1 INTRODUÇÃO
O trajeto que os países enfrentam para atingir padrões de desenvolvimento econômico e social apresenta diversos desafios, entre eles, a inovação tecnológica e a consequente inserção, com sucesso, no mundo globalizado. Para alcançar tal propósito, estabelecem-se a sociedade do conhecimento e a economia do conhecimento, tomando como referência as diretrizes emanadas por organismos internacionais por meio de seus relatórios. Notadamente, a dependência que muitos países possuem em relação a organismos como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é o parâmetro para que eles submetam suas políticas públicas às condicionalidades para o recebimento de fomento.
A tão idealizada globalização tem sido analisada sob a lente de diferentes áreas. Segundo Ball (2001), vale analisar o futuro do Estado-Nação a partir da manutenção ou não da autonomia política e econômica diante de tal influência, pela perspectiva da transformação cultural influenciada pela mídia global e, ainda, pela transformação social à medida que se prioriza o imediatismo e o substituível facilmente.
Torres (2016) ensina que é possível estudar a globalização a partir de oito pontos de vista. Inicialmente, é possível destacar a globalización desde arriba, que vem delimitada pelo neoliberalismo pontuado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e a globalización desde abajo, ou antiglobalização, que é representada por movimentos que se opõem à globalização corporativa. Diferentemente da ótica do mercado, encontra-se a globalização dos direitos humanos, a qual se apresenta em um panorama de cidadania global e de democracia e encontra espaço nas legislações. Há a globalização demarcada pela hibridez cultural. Também, a globalização que vem desenhada sobre os conceitos de sociedade da informação, que transforma o mundo por meio do avanço da tecnologia da informação e impacta na sociedade de maneira que o conhecimento passa a ser mais um fator de produção junto da terra, do trabalho, do capital e da tecnologia. Já a globalização da sociedade em rede é aquela em que o conhecimento passa a ser difundido por qualquer cidadão, e não apenas por estudiosos. Por outro lado, Torres (2016), registra a globalização da guerra internacional contra o terrorismo, em que a liberdade está intimamente conectada à segurança. Por fim, o autor relembra que há a globalização do terrorismo.
As universidades compõem esse cenário e se posicionam como atores estratégicos no que concerne à responsabilidade social e ao impulso ao desenvolvimento. É uníssono o discurso em torno da necessidade de educação de qualidade, todavia sua conceituação depende da perspectiva de quem a define. A tendência mundial avança no sentido da mercantilização do Ensino Superior, sendo fortalecida pela transnacionalização das universidades, a qual se mostra um dos vetores da internacionalização. O ingresso da Educação Superior (ES) com força no mercado financeiro impacta no avanço dos rankings globais, os quais passam a ser considerados mecanismos para a medição da “qualidade” ofertada nas universidades.
Sob a lente de Perrota (2015) e Vera (2015), a internacionalização da ES encontra tensões a partir das orientações de caráter exógeno e endógeno. Em um cenário de internacionalização exógena, a qualidade se relaciona diretamente com a sociedade do conhecimento “nominal”, que foca no conhecimento para fins econômicos. Nessa perspectiva, os organismos internacionais OCDE, OMC, Banco Mundial e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tentam imprimir seus conceitos de qualidade dentro do processo de transnacionalização, ou seja, livre circulação do conhecimento, não estando restrito ao Estado-Nação. Tal situação embasa o debate sobre a qualidade isomórfica nas universidades, a qual sofre a influência dos organismos internacionais a partir da percepção da Educação Superior como serviço educacional, e não como bem público (MOROSINI, 2014). Segundo Morosini (2009; 2014), a qualidade isomórfica baliza a formação acadêmica com foco na empregabilidade e em profissionais competitivos, estando fortemente conectada a parâmetros universais ditados por rankings internacionais e não respeitando os princípios do Estado de dizer o que é qualidade na educação.
Sob o enfoque da internacionalização endógena, apregoa-se a relevância da cooperação horizontal para que a qualidade da Educação Superior seja avaliada a partir da equidade, da inclusão social, da diversidade e da pertinência local e regional, características alinhadas ao exercício da cidadania e ao direito à educação.
