1 INTRODUÇÃO
Neste estudo, propomos descrever os trabalhos selecionados na plataforma de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (CAPES)3, como em base complementar da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)4 acerca dos estudos publicados na última década (2009-2019) sobre a formação de Professores Indígenas (PROIND) e as licenciaturas interculturais.
O foco central da pesquisa é descrever os resultados das investigações no período citado, uma vez que é de suma importância uma revisão da literatura, não só para situar a pesquisa no campo de investigação, como para melhor definição do problema. Concordamos com os estudos de Poupart, Pires, Groulx, Deslauriers e Mayer, ao enfatizarem que:
[...] é preciso ler o que os outros escreveram antes de nós; de certa forma, subir sobre seus ombros para conseguir ver mais além (...) essa prática se formula sobre uma concepção do conhecimento considerado como cumulativo, segundo a qual o progresso de um serve de ponto de partida para o outro. (POUPART et al. 2008, p. 134).
Dada a dívida histórica que o Brasil tem com os povos indígenas, partimos da necessidade de dialogar/valorizar a cultura dos povos indígenas, contrariando a perspectiva assimilacionista que nega a identidade cultural deles. Tal ideia evidencia a necessidade de pesquisas na área, partindo da identificação dos estudos relacionados à formação do PROIND, uma vez que a política educacional recente, apesar de todos os avanços da pesquisa na área, constitui um retrocesso, na medida em que tenta impor uma cultura padrão a ser seguida. Assim, acreditamos que este estudo poderá contribuir para dar “vez e voz” às investigações referentes à formação do PROIND.
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 Formação de professores Indígenas e licenciatura intercultural
A Resolução do Conselho Nacional de Educação CNE/CEB n. 5, de 22 de junho de 2012, define critérios para a formação dos professores indígenas para atender à Educação Básica Indígena de forma diferenciada e específica. Atualmente, no Brasil, uma parte dos professores das aldeias é indígena, o que gera a necessidade de identificar as ações que o currículo intercultural enfatiza na formação desses educadores ou como foram/são “preparados” para atuarem na escola/cultura dos indígenas e não indígenas.
Transitando nessas duas esferas, o professor indígena pode identificar as ferramentas ocultas da sociedade do não indígena, que tem por objetivo dominar e/ou silenciar a sua cultura. Esse olhar crítico é de suma importância para que os indígenas possam se posicionar política, social e culturalmente perante a sociedade do homem branco5, em defesa das suas raízes e crenças, sobretudo diante dos desmontes educacionais, econômicos e sociais que se anunciam na atual conjuntura brasileira.
Na perspectiva da formação do professor indígena, o currículo, a metodologia e o calendário acadêmico devem estar de acordo com as suas referências culturais. Isso porque, no momento em que o educador estiver lecionando na escola em uma aldeia, por exemplo, ele tem de estar preparado para exercer o papel de interlocutor da sua comunidade com a sociedade não indígena.
Nessa ótica, o trabalho do professor indígena parece ser mais complexo do que a do professor não indígena, diante do que está estabelecido no documento do Ministério da Educação (MEC), quando afirma que o PROIND tem “[...] a difícil responsabilidade de incentivar as novas gerações para a pesquisa dos conhecimentos tradicionais junto aos membros mais velhos de sua comunidade [...]” (BRASIL, 2002, p. 20-21).
Em conclusão, para que o professor indígena seja considerado um “bom profissional” na sua comunidade, ele tem de dominar o mínimo dos conhecimentos ditos nacionais e também os locais; conseguir realizar um diálogo intercultural entre diferentes conhecimentos, diferentes culturas, diferentes práticas e formas de compreensão do mundo.
No cenário atual, segundo Silva (1988, p. 32), os indígenas “[...] sofrem pressões, por inúmeras vias, agências e instituições, para deixarem de ser eles mesmos e para incorporarem modos de viver e pensar que negam os seus próprios”. Acreditamos que essas pressões podem ser combatidas/desconstruídas por intermédio da formação crítica e consistente do professor indígena, por meio de licenciaturas interculturais.
