1 INTRODUÇÃO
O artigo discute efeitos produzidos pela implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em escolas da rede privada de um município gaúcho. Em especial, reflete sobre as formas de ser docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando a BNCC passou a ser instituída nas referidas instituições. As bases teóricas encontram-se nos estudos foucaultianos. A parte empírica envolveu entrevistas que foram desenvolvidas, ao longo de 2021, com dez educadoras, sobre suas concepções a respeito da BNCC e seus impactos na docência.
Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação em dezembro de 2018, a BNCC é posicionada como um documento normativo “[...] que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2018, p. 7). Sua implementação, obrigatória a partir do ano de 2020, tornou-se referência nacional para a formulação dos currículos nos sistemas e nas redes escolares dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O texto que apresenta a Base é construído a partir de competências gerais e organizado em Unidades Temáticas, Objetos de Conhecimento e Habilidades. De forma mais específica, o documento define os conteúdos que deverão ser trabalhados nas seguintes áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso, com foco nas habilidades que tornem os alunos competentes para viverem no mundo contemporâneo.
Com o intuito de justificar a relevância da implementação de uma Base Nacional, afirma-se que o cenário mundial demanda um novo tipo de indivíduo, capaz de ser criativo, participativo, resiliente, produtivo e responsável. Também, destaca-se a importância de formar estudantes que atuem com discernimento e responsabilidade nos contextos digitais, que apliquem conhecimentos para resolver problemas, que tenham autonomia para tomar decisões, que sejam proativos e que convivam com as diferenças e as diversidades (BRASIL, 2018). O texto aponta para as desigualdades educacionais em relação ao acesso e à permanência dos alunos na escola e ao seu aprendizado, algo não superado ao longo da história, mas que, a partir da BNCC, deve ser levado em conta na construção dos currículos, buscando a equidade (BRASIL, 2018).
A BNCC refere ainda que, para o sucesso do programa, precisa-se de um outro sujeito professor. No documento, de aproximadamente 500 páginas, essa formação é citada de forma breve e abrangente, por meio da ação de “[...] criar e disponibilizar materiais de orientação para professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem” (BRASIL, 2018, p. 17). Ao examinarmos atentamente a Base, percebemos que essas políticas vêm disputando a alma do professor e produzindo novas subjetividades profissionais, como este estudo buscou investigar.
Com o intuito de realizar uma pesquisa sobre os efeitos da implementação da BNCC na docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de escolas privadas de um município gaúcho, um dos primeiros passos envolveu uma ampla revisão de literatura. Esse exercício nos possibilitou encontrar investigações como as de Silva (2020), Barbieri (2019), Ciervo (2019) e Fonseca (2018), que abordam reflexões de professores e gestores sobre a implementação da BNCC. Mesmo realizadas em tempos e espaços diferentes, os estudos mostram que a Base se constitui em um mecanismo de regulação da população, potencializando o empresariamento da escola, a precarização da educação e a verticalização do ensino. Não encontramos trabalhos sobre os efeitos da implementação da BNCC na docência dos anos iniciais de escolas privadas a partir do pensamento de Michel Foucault, o que pode ser uma das contribuições de nossa pesquisa para o debate educacional.
Em termos teóricos, a investigação sustentou-se no conceito-ferramenta da governamentalidade, como discutido por Foucault. Veiga-Neto (2013, p. 22) destaca que esse termo é usado por Foucault “[...] para designar aquilo que se pode chamar de objeto de estudo dos diferentes modos de exercer o governamento, ou seja, as diferentes maneiras pelas quais cada um governa a si mesmo e aos outros”. O filósofo introduziu essa noção quando publicou sua série de conferências na obra “Segurança, território e população”, em 1978. Especificamente, na aula de 1º de fevereiro de 1978, Foucault (2008) propõe-se a pensar sobre as práticas de governo (governo de si, governo das almas, governo dos outros) e de que forma um governo encontra seus fins nas coisas a governar.
Ao longo desta reflexão, Foucault (2008) refere-se a um tipo de poder diferente do soberano que usa a obediência das leis para governar. Ao contrário, esse poder preocupa-se em dispor das coisas, utilizando táticas para agir de modo que esta ou aquela finalidade seja alcançada:
[...] a finalidade do governo está nas coisas que ele dirige, ela deve ser buscada na perfeição, na maximização ou na intensificação dos processos que ela dirige, e os instrumentos do governo, em vez de serem leis, vão ser diversas táticas. (FOUCAULT, 2008, p. 132).
De acordo com o filósofo, o instrumento que o governo utiliza para governar a população é ela mesma, agindo sobre ela por meio de táticas que conduzem suas condutas, passando a ser o fim e o instrumento do governo. É a partir dessas reflexões que o filósofo cunha o termo “governamentalidade”, para designar:
[...] o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer esta forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem o alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política, e por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. (FOUCAULT, 2008, p. 143).
Estudos de Veiga-Neto (2005, 2013) são vetores relevantes quando problematizam as transformações que os estudos foucaultianos operam na educação escolarizada, principalmente aqueles relacionados às relações de poder e saber. O autor aponta que é com base em Foucault que podemos compreender a escola “[...] como uma eficiente dobradiça, capaz de articular os poderes que aí circulam com os saberes que a enformam e aí se ensinam, sejam eles pedagógicos ou não” (VEIGA-NETO, 2005, p. 17-18). Para o autor, uma questão que lhe parece importante é compreendermos os modos pelos quais somos governados e também os espaços em que se dão tais governamentos, destacando que, no registro foucaultiano, o que importa não é o que nos tornamos, mas sim como chegamos a ser o que somos (VEIGA-NETO, 2013).
Ainda que não seja condição suficiente, saber como nos governam, como nos governamos e como governamos os outros é condição necessária para qualquer ação política que pretenda colocar minimamente sob suspeita aquilo que estão fazendo de nós, aquilo que nós estamos fazendo de nós mesmos e aquilo que fazemos com os outros. Justamente num mundo em constantes transformações, tudo isso se torna mais difícil e perturbador. (VEIGA-NETO, 2013, p. 21-22).
Seguindo as reflexões de Veiga-Neto (2013), sentimo-nos mobilizadas para compreender, mesmo de forma parcial e pontual, o que a implementação da BNCC em escolas privadas de um município gaúcho “está fazendo com os professores”. Nesta direção, nós nos apoiamos em Miller e Rose (2012), que, ao refletirem sobre as formas contemporâneas da governamentalidade, preocupam-se em examinar não as subjetividades constituídas, mas as tecnologias dessas subjetividades; ou seja, os métodos, os alvos, as técnicas e os critérios que estão em jogo quando os indivíduos buscam dominar, conduzir e aprimorar aos outros e a si mesmos.
Ao longo de sua argumentação, Miller e Rose (2012) defendem que o governo de uma população, de uma família, de uma criança ou até de si mesmo somente é possível por intermédio de mecanismos discursivos que representam o domínio a ser governado. Afirmam que, para compreender as formas de governo modernas, é preciso prestar atenção não somente em grandes esquemas políticos, mas em mecanismos aparentemente banais e humildes que se infiltram em discursos contemporâneos.
Se, na primeira metade do século XX, a racionalidade política estabeleceu que o indivíduo deveria ser integrado na sociedade com necessidades sociais, na qual ambos (indivíduo e sociedade) tinham reivindicações, buscando a segurança, o bem-estar, o contentamento e a solidariedade, três décadas depois, em meados de 1980, houve um deslocamento decisivo dessas racionalidades políticas (MILLER; ROSE, 2012). O discurso que então passou a operar foi o da liberdade individual, da escolha pessoal entre uma variedade de opções, de modo que a vida passou a ser governada pelas escolhas que os consumidores faziam, reduzindo a dependência, incentivando a competitividade e estimulando o empreendedorismo individual. Essa liberdade de escolha fez com que os indivíduos se sentissem atores econômicos e sociais, buscando investir em si mesmos, produzindo crescimento econômico, empreendimento exitoso e felicidade pessoal completa (MILLER; ROSE, 2012). Dessa forma, neste jogo da vida contemporânea, ou estamos dentro e buscamos as melhores cartas, ou estamos fora e tornamo-nos indivíduos fracassados.
Nessa direção, Carvalho (2020) afirma que nossa forma de vida contemporânea, marcada pelos ideais neoliberais, funciona como a arte de governar e, para tanto, utiliza a linguagem como estratégia de formação subjetiva, com vistas à manutenção do próprio sistema neoliberal. O autor defende que o neoliberalismo é uma arte contemporânea que busca produzir e governar subjetividades precárias, as quais, por sua vez, funcionam com respostas adaptativas às demandas neoliberais, resultando na precarização existencial. Destarte, a educação passa a ser indispensável a esse processo e precisa ser subjetivada como precária, desatualizada e fadada ao fracasso, caso não sofra profundas mudanças, as quais responderão às demandas do neoliberalismo. Tal subjetivação, garantida pelo dispositivo de segurança, busca sem cessar novos elementos e tecnologias de poder, abarcando todas as formas de relações humanas, para garantir a manutenção da lógica do mercado, controlando, assim, o modo de ser e agir de populações inteiras.
Desse modo, compreendemos que a Base Nacional Comum Curricular representa uma estratégia de governamento, a qual lança mão de discursos que incitam a precarização do ensino e do professor, para invisibilizar um modo de ser docente e produzir outro, resiliente e adaptativo às metas da economia global. Para acrescentar, Ball (2004, p. 1116) aponta para a grande preocupação dos reformadores pela constituição desse novo modo de ser professor, argumentado que:
[...] facilita o papel do Estado, que ‘governa a distância’ - ‘governando sem governo’. Ela permite que o Estado se insira profundamente nas culturas, práticas e subjetividade das instituições do setor público e de seus trabalhadores, sem parecer fazê-lo. [...] os discursos da responsabilidade (accountability), da melhoria, da qualidade e da eficiência que circundam e acompanham essas objetivações tornam as práticas existentes frágeis e indefensáveis - a mudança torna-se inevitável e irresistível, mais particularmente quando os incentivos estão vinculados a medidas de desempenho.
A pesquisa materializada na escrita deste artigo transita por campos teóricos que até aqui apresentamos. Essas discussões tiveram a intenção de evidenciar como a governamentalidade e o neoliberalismo operam sobre nossas formas de ser e estar no mundo, em especial, nos modos de ser docente. Na próxima seção, apresentamos os caminhos metodológicos escolhidos para produzir o material empírico examinado.
2 METODOLOGIA
Inicialmente, consideramos pertinente destacar que a investigação se sustenta, metodologicamente, em uma perspectiva pós-crítica, como discutido por Paraíso (2012). Para a autora, as teorias pós-críticas não possuem um método fixo e preestabelecido para realizarmos nossas pesquisas. Se, por um lado, isso nos traz maior liberdade de caminhar, por outro, exige percorrer novos caminhos que provocam efeitos inquietantes, tensionando de forma recorrente a produtividade da construção metodológica adotada. Tomamos emprestadas as palavras de Paraíso (2012, p. 25) para afirmar que, ao nos deslocarmos para o lugar de pesquisadoras engendradas em uma abordagem pós-crítica, buscamos nos ocupar “[...] do já conhecido e produzido para suspender significados, interrogar os textos, encontrar outros caminhos, rever e problematizar os saberes produzidos e os percursos trilhados por outros”.
O material de pesquisa analisado constitui-se por enunciações de 10 professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede privada de um município gaúcho, geradas por meio de entrevistas on-line. Os movimentos empreendidos no campo empírico envolveram as seguintes ações: inicialmente, contatamos as direções das escolas privadas do referido município para saber sobre o interesse das educadoras em participar do estudo. Recebemos o retorno de duas escolas avisando que as docentes dos anos iniciais aceitaram integrar a investigação. Após o aceite das professoras, todas do sexo feminino, obtivemos, das coordenadoras pedagógicas, os nomes e os contatos telefônicos de cada uma das participantes.
A partir daí, conversamos individualmente com cada uma delas, buscando agendar o melhor horário para as entrevistas. No mesmo dia, foi enviado o link contendo o endereço eletrônico da reunião que aconteceria pela plataforma Google Meet, em função de estarmos vivendo ainda os efeitos da covid-19. Cada entrevista foi organizada respeitando o melhor horário para a entrevistada, apresentando-lhe o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de forma virtual, e combinando que, posteriormente, ele seria assinado presencialmente nas escolas.
Participaram do estudo dez professoras que atuavam, em 2021, do 1⁰ ao 5⁰ ano, sendo cinco de cada escola, aqui identificadas pelos nomes fictícios de: Lúcia, Rosa, Maria, Marisa, Júlia, Paula, Helena, Márcia, Danna e Ana. Suas idades variavam de 25 a 47 anos. O tempo de atuação no Magistério também era bem diverso: de cinco a 27 anos. Suas formações acadêmicas abrangiam Curso Médio de Magistério e Graduação em Pedagogia ou Letras. Muitas possuíam Curso de Especialização, nas áreas de Alfabetização e Letramento, Educação Especial, Psicopedagogia, Supervisão Escolar e Ensino Lúdico. Uma delas era egressa de um Curso de Mestrado na área da Educação.
No início de todas as entrevistas, solicitamos às entrevistadas a autorização para a gravação da sua fala, informando-lhe que, ao final, o documento ficaria disponível no Google Drive, quando imediatamente seria feito o download dos dados para o dispositivo eletrônico das pesquisadoras, apagando todo e qualquer registro da plataforma virtual. Os eixos que guiaram a entrevista foram: a) Entendimentos sobre a BNCC, primeiras informações sobre o documento e a sua relevância para a educação; b) Discussões sobre a BNCC nas escolas em que atuam; c) Mudanças que a BNCC trouxe para o currículo escolar e para os planejamentos da escola; d) O perfil do professor que passa a adotar e seguir a BNCC.
Em termos metodológicos, após a realização das entrevistas, o primeiro passo foi realizar a transcrição, ação minuciosa, que requereu uma escuta atenta para não ser registrada sob a interferência do entrevistador. A próxima etapa envolveu a fase das categorizações, quando usamos canetas marcadoras de texto de diferentes cores para destacar elementos de diferentes categorias. Após essa demarcação inicial, construímos uma tabela, agrupando os excertos em conjuntos, voltando os olhos para as teorizações, a fim de buscar unidades que pudessem remeter à temática da pesquisa.
A estratégia analítica utilizada para operar sobre as enunciações das professoras entrevistadas encontrou sustentação na análise do discurso, como proposto por Foucault (1987, 2014). Em “Arqueologia do saber”, Foucault (1987, p. 56) esclarece que “[...] os discursos formam sistematicamente os objetos de que falam”, e que as práticas discursivas conduzem nosso jeito de constituir o mundo, de interpretá-lo e de falar sobre ele. Para o filósofo, mais do que subjetivo, o discurso subjetiva. Eles não estão fixados em nenhum lugar em especial, mas capilarizam-se pelo tecido social, de modo a constituir o pensamento de cada época e de cada lugar, construindo subjetividades.
Na esteira dessas reflexões, na obra “A Ordem do discurso”, Foucault (2014) discute sobre os variados procedimentos que regulam, controlam, selecionam e organizam o que pode e o que não pode ser dito, uma vez que os discursos definem regimes de verdade. O que Foucault incita pensar é sobre como as coisas se tornam verdadeiras em um momento e, em outros, podem ser modificadas. Nesse viés, o autor defende que, em uma sociedade como a nossa, a educação segue na distribuição do que permite ou do que impede, sendo uma maneira política de manter ou modificar discursos, saberes e poderes.
Inspiradas nas discussões foucaultianas, examinamos as enunciações das professoras considerando que elas não falam qualquer coisa, pois estão subjugadas e controladas por vários procedimentos que selecionam e definem o que pode ou não ser dito a respeito da BNCC. Por outro lado, produzem o pensamento que circula na sociedade, construindo subjetividades específicas para os docentes da contemporaneidade. Essas reflexões, brevemente citadas até aqui, conduziram o exame do material empírico reunido, apresentado a seguir.
3 BNCC E SEUS MODOS DE SER PROFESSORA
Nesta seção, nós nos ocupamos do escrutínio do material empírico, ou seja, das enunciações das docentes dos anos iniciais do ensino privado de um município gaúcho, a fim de pensar na constituição do sujeito professor contemporâneo, quando da implementação da BNCC. Apresentamos, inicialmente, excertos relacionados ao processo de efetivação da Base.
A gente tem que ‘rebolar’ para dar conta da Base e mais as atividades que a escola propõe (eventos pedagógicos). Eu gosto de inventar atividades diferentes, mas isso está ficando cada vez mais difícil porque não dá tempo, temos que cumprir o planejamento que está ali, e aquele tempo de contextualizar os objetivos de aprendizagem fica comprometido. (LÚCIA, 2021, entrevista oral).
Eu vejo que a Base veio dificultar o nosso trabalho. A gente perdeu a autonomia e as crianças serão as maiores prejudicadas. A gente passa para elas o que está escrito ali, porque precisamos seguir a Base, e a gente ensina de acordo com o que está lá e eu acho que as crianças perdem aprendizagens importantes. (MÁRCIA, 2021, entrevista oral).
Não tínhamos muita autonomia, porque quando a gente questionava algumas habilidades que julgávamos muito difíceis, a editora não nos dava liberdade e, no máximo diziam que iriam rever, mas acabou ficando por isso mesmo. (ANA, 2021, entrevista oral).
Nos reunimos com os professores das áreas e analisamos aqueles conteúdos, mas eu vou ser bem sincera, o que disseram para a gente é que se quiséssemos contribuir e acrescentar alguma coisa, a gente podia, mas tirar, não. (PAULA, 2021, entrevista oral).
Ao analisar os fragmentos, observa-se a recorrência do sentimento de imposição de ensinar determinados conteúdos e não outros, considerados como importantes pelas professoras. Elas expressam tentativas de resgatar temas relevantes para a aprendizagem dos alunos, mas, por não poderem distanciar-se das imposições advindas da implementação da Base, não conseguiram avançar nas discussões. O documento da BNCC, sendo recebido pronto por elas, não só dificultou o entendimento, mas, principalmente, foi considerado o engessamento do ofício docente, uma vez que conteúdos considerados importantes para o desenvolvimento dos alunos foram suprimidos, sendo inseridas habilidades e competências que elas tomam como inadequadas ou inúteis para a faixa etária dos alunos.
Nessa esteira de análise, destacamos alguns excertos que não só evidenciam uma ideia de desqualificação, como também a sensação de culpa das professoras por não cumprirem algumas normativas exigidas pela Base, apontando para a constituição de um sujeito professor subjugado às políticas públicas vigentes.
