1 INTRODUÇÃO
O Mercosul foi criado pelo Tratado de Assunção em 1991, com o objetivo de promover a livre circulação de bens, serviços e capitais entre os países do Cone Sul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai3, por meio da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias de mercadorias. Trata-se de um pacto regional para o fortalecimento econômico dos respectivos países. Em 2012, a Venezuela ingressou como quinto país membro do bloco.
Embora o Mercosul seja um acordo que abarca eminentemente o setor econômico e comercial, incorpora, desde o início, outros setores que possuem estrita relação com o desenvolvimento político, econômico e social dos Estados que o integram, entre eles, a educação. Denota-se, portanto, que o ingresso da educação na agenda do Mercosul demonstra uma diversificação na pauta do bloco, que foi criado com a finalidade de fortalecer a economia regional (ALMEIDA, 2015).
A pauta educacional no âmbito do Mercosul foi incorporada a partir da criação do Setor Educacional do Mercosul. Trata-se de um espaço institucional de coordenação das políticas educacionais dos países-membros, mediante a regulamentação dos Planos de Ação, instrumentos que objetivam garantir, pelas definições de estratégias e metas, um espaço educacional integrado.
Não olvidando que as questões políticas, econômicas e sociais têm um papel fundamental na construção do contexto dos países investigados, assim como do próprio Mercosul, o presente trabalho tem como objetivo analisar a proteção normativa do direito à educação básica nos países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela). Para tanto, foi realizada, mediante metodologia de estudo comparado, uma pesquisa bibliográfica e documental com enfoque qualitativo. A fonte documental foi constituída pelos seguintes documentos: Constituições vigentes dos países e Legislações educacionais (Lei de Diretrizes e Bases e/ou legislação equivalente).
O estudo buscou compreender as diferenças a partir da comparação de duas categorias analíticas: a obrigatoriedade e gratuidade presentes nas normatizações que regulamentam o direito à educação dos respectivos países. Após a identificação dos contrastes existentes nos marcos regulatórios, foi realizada a análise de conteúdo. Nessa fase, realizamos a comparação e confrontação sistemática entre os componentes do conceito e a totalidade desse conceito em relação ao objetivo da pesquisa. Bardin (2009) aponta que existem diversas técnicas para análise do conteúdo; nesta investigação, recorremos à temática ou categorial, que considera a totalidade de um texto e compreende o desmembramento deste em unidades ou categorias.
Logo, a investigação se justifica pela necessidade da realização de pesquisas sobre o direito à educação no âmbito do Mercosul, que desvelem como tem se configurado a realidade normativa da sua garantia, bem como o papel da educação como área estratégica do projeto de integração regional do bloco, fenômeno que carece de problematizações e, consequentemente, investigações que possam nortear a formulação de políticas educacionais voltadas para a inclusão social, desenvolvimento da região e fortalecimento do campo científico da área.
2 DIREITO À EDUCAÇÃO NA LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES-MEMBROS DO MERCOSUL
Ao garantir o direito à educação básica obrigatória e gratuita, o Estado passa a assegurar uma condição universal para o próprio usufruto dos direitos civis. Assim, Cury (2002) aponta que a relevância da educação primária tornada como um direito imprescindível do cidadão e um dever do Estado impôs a obrigatoriedade e gratuidade como modos de torná-lo acessível a todos, indistintamente.
Diante do exposto, vejamos como os princípios de obrigatoriedade e gratuidade são tratados nos marcos jurídicos dos países-membros do Mercosul. A Constituição da Nação Argentina foi sancionada em 1853, no entanto, desde então, ocorreram sucessivas reformas nos anos de 1860, 1866, 1898, 1957 e 1994 (SAGUÉS, 2003). A constituinte trata do direito à educação no artigo n. 14, no âmbito dos direitos civis:
Todos los habitantes de la Nación gozan de los siguientes derechos conforme a las leyes que reglamenten su ejercicio; a saber: de trabajar y ejercer toda industria lícita; de navegar y comerciar; de peticionar a las autoridades; de entrar, permanecer, transitar y salir del territorio argentino; de publicar sus ideas por la prensa sin censura previa; de usar y disponer de su propiedad; de asociarse con fines útiles; de profesar libremente su culto; de enseñar y aprender. (ARGENTINA, 1994).
Segundo Sagués (2003), a educação é assegurada na Constituição Argentina como direito civil, conferindo a todos os habitantes o direito de poder ensinar e aprender. O artigo n. 75 destaca como atribuição do Poder Legislativo do país:
Sancionar leyes de organización y de base de la educación que consoliden la unidad nacional respetando las particularidades provinciales y locales; que aseguren la responsabilidad indelegable del estado, la participación de la família y la sociedade, la promoción de los valores democráticos y la igualdad de oportunidades y posibilidades sin discriminación alguna; y que garanticen los princípios de gratuidad y equidad de la educación pública estatal. (ARGENTINA, 1994).
Apesar de não assegurar a obrigatoriedade e a gratuidade da educação, a Constituição da Nação Argentina delega ao Poder Legislativo do país a responsabilidade pela organização da educação, conforme as peculiaridades locais, de forma a garantir a gratuidade, equidade e obrigatoriedade. Assim sendo, a normativa que estabelece as bases da educação para a prestação do Estado no país é a Lei de Educação Nacional n. 26.206/2006. Composta por 145 artigos, assegura, dentre outros, em seu Capítulo 1 das Disposições Gerais - “Princípios, direitos e garantias”:
Art. 2 - La educación y el conocimiento son un bien público y un derecho personal y social, garantizados por el Estado. Art. 3 - La educación es una prioridad nacional y se constituye en política de Estado para construir una sociedad justa, reafirmar la soberanía e identidad nacional, profundizar el ejercicio de la ciudadanía democrática, respetar los derechos humanos y libertades fundamentales y fortalecer el desarrollo económico-social de la Nación [...] Art. 8 - La educación brindará las oportunidades necesarias para desarrollar y fortalecer la formación integral de las personas a lo largo de toda la vida y promover en cada educando/a la capacidad de definir su proyecto de vida, basado en los valores de libertad, paz, solidaridad, igualdad, respeto a la diversidad, justicia, responsabilidad y bien común. (ARGENTINA, 2006).
Sobre o tempo de escolaridade, a Lei versa, em seu artigo n. 16, que em todo o país a educação obrigatória se estende desde os cinco anos de idade até os 17 anos, totalizando 13 anos. A mesma legislação também divide os níveis educacionais em educação básica e superior. No âmbito da educação básica, há três etapas de ensino: a Inicial (45 dias a cinco anos de idade), o Primário (seis a 12 anos de idade) e o Secundário (13 a 17 anos). Logo, a educação obrigatória compreende desde os cinco anos de idade - o último ano de nível inicial - até a conclusão da etapa secundária (ARGENTINA, 2006).
A referida Lei normatiza oito modalidades educacionais, quais sejam: Educação Técnico-Profissional; Educação Especial; Educação de Jovens e Adultos; Educação Artística; Educação Intercultural Bilíngue; Educação Rural; Educação em Contextos de Privação de Liberdade; Educação Domiciliar e Hospitalar. Para Babinski (2010), trata-se de uma Lei que consubstanciou um marco jurídico da educação argentina, especialmente por regulamentar a extensão da obrigatoriedade da educação para 13 anos, pois, até a promulgação dessa legislação, o tempo de escolaridade obrigatória era de 10 anos.
Art. 16 - La obligatoriedad escolar en todo el país se extiende desde la edad de cinco (5) años hasta la finalización del nivel de la Educación Secundaria. El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología y las autoridades jurisdiccionales competentes asegurarán el cumplimiento de la obligatoriedad escolar a través de alternativas institucionales, pedagógicas y de promoción de derechos, que se ajusten a los requerimientos locales y comunitarios, urbanos y rurales, mediante acciones que permitan alcanzar resultados de calidad equivalente en todo el país y en todas las situaciones sociales. (ARGENTINA, 2006).
Alesso (2016) ressalta que a sanção da nova Lei da Educação Nacional da Argentina foi um marco histórico, pois, além de assegurar educação como um direito, ampliou os anos de escolaridade obrigatória, o que desencadeou o aumento da responsabilidade do Estado na tutela desse direito. “El hecho de haber logrado la sanción de una nueva Ley de Educación Nacional que no sólo define a la Educación como un derecho, sino que además amplía la cantidad de años de escolaridad obligatoria, generando más responsabilidad para el Estado” (ALESSO, 2016, p. 76).
A Lei também legitima a necessidade de garantir a inclusão educacional mediante políticas universais e estratégias de alocação da educação e recursos que dão prioridade aos setores desfavorecidos da sociedade. O destaque do princípio inclusivo da população menos favorecida na normatização demonstra o reconhecimento pela principal legislação sobre educação do país de que a desigualdade social é uma realidade que demanda a ação do Estado via políticas públicas que visam assegurar o direito à educação e, consequentemente, à dignidade humana.
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 endossou, em seu artigo n. 6, a educação como um direito social. Essa condição do constitucionalismo brasileiro colocou a educação enquanto um princípio da dignidade da pessoa humana como o valor maior do Estado, na medida em que, concomitantemente a outros direitos sociais, consagra-a como um direito fundamental. Para Oliveira e Araújo (2005, p. 6), a Constituição Federal brasileira foi um marco normativo para o país, à medida que “[...] assinalou uma perspectiva mais universalizante dos direitos sociais e avançou na tentativa de formalizar, do ponto de vista do sistema jurídico brasileiro, um Estado de bem-estar social numa dimensão inédita em sua história”.
Sarlet (2005) aponta que os direitos fundamentais, especialmente a educação e a saúde, devem ser expressos constitucionalmente. Esses direitos exigem ampla proteção jurídica, uma vez que representam as condições vitais para garantir a dignidade humana. Especificamente sobre o direito à educação, foram incluídos nove artigos, nos quais se encontra explícita uma série de aspectos que envolvem a sua concretização. No artigo 205, consta que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família.
O artigo 206 estabelece os princípios que fundamentam a oferta do ensino no país, quais sejam, “I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber [...] IV - gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais”. O artigo 208 apresenta que o direito à Educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos, assegurado inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria4 (BRASIL, 1988).
Os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 208 definem, ainda, que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo; o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. A educação, na Constituição Federal de 1988, foi concebida como obrigatória e gratuita e, quando ofertada pelos poderes públicos, tornou-se um direito público subjetivo, pelo qual o indivíduo possui uma esfera de ação inviolável, na qual o Poder Público não pode penetrar (DUARTE, 2004).
A obrigatoriedade e a gratuidade da educação no Brasil sofreram diversas alterações por meio de revisões no texto constitucional ao longo dos últimos vinte anos, entre elas, a ampliação da escolarização obrigatória. Enquanto o texto original previa educação obrigatória e gratuita destinada ao Ensino Fundamental, que compreendia crianças entre 7 e 14 anos, a Emenda Constitucional n. 59/2009 estabeleceu a idade de 4 a 17 anos, o que totaliza 14 anos de tempo escolar obrigatório.
Segundo Flach (2009), a ampliação dos anos de escolaridade foi um avanço para a realidade educacional brasileira, o que demonstra que a referida Emenda Constitucional consiste em um marco para a educação do país. A expansão do tempo de escolaridade obrigatória e gratuita de quatro a 17 anos implica na garantia legal de um maior número de crianças e adolescentes na escola. Entendemos que se trata de uma conquista histórica forjada tanto no contexto do desenvolvimento econômico e sociocultural quanto, principalmente, na luta social pela ampliação da expansão do direito à educação inalienável a todos.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional brasileira, n. 9.394/1996, dispõe de 92 artigos que versam sobre os níveis, etapas e modalidades da educação do país. Os níveis são divididos em básico e superior. O básico compreende a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. As modalidades são: Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação Profissional (BRASIL, 1996).
No seu artigo dois, afirma que a educação é dever da família e do Estado e, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). O inciso I do artigo quatro da LDB destacava que o Ensino Fundamental deveria ser obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. O artigo cinco dessa Lei definiu o acesso ao Ensino Fundamental como direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão acionar o Poder Público para exigi-lo. Em 2013, a Lei n. 12.796/2013 alterou o texto da LDB. Dentre as alterações, foram feitas mudanças referentes à expansão dos anos de escolaridade, que passou a ficar em consonância com a Emenda Constitucional n. 59/2009.
É oportuno salientar que os artigos da LDB referentes à gratuidade e obrigatoriedade do Ensino Fundamental são semelhantes à redação que fazia parte dos artigos da Constituição Federal de 1988. Porém, com as Emendas Constitucionais, o texto passou a não mais se referir ao Ensino Fundamental, mas à educação básica. Mesmo que a LDB não tivesse sido expressamente alterada para entrar em conformidade com o texto constitucional, a promulgação das Emendas e, consequentemente, a alteração na Constituição Federal prevalecem como legislação majoritária, pois não se interpreta a Constituição conforme as Leis, mas sim as Leis conforme a Constituição.
No entanto é importante registrar que a ampliação dos anos de escolaridade obrigatório no Brasil perpassou, inicialmente, o movimento inerente de extensão do Ensino Fundamental, que foi sinalizado pela LDB, n. 9.394/1996. A referida Lei remeteu à obrigatoriedade da totalidade desta etapa não mais vinculada à idade, como as Legislações anteriores, mas centrada no tempo de permanência na escola, e isso foi um marco que impulsionou as discussões sequenciais sobre o tema nos anos seguintes e, sobretudo, as Legislações que regulamentaram a ampliação da escolaridade obrigatória do Brasil.
A Constituição da República do Paraguai, promulgada em 1992, versa sobre o direito à educação em seu capítulo VII, intitulado “De La Educación y De La Cultura”, apontando, no artigo 73, as seguintes finalidades da educação:
Toda persona tiene derecho a la educación integral y permanente, que como sistema y proceso se realiza en el contexto de la cultura de la comunidad. Sus fines son el desarrollo pleno de la personalidad humana y la promoción de la libertad y la paz, la justicia social, la solidaridad, la cooperacíon y la integración de los pueblos; el respeto a los derechos humanos y los princípios democráticos; lá afirmación del compromiso con la Patria, de la identidad cultural y la formación intelectual, moral y cívica, así como la eliminación de los contenidos educativos de caráter discriminatorio. La erradicación del analfabetismo y la capacitación para ela trabajo son objetivos permanentes del sistema educativo. (PARAGUAI, 1992).
Denota-se, neste artigo, que o direito à educação é garantido a todas as pessoas como um processo de formação cultural a ser desenvolvido ao longo da vida do indivíduo. Assim, deve ser materializado pela educação integral e permanente. A redação enfatiza a eliminação de todos os conteúdos educativos que podem ter caráter discriminatório e propõe a erradicação do analfabetismo, bem como a capacitação para o trabalho, como objetivo permanente de todo o sistema educativo. O artigo 74 dispõe sobre o direito de aprender e a liberdade de ensinar.
Se garantizan el derecho de aprender y la igualdad de oportunidades al acceso a los beneficios de la cultura humanística, de la ciencia y de la tecnología, sin discriminación alguna. Se garantiza igualmente la libertad de enseñar, sin más requisitos que la idoneidad y la integridad ética, así como el derecho a la educación religiosa y al pluralismo ideológico. (PARAGUAI, 1992).
No artigo n. 75, o texto constitucional salienta que o exercício do direito à educação é responsabilidade da sociedade e recai em particular à família, aos municípios e ao Estado. Ao atribuir o dever da educação primeiro à família e depois ao Estado, denota-se uma concepção que contrasta com a previsão da educação enquanto um bem público. Ximenes (2012) esclarece que, nessa vertente, o texto constitucional tende a dar margem para a diminuição do papel do Estado, o que pode resultar na inversão de responsabilidades em relação à família, colocando-a em primeiro lugar. Quanto à obrigatoriedade e gratuidade do ensino, a Constituição da República do Paraguai expõe no artigo 76 - Os deveres do Estado:
La educación escolar básica es obligatoria. En lãs escuelas públicas tendrá caráter gratuito. El Estado fomentará la enseñanza media, técnica, agropecuária, industrial y la superior o universitaria, así como la investigación científica y tecnológica. La organización del sistema educativo es responsabilidad esencial del Estado, con la participación de las distintas comunidades educativas. Este sistema abarcará a los setores públicos e privados, así como al ámbito escolar y extraescolar. (PARAGUAI, 1992).
A Constituição Paraguaia prevê a obrigatoriedade da educação escolar básica5, que deverá ser oferecida gratuitamente pelos estabelecimentos públicos. A Lei Geral da Educação do Paraguai n. 1.264/1998, que dispõe de 161 artigos, também reitera os princípios assegurados na Constituição do país. Essa normativa estabelece os princípios gerais para a educação pública e, também, para a privada e salienta que a educação deve ser prioridade para a consolidação da democracia, da diminuição das desigualdades sociais e da possibilidade de novas oportunidades para toda a população (PARAGUAI, 1998).
Cumpre destacar que no ano de 2010 a Lei n. 4.088 alterou os artigos 29 e 37 da Lei Geral da Educação do Paraguai. Essa alteração foi bastante significativa no tocante à proteção do direito à educação, pois estabeleceu a obrigatoriedade e gratuidade da educação inicial e da educação média nas escolas públicas do país (PARAGUAI, 2010).
A educação formal do país é estruturada em três níveis: o primeiro nível inclui a Educação Infantil e o Ensino Básico; o segundo nível, Ensino Médio; o terceiro nível, o Ensino Superior. A educação básica agrega nove graus e é obrigatória. Esta etapa é gratuita em escolas públicas de gestão oficial. Nesse viés, a escolarização obrigatória do país totaliza nove anos de duração e está restrita à educação básica, o que equivale, a título de comparação, ao Ensino Fundamental no Brasil e Secundário na Argentina. No artigo 32, é enfatizado que a gratuidade poderá ser estendida a outros níveis, instituições ou indivíduos, mas essa ampliação estará sujeita aos recursos do orçamento nacional (PARAGUAI, 1998).
As modalidades compreendem: a educação básica geral e continuada (Equivalente ao EJA no Brasil); educação para grupos étnicos, educação camponesa e rural; educação para pessoas com limitações e com capacidades excepcionais; educação para a reabilitação social; educação militar e policial; educação para religiosos. A Lei também consta com um capítulo intitulado “A Compensação das desigualdades na educação”, cujos artigos 23 e 24 ressaltam:
Art. 23 - Las autoridades educativas mediante programas de compensación, atenderán de manera preferente a los grupos y regiones que enfrentan condiciones económicas, demográficas y sociales de desventaja.
Art. 24 - Se facilitará el ingreso de las personas de escasos recursos en los establecimientos públicos gratuitos. (PARAGUAI, 1998).
Os artigos destacam a desigualdade socioeconômica como uma condição que afeta o usufruto do direito à educação. Vieira (2007, p. 28) adverte que a exclusão econômica, oriunda das duradouras marginalizações sociais, corrói a imparcialidade da Lei, o que pode causar a invisibilidade dos indigentes e a imunidade dos privilegiados aos olhos das instituições jurídicas. Nesse sentido, a extrema e persistente desigualdade deteriora a condição da reciprocidade da dignidade humana, “[...] tanto em seu sentido moral quanto em seu interesse mútuo que enfraquece a integridade do Estado de Direito”. Em que pese esse quadro, cabe às Legislações não desconsiderar o contexto das singularidades econômicas, sociais e políticas em que se materializam.
A Constituição da República do Uruguai é datada de 1967, porém, sofreu modificações mediante os plebiscitos que ocorreram em 26 de novembro de 1989, 26 de novembro de 1994, 8 de dezembro de 1996 e 31 de outubro de 2004. A Constituição Uruguaia trata do direito à educação em seu capítulo II e, no artigo n. 68, é garantida a liberdade de ensino: “Todo padre o tutor tiene derecho a elegir, para la enseñanza de sus hijos o pupilos, los maestros e instituciones que desee”. O artigo n. 70 aponta sobre a obrigatoriedade: “Son obligatorias la enseñanza primaria y la enseñanza media, agraria o industrial. El Estado propenderá al desarrollo de la investigación científica y de la enseñanza técnica. La ley proveerá lo necesario para la efectividad de estas disposiciones” (URUGUAI, 1967).
Observa-se que, diferentemente das demais Constituições, a Constituição Uruguaia amplia consideravelmente o bojo da educação obrigatória, ao estabelecer, em seu artigo n. 70, a obrigatoriedade do Ensino Primário, Ensino Médio, Agrário ou Industrial. No que se refere à gratuidade, o artigo n. 71 determina como “[...] utilidad social la gratuidad de la enseñanza oficial primaria, media, superior, industrial y artística y de la educación física; la creación de becas de perfeccionamiento y especialización cultural, científica y obrera, y el establecimiento de bibliotecas populares” (URUGUAI, 1967).
Fontoura (2008) pondera que a Constituição da República do Uruguai, assim como a da Argentina, fixa disposições genéricas concernentes à garantia do direito à educação, dependendo da expedição de leis específicas relativas à proteção desse direito, o que é regulamentado pela Lei Geral da Educação n. 18.437/2008. Nos seus artigos um e dois, encontra-se registrado que a educação é um bem público e um direito humano fundamental, o qual o Estado deve não só garantir, como também promover com qualidade para toda a população.
Art. 1 - (De la educación como derecho humano fundamental).- Declárase de interés general la promoción del goce y el efectivo ejercicio del derecho a la educación, como un derecho humano fundamental. El Estado garantizará y promoverá una educación de calidad para todos sus habitantes, a lo largo de toda la vida, facilitando la continuidad educativa.
Art. 2 - (De la educación como bien público).- Reconócese el goce y el ejercicio del derecho a la educación, como un bien público y social que tiene como fin el pleno desarrollo físico, psíquico, ético, intelectual y social de todas las personas sin discriminación alguna.. (URUGUAI, 2008)
Diferentemente das demais Legislações educacionais dos países do Mercosul, a Lei Geral da Educação do Uruguai, que contempla 160 artigos, faz referência à educação enquanto um direito humano e salienta que a sua instrução será orientada para os direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais ratificados pelo país. Esse quadro ilustra o reconhecimento do ordenamento internacional do qual o Uruguai é signatário, ou seja, as normativas internacionais e nacionais não são antagônicas.
Piovesan (2005) destaca que a interação e conjugação do Direito Internacional e do Direito Interno fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais. Logo, compreender a educação como um direito humano demonstra que o país está em consonância com a perspectiva de desenvolvimento universal e contextualizado da cidadania. Conforme Cury (2002), essa garantia expressa em uma legislação nacional, e não apenas em um tratado, demonstra a importância dada ao tema como um instrumento linear de realização dos direitos sociais.
Outra particularidade da Lei Uruguaia comparada às demais está relacionada à universalidade do direito. O artigo seis assegura que todos os habitantes da República têm direito à educação, sem qualquer distinção. O artigo sete, por sua vez, trata da obrigação. Assim, constituem etapas obrigatórias: a Educação Infantil para crianças de quatro e cinco anos de idade, Ensino Primário, Ensino Básico e Secundário (a normativa reitera o que é assegurado na Constituição do país).
No que concerne aos níveis da educação formal, abarca a educação inicial, educação primária, educação média básica, educação média superior, educação terciária e educação de pós-graduação. As modalidades são: Educação Rural, Educação de Jovens e Adultos, Educação de Pessoas com Deficiência e Educação a Distância. Além das modalidades, a legislação também normatiza sobre a educação não formal, registrando que há o contexto de uma cultura de aprendizagem desenvolvida externamente às instituições formais e que dispõe de um valor educativo em si, precisando ser valorizado e contemplado no processo de aprendizagem (URUGUAI, 2008).
A Lei Uruguaia considera a educação não formal como parte do Sistema Nacional da Educação. Gohn (2010) enfatiza que o processo educacional transpõe os muros da escola e também está nos processos organizativos da sociedade civil. A esse respeito, a autora esclarece que, ao contrário da legislação Uruguaia, que reconhece oficialmente a educação não formal no país, o Brasil ainda carece de um respaldo institucional concreto aos processos educativos em espaços não formalizados, mesmo a Lei brasileira abrindo caminho quando define que a educação abrange “[...] processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996).
Assim como as Legislações Argentina e Paraguaia, a Lei Geral da Educação do Uruguai também prevê que o Estado deve garantir os direitos das minorias e dos que estão em condição de vulnerabilidade a fim de assegurar igualdade de oportunidades no pleno exercício do direito à educação e da promoção da inclusão social. Na medida em que uma normativa advoga o direito à inclusão, ela também garante o princípio da igualdade. Uma Lei educacional que afiança a preocupação com a justiça social demonstra não só a proteção dos direitos humanos, mas também o compromisso em legitimá-los como caminho para a superação da marginalidade (CURY, 2002).
Art. 18 - (De la igualdad de oportunidades o equidad).- El Estado brindará los apoyos específicos necesarios a aquellas personas y sectores en especial situación de vulnerabilidad, y actuará de forma de incluir a las personas y sectores discriminados cultural, económica o socialmente, a los efectos de que alcancen una real igualdad de oportunidades para el acceso, la permanencia y el logro de los aprendizajes. (URUGUAI, 2008).
A igualdade de oportunidades é um dos princípios que norteia o direito à educação no país. Os demais são: a gratuidade, a obrigatoriedade, a universalidade, a participação, a diversidade e inclusão, a liberdade de ensino e acadêmica e a laicidade. Assegurar a educação laica enquanto um princípio também é uma singularidade da legislação Uruguaia, que contrasta com as demais apresentadas.
Art. 17 - (De la laicidad).- El principio de laicidad asegurará el tratamiento integral y crítico de todos los temas en el ámbito de la educación pública, mediante el libre acceso a las fuentes de información y conocimiento que posibilite una toma de posición consciente de quien se educa. Se garantizará la pluralidad de opiniones y la confrontación racional y democrática de saberes y creencias. (URUGUAI, 2008).
O direito à educação pautado pela perspectiva da universalidade, gratuidade, obrigatoriedade e laicidade estará em consonância com a prerrogativa do Estado Democrático de Direito, pois, no entender de Costa (2011), o reconhecimento da autonomia de pensamento de todos os cidadãos é uma primazia à justiça social, uma vez que a liberdade de consciência e de religião são condições indispensáveis à igualdade e, por conseguinte, à promoção da cidadania.
A Constituição da República Bolivariana da Venezuela data de 1999 e assegura, em seu preâmbulo, que o Estado de direito deve garantir, para as gerações presentes e futuras, o direito social à vida, ao trabalho, à cultura, à educação, à justiça social e à igualdade. Para Zuck, Nogueira e Alves (2014), a Constituição Venezuelana expressa uma concepção voltada para os direitos sociais, que são definidos como direitos de caráter indiscutível e de aplicação imediata e universal.
O artigo n. 102 dispõe sobre o direito à educação como um direito humano e um dever social fundamental e democrático, sendo esta gratuita e obrigatória. O Estado deve assumi-lo como função irrevogável de maior interesse em todos os níveis e modalidades e como um instrumento de servir a sociedade científica, tecnológica e humanística. A educação, segundo a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, consiste em um serviço público.
La educación es un derecho humano y un deber social fundamental, es democrática, gratuita y obligatoria. El Estado la asumirá como función indeclinable y de máximo interés en todos sus niveles y modalidades, y como instrumento del conocimiento científico, humanístico y tecnológico al servicio de la sociedade. (VENEZUELA, 1999).
No artigo n. 103, é destacado o direito à educação integral, de qualidade, permanente e igualitária, assim como a obrigatoriedade da educação em todos os seus níveis de ensino, desde o maternal à Educação Média.
Toda persona tiene derecho a una educación integral, de calidad, permanente, en igualdad de condiciones y oportunidades, sin más limitaciones que las derivadas de sus aptitudes, vocación y aspiraciones. La educación es obligatoria en todos sus niveles, desde el maternal hasta el nivel medio diversificado. (VENEZUELA, 1999).
A Venezuela define a educação enquanto direito social e, além disso, a constituinte apresenta claramente os requisitos de gratuidade e obrigatoriedade como primordiais para a garantia deste direito. Na vigente Lei Orgânica de Educação do país, de 2009, a principal legislação sobre a área, que totaliza 50 artigos, também enfatiza que o Estado deve assegurar “[...] derecho pleno a una educación integral, permanente, continua y de calidad para todos y todas con equidad de género en igualdad de condiciones y oportunidades, derechos y deberes”, bem como a gratuidade da educação em todas as instituições educativas oficiais (VENEZUELA, 2009).
A educação básica compreende os níveis de educação inicial, primária e secundária. As modalidades são: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação nas Fronteiras, Educação Rural, Educação para as Artes, Educação Militar, Educação Intercultural, Educação Intercultural Bilíngue e outras que serão determinadas por regulamento ou Lei específica (VENEZUELA, 2009).
A referida Lei assegura a obrigatoriedade da educação e estabelece a necessidade de mecanismos para exigir das comunidades, famílias, representantes e responsáveis o cumprimento desse dever social. Contudo não são mencionados, na legislação, quais seriam os mecanismos de exigência. Zuck, Nogueira e Alves (2014) apontam que a Venezuela, desde a Constituição de 1999, reconheceu a educação escolar como um direito social fundamental e, como tal, deve ser para e de todos. Essa compreensão permite à sociedade, excluída dos bens educacionais, lutar pela concretização, com base legal, desse direito.
A educação, na Venezuela, “[...] é um direito humano, um dever social, uma função indeclinável do Estado e um serviço público. O Estado tem a atribuição de intervir e orientá-la, a fim de garantir o direito de todos (as) os (as) venezuelanos (as)” (ZUCK; NOGUEIRA; ALVES, 2014, p. 07). Assim como a do Uruguai, a Lei Venezuelana também reconhece a educação como um direito humano e social.
La educación como derecho humano y deber social fundamental orientada al desarrollo del potencial creativo de cada ser humano en condiciones históricamente determinadas, constituye el eje central en la creación, transmisión y reproducción de las diversas manifestaciones y valores culturales, invenciones, expresiones, representaciones y características propias para apreciar, asumir y transformar la realidade. (VENEZUELA, 2009).
Educação como um direito humano é um dever social fundamental que está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A educação é definida como um marco universal e indispensável para garantir a dignidade humana. Reconhecê-la é, também, uma defesa da igualdade enquanto fundamento de cidadania de todas as pessoas do gênero humano (CURY, 2002).
O princípio da igualdade é enumerado sob várias perspectivas na Lei Venezuelana. O documento ressalta que são princípios que respaldam o direito à educação: democracia participativa, responsabilidade social, igualdade entre todos os cidadãos, independência, liberdade, emancipação, valorização e defesa da soberania, formação de uma cultura de paz, justiça social, respeito pelos direitos humanos, prática da igualdade e inclusão, sustentabilidade do desenvolvimento, o direito à igualdade de gênero, fortalecimento da identidade nacional, fidelidade à pátria e integração da América Latina e do Caribe.
Como podemos observar, ao associar a integração como um princípio da educação do país, a Venezuela converge para a perspectiva de regionalização da região para além do estímulo ao mercado. A previsão legal no ordenamento jurídico de um país demonstra o compromisso com a integração e com a defesa de um projeto de cooperação regional pautado em princípios de complementaridade mútua na área da educação, o que, certamente, incidirá no desenvolvimento da região e colaborará para a melhoria das condições do povo sul-americano (ALMEIDA, 2015).
Na mesma direção do Uruguai, a Venezuela também advoga, na sua principal Lei educacional, a garantia do direito a uma educação laica. Essas Legislações estão em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual define que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”. A laicidade corresponde ao direito de autonomia individual, liberdade de consciência e de igualdade entre homens.
Art. 7 - El Estado mantendrá en cualquier circunstancia su carácter laico en materia educativa, preservando su independencia respecto a todas las corrientes y organismos religiosos. Las familias tienen el derecho y la responsabilidad de la educación religiosa de sus hijos e hijas de acuerdo a sus convicciones y de conformidad con la libertad religiosa y de culto. (VENEZUELA, 2009).
Percebemos que todas as Legislações reconhecem os valores da educação escolar. Para isso, reiteram sua condição de formação da cidadania. Os textos legais consideram a criança em sua dignidade de pessoa humana e sujeito pleno de direito à vida, à educação, à saúde, à convivência familiar, cabendo ao Estado, família e sociedade o dever de garantir esses direitos, com absoluta prioridade. Isso significa que compete ao Estado formular políticas, implementar programas e viabilizar recursos que garantam à criança desenvolvimento integral e vida plena, de forma que complemente a ação da família (CURY, 2002).
Elaboramos o Quadro 1, que ilustra a comparação entre os países no tocante aos marcos legais que regulamentam, nos países-membros do Mercosul, a obrigatoriedade e gratuidade, que, conforme Oliveira (2001), consistem em pilares da garantia e do usufruto do direito à educação.
País | Obrigatoriedade | Gratuidade |
---|---|---|
Argentina | Lei n. 26.206/2006 (artigo 16) | Lei n. 26.206/2006 (artigo 16) |
Brasil | Constituição (artigo n. 208) | Constituição (artigo n. 208) |
Paraguai | Constituição (artigo n. 76) | Constituição (artigo n. 76) |
Uruguai | Constituição (artigo n. 70) | Constituição (artigo n. 71) |
Fonte: Elaboração das pesquisadoras com base nas Legislações dos referidos países.
Visualizamos que, com exceção da Argentina, todos os demais países mercosulinos asseguram, no texto constitucional, a obrigatoriedade e a gratuidade enquanto princípios do direito à educação básica. Conquanto, ainda que a Constituição Argentina não apresente referências sobre obrigatoriedade e gratuidade da educação, segundo Babinski (2010), esses elementos estão garantidos na legislação infraconstitucional desse país, a Lei n. 26.206/2006.
No entender de Oliveira (2001), a obrigatoriedade e a gratuidade são pilares fundamentais na garantia do direito à educação à medida que resguardam a sua função eminentemente social e pública. Nessa vertente, enquanto no Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, esses elementos estão assegurados na normativa máxima do país, a Constituição, a Argentina remete essa responsabilidade a outras Legislações para legitimar esse direito. No que se refere a essa realidade, Babinski (2010, p. 65) previne que, embora seja eficaz a norma infraconstitucional no atendimento ao “[...] intuito de tutela destes direitos, o fato de não constarem expressamente de um rol constitucional enfraquece a proteção jurídica dispensada”.
Ademais, essa realidade é preocupante na medida em que nos deparamos com a possibilidade da existência tanto de políticas de Estado, quanto de Governo, para legitimar esse direito, que tem como características, respectivamente, a continuidade e descontinuidade. De acordo com Oliveira (2011, p. 329), consideram-se políticas de governo aquelas que o Executivo decide num processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e programas, visando responder às demandas da agenda política interna. Já as políticas de Estado “[...] são aquelas que envolvem mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, resultando em mudanças de outras normas ou disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade”.
Com efeito, a gratuidade e a obrigatoriedade da educação na Argentina constituem-se, por sua lacuna no texto constitucional, em um aspecto tênue, o qual pode não se configurar como um instrumento jurídico de controle da atuação estatal nesse campo. A Constituição da Argentina, nesse caso, não atribuiu ao Estado o dever de garantir o direito à educação, mas sim de promover políticas, o que pode representar um prejuízo sob o ponto de vista jurídico, uma vez que os direitos sociais reconhecidos e delineados constitucionalmente dispõem de um maior fortalecimento legal (DUARTE, 2004).
Por outro lado, ainda que seja um limitador a diminuição do arcabouço jurídico que protege o direito à educação na Argentina, o país apresenta, na sua principal legislação educacional, um vasto número de artigos que tratam de inúmeros aspectos não só relacionados à regulamentação da educação, mas, principalmente, como elementos que ampliam o bojo da sua garantia enquanto direito.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento das premissas estabelecidas pelo Mercosul depende da definição e efetivação de um conjunto de ações que resultem em mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais dos países pertencentes. O primeiro passo para o êxito de um projeto de integração consiste na institucionalização das relações, que implica na criação de um ambiente que regulamente a resolução de conflitos, direcione as demandas e encaminhe os objetivos.
Objetivamos, assim, evidenciar o direito à educação nas Constituintes dos países-membros do Mercosul, pelo fato de estas serem a Lei fundamental e suprema de um Estado que, além de normatizar sua estruturação, a formação dos poderes públicos e as formas de governo, distribui competências, direitos e deveres dos cidadãos. Além das Constituições, foram analisadas, também, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação e ou Legislações equivalentes, que são as principais Legislações que normatizam a educação nos respectivos países. Suas análises permitiram compreender com maior amplitude em que medida o direito à educação tem sido consagrado pelo marco jurídico no âmbito dos países do bloco.
No que concerne ao direito à educação previsto nas Legislações dos países-membros do bloco Mercosul, podemos inferir que as normativas dos países-membros do bloco apresentam significativas diferenças com relação à extensão da proteção ao direito à educação. Com exceção da Argentina, todos os demais países do Mercosul tratam, no texto constitucional, de assegurar a obrigatoriedade e a gratuidade enquanto princípios do direito à educação básica. Todavia, ainda que a Constituição Argentina não traga referências sobre obrigatoriedade e gratuidade da educação, esses elementos estão garantidos na legislação infraconstitucional.
Em que pese as singularidades e os contrastes dos contextos históricos, políticos e econômicos em que esses países estão inseridos, é preciso reconhecer que o ordenamento legal brasileiro, paraguaio e venezuelano evidencia elementos mais específicos e contundentes para a garantia do direito educacional. A Constituição Argentina, bem como a Uruguaia, é bastante lacônica no que tange ao direito à educação. Por outro lado, ainda que seja uma lacuna a diminuição do arcabouço jurídico que protege o direito à educação na Argentina, o país apresenta, em sua principal legislação educacional, uma ampla regulamentação da educação, o que amplia o bojo da sua garantia enquanto direito.
A Constituição Federal brasileira é a única que reconhece o direito à educação de forma diferente das demais constituintes mercosulinas, com características dos direitos da personalidade, quando a assegura como pública e subjetiva, dotada de proteção civil, porém, não deixando de ser um direito social. Certamente, é a grande inovação do modelo constitucional brasileiro em relação ao direito à educação básica.
As Legislações dos países-membros do Mercosul possuem diferenças que refletem a garantia do direito à educação. Dentre os pontos dissonantes, é oportuno apontar as seguintes: Argentina, Paraguai e Uruguai tratam, em suas respectivas Leis Gerais de Educação, do caráter de desigualdade social e o compreendem como uma situação de vulnerabilidade, o que demanda políticas educacionais focalizadas para resguardar o direito. As normatizações de Venezuela e Uruguai registram o entendimento da educação enquanto um direito humano fundamental e também conferem, nos seus textos legais, o princípio de laicidade vinculado à educação.
Embora possamos considerar como avanços a garantia da escolaridade obrigatória e gratuita nas Legislações dos países do Mercosul, bem como os princípios da laicidade (Uruguai e Venezuela), inclusão social (Argentina, Paraguai e Uruguai) e direitos humanos (Uruguai e Venezuela), é preciso analisar outras prerrogativas legais para compreender se o direito à educação é assistido de condições concretas para sua efetivação.