Aprofundar os estudos e as reflexões nessa área torna-se de fundamental importância, uma vez que um estado do conhecimento detalhado dos pressupostos teórico-metodológicos que se destacam e/ou são silenciados pode fornecer elementos importantes para futuras investigações e comprometimento ético-político com as comunidades indígenas do Brasil. Diante de tais considerações, a revisão dos estudos acerca da formação de PROIND e licenciatura intercultural é fundamental para compreender o teor da produção sobre o tema, assim como possibilitar interlocuções/contribuições “para” e “com” as futuras investigações na área.
3 METODOLOGIA
Os estudos de Marconi e Lakatos (2010, p. 142) afirmam que o levantamento de dados “[...] é um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados ao tema”.
Cumpre salientar que o levantamento de dados visa à construção do estado do conhecimento (ROMANOWSKI; ENS, 2006) referente a uma temática proposta, com o objetivo não só de situar a presente investigação no contexto das pesquisas na área, como embasar as justificativas teóricas da escolha do objeto a ser estudado.
Na tentativa de “acompanhar o movimento” (PICHETH, 2007), ou seja, descrever/caracterizar as produções na área supracitada, utilizamos a abordagem quanti-quali (mista) com fundamentação teórica nos estudos de Sampieri (2010, p. 532). Para o autor, não se trata de “substituir a pesquisa quantitativa ou a pesquisa qualitativa, mas usar os pontos fortes dos dois tipos de investigação, combinando-os e tentando minimizar suas possíveis fraquezas”.
O mapeamento das produções do conhecimento sobre as temáticas em todo o território brasileiro foi realizado usando os descritores “formação de professores indígenas” e “licenciatura intercultural”, no período de 2009 a 2019. A consulta feita à plataforma CAPES e à base de dados BDTD utilizou para seleção alguns filtros: delimitação de ano, aspas, operadores booleanos (AND), dentre outros, na data de 25 de março de 2020.
A seguir, apresentaremos a descrição dos dados, ou seja, as pesquisas sobre “formação de professores indígenas” e “licenciatura intercultural” na última década.
4 DESCRIÇÃO DOS DADOS
4.1 O que revelam os estudos sobre formação de professores indígenas e licenciatura intercultural? A produção científica da última década
Apresentamos os dados quantitativos das pesquisas realizadas sob a forma de dissertações (Di) e teses (Te), na BDTD e CAPES, em relação à “formação de professores indígenas” e “licenciatura intercultural”. É essencial enfatizarmos que alguns estudos tiveram duplicidade na CAPES e na BDTD. Na BDTD, encontramos 86 trabalhos, 15 dos quais tinham duplicidade com as pesquisas encontradas na CAPES. Assim, esses trabalhos foram contabilizados somente na CAPES. A seguir, a Tabela 1 apresenta os trabalhos encontrados nas duas bases pesquisadas.
Frequência / Descritores |
CAPES | BDTD | T | % | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Di | Te | F | % | Di | Te | F | % | |||
Formação de professores indígenas | 81 | 33 | 114 | 48 | 24 | 20 | 44 | 18 | 58 | 66 |
Licenciatura intercultural | 39 | 17 | 56 | 23 | 16 | 11 | 27 | 11 | 83 | 34 |
Total | 120 | 50 | 170 | 71 | 40 | 31 | 71 | 29 | 241 | 100 |
N = 241 |
Fonte: os autores, 2020.
Com base na Tabela 1, ao compararmos o quantitativo de teses e dissertações, observamos um distanciamento relevante do número de trabalhos, conforme os níveis de produção das pesquisas, dado que a maior parte dos estudos é de dissertações de mestrado, 160 (66,3%), e 81 são teses de doutorado, o que corresponde a 33,7% do total.