Notadamente, o processo de construção pelo qual passam as políticas nacionais são resultado das influências globais e locais, as quais se refletem na definição de qualidade na educação, nas políticas do Ensino Superior e nas decisões institucionais (BALL, 2001). A conjuntura atual deflagra o crescimento dos rankings e das tabelas de classificação, com vistas a posicionar instituições de Ensino Superior em todo o mundo.
Em face do exposto, a problemática da investigação está delineada a partir do cenário de mercantilização e transnacionalização das universidades, no contexto da globalização e aferição de “qualidade” a partir de critérios de produtividade.
Este estudo tem por objetivo geral traçar um panorama sobre a convergência entre os indicadores definidos em destacados rankings globais, os quais buscam medir a qualidade a partir ações de internacionalização, e a interlocução com a percepção latino-americana.
2 METODOLOGIA
Para atingir o propósito deste estudo, metodologicamente, priorizou-se uma pesquisa básica, de abordagem qualitativa (GIL, 2002). Caracteriza-se por um caráter exploratório, visto que se buscou refletir sobre a temática a partir de um levantamento bibliográfico preliminar, respaldado em fontes secundárias, tais como: livros, periódicos científicos, declarações emanadas em conferências regionais e mundiais sobre a ES e relatórios de organismos internacionais. Em sua maioria, o material está disponibilizado em formato eletrônico.
O processo de desenvolvimento da investigação foi desenhado em duas seções. A primeira seção oferece uma síntese sobre os rankings, contendo uma breve revisão teórica acerca da temática e complementada por informações institucionais disponibilizadas em páginas da Web dos principais rankings globais e seus indicadores para a internacionalização. O critério de seleção dos rankings, a serem cotejados neste estudo, tomou em consideração o reconhecimento destes como referências globais e as discussões promovidas na agenda da comunidade acadêmica internacional, conforme ensinamentos de Albornoz e Osorio (2018) e Barsky (2014).
Na segunda seção, são examinados os conceitos de qualidade, a partir da percepção de estudiosos e dos posicionamentos emanados em documentos emitidos pelo Banco Mundial e pela UNESCO. Tais organismos internacionais exercem forte influência na condução das políticas públicas, especialmente em países em desenvolvimento, motivo pelo qual aportam significância ao deslinde desta temática.
3 UMA SÍNTESE SOBRE OS RANKINGS
Segundo Albornoz e Osorio (2018), o sistema de Educação Superior americano teve influência na criação dos rankings, à medida que impactavam nas escolhas dos estudantes, os quais definiam seus estudos universitários de acordo com suas necessidades e condições. Hazelkorn (2017) complementa que o surgimento dos rankings se relaciona com a situação social e política de cada época e se divide em quatro fases, sendo a primeira demarcada pelo período de 1900-1950 e a segunda fixada entre os anos de 1959 e 2000, tendo destaque os rankings nacionais em resposta ao mercado. A terceira fase, registrada a partir do ano de 2003, é realçada pelos rankings globais que tomam espaço como resposta à globalização. Estabelecida a partir do ano de 2008, a atual e quarta fase se caracteriza pelos rankings supranacionais, uma vez que a internacionalização do Ensino Superior traz implícita a necessidade de avaliar a qualidade da oferta transnacional.
Barsky (2014) ensina que a organização das classificações dos rankings tem também origem desportiva e, para tanto, agrega dados a partir de critérios. Em sua opinião, tal situação não é tão facilmente transferida para as universidades, instituições complexas em que transbordam saberes de diferentes áreas do conhecimento, o que, por si só, dificulta classificações internas e, naturalmente, tende a tornar-se uma árdua tarefa se analisada e comparada de maneira planetária.
Sob a lente de Salmi e Saroyan (2009), o foco na credibilidade e o incremento na quantidade de rankings são justificados pelo aumento de matrículas, pelo alto número de instituições de Ensino Superior privadas no exterior, pelo ensino a distância, pela internacionalização da ES e pela demanda por mantenedores. O fenômeno dos rankings influencia não apenas estudantes, mas governos, organismos internacionais e mercado.
Existe uma vasta gama de rankings, os quais podem ser distribuídos por conceitos, metodologias, propósitos e regiões. Os rankings unidimensionais definem um peso específico para cada indicador, os multidimensionais oferecem tabelas de pontuações para os indicadores e tornam a análise personalizada. No que concerne às fontes de informações, tais ranqueamentos podem partir de pesquisas de opinião ou de dados bibliométricos. Por outro lado, há os rankings nacionais e regionais, que comparam universidades de determinados países, e os rankings globais, que comparam IES de diferentes regiões do mundo (ALBORNOZ; OSORIO, 2018).
Para Barsky (2014), os rankings globais, universais ou internacionais tomaram proporção com o crescimento da internacionalização, com os processos de mercantilização da ES e as diferentes modalidades de fomento e gestão universitária que exigem dados de desempenho.
É sob esse panorama que se propõe reconhecer como os rankings globais se articulam com os conceitos de qualidade.
As análises de diferentes teóricos anunciam que os rankings classificam, a partir de metodologias específicas, as “melhores instituições”. Hazelkorn (2017) entende que os critérios adotados por tais rankings atendem a interesses diversos, posicionando as universidades em um quadro comparativo e desigual, uma vez que inserem entre os indicadores números que remetem ao desempenho e à produtividade.
Não obstante os inúmeros rankings, para este estudo pode-se citar como destacados os rankings globais: Academic Ranking of World Universities (ARWU), QS World University Rankings e o Times Higher Education World University Ranking (THE).
O ARWU, ou Classificação Acadêmica das Universidades Mundiais, em português, é publicado desde 2003 pelo Centro de Universidades de Classe Mundial (CWCU), da Escola Superior de Educação (ex-Instituto de Ensino Superior) da Universidade de Jiao Tong de Xangai, na China (ARWU, 2019). Em 2019, foram 1.800 universidades classificadas e as 1.000 melhores foram divulgadas. São utilizados seis indicadores. No que se refere à qualidade da educação, são avaliados os números de ex-alunos laureados pelo Nobel e medalhistas Fields. Já no tocante à qualidade do corpo docente são indicadores: o número de funcionários que ganharam os Prêmios Nobel de Física, Química, Medicina e Economia e o Prêmio Fields Medal em Matemática; e o número de pesquisadores altamente citados, conforme análise da Clarivate Analytics. Para averiguar o desempenho das investigações, são considerados os números de artigos publicados na revista Nature and Science e a quantidade de artigos indexados pelo Science Citation Index Expanded (SCIE) e Social Science Citation Index (SSCI). O sexto indicador reflete o cálculo da performance acadêmica per capita, com as pontuações ponderadas dos cinco indicadores acima, divididos pelo número de docentes em tempo integral. No ano de 2019, observou-se que, das 20 melhores, 16 são americanas e quatro europeias. Das 1.000 classificadas, as IES dos EUA e do Reino Unido são as primeiras colocadas, seguidas da Suíça, Austrália e China (ARWU, 2019).
O inglês QS World University Rankings reúne as opiniões de especialistas sobre a qualidade do ensino e da pesquisa nas universidades do mundo, aplicando questionários para compor a sua avaliação (QS WORLD UNIVERSITY RANKINGS, 2019). Por exemplo, a “Reputação acadêmica” compõe 40% da pontuação e avalia o ponto de vista dos acadêmicos. A “Avaliação da reputação do empregador”, que equivale a 10%, visa identificar as instituições de onde eles obtêm os graduados mais competentes, inovadores e eficazes. A análise da proporção “Faculdade/Aluno” equivale a 20% e também busca avaliar a qualidade, verificando até que ponto as instituições são capazes de proporcionar aos estudantes um acesso significativo a professores e tutores, e reconhece que um elevado número de membros do corpo docente por estudante reduzirá o peso do ensino em cada acadêmico individual. Já no quesito “Citações por faculdade”, que equivale a 20%, é considerado o número total de citações recebidas por todos os trabalhos produzidos por uma instituição ao longo de um determinado período e estipulam-se valores determinados de acordo com a área de conhecimento. A relação de professores internacionais e a proporção de estudantes internacionais compõem o cálculo, com o peso de 5% em cada indicador. Sob a ótica deste Ranking, uma universidade altamente internacional possui a capacidade de atrair professores e alunos de todo o mundo, o que implica uma perspectiva global (ALBORNOZ; OSORIO, 2018).
O Times Higher Education World University Ranking, também de origem inglesa, avalia o ensino, a pesquisa, as citações, a perspectiva internacional e o ingresso da indústria (TIMES HIGHER EDUCATION [THE], 2019). A perspectiva internacional refere-se a 7,5% e é composta pela proporção de estudantes internacionais/locais, proporção de funcionários internacional/local e a colaboração internacional. Destaca-se que as citações compõem 30%, o que, naturalmente, reflete na internacionalização (ALBORNOZ; OSORIO, 2018).
Dado o impacto dos rankings, as questões metodológicas estão no centro das discussões acadêmicas, uma vez que as políticas nacionais e institucionais tendem a ser desenhadas de acordo com tais medidas de classificação. A inadequada utilização desses números e dados pode influenciar a opinião pública e a divisão de recursos governamentais.
Para Salmi e Saroyan (2009), comparar instituições com missões, recursos, foco ou não na pesquisa e tamanhos diferentes é uma falha metodológica. Os autores detectam, ainda, em estudo comparativo de tabelas de classificação, que as IES mais bem classificadas estão em países de língua inglesa e que as 100 melhores estão em países em que as instituições nacionais são comumente ranqueadas e, por conseguinte, podem estar mais bem desenvolvidas devido à capacidade de compilar dados. Ademais, as instituições que trabalham a pesquisa tendem a ser mais favorecidas do que outras que detêm o foco no ensino. Nesse sentido, Dávila (2018) entende que esse paradigma de qualidade acaba por obrigar que as IES implementem políticas institucionais que foquem o incremento de publicações, o que certamente impactará as citações do corpo docente. Entende, ainda, que essa metodologia é arcaica e duvidosa em relação aos atributos de qualidade.
De acordo com Barsky (2014), entre as limitações metodológicas desses processos, é possível destacar:
a impossibilidade de avaliar comparativamente e em termos globais as IES que têm em suas disciplinas e cursos enfoques diversos, uma vez que cada área pode se apresentar mais desenvolvida e estar fortalecida em um determinado eixo (pesquisa ou ensino);
esse tipo ideal de universidades de classe mundial tem a perspectiva de uma qualidade baseada nos quantitativos de investigação;
a supremacia das publicações em inglês;
a alta valorização de publicação em revistas científicas, situação que desfavorece áreas de Ciências Sociais e Humanas, em que a publicação de uma obra completa em formato de livro tem mais valor que um artigo em revista.
No tocante às publicações e citações, há de se considerar a complexidade que permeia as relações das revistas e consultorias internacionais. Agregue-se a isso o fato de que o Institute for Scientific Information (ISI) mede o fator de impacto das revistas científicas a partir da análise das citações, o que, na prática, pretende medir a “qualidade” das revistas e sua importância. Tal fator de impacto, todavia, enfrenta questionamentos no sentido de ser ponderado se o número de citações indicaria qualidade ou quantidade, se o curto período que é levado em consideração para calcular o número de citações seria suficiente e se esse curto período desconsideraria citações clássicas (BARSKY, 2014).
Feitas essas breves considerações sobre a perspectiva do fator “qualidade” distinguido pelos rankings, passa-se a desvelar os conceitos de qualidade da ES, a partir de teóricos e propostas emanadas por organismos internacionais e fóruns educacionais.
4 ALGUNS ENFOQUES PARA A QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Sob a lente de Morosini et al. (2016), a “qualidade” exige um exercício permanente de autorreflexão que atenda a referenciais teóricos, éticos e políticos, orientados para um processo avaliativo no qual toda a instituição possa engajar-se.
Revisando o panorama trazido sobre os rankings e alinhando ao posicionamento apregoado no relatório do Banco Mundial (2017), é inevitável considerar que as definições de qualidade na ES perpassam questões de interesse comercial. Nesse sentido, vale destacar a contribuição de Ball (2001, p. 109):
O desempenho (de sujeitos individuais ou organizações) funciona como medida de produtividade ou resultado, ou exposição de “qualidade” [...] representa a qualidade e o valor de um indivíduo ou organização num campo de avaliação.
O Banco Mundial, por sua vez, entende que a qualidade está diretamente relacionada à eficiência e eficácia e se alcançará por meio do acesso a livros, textos, equipamentos, laboratórios e formação pedagógica. Ademais, defende que os processos de ensino e aprendizagem devem ser mensurados. Para viabilizar esse caminho, disponibiliza recursos financeiros a projetos que busquem alcançar os níveis propostos de qualidade. Assim, os países periféricos que buscam tais recursos deparam-se com a necessidade de aproximarem seus projetos à perspectiva de administração da educação e capacitação de professores ditadas por esse organismo internacional, bem como se alinharem à avaliação e aos sistemas de exame, entre outras submissões (GRUPO BANCO MUNDIAL, 2017).
Em outro sentido, têm-se posicionamentos emitidos pela UNESCO em suas conferências sobre educação. A Conferência Mundial sobre Educação Superior de 1998 (CMES) declarou que a qualidade em Educação Superior é um conceito multidimensional que implica ensino e programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência, provisão de pessoal, estudantes, edifícios, instalações, equipamentos, serviços de extensão à comunidade e o ambiente acadêmico em geral. A qualidade é, também, impactada pela dimensão internacional por meio do intercâmbio de conhecimentos, redes, mobilidade e projetos de pesquisa (UNESCO, 1998).
Dias (2017) revela que, em conferência ocorrida no ano de 2003, que objetivava rever os resultados da CMES de 1998, os participantes foram surpreendidos com a inclusão, no informe final, do acréscimo do adjetivo “global” à expressão “educação como bem público”. A adição tem relação direta com a qualidade, que deverá estar adequada às exigências do mercado, e esse bem público global, conforme Dias (2017, p. 101), seria “[...] desenvolvido em um pequeno grupo de países e que passa a ser considerado como modelo de qualidade a ser imitado no mundo inteiro.”. Ademais, Dias (2017, p. 92) reforça: “Os critérios de seleção centram-se na pesquisa acadêmica, sem considerar a qualidade do ensino.”. O autor destaca que os rankings acadêmicos definem regras para aferir e mostrar onde há qualidade no ES, a partir do modelo de nações hegemônicas, e têm se transformado em uma indústria lucrativa. Mas o que é pior, influenciam as políticas públicas e, não raras vezes, os indicadores estão em total descompasso com a realidade dos países em desenvolvimento.
A Conferência Mundial sobre Ensino Superior de 2009 declarou que era necessário estabelecer sistemas que garantissem a qualidade e os padrões de avaliação, assim como promover a qualidade cultural dentro das instituições. Critérios de qualidade devem refletir todos os objetivos da ES, especialmente o propósito de cultivar o pensamento crítico e independente nos estudantes e a capacidade de aprender por toda a vida. Tais critérios devem estimular a inovação e a diversidade. Garantir a qualidade do Ensino Superior requer o reconhecimento da importância de se atrair e reter uma equipe de ensino e pesquisa comprometida, talentosa e qualificada (UNESCO, 2009).
O Plano de Ação da Conferência Regional de Educação Superior 2018 (UNESCO, 2018) se estabelece com o propósito de associar a qualidade da ES à equidade, inclusão social, diversidade e pertinência local e regional, características alinhadas ao exercício da cidadania e ao direito à educação. Deve-se priorizar a vinculação da ES a projetos destinados à inovação pedagógica e ao desenho pedagógico das educações básica, secundária e média. Nota-se a busca por um profissional empreendedor, inovador, com pensamento crítico e interdisciplinar, bem como um sistema educativo com visão humanista, crítica, solidária e inclusiva. Entre as estratégias para atingir tal “qualidade” são pontuados diferentes caminhos a serem explorados, tais como: políticas afirmativas de ingresso, controle de evasão e incremento do financiamento público. Ainda, propõe trajetórias curriculares flexíveis e mobilidade estudantil inclusiva com foco na democratização da ES. Um caminho conducente a novas trajetórias formativas, a partir das necessidades locais e regionais, e alinhado às novas necessidades laborais do atual contexto.
Depreende-se do texto do Plano de Ação da CRES 2018 (UNESCO, 2018) que, inclusive, pode agregar na busca de uma educação de qualidade a inserção de grupos heterogêneos de diferentes origens culturais e sociais, fortalecida por uma formação que incorpore o enfoque transversal da identidade de gênero, da diversidade cultural e interculturalidade. Essa formação de qualidade traz em seu cerne uma perspectiva inter e intradisciplinar com pertinência, responsabilidade e compromisso social. Outra matriz é a educação continuada de todos os atores, sejam estudantes, sejam docentes e staff.
A qualidade com pertinência vem articulada com o reconhecimento de aprendizados adquiridos em caminhos formativos flexíveis. O comprometimento com uma cultura de cidadania global vem vinculada a uma formação docente com vistas a esse fim. No tocante à internacionalização, a qualidade se materializa através do perfil internacional do currículo, programas de dupla titulação, mobilidade e reconhecimento de trajetos formativos, domínio de idiomas. Ademais, a conformação de uma rede regional de avaliação, a acreditação e o reconhecimento de titulações, diplomas e trajetórias formativas de graduação e pós-graduação podem contribuir para assegurar a qualidade, sempre vinculada à ideia de pertinência e inclusão. Ao tratar do papel estratégico da ES para o desenvolvimento sustentável da região (eixo 1), o documento prevê a identificação, definição e consenso para indicadores comuns de ES (UNESCO, 2018).
Depreende-se, ainda, que o Plano de Ação da CRES 2018 adota como critério de qualidade a eficácia e a sustentabilidade para atingir os objetivos das IES, além de estar alinhado à perspectiva de sociedade do conhecimento “inteligente”, em que, segundo Didriksson (2008), os valores concentram-se no exercício real da democracia, na qualidade de vida da população e na liberdade da sociedade da América Latina e Caribe para decidir como organizar o seu futuro.
Segundo o documento “Educação 2030” (UNESCO, 2016), a educação de qualidade deve promover criatividade e conhecimento, habilidades com foco para a resolução de problemas, habilidades de alto nível cognitivo e habilidades interpessoais e sociais. Ademais, deve primar por desenvolver habilidades, valores e atitudes que permitam aos cidadãos levar vidas saudáveis, tomar decisões conscientes e responder a desafios locais e globais por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e da educação para a cidadania global.
De acordo com Uvalic-Trumbic (2009, p. 174), as “Diretrizes para a Provisão de Qualidade no Ensino Superior Além Fronteiras”, aprovadas pela UNESCO em 2005, objetivam: apoiar cooperação e compreensão internacional para garantir qualidade em geral, proteger os estudantes de IES que fornecem ES sem credenciamento apropriado e estimular o desenvolvimento de ES de qualidade. A soberania nacional com relação à garantia de qualidade e à diversidade de sistemas que isso produz em todo o mundo é um dos princípios. As parcerias, o compartilhamento, o diálogo e a confiança mútua no envio e na recepção de acadêmicos e profissionais, assegurando a qualidade, são algumas das características. Tais diretrizes trazem como fulcro a subsidiariedade e as parcerias. Por subsidiariedade, entende-se que, não obstante a globalização e internacionalização, a garantia de qualidade deve ser em nível nacional, assegurando a soberania para legislar e executar e, ainda, a articulação com governos para estipular as responsabilidades quanto à garantia de tal qualidade. Já as parcerias da comunidade e do governo devem buscar uma qualidade vinculada à sustentabilidade da ES, por meio de comunidades de prática de uma cultura de ES confiável (UVALIC-TRUMBIC, 2009).
Diante de tantas variáveis, que devem ser consideradas para avaliar as questões de qualidade na ES, especialmente para a aferição desta em rankings internacionais, o International Ranking Expert Group (IREG), fundado em 2004 pelo Centro Europeu de Educação Superior (UNESCO-CEPES) e pelo Instituto de Política de Educação Superior, apresenta-se como um observatório que visa propor um conjunto de princípios de qualidade e boas práticas em elaboração de rankings. Os Princípios de Berlim pregam, entre outras questões, que os rankings de IES devem:
* Ser uma entre várias, diferentes abordagens para a avaliação do ensino superior. [...]
* Rankings internacionais, em particular, devem estar atentos à possibilidade de viés e ser precisos na determinação do seu objetivo. Nem todas as nações ou sistemas compartilham os mesmos valores e crenças sobre o que constitui a “qualidade” em instituições de ensino superior, e os sistemas de classificação não devem ser concebidos para forçar essas comparações. [...]
* A escolha dos dados deve ser baseada no reconhecimento da capacidade de cada medida para representar a qualidade acadêmica e forças institucionais, e não sobre disponibilidade de dados (IREG, 2006, s.p.)2.
A tensão que permeia o debate sobre qualidade e rankings globais não é recente, tampouco de fácil equalização. Na América Latina, as conferências regionais apresentam como premissa a solidariedade e, por consequência, uma qualidade vinculada a princípios e valores humanísticos. Diferentemente, em países desenvolvidos, nota-se a priorização de qualidade ligada à produtividade e ao mundo do trabalho, em que as chamadas “universidades de classe mundial” se destacam como referência para o resto do mundo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta seção apresenta as considerações finais sobre o estudo apresentado, a partir da correlação entre a problemática, o objetivo e as constatações resultantes.
O problema aqui discutido tratou, em síntese, da mercantilização do conhecimento e seu reflexo na definição de qualidade, especialmente na ES, em que as tabelas de classificações e rankings se fortalecem a partir de critérios de produtividade.
A investigação, a partir das reflexões de estudiosos da ES e, especialmente, apoiada em fontes documentais dos organismos internacionais e em páginas da Web institucionais, atingiu o objetivo de traçar um panorama sobre a convergência entre os indicadores de internacionalização, definidos em destacados rankings globais, e os conceitos de qualidade.
Verificou-se que a reflexão sobre qualidade e rankings ultrapassa questões conceituais, o que de fato emerge é o desmerecimento da ES como bem público e de qualidade para a supremacia de uma ES em que um número limitado de IES, em sua maioria privadas, lideram e servem de exemplo de qualidade a ser seguido, em razão de seus dados quantitativos.
Do ponto de vista dos organismos multilaterais, a qualidade tem sido avaliada a partir de diferentes teorias, mas, ao fim e ao cabo, o que impera são interesses políticos e econômicos.
A garantia de qualidade no cenário do capitalismo universitário deflagra muito mais uma competição pela melhor colocação das instituições, que buscam valorizar a ES como commodity, do que propriamente alcançar um conceito determinado de “qualidade” de ensino.
As definições quantitativas de publicações e citações internacionais, entre tantos outros indicadores, respaldadas pela técnica de marketing, oferecem a ideia de sucesso de determinadas IES que, supõe-se, promovem a formação dos melhores profissionais para o mercado de trabalho.
Considerando os indicadores atuais, é impossível, pelo menos por enquanto, avaliar a qualidade da educação adequadamente para fins de comparações internacionais. Em teoria, os indicadores não refletem a qualidade na educação, uma vez que não é possível estabelecer um conceito aplicável a todas as IES, indistintamente. Há de se levar em conta como e o que os alunos aprendem, bem como a forma como eles mudam em resultado de suas experiências acadêmicas, e não apenas a produtividade (ALTBACH; HAZELKORN, 2018).
Por fim, não obstante as diferentes críticas verificadas aos rankings, as quais abarcam dúvidas em relação à credibilidade dos indicadores e modos de avaliação e os propósitos a que prestam tais ranqueamentos, fato é que se observa um movimento de aceitação, adaptação e redenção aos mais influentes rankings, de modo a tornarem-se a meta de distintas IES ao redor do mundo.