1 Introdução
Ao buscarmos historicamente a constituição do campo de pesquisa da formação de professores no Brasil, compreendemos que os estudos acerca dos saberes docentes passaram a ser um importante objeto de pesquisa a partir da década de 1990 (Diniz-Pereira, 2013). Conforme os anos passaram, esse campo tem se ampliado, o que pode ser evidenciado em um estudo realizado por Diniz-Pereira (2022). Isso demonstra o interesse existente entre os pesquisadores a respeito da institucionalização da profissionalização docente, da identidade docente e da compreensão de aspectos concernentes à ação pedagógica de professores.
Destaca-se ainda que há uma literatura consolidada sobre os saberes docentes como tendência - entendida como conjunto de características que identificam uma determinada perspectiva (Ghedin, 2009) -, com autores de referência, como Gauthier et al. (2013), Pimenta (2012) e Tardif (2014), os quais auxiliam a pensar tanto na dimensão conceitual quanto na dimensão tipológica.
Entre as tipologias, os autores concebem saberes necessários à ação docente e sustentam um tipo de conhecimento que o professor poderá mobilizar na sua constituição como profissional, na formação inicial e durante o exercício profissional, valorizando a socialização das experiências profissionais. Tardif (2014) aborda quatro categorias de saberes: saberes da formação profissional, saberes das disciplinas, saberes curriculares e saberes da experiência. Pimenta (2012) trabalha com três tipos de saberes: saberes da experiência, saberes do conhecimento e saberes pedagógicos. Gauthier et al. (2013) nos revelam ao menos seis tipos de saberes: saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes das Ciências da Educação, saberes da tradição pedagógica, saberes experienciais e saberes da ação pedagógica.
Partindo das dimensões conceituais e tipológicas, buscamos pensar nas pesquisas mais recentes e no que elas já avançaram em relação à aprendizagem da docência a partir da seguinte pergunta: “O que as pesquisas do período de 2017 a 2021 evidenciam da aprendizagem docente em relação à escola como lugar de aprendizagem?”.
Nóvoa (2017) colabora na resposta a essa questão quando defende uma proposta de institucionalização da formação de professores, a formação profissional universitária, concebida como um lugar, a partir de seu redesenho, para a formação de professores, com reflexo na escola como um lugar que colabora por excelência na aprendizagem da docência.
O autor também defende um modelo para a consolidação da profissão docente pensado como uma casa comum, que articule universidade, escola e políticas públicas; lugar de trabalho nas escolas e de conhecimento na universidade, em colaboração autêntica; um lugar de encontro, que extrapola o que se concebe como formação inicial, ao buscar desenvolver aprendizagens fundamentais ao exercício profissional docente.
A fim de avançarmos em busca de respostas para a questão, utilizamos a Revisão Sistemática de Literatura (RSL), organizada em três fases, com base em Kitchenham (2004): 1) planejamento; 2) condução da revisão; e 3) relato. Fizemos a busca nas duas principais bases de consultas brasileiras digitais: o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD).
Dessas buscas, o corpus da pesquisa foi constituído por oito resultados, analisados a partir das três etapas da Espiral de Análise proposta por Creswell (2014): 1) organização; 2) categorização; e 3) interpretação e representação dos dados.
Para apresentar o estudo, organizamos duas seções: a primeira, metodologia, trata das duas primeiras fases para a realização da RSL: planejamento e condução da revisão; a segunda, resultados e as discussões, trata da terceira fase, relato, em torno de uma categoria central e quatro subcategorias emergidas da análise.
2 Metodologia
Estudos recentes têm apontado a relevância de se fazer RSL no âmbito do ensino e da educação (Mendes; Pereira, 2020; Ramos; Faria, P.; Faria, Á., 2014), por meio de descrição clara e sistematizada do pesquisador quanto aos passos adotados na pesquisa, mediante critérios bem delineados, descrição das fontes de busca, descritores utilizados e uma análise rigorosa dos estudos selecionados.
Para Kitchenham (2004, p. 4), a RSL é “[...] um meio de avaliar e interpretar todas as pesquisas disponíveis relevantes para uma determinada questão de pesquisa, área de tópico ou fenômeno de interesse [...]” e aponta pelo menos três fases necessárias: 1) planejamento; 2) condução da revisão; e 3) relato.
Na primeira fase, planejamento, o objetivo principal é a questão de pesquisa, conforme Quadro 1.
Objetivo: Fazer uma busca por dissertações e teses que abordam “Aprendizagem da docência na perspectiva dos saberes docentes”, a fim de mapear a produção do período de 2017 a 2021. |
Pergunta de pesquisa: “O que os estudos do período de 2017 a 2021 evidenciam da aprendizagem docente em relação à escola como lugar de aprendizagem?”. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Nessa fase, também elaboramos um protocolo, definindo os elementos de busca que foram aplicados nas bases digitais: a) string ou palavras-chave; b) fontes a serem consultadas; c) período de busca; d) idioma elegido; e e) critérios de inclusão e exclusão dos estudos. O protocolo é necessário para garantir a rigorosidade na revisão e evitar a possibilidade de viés do pesquisador na seleção de estudos ou na análise destes (Kitchenham, 2004).
Na combinação com as palavras-chave, constituímos uma string utilizada nas bases de dados, a fim de coletar trabalhos que tratassem da aprendizagem da docência dentro da tendência dos saberes docentes. A mesma string foi utilizada nas duas bases digitais escolhidas. Apresentamos no Quadro 2 as palavras-chave e a string originada.
Palavras-chave |
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Saberes da docência; Saberes dos professores; Aprendizagem da docência; Educação básica |
String elaborada |
“Aprendizagem da docência” AND “Saberes” AND “Educação básica” |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Na segunda fase, condução da revisão, submetemos o protocolo às duas bases de busca escolhidas, o Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e a BDTD, e delimitados os filtros: período de busca, área de conhecimento e área de concentração. Nelas foram obtidos os resultados dispostos no Quadro 3.
Bases consultadas | Filtros e resultados |
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Catálogo de Teses e Dissertações da Capes | Filtros: Período: 2017 a 2021 Área de Conhecimento: Educação e Ensino Área de Concentração: Educação; Formação de Professores; Formação Docente para a Educação Básica; Processos e Produtos para o Ensino Tecnológico Resultados: 37 trabalhos |
BDTD |
Busca simples: Filtros: Período: 2017 a 2021 Área de conhecimento: Ciências Humanas e Educação Resultados: 6 trabalhos Busca avançada: Filtros: todos os campos Período: 2017 a 2021 Resultados: 12 trabalhos |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
No total, obtivemos 55 trabalhos reportados, entre teses e dissertações, submetidos a uma análise preliminar seguindo três procedimentos: a) leitura dos títulos; b) leitura dos resumos; e c) aplicação preliminar de critérios de inclusão e de exclusão.
Na análise preliminar dos resultados, estabelecemos os critérios de inclusão e exclusão, conforme Quadro 4.
Critérios de inclusão | a - Trabalhos que contemplem o período escolhido. b - Trabalhos que contemplem a temática escolhida. c - Trabalhos que se orientem pelo referencial teórico da tendência trabalhada. d - Trabalhos que discutam a formação de professores da/para a educação básica. |
Critérios de exclusão | a - Trabalhos fora do período pesquisado selecionado. b - Trabalho fora da temática de pesquisa. c - Trabalhos que não se orientem teoricamente na tendência trabalhada. d - Trabalhos que não tratem da formação de professores da/para educação básica. e - Trabalhos repetidos. f - Trabalhos que não apresentam base teórica e metodológica explícitas. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Com base nessa primeira análise, a partir da leitura dos títulos, do resumo e da aplicação de critérios de inclusão e de exclusão, restaram dez estudos, os quais passaram por extração de principais dados, ainda na fase de condução da revisão.
Para a extração de dados, foram aplicados critérios de qualidade, sendo cada estudo avaliado segundo: a) articulação entre o problema investigado e o referencial teórico; b) articulação entre o problema investigado, os objetivos e a metodologia de pesquisa; c) articulação entre a metodologia utilizada para a análise dos dados e a sua interpretação; e d) conclusões/resultados respondem ou não ao problema/objetivo da pesquisa.
Finalizada a extração dos dados, chegamos a um total de oito estudos considerados para esta revisão. A síntese e as discussões serão apresentadas na seção seguinte, que condiz com a terceira fase da RSL, relato.
3 Resultados e discussão
Para a análise dos oito estudos selecionados, consideramos os resultados apontados no resumo, conforme Quadro 5.
Descrição dos estudos | Resumos |
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Estudo 1 Tese: Escola: espaço de construção da docência Autora: Heloisa Helena Ferreira Correia Ano: 2017 Instituição: Universidade de Taubaté |
De modo geral, os professores entrevistados concordam que a escola é um espaço de aprendizagem docente, por ser um ambiente onde a aprendizagem se dá em contexto através da resolução de problemas cotidianos, a partir das trocas e interações que ocorrem com os alunos, professores e todos os envolvidos no processo educativo. Destacam que os saberes docentes advêm de várias fontes e que a experiência é fonte de segurança para atuarem na profissão. Além disso, os sujeitos de pesquisa reconhecem a importância da formação continuada, dos momentos de estudo e de trocas de experiência nos espaços e tempos da escola destacando o HTC (Horário de Trabalho Coletivo) e a HA (Hora Atividade). [...] |
Estudo 2 Tese: Aprendizagem da docência para o ensino de geometria na infância no contexto da formação e da prática pedagógica Autora: Fátima Aparecida Queiroz Dionizio Ano: 2019 Instituição: Universidade Estadual de Ponta Grossa |
Constatou-se que têm sido necessários processos formativos específicos para que ocorra a aprendizagem para a docência em geometria, pois a formação inicial ou a autoformação não tem dado conta dessa tarefa, assim como não são todos os cursos vivenciados que contribuem. Professoras que participaram de formações sobre geometria, consideradas significativas para suas aprendizagens, relataram práticas de ensino mais elaboradas, também se mostraram mais receptivas a mudanças em suas práticas, a partir do que foi desenvolvido nas oficinas pedagógicas. Para abordar a geometria em cursos, percebeu-se a necessidade de estratégias de ensino que sejam reconhecidas como efetivas pelos professores em formação, que levem em consideração suas reais necessidades de aprendizagem e que articulem elementos teóricos e práticos. [...]. |
Estudo 3 Dissertação: A construção da prática pedagógica dos licenciandos em Matemática no contexto do Pibid-Uesb de Vitória da Conquista - Bahia Autora: Mirian Carneiro de Azevedo Meira Ano: 2017 Instituição: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia |
Os resultados e inferências da pesquisa permitem afirmar que a construção da prática pedagógica é constituída por diversos saberes mobilizados pelos professores na ação contínua da sala de aula. Nessa perspectiva, os conhecimentos acadêmicos adquiridos no âmbito da licenciatura são diluídos, filtrados e transformados em saberes refletidos sobre a ação. No âmbito do Pibid-Uesb foram observadas ações que possibilitaram a reflexão e a problematização do ensino de Matemática no Ensino Médio ao compreendermos que os participantes da pesquisa puderam desenvolver práticas mediadas por meio do conhecimento teórico-acadêmico e da interação entre os próprios pares e os alunos. Tais ações são fundamentais para aprendizagem da docência no processo da formação inicial dos licenciandos. |
Descrição dos estudos | Resumos |
Estudo 4 Dissertação: Formação inicial de professores de Física: o Museu de Ciências como espaço formativo Autora: Cecília Vicente de Sousa Figueira Ano: 2019 Instituição: Universidade Federal de Uberlândia |
[...] os participantes da pesquisa consideraram o museu como espaço profícuo para a constituição da profissionalidade docente, na formação inicial, com predomínio de autonomia didático-pedagógica, reflexão na ação e perspectivas progressistas ampliadas de formação humana. [...]. Os museus de ciências são espaços em que se têm, mediante a articulação ensino, pesquisa e extensