oficial da Igreja Católica, não se faz exclusivamente nesse contexto. Esse mesmo discurso perpassou outros segmentos sociais, como a imprensa, a política e a educação.

Considerações finais

Perceberemos a cidade de Porteirinha como o lugar carregado de matrizes globais, nacionais e regionais, em que os elementos políticos, educacionais, religiosos e sociais, em suas dimensões simbólica e material, chegaram, estabeleceram-se e se combinaram de forma nem sempre pacífica. Nesses termos, neste artigo, a ênfase sobre a história local não se opôs à história global, ou seja, o recorte sobre história local apenas designou uma delimitação temática inclusiva em função das particularidades que quisemos determinar, no âmbito do espaço social e temporal escolhido.

Por outro lado, sabemos que a temática sobre a Igreja, numa visão geral, é recorrente no meio científico. No entanto, neste trabalho, buscamos contribuir para desvendar as minúcias e o âmbito regional e local. Em outras palavras, aqui, analisamos o particular. Mediante a história da Igreja Católica nesse recanto mineiro e a sua influência no ensino, conseguimos ver as teses gerais acerca da história da instituição. Esse resultado nos leva a crer que o estudo também dá uma contribuição para as teses gerais por evidenciar os aspectos locais e regionais.

A fundação do Apostolado da Oração em Porteirinha teve o apoio fundamental do então católico chefe do executivo, Altivo de Assis Fonseca, que proporcionou toda a estrutura material para o seu funcionamento, sendo o primeiro presidente do apostolado. Por objetivar o cultivo de pessoas obedientes, piedosas e fervorosas na fé, essa associação incentivou a participação da população nas missas e nos sacramentos, discursou em prol do casamento religioso e de uma vida regrada nos mandamentos do Cristianismo e ajudou o pároco na ampliação do patrimônio material da Igreja. A frequência às missas, à confissão e aos outros sacramentos eram obrigatórios aos associados, que eram tidos como modelos de católico. Ser membro do Apostolado da Oração trazia uma responsabilidade, posto que, no momento em que algum associado transgredisse as normas contidas nos manuais, sofria punição, e isso não era interessante para nenhum morador de uma cidade pequena e conservadora como Porteirinha.

Importa-nos destacar que Altivo de Assis Fonseca, bacharel em Direito, tenente da Polícia Militar, foi nomeado pelo interventor de Minas Gerais, Benedito Valadares Ribeiro, e dirigiu o município no período de 1939 a 1945. Católico fervoroso, Altivo trabalhou pela educação moral do município e, apoiando e sendo apoiado pelo padre Julião, solicitou a transferência da Paróquia de São José do Gorutuba para a sede de Porteirinha.

Finalmente, sob o olhar atento do padre, as mães, filhas ou futuras mães, que mais tarde se tornariam donas de casa ou professoras, recebiam uma formação para a educação dos filhos e dos alunos. Assim, esse comportamento feminino foi objetivado na casa, na família, na vizinhança, na Igreja, nos espaços públicos e nos eventos particulares, tendo como principal eixo a religião católica. À mulher, coube o papel de ser a boa mãe que cuida dos filhos; enquanto o pai, provedor, sai para trabalhar. A ela, também, coube a tarefa de ensinar, pois era a primeira educadora dos filhos em Cristo, tarefa que seria continuada pela professora primária.

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Rodadas de avaliação: R1: dois convites; dois pareceres recebidos.

Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

1Geograficamente, o município de Porteirinha está localizado na área mineira do polígono das secas, mesorregião semiárida do norte de Minas Gerais, microrregião de Janaúba. A sede municipal está situada a 755 metros de altitude e dista da capital do Estado 593 quilômetros. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (1947), o município de Porteirinha foi criado em 1937 com a unificação de quatro distritos: o da sede, Gorutuba, Serranópolis e Riacho dos Machados. “Contando com áreas territoriais populosas, terras férteis e extensas para a criação e cultivo da lavoura, o recente município, no recenseamento geral de 1940, contava com uma população de aproximadamente 20.686 habitantes” (IBGE, 1947, p. 406).

2De acordo com os estudos de Azzi (1976, pp. 119-120), “[...] as novas associações religiosas leigas como o Apostolado da Oração e as Filhas de Maria diferenciavam-se das antigas confrarias por estarem submetidas à autoridade episcopal e dependentes do seu diretor local, o pároco”.

3Conferir Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus da Paróquia de Porteirinha (30 de outubro de 1941 a 11 de setembro de 1949, p. 4).

4Os Zelados eram aspirantes ao cargo de Zeladores no Apostolado da Oração, ou seja, compunham o grupo das pessoas associadas ao movimento, mas que não participam diretamente da diretoria. Cada zelador tinha um grupo de zelados que o seguia, por isso, o zelador deveria dar o “[...] exemplo moral de vida [...]” na sociedade (Apostolado da Oração, 1941, p. 4).

5No dia 6 de junho de 1957, Julião Arroyo Gallo, ladeado pelas participantes da Pia União Filhas de Maria, abençoou a estátua de Cristo Rei que fora levantada na Praça da Igreja Matriz (Apostolado da Oração, 1957). A Prefeitura Municipal, por intermédio do chefe do executivo, Anfrísio Coelho, foi o responsável pelo empreendimento público/religioso.

6Conforme Pedro (1994, pp. 146-147, grifo do autor), “[...] no catolicismo, o termo ‘indulgência’ é a remissão que a Igreja concede de pena temporal devida pelo pecado já perdoado. Torna-se mais inteligível partindo da história: em épocas de perseguição, alguns cristãos, submetidos à penitência pública obtinham, por petição dos que iam ser martirizados, uma diminuição daquilo que tinham de realizar. Mais tarde se generalizou e inclusive se chegou a abusos na concessão de indulgências, por exemplo, aos que ajudavam com dinheiro a construção de igrejas. Assim aconteceu concretamente na construção da Basílica de São Pedro de Roma. A implicação desta doutrina e destes fatos foi uma das causas que motivou a Reforma Protestante, de Lutero”.

7Em meados do século XIX, a visão que se tinha diante do trabalho no Brasil começou a ser alterada, em grande parte devido às transformações que anunciavam o fim do escravismo no país, como a interrupção do tráfico negreiro (1850), a Lei do ventre livre (1871), entre outras. De acordo com Chalhoub (2001, p. 73), “[...] a transição do trabalho escravo para o trabalho livre colocou as elites da época diante da necessidade premente de realizar reajustes no seu universo mental, de adequar sua visão de mundo às transformações socioeconômicas que estavam em andamento. Deste modo, o trabalho, sobretudo o manual, que até então era tido como repulsivo por ser ligado ao escravo, começou a ser mais bem visto entre estas elites, que precisavam de novos aparatos discursivos para manter o controle sobre a mão de obra no regime de trabalho livre”.

8A expressão “comércio”, no dizer da época, referia-se ao centro urbano ou a uma pequena vila.

9Provavelmente, “chié” significava uma expressão espanhola de susto, ou a autora quis apenas imitar o sotaque estrangeiro do padre.

10Para detalhes, consultar Cúria Arquidiocesana de Montes Claros (1956).

11Esse pensamento pode ser constatado nas encíclicas Mystici corporis (O Corpo Místico), de Pio XII (1943), que apresentou a Igreja como o Corpo Místico de Cristo e propôs uma maior valorização do leigo; e na Mediator Dei (Mediador entre Deus), de Pio XII (1947), que versou sobre a Sagrada Liturgia como forma de estimular a maior participação dos fiéis nos ritos.

12O Apostolado da Oração se fez presente em diversas ocasiões: 1) nas comissões de recepção nas Bodas de Prata Sacerdotal do padre Julião Arroyo Gallo, em dezembro de 1953; 2) na instalação da Comarca de Porteirinha, em setembro de 1949; 3) nas Santas Missões dos padres redentoristas, em abril de 1944; 4) em posses de prefeitos; 5) na recepção do bispo diocesano etc. Fontes: Paróquia São Joaquim (1942, p. 21 e p. 9); Cúria Arquidiocesana de Montes Claros (1956; Gallo (1947).

13Ao comparar os nomes constantes no Livro de atas da Pia União Filhas de Maria e os dos Livros de atas das reuniões das professoras do Grupo Escolar João Alcântara, observa-se que pelo menos 14 participantes da diretoria da associação feminina eram professoras nesta escola durante o período do estudo (Paróquia São Joaquim, 1951, p. 12; Oliveira, 2012; Grupo Escolar João Alcântara, 1956; Grupo Escolar João Alcântara, 1946).

14Observa-se o chamamento do pároco acerca do comportamento das mulheres nas páginas 2, 8, 9 e 14 do Livro de Atas das Filhas de Maria (Paróquia São Joaquim, 1951).

15O jornal Gazeta do Norte, durante o tempo do Carnaval, postava convites endereçados à juventude, o que mostra que os jovens poderiam abraçar práticas totalmente contrárias à vida cristã. Assim, o espírito do Carnaval aparece da seguinte maneira na imprensa: “O carnaval aproxima-se. Dentro de pouco tempo o Brazil inteiro será possuído por esse demonio tentador a que nenhum brazileiro resiste. Para saboreal-o voluptuosamente toda a gente esquece as tristezas, os aborrecimentos, as limitações que estrangulam a vida no circulo de ferro de seus limites [...]. Velhas vontades tomam corpo e surgem à flor do instincto [...]. Projectos longo tempo guardados no escaninho mais profundo do espirito sobem à tona da realidade. Tudo se simplifica. Tudo se aproxima. Tudo fica tão facil! E a ingenua humanidade se deixa levar nos treis dias de alegria e loucura. Nelles só o instincto é que fala. A boa educação desapparece envergonhada... os bons modos são preciosidades que ninguem vê. A civilização derrete-se ao calor primitivo dos sambas, das allucinações e dos corpos” (Carnaval, 1933, p. 1).

16Segundo Barbosa e Machado (2012), em fevereiro de 1932, por exemplo, as mulheres conquistavam, depois de muitos anos de reivindicações e discussões, o direito de votar e serem eleitas para cargos no executivo e legislativo.

Recebido: 16 de Janeiro de 2024; Aceito: 07 de Maio de 2024; Publicado: 26 de Maio de 2024

Editor-associado responsável:

Olivia Morais de Medeiros Neta (UFRN)

E-mail: olivia.neta@ufrn.br

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