O levantamento dos dados das produções de 2009 a 2019 possibilitou também analisar a frequência por regiões do Brasil, como veremos a seguir, no Gráfico 1, bem como o mapeamento das instituições de cada região que produziram os estudos sobre a formação de PROIND e o curso intercultural, especificados, respectivamente, na Tabela 2:
Região Centro-Oeste | |||
---|---|---|---|
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) | 18 | - | 18 |
Universidade Federal de Goiás (UFG) | 8 | 10 | 18 |
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) | 6 | 11 | 17 |
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) | 11 | 1 | 12 |
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) | 4 | 3 | 7 |
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) | - | 2 | 2 |
Universidade de Brasília (UNB) | 1 | - | 1 |
Subtotal por região | 48 | 27 | 75 (31%) |
Região Sudeste | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) | 7 | 4 | 11 |
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) | 8 | 2 | 10 |
Universidade de São Paulo (USP) | 6 | 3 | 9 |
Universidade Estadual Paulista (UNESP) | 5 | 2 | 7 |
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) | 6 | - | 6 |
Região Sudeste | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Federal de São Carlos (USFCAR) | 2 | 2 | 4 |
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) | 2 | 1 | 3 |
Faculdade Unida de Vitória (UNIDA) | 2 | - | 2 |
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) | - | 2 | 2 |
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) | 1 | - | 1 |
Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) | 1 | - | 1 |
Centro Universitário Fieo (UNIFIEO) | 1 | - | 1 |
Fundação João Pinheiro (FJP) | 1 | - | 1 |
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS) | 1 | - | 1 |
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) | 1 | - | 1 |
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALE) | 1 | - | 1 |
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) | - | 1 | 1 |
ANHANGUERA - São Paulo | 1 | - | 1 |
Subtotal por região | 46 | 17 | 63 (26%) |
Região Norte | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) | 14 | 11 | 25 |
Universidade Federal do Pará (UFPA) | 5 | 2 | 7 |
Universidade Federal de Roraima (UFRR) | 5 | 2 | 7 |
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) | 3 | 1 | 4 |
Subtotal por região | 27 | 16 | 43 (18 %) |
Região Sul | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) | 2 | 6 | 8 |
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) | 3 | 2 | 5 |
Universidade Regional de Blumenau (FURB) | 2 | 2 | 4 |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) | 4 | - | 4 |
Universidade Estadual de Maringá (UEM) | 3 | - | 3 |
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) | 3 | - | 3 |
Região Sul | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC - RS) | 1 | 2 | 3 |
Universidade do Vale do Taquari (FUVATES) | 2 | - | 2 |
Universidade Federal do Paraná (UFPR) | 2 | - | 2 |
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) | 2 | - | 2 |
Região Sul | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) | 2 | - | 2 |
Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES) | 1 | - | 1 |
Universidade La Salle | 1 | - | 1 |
Faculdade Teológica Sul Americana | 1 | - | 1 |
Subtotal por região | 29 | 12 | 41 (17%) |
Região Nordeste | |||
Universidade/sigla | Frequência de trabalhos produzidos | ||
Formação de Professores Indígenas | licenciatura intercultural | Total e Porcentagem | |
Universidade Federal da Bahia (UFBA) | 5 | 1 | 6 |
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) | - | 4 | 4 |
Universidade Federal de Sergipe (UFS) | 4 | - | 4 |
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) | - | 2 | 2 |
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) | 2 | - | 2 |
Universidade Federal do Tocantins (UFT) | 1 | - | 1 |
Universidade Estadual do Ceará (UECE) | - | 1 | 1 |
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) | - | 1 | 1 |
Subtotal por região | 12 | 9 | 21 (8%) |
Total geral das cinco regiões | 243 (100%) |
Legenda: N=243
Fonte: Os autores, 2020.
Podemos observar, a partir do Gráfico 1 e do detalhamento apresentado na Tabela 3, que a região Centro-Oeste lidera o ranking com 75 pesquisas, ficando em primeiro lugar entre as cinco regiões do Brasil. É essencial destacar a contribuição da UCDB e UFG, com 18 estudos cada uma.
Em segundo lugar, destaca-se a região Sudeste, com 63 estudos acerca da temática. Ressaltamos os esforços da PUC-SP, que contabilizou 11 estudos na área. Na terceira colocação, encontra-se a região Norte, com 43 estudos, dos quais 25 foram realizados na UFAM. Em quarto lugar, a região Sul, com 41 pesquisas, em que a UFSC lidera, com oito estudos. A região que teve menor número de pesquisas foi o Nordeste, com 21 trabalhos, com destaque para os seis estudos produzidos na UFBA.
Os dados na Tabela 3 permitem observar uma desproporcionalidade na frequência das pesquisas acadêmicas brasileiras por regiões, apontando uma concentração maior nas universidades e nos programas de pós-graduação das regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Duas hipóteses para explicar esses dados podem estar atreladas aos seguintes fatos: a) universidades estão territorialmente mais próximas dos povos indígenas e os programas adotam temas regionais nas suas respectivas linhas de pesquisa, como a UCDB, por exemplo. Aguilera Urquiza (2014, p. 143) sublinha que, no país, o estado de MS lidera “[...] o ranking de possuir a maior quantidade de acadêmicos/as indígenas nas Instituições de Ensino Superior [...]”. Este dado é revelador dos investimentos nas políticas educacionais para o Ensino Superior em MS, o que também pode explicar a quantidade de pesquisas desenvolvidas na área; b) a região Sudeste conta com um quantitativo maior de universidades, bem como concentra as maiores universidades do Brasil; além disso, elas têm programas de bolsas, que possibilitam a mestrandos e doutorandos de outras regiões procurarem a USP, por exemplo.
Reportando-nos aos dados analisados, enquadramos nosso estudo na formação de PROIND, na perspectiva de compreender os subsídios teórico-práticos da formação de professores dos anos finais do Ensino Fundamental, em um curso intercultural. Para isso, objetivamos apresentar a descrição dos estudos que foram desenvolvidos neste espaço-tempo, com o propósito de levantar/diagnosticar os objetivos, o problema, os caminhos metodológicos, resultados e considerações dos pesquisadores.
A seguir, descrevemos os estudos sobre formação de PROIND e licenciatura intercultural, usando como critério de inclusão a formação inicial ou licenciaturas que formam professores para trabalhar nos anos finais do Ensino Fundamental. Assim, de 160 estudos analisados, sobre formação de PROIND, selecionamos 15 trabalhos. Dos 83 estudos sobre “Licenciatura intercultural”, seis foram selecionados.
4. 2 O que revelam as pesquisas sobre “formação de professores indígenas”?
Esta seção objetiva descrever os estudos que dizem respeito à “formação de professores indígenas”, bem como identificar as temáticas que são enfatizadas pelas investigações.
Título | Autor | Orientador | Instituição | Nível | Ano |
---|---|---|---|---|---|
1. Formação de professores indígenas: o projeto do curso normal superior indígena da Universidade Estadual de Mato grosso do Sul - unidade de Amambai - MS (2003-2006) | A. S. Rosendo | Mancini | UFGD | D | 2010 |
2. Formação superior de professores indígenas de matemática em Mato Grosso do Sul: acesso, permanência e desistência | H. A. S. Leme | Ambrosio | USP | T | 2010 |
3. Formação de professores indígenas em Rondônia: a interculturalidade e seus desafios | A. D. A. Y. Orellana | Bittencourt | PUC-SP | D | 2011 |
4. Licenciatura específica para formação de professores indígenas/turma Mura: um balanço dos dois primeiros anos do curso à luz das expectativas dos alunos | F. de F. Pinto | Silva | UFAM | D | 2011 |
5. Professores indígenas Maxakali e a prática em suas aldeias: mudanças e entraves | J. D. de Sousa | Alvim | UFJF | D | 2013 |
6. A formação de professores indígenas e o contexto sociocultural da microcomunidade de Santa Rosa do Oco’y' | E. S. D. Kastelic | Paraquett | UFBA | T | 2014 |
7. Formação específica dos professores indígenas Krikati e a prática pedagógica bilíngue | A. de L. L. Dias | Freitas | FUVATES | D | 2015 |
8. Identidade docente e formação de professores Macuxi: do imaginário negativo à afirmação identitária na contemporaneidade | J. V. dos Santos | Weigel | UFAM | T | 2015 |
9. Temos que ajuntar oconhecimento: professores indígenas e interculturalidade | Da. R. S. Pereira | Ferraz | UFG |
D | 2015 |
10. Professores indígenas e educação superior: traduções e negociações na escola indígena Ñandejara da aldeia Te’ýikue, Caarapó/MS | V. Ap. M. de O. Calderoni | Nascimento | UCDB | T | 2016 |
11. A formação de professores indígenas na Universidade do Estado do Amazonas: avanços e desafios | C. A. Bettiol | Leite | UNESP | T | 2017 |
12. Licenciatura intercultural indígena da UEPA: saberes matemáticos e prática pedagógica | A. da S. Lima |
Filho | UFPA | D | 2017 |
13. A formação inicial de professores para a docência nas escolas indígenas: o pibid-diversidade na UEM-PR | R. de C. Alves | Faustino | UEM | D | 2017 |
14. Percursos e histórias sobre a formação de professores na licenciatura intercultural indígena “povos do pantanal” na UFMS | V. S. Bondarczuk | Pinto | UFMS | D | 2018 |
15. Formação de docentes indígenas: interculturalidade e prática docente Mura | E. F. dos Santos | Weigel | UFAM | T | 2018 |
Fonte: os autores, 2020.
Rosendo (2010) analisou o processo de implantação e suspensão do Curso Normal Superior Indígena da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Discutiu as propostas para a formação específica de PROIND nos documentos oficiais, analisando o perfil de professor e o tipo de formação. O estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental, a partir da análise de documentos oficiais, acompanhado dos depoimentos dos personagens do processo. Ficou evidenciado que a proposta do Curso Normal Superior Indígena, efetivada pela UEMS, contribuiu de alguma forma para a formação dos PROIND - desenvolvendo um trabalho pedagógico diferenciado, com competência e criticidade diante dos desafios propostos pelos contextos das escolas indígenas.
Leme (2010) investigou a formação superior de PROIND em Matemática no estado de Mato Grosso do Sul, MS, especificando suas motivações, suas maiores dificuldades e razões para sua desistência. A abordagem foi qualitativa, com aplicação de questionários aos graduandos indígenas de diferentes instituições de Ensino Superior do estado, criação de um grupo de estudos com graduandos (iniciantes) e realização de entrevistas com os desistentes do curso. A autora concluiu que os estudantes indígenas escolhem a licenciatura em Matemática porque é um curso que oferece possibilidade de trabalho nas escolas das aldeias e pela preocupação em, depois de formado, poder ensinar uma matemática mais contextualizada.
Orellana (2011) objetivou identificar como o Projeto Açaí6 trabalhou com a interculturalidade no processo de formação de PROIND, considerando os diferentes participantes envolvidos no processo. Investigou o processo de elaboração do projeto e a efetivação do currículo, bem como realizou a análise da interculturalidade e suas condições em desenvolver práticas interculturais. Os resultados apontaram que esse curso só foi realizado devido à demanda do próprio movimento indígena e indigenista e que, de certa forma, as políticas públicas de Rondônia estão sendo pressionadas pelo MEC, uma vez que é o governo federal que repassa as verbas para os governos estaduais executarem os cursos de formação.
Pinto (2011) analisou o curso de Licenciatura Específica para Formação de PROIND/Turma Mura - Amazonas, com base no depoimento dos alunos, o grau de atendimento das expectativas iniciais por eles formuladas no momento de elaboração do curso. A partir dos olhares dos graduandos Mura, o estudo constatou que o Curso de Licenciatura tem, em grande parte, atendido satisfatoriamente às expectativas dos universitários.
Sousa (2013) analisou a política de formação de PROIND, no nível de magistério, em Minas Gerais. O estudo foi desenvolvido em escolas estaduais indígenas, tomando como base a análise do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e entrevistas com professores indígenas, não indígenas e técnicos. Nas considerações finais, apontou a necessidade urgente de mudanças na estrutura dos cursos de formação ofertados pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, com vistas a atender os Maxakali que, até então, não têm um PPP gestado dentro da comunidade indígena, bem como a adequação dos materiais didáticos a esse povo que alfabetiza as suas crianças na Língua Maxakali.
Kastelic (2014) objetivou verificar se o magistério indígena oferecido pelo estado do Paraná contempla, em sua organização curricular, elementos que contribuam para suprir as necessidades socioculturais dos PROIND em formação. Com base em entrevistas com professores Avá-Guarani, concluiu que a formação de PROIND sofre constantemente com medidas políticas que ora fazem esse processo - interculturalidade - avançar, ora retroceder. Tais medidas estão relacionadas a uma conquista processual, marcadas pelos conflitos instalados entre indígenas e não indígenas nos cenários plurilinguísticos e pluriculturais das sociedades que os envolvem.
Dias (2015) investigou as contribuições da formação inicial específica dos professores Krikati - Maranhão -, na prática pedagógica bilíngue, envolvendo quatro professores e um idoso. Como resultados, destacam-se o aprendizado da escrita materna dos professores a partir da formação e a escolha dessa para alfabetização dos alunos Krikati. Os resultados apontaram que a construção de uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural e bilíngue passa pela formação dos professores.
Santos (2015), tomando como objeto os graduados no curso de Licenciatura Intercultural, com habilitação em Ciências Sociais, em Roraima, objetivou entender como esses participantes relacionam sua identidade étnica à sua identidade profissional. O autor apontou que as experiências realizadas no curso de formação inicial de PROIND da etnia Macuxi possibilitam refletir sobre a importância das Ciências Sociais como área do conhecimento que objetiva interdisciplinarizar os debates, na busca de entender as funções, os sistemas e as estruturas das sociedades.
Pereira (2015) analisou como os estudantes indígenas do Núcleo Takinahakỹ, - Goiás, pensam o conceito de interculturalidade, a fim de compreender o modo particular e criativo de apropriação e operacionalização da educação intercultural para suas comunidades. A autora buscou identificar quais as principais mudanças e dificuldades, na visão do professor indígena, para a prática deste princípio nas escolas. Para ela, a pesquisa permitiu evidenciar que a interculturalidade para os PROIND é uma prática, uma ação, e, conforme o pensamento e a realidade dos PROIND mudam, as escolas também podem mudar.
Calderoni (2016) analisou os processos de tradução e/ou negociação entre os saberes tradicionais e os saberes ocidentais produzidos pelos professores Guarani e Kaiowá, formados em nível superior. Com uma abordagem qualitativa, na perspectiva decolonial, teve como objeto de estudo a escola indígena Ñandejara - MS. Constatou que, em alguns momentos, as práticas pedagógicas acabam sendo reguladas por normatizações do sistema escolar, mas, em outros, o fazer Guarani e Kaiowá traça parâmetros epistemológicos “outros”, pautado por pedagogia própria, que faz com que a tradução e negociação entre os saberes aconteça.
Bettiol (2017) objetivou compreender a proposta dos cursos de formação para PROIND ofertados pela UFAM no Território Etnoeducacional Alto Solimões. A pesquisa, de abordagem qualitativa, adotou entrevistas narrativas com egressos e acadêmicos deste curso, entrevistas semiestruturadas com professores e membros da coordenação. A autora concluiu que, apesar de indicar desafios, a proposta formativa e o estágio como sua parte integrante estão pautados numa concepção crítico-reflexiva e têm contribuído significativamente para a afirmação da identidade dos PROIND como interlocutores interculturais de seus povos e para consolidação da educação escolar indígena, na qual esses participantes estão inseridos.
Santos (2018) investigou a correlação entre a dimensão intercultural da formação inicial e a dimensão intercultural da prática pedagógica de docentes indígenas na escola, a partir da experiência do Curso de Licenciatura Formação de Professores Indígenas da UFAM. A pesquisa foi realizada a partir de análise documental, observação da prática pedagógica em duas escolas indígenas Mura - Amazonas - e entrevistas semiestruturadas com docentes Mura, bem como docentes da UFAM que atuaram no curso (turma Mura). O resultado apontou uma correlação entre a dimensão intercultural da formação docente e a dimensão intercultural da prática pedagógica de docentes indígenas na escola. Tal prática se caracteriza como intercultural pela forma como os docentes Mura articulam os conhecimentos da cultura Mura com conhecimentos de outras sociedades.
Lima (2017) realizou um estudo comparativo entre a formação inicial de PROIND e suas práticas pedagógicas em matemática, considerando a intersecção de saberes escolares e indígenas, na escola Pàrkatêjê e Kýikatêjê - Pará. A pesquisa, de cunho qualitativo, é referendada no estudo de caso. Nas considerações finais, o autor destaca que um dos esforços do professor indígena consiste em ajudar o aluno a aprender, sendo de suma importância rever a prática docente no contexto da ordenação do sistema educativo.
Alves (2017) analisou o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência para a Diversidade (PIBID-Diversidade) da UEM - Maringá, PR -, visando compreender quais as implicações desse para a formação inicial dos acadêmicos indígenas que o integraram. A autora realizou estudo bibliográfico, documental e de campo. Ao final, ficou evidenciado que as licenciaturas frequentadas pelos estudantes não apresentam estudos, discussões e análises intrínsecas à educação escolar indígena. Observou, ainda, que o PIBID-Diversidade possibilitou estudos, vivências e ações educativas sobre tal temática, havendo uma melhor formação para os estudantes indígenas participantes.
Bondarczuk (2018) teve como objetivo analisar o curso de Licenciatura Intercultural Indígena “Povos do Pantanal” (PROLIND) da UFMS. Com base nos recursos da história oral, o estudo evidenciou que a criação de tal curso trouxe ganhos sociais e culturais, tanto para a Universidade quanto para os povos indígenas. O autor apontou a necessidade de que o curso fosse implantado de forma permanente e regular, ou ainda que outros cursos fossem oferecidos além da licenciatura, de forma a atender a outras necessidades dos “Povos do Pantanal”, com a criação de uma Faculdade Indígena.
Em síntese, este levantamento mostra que os temas mais investigados têm relação com a Interculturalidade, a Matemática, os conhecimentos tradicionais e os conhecimentos científicos, todos eles preocupados com a viabilidade do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) com a realidade dos estudantes indígenas. Tais pesquisas são de suma importância para fazer “ecoar as vozes” dos participantes das investigações ora relatadas.
Enfatizamos que, embora, o descritor fora “formação de professores indígenas”, ou seja, um descritor “geral”, encontramos trabalhos que abordavam conteúdos de ensino, especificamente, sobre a Matemática. Destes, a ênfase maior é na formação inicial de professores que ensinarão Matemática nas aldeias, com a preocupação em conciliar/conectar os conhecimentos matemáticos indígenas com os escolares, sem que exista uma hierarquização entre eles.
4.3 O que revelam os estudos sobre “licenciatura intercultural”?
Nesta seção, reunimos pesquisas que envolvem estudos com a temática licenciatura intercultural, com o objetivo de levantar dados que possam contribuir para a ampliação da área pesquisada.
Título | Autor | Orientador | Instituição | Nível | Ano |
---|---|---|---|---|---|
1. Práticas vivenciadas na constituição de um curso de licenciatura indígena em matemática para as comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul | M. Ap. M. de Oliveira | Mendes | UFMS | D | 2009 |
2. Tensões entre ciência e conhecimento t’radicional na construção do currículo de formação superior indígena: o caso da licenciatura intercultural Teko Arandu | J. do N. Leal | Monteiro | UFRRJ | D | 2012 |
3. Análise crítica das ações pedagógicas dos professores Apyãwa/Tapirapé graduandos do curso de licenciatura intercultural da Universidade Federal de Goiás | R. R. Santos | Ferreira | UFG | D | 2012 |
4. Licenciatura intercultural indígena no Centro Acadêmico do Agreste da UFPE: uma visão do egresso do curso 2009-2012 | L. M. B. de Medeiros | Lubambo | UFPE | D | 2014 |
5. Educação em direitos humanos e interculturalidade: o curso de licenciatura intercultural indígena Teko Arandu da UFGD | F. R. C. Caldas | Faisting | UFGD | D | 2016 |
6. Interculturalidade no currículo da formação de professoras e professores indígenas no programa de educação intercultural da UFPE/CAA - curso de licenciatura intercultural | E. A. de Almeida | Silva | UFPE | T | 2017 |
Fonte: Os autores, 2020.
Oliveira (2009) objetivou refletir sobre as relações entre saberes (matemáticos) de diferentes origens, provenientes das práticas culturais de um grupo étnico e do mundo acadêmico e escolar, no processo de formação inicial de PROIND. Examinou, ainda, a formação continuada, a partir de sua inserção nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio em escolas indígenas de suas comunidades. Com base na fala de professores Guarani e Kaiowá, em MS, egressos do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFGD, concluiu que as falas desses profissionais da educação revelam tensionamentos produzidos nessas relações e colocam em questionamento a lógica de hierarquização entre os saberes presentes no modelo de colonialidade.
Leal (2012) verificou se acontece o diálogo das diferenças no currículo do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu, da UFGD, e as possíveis tensões produzidas pelo encontro de diferentes conhecimentos - científicos, ditos “legítimos”, universais, e os conhecimentos tradicionais indígenas, particulares. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com professores, coordenador e estudantes do curso, análise documental e análise bibliográfica. A autora concluiu que tais cursos desconstroem a cultura e a identidade escolar construídas há tantos séculos pelo projeto modernizador, o qual visa impor padrões eurocêntricos nos currículos.
Santos (2012) buscou compreender a educação escolar do povo Apyãwa/Tapirapé a partir da formação do curso de Licenciatura Intercultural da UFG, utilizando a pesquisa qualitativa do tipo etnográfico. Realizou a análise dos cadernos de estágio de 15 professores/graduandos, observação participante, registro no diário de campo, gravação de vídeos e entrevistas. Evidenciou uma valorização dos costumes tradicionais do povo com o intuito de revitalizá-los, promovendo o fortalecimento da cultura por meio de ações pedagógicas.
Medeiros (2014) fez um levantamento das opiniões dos egressos do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena - Pernambuco - sobre a proposta do curso de formar educadores reflexivos a respeito de suas práticas, por meio do desenvolvimento de certas competências, atitudes e habilidades. O percurso analítico focou no PPP e na composição de um quadro de opiniões dos egressos em relação ao curso, com base em documentos, questionários e entrevistas. Foi apontado um PPP alicerçado nas demandas e necessidades da comunidade indígena. Contudo, ficou clara a lacuna na formação dos licenciados como agentes de transformação das práticas de ensino nas escolas de sua comunidade.
Caldas (2016) objetivou compreender em que medida o curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu da UFGD atende aos requisitos de uma proposta de educação intercultural que contribui para o fortalecimento e para promoção dos direitos humanos dos povos indígenas. Baseando-se na análise de documentos e entrevistas com docentes e estudantes do curso, o autor concluiu que o curso promove uma educação intercultural, uma vez que proporciona o diálogo entre as culturas não indígenas e indígenas Guarani e Kaiowá, valorizando a última.
Almeida (2017) buscou compreender a interculturalidade no primeiro curso de formação para PROIND oferecido pelo Centro Acadêmico do Agreste (CAA) na UFPE, analisando a interculturalidade presente no currículo de tal curso. Os dados foram produzidos por meio da análise de documentos do MEC e da UFPE, e a pesquisa de campo foi baseada em grupo focal com os estudantes Xukuru egressos do curso supracitado. A autora conclui que, nos documentos analisados, a interculturalidade foi utilizada como um termo polissêmico e polivocal, ora sendo apresentado como funcional, ora na perspectiva crítica. No que diz respeito às falas dos estudantes, identifica-se uma distância no que anuncia o PPC/UFPE/CAA e a sua realização na prática. Além disso, as falas dos estudantes indicam outra perspectiva de interculturalidade.
Os estudos desta seção sublinham aspectos ligados à necessidade de valorização dos conhecimentos indígenas ao serem comparados com os conhecimentos “científicos”, conforme já anunciado nos resultados da pesquisa de Oliveira (2009), que apontou a existência de uma hierarquia educacional, marcada pela subordinação dos conhecimentos tradicionais indígenas. Ressaltamos que, das seis (100%) pesquisas ora descritas, três (50%) delas tratam de estudos desenvolvidos na UFGD, o que coloca o estado de MS em destaque, uma vez que produziu quantidade significativa de estudos acerca da temática indígena, mais especificamente, sobre a “licenciatura intercultural”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE REVELAM AS PESQUISAS?
Na tentativa de responder à questão “mola propulsora” deste estudo, destacamos o que revelam as pesquisas ora descritas, tendo como resultado maior frequência às investigações que abarcam temáticas relacionadas a: saberes tradicionais e conhecimento escolar; Matemática; interculturalidade; história dos povos indígenas; implementação de curso intercultural; depoimento de coordenadores, professores, licenciandos e egressos sobre os modos de produção e hierarquia dos conhecimentos ditos “científicos” sobre os conhecimentos tradicionais indígenas; políticas públicas acerca da formação de PROIND; currículo intercultural com foco na realidade; relação teoria e prática e oficinas de estudo.
Acreditamos que a construção do estado do conhecimento acerca da temática contribui, sobremaneira, “para” e “com” o aprimoramento de futuras reflexões para outros pesquisadores interessados na temática: a formação de PROIND.
Constatamos, portanto, ser de suma importância empreender mais pesquisas e reflexões sobre a formação de PROIND, uma vez que este estudo não tem a pretensão de esgotar as discussões, mas sim contribuir com a visibilidade das pesquisas, dos autores, bem como das universidades que estão desenvolvendo estudos acerca dos povos indígenas, mais especificamente, sobre a formação de PROIND. Com tal ação, acreditamos estar “lutando/divulgando” a necessidade de investimentos em políticas educacionais que visem à autonomia e valorização dos povos indígenas, em consonância com a conscientização da população “para” e “com” o respeito à diversidade étnico-racial dos povos indígenas, principalmente se levarmos em consideração a atual conjuntura política do Brasil.