Então a gente recebeu aquilo pronto e muitas coisas a gente olhou e tivemos que pensar muito no que queria dizer e tínhamos que ler muito para entender, porque não é um documento fácil de entender. A gente até se perguntava, “Nossa, será que a gente é tão burra?”, porque tinha coisas que a gente não sabia mesmo o que queria dizer. (PAULA, 2021, entrevista oral).
A gente acaba não trabalhando alguns conteúdos por não sabermos como trabalhar de forma significativa e acabamos dizendo que não deu tempo. Eu sei que é desculpa do professor, mas acontece, porque tu acabas focando mais naquilo que tu acreditas ser significativo. (DANNA, 2021, entrevista oral).
Era difícil a gente entender o que o texto queria dizer e aí a gente tinha que consultar os professores das áreas, pois eram habilidades muito específicas de cada área. Também aconteceu de nomearem de uma forma completamente diferente conteúdos que eram trabalhados. Lembro que discutimos nomenclaturas de física e química, que não tínhamos noção do que queriam dizer. (LÚCIA, 2021, entrevista oral).
É possível identificar o sentimento de desqualificação docente, incitando as professoras a acreditarem que precisam aperfeiçoar-se, pois, se não compreendem as enunciações contidas na Base, como irão transformá-las em habilidades e competências a serem ensinadas? Ademais, por não trabalharem conteúdos que julgavam inadequados ou por não compreenderem a razão de tais ensinamentos, as docentes relatam que optaram por inserir a escrita de certas habilidades e competências em seus planejamentos. Mas argumentam que não foram abordados em sala de aula por falta de tempo, narrando na sequência que sabem que “é desculpa do professor, mas acontece”. Ainda, observa-se que as educadoras não se sentem preparadas para ensinar algumas habilidades e competências e, por isso, buscam apoio nos colegas com formação na área específica, o que possibilita pensar num sentimento de insegurança. Na continuação dessa análise, apresentamos mais um excerto que evidencia o quanto a culpa docente pela falta de qualificação incitada pela Base produz efeitos nas práticas pedagógicas.
A gente tem que estudar muito, porque tem conteúdos e nomes que nem eu sei como se pronunciam. Daí eu preciso procurar ajuda no Google. Muitas vezes, eu recorri a vídeos explicativos no YouTube sobre determinados conteúdos, para saber como ensinar. Eu me sinto bem mais exigida. Eu acho que falta muita formação pedagógica para o professor compreender a Base. Eu sinto que tenho que me preparar muito mais, porque eu tenho que ter o conhecimento e fazer os alunos entenderem o conteúdo. Não adianta só seguir o livro didático e dar o assunto por encerrado. (ANA, 2021, entrevista oral).
Com uma linguagem muito técnica, de difícil compreensão e com conteúdos específicos para os quais as docentes “não foram preparadas”, a ideia que se propaga é a de que a educação precisa de mudanças profundas e que os professores precisam ser mais qualificados, reforçando-se, assim, a noção de “crise da educação”. Ao analisar o sentimento de crise no campo educacional, Bauman (2008) aponta que tal sentimento não estaria relacionado à desqualificação dos professores ou com o fracasso de uma teoria educacional, mas a uma questão de “[...] dissolução das identidades, com a desregulamentação e a privatização dos processos de formação de identidade, com a dispersão das autoridades, a polifonia das mensagens de valor e a subsequente fragmentação da vida” (BAUMAN, 2008, p. 163).
Silva (2010) alerta que, ao transformar problemas sociais em problemas técnicos, a lógica neoliberal justifica a crise da educação como resultado da má gestão, da baixa produtividade, da desqualificação docente e de métodos atrasados e ineficientes. Tais justificativas responsabilizam os professores pelo sucesso ou fracasso dos seus alunos, convocando os educadores a tornarem-se mais flexíveis para atender a necessidade de aprendizagem de todos. Nesse viés, convencidos, ou não, de a BNCC ser o caminho ideal para a superação da desigualdade social, os excertos evidenciam que não resta aos docentes outro caminho senão operacionalizá-la.
Num primeiro momento, eu lembro que diziam para a gente que poderíamos acrescentar mais habilidades e competências, mas não poderíamos tirar nada. A gente acabou não acrescentando nada, por medo de não darmos conta de trabalhar tudo, pois já eram muitas habilidades. Então a escola optou por operacionalizar a Base, sem acréscimos. (MARISA, 2021, entrevista oral).
Às vezes, a gente questionava sobre algumas habilidades serem muito complexas para a faixa etária, mas daí a mediadora dizia: “Mas pensem que é até o final do ano”. Então éramos incentivados a pensar e almejar que o aluno conseguisse aprender até o final do ano. Mesmo concordando em trabalhar os conteúdos, ainda penso que, para o desenvolvimento cognitivo da criança, [as habilidades] seriam difíceis e complexas demais para compreenderem. Então sim, é possível trabalhar, mas não com o entendimento de que seria ideal, mas sim por imposição da BNCC. (HELENA, 2021, entrevista oral).
As enunciações evidenciam que, mesmo após algumas tentativas de resistência de implementação da BNCC, as professoras sentem-se constantemente convocadas a gerenciar a política educacional. Essa ideia é mencionada quando dizem: “Então a escola optou por operacionalizar a Base, sem acréscimos”; e “Então, sim, é possível trabalhar, mas não com o entendimento de que seria ideal, mas sim por imposição da BNCC”. Ampliando as análises, chamamos atenção para como as docentes, mesmo com resistências, vão se sentindo convocadas a perceber a BNCC como um documento potente, necessário, um guia para qualificar a educação brasileira.
Observa-se que algumas educadoras enxergam a Base de forma positiva, no sentido de que há muito tempo não se discutia a educação em âmbito nacional e que sentiam a necessidade de um direcionamento pedagógico, embora considerem que a Base esteja se tornando apenas mais um documento, sem discussão real.
Eu entendo que era necessário um direcionamento, não sei se tanto, em nível nacional como aconteceu. Mas havia uma necessidade de direcionamento de como trabalhar, não só de conteúdo, mas de um direcionamento pedagógico, de como trabalhar em cada nível, quais habilidades e competências a serem desenvolvidas. Acho que a Base vem contribuir de forma positiva e porque levantou debates que até então, na educação, não vinham ocorrendo. (HELENA, 2021, entrevista oral).
Eu também gostaria de dizer que já tivemos muitas mudanças na educação, pois é sempre bom mudar, mas eu acredito também que a gente precisa seguir com essa Base, porque a mudança a toda hora não é positiva. Então eu espero que, sinceramente, essa Base permaneça, para que a gente possa ficar refletindo e trabalhando em cima dela, fazendo mudanças a partir do documento. (ROSA, 2021, entrevista oral).
A partir dos excertos analisados, percebemos que a constituição de um novo sujeito professor está imbricada no sentimento de fragilidade e esvaziamento do ofício docente. O ponto de encontro das enunciações das professoras entrevistadas ocorre no sentimento de despreparo e desencaixe entre a formação acadêmica e a demanda exigida pela Base, muitas vezes até sentindo-se “burras”, como relatou uma delas, implorando por formação pedagógica alinhada à BNCC.
A dificuldade no entendimento da escrita da BNCC, inclusive com mudanças de nomenclaturas para conteúdos já conhecidos pelas professoras, possibilita-nos pensar na intencionalidade de provocar efeitos de desqualificação docente. Nesse sentido, é possível perceber um professor que não se reconhece mais na sua profissão e sente-se (des)territorializado, mas que, ao mesmo tempo, é incitado a constituir-se num outro sujeito, instalando-se em um território que, embora lhe cause desconfiança e descontentamento, também traz aparente segurança e estabilidade.
Nesse viés, as contribuições de Ball (2005, p. 541) agregam importante valor ao afirmar que o professor “pré-reforma” (aqui entendido como o educador pré-Base) entra em conflito com o seu modo de ser docente, experimentando um tipo de “esquizofrenia de valores”, quando o seu compromisso e suas práticas educacionais precisam ser sacrificados e substituídos para atender a demandas externas. Acontece aqui uma ruptura entre aquilo que os professores afirmam ser boas práticas e as exigências em cumprir o que está escrito na Base.
Para prosseguir em nossa argumentação, destacamos as reflexões de Larrosa (2018) sobre os educadores e a urgência em atender às demandas da sociedade, como as diretrizes da BNCC. Para o autor, a forma-de-ser professor é gerada no cotidiano do ofício, e a escola foi pensada como uma espécie de abrigo ou refúgio, um espaço separado da sociedade, do mercado de trabalho e da família, para que os alunos tivessem mais tempo para fazer e pensar outras coisas. Contudo, Larrosa (2018, p. 113) ressalta que este território abriu suas fronteiras, permitindo ser invadido pelo “[...] incontrolável tsunami do programa educativo da chamada sociedade do conhecimento, sociedade da informação e sociedade da aprendizagem, essa que alguns preferem chamar de capitalismo cognitivo”.
Em continuidade, Larrosa (2018) afirma que o trabalho de reflexão, imaginação e criação torna-se impossível quando são sofridas pressões para a rápida obtenção de resultados. Nesse contexto, compreendemos que, para produzir um professor marcado pelas estratégias da racionalidade neoliberal, é preciso, primeiro, esvaziá-lo de toda a sua singularidade, de qualquer coisa que remeta a uma maneira própria de ensinar. Eliminando todos os vestígios do ofício de professor e homogeneizando os seres humanos, a maquinaria escolar trabalha tranquilamente. Nesse cenário, Larrosa (2018, p. 46) incita a pensar nos perigos do futuro da escola:
[...] essa escola das competências, dos resultados de aprendizagem e do aprender já está preparada para se des-localizar e, no limite, para desaparecer, uma vez que se pode aprender em qualquer lugar a qualquer hora e, claro, sem professores; tal captura técnico-cognitiva da aprendizagem constitui uma espécie de ‘aprendizagem em geral’ que substitui o ‘trabalho em geral’ como uma força motriz da assim chamada sociedade do conhecimento ou do capitalismo cognitivo.
Ao olhar para esse modo de ser e estar na escola, invisibiliza-se o espaço destinado ao professor, que, em seu ofício, relê, repete, recapitula, volta uma e outra vez para o mesmo texto, discute temas, faz e incita perguntas e perplexidades, aquele que ajuda a enxergar imagens alternativas que ninguém ainda mostrou ou que o aluno ainda não foi capaz de ver. Larrosa (2018) defende que o território do professor é aquele onde se exercita o pensamento, convoca-se a pensar, a conversar, exercitar, interessar-se por assuntos e colocá-los em suspensão tantas vezes quantas forem necessárias, e não o de reproduzir uma racionalidade imposta. Ademais, quando a educação está a serviço de preparar o indivíduo apenas para o mercado de trabalho, discentes e docentes são vistos como mercadoria. Nesse viés, apresentamos excertos que evidenciam a voz docente, clamando por esse tempo de ensinar e aprender a partir da leitura e releitura de conteúdos, cujas aprendizagens dizem respeito ao modo de sermos e vivermos com o mundo.
Por exemplo, a Guerra dos Farrapos, o que a criança é capaz de compreender sobre o que tinha por trás daquele movimento, sobre a sua complexidade como momento histórico. Então, eu acho importante trazer a análise de movimentos sociais, de forma crítica, mostrando os interesses nesses movimentos. (HELENA, 2021, entrevista oral).
E com crianças de 1º ano não é tu colocar o livro na mão deles e pronto. A gente tem que criar todo um contexto para fazer as abordagens, tem que trazer uma história ou uma atividade que possibilite o entendimento do aluno, e isso gera mais uma demanda de tempo, que a gente não tem. (LÚCIA, 2021, entrevista oral).
Eu acho que antes da Base a gente preparava melhor o nosso aluno para a vida integral e hoje eu acho que nós estamos ensinando coisas que não agregam tanto conhecimento para eles. E outros conteúdos que entendemos serem importantes não temos tempo de trabalhar. Muitas coisas a gente poderia fazer diferente, mas temos que seguir a Base. (MÁRCIA, 2021, entrevista oral).
Os excertos supracitados levam-nos a refletir sobre a cultura econômico-empresarial que vem operando sobre a escola e, por consequência, sobre o ofício do professor, tensionando, também, o desejo de controle dos docentes na implementação da BNCC. De acordo com o documento, “[...] a implementação requer, ainda, o monitoramento do MEC em colaboração com os organismos nacionais da área - CNE, Consed e Undime” (BRASIL, 2018, p. 21). Esse monitoramento evidencia uma política de desconfiança, que pressupõe que os professores devem ser vigiados (avaliados) para fazer (bem) seu trabalho. Para além disso, a BNCC pressupõe premiações para quem cumprir com sucesso as metas impostas:
A atuação do MEC, além do apoio técnico e financeiro, deve incluir também o fomento a inovações e a disseminação de casos de sucesso; o apoio a experiências curriculares inovadoras; a criação de oportunidades de acesso a conhecimentos e experiências de outros países; e, ainda, o fomento de estudos e pesquisas sobre currículos e temas afins. (BRASIL, 2018, p. 21).
Conforme já citado, a BNCC é um documento normativo que faz parte da política educacional brasileira, definindo o conjunto de aprendizagens que os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. A partir dos marcos legais, a BNCC afirma ter o foco principal na aprendizagem:
Nesse sentido, consoante aos marcos legais anteriores, o PNE afirma a importância de uma base nacional comum curricular para o Brasil, com o foco na aprendizagem como estratégia para fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as etapas e modalidades (meta7), referindo-se a direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. (BRASIL, 2018, p. 12).
Ao trazer esse fragmento da BNCC, convocamos Biesta (2020) para refletir sobre as implicações de uma política educacional que tem o foco principal na aprendizagem como estratégia para qualificar a educação. O autor faz provocações sobre a política educacional contemporânea, incitando a pensar na perda do interesse nos professores e no seu ensino, embora os documentos políticos continuem a repetir que o educador é fundamental no processo educacional. Essa virada com foco total na aprendizagem coloca o professor no lugar de facilitador de processos de aprendizagem. Assim, “[...] do sábio-no-palco, o professor parece ter se tornado o guia-que-anda-junto e, segundo alguns, até o colega-da-retaguarda” (BIESTA, 2020, p. 118, grifos do autor).
Nesse viés, Biesta (2020) defende que, ao considerar o professor como um facilitador da aprendizagem, como afirmam as novas políticas educacionais, o seu ensino, aquilo que ele tem para oferecer ao aluno, torna-se antiquado. Essa “virada” do ensino para a aprendizagem produz um modo de ser professor gerencialista, um facilitador da aquisição do conhecimento. Todavia, o autor alerta que há, em geral, uma crítica ao ensino, alegando que ele é uma forma de controle, diante do qual os alunos são tratados como objetos e não como sujeitos.
Biesta (2020) defende que o ensino não é uma questão de criar espaços onde o aluno possa ser livre para aprender o que desejar, mas sim de criar possibilidades existenciais, por meio das quais o estudante possa encontrar a sua liberdade para alcançar a forma adulta, como sujeito, de existir no mundo. O autor considera essa forma de ver o ensino como um aviso contra a retirada da resistência da educação, tornando-a flexível e adaptada às necessidades dos alunos, correndo o risco de engessar o aluno no mundo em vez de motivá-lo no seu desenvolvimento com o mundo. Ademais, a ênfase na aprendizagem considera que o único conteúdo importante é o acadêmico, que o único objetivo é a realização das tarefas da escola e que a única relação importante é aquela que resulta da ação dos professores ao desenvolverem habilidades e competências, convocando os discentes para gerarem os melhores resultados nas avaliações, para si mesmos, para a sua escola e para o seu país.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao escolhermos a perspectiva foucaultiana para examinar os efeitos produzidos pela implementação da BNCC na docência dos anos iniciais, não tivemos a intenção de estabelecer uma conclusão para a pesquisa, no sentido de chegar a conceitos seguros e estáveis. Isso seria acreditar que a própria linguagem é estável e segura, o que não faz nenhum sentido nessa perspectiva. Nosso desejo foi, simplesmente, lançar um olhar reflexivo sobre a política educacional vigente (BNCC), para examinarmos como as coisas funcionam e acontecem e exercitarmos alternativas para que elas possam funcionar e acontecer de outros modos.
Ao analisarmos o material de pesquisa, precisamos olhar para “um não dito”, destacado a partir da leitura dos excertos e das teorizações que aconteceram de modo concomitante. Ao embrenharmos essa reflexão, nós nos ocupamos em focar na constituição de um novo sujeito professor, convocado a adaptar-se às demandas da sociedade regida pelo mercado e pela política neoliberal. Nesse sentido, identificamos que, a partir dos discursos contemporâneos de que a escola não mais atende à demanda da sociedade, evidenciados no documento da BNCC, temos um efeito na constituição docente: o esvaziamento do ofício de professor.
O foco na aprendizagem e no aluno, incitados pela Base, colocam o ensino e o professor em segundo plano. Desse modo, pensamos que, diante desse cenário, vai se constituindo um sujeito professor (des)territorializado, que, expulso do seu território, precisa realocar-se em outro, no qual as regras estão bem definidas, dizendo o que e como os alunos devem aprender. Nesse novo território, é colocada nas mãos dos professores a responsabilidade pela solução de problemas que exigem outras participações sociais.
O modo de ser docente constituído pela efetivação da BNCC nos anos iniciais do Ensino Fundamental de escolas privadas de um município gaúcho pode ser pensado como um sujeito incitado a ser flexível ao gerencialismo educacional. O fato de se retirar do docente a possibilidade de conhecer, planejar, traçar objetivos, definir conteúdos e escolher metodologias vai corroborando para a destruição dos sistemas ético-profissionais que deveriam prevalecer nas escolas, contribuindo para a sua substituição por sistemas empresariais competitivos. Assim, a implementação da BNCC gera um sujeito professor (des)territorializado, realocando-o em um outro local, no qual as regras estão bem definidas, dizendo o que e como os alunos devem aprender, e como o docente deve ensinar, garantindo, assim, o funcionamento da racionalidade neoliberal.
Em temas e territórios espinhosos como esses, fomos em direção àquilo que pretendemos que fosse o foco central deste estudo: os modos de ser docente na contemporaneidade convocados por políticas públicas que buscam atender à demanda da racionalidade neoliberal. Acreditamos que as escolhas de ordem teórica foram desenhadas a partir de doses equilibradas de audácia, discernimento e coragem. Compreendemos que há muito mais para dizer sobre aquilo que não se vê, e, nessa razão, pensamos que é preciso continuar nos embrenhando nos espaços escolares para analisar os Planos de Estudos, os projetos, as avaliações escolares, enfim, mergulhar em toda a documentação pedagógica que torne possível identificar as novas subjetividades produzidas na e pela escola contemporânea. Assim, a necessidade de terminar é temporária, na eminência de potencializar um recomeçar incansável em relação à educação, pois compreender aquilo que estamos fazendo de nós é condição imprescindível para que se possa pensar naquilo que desejamos vir a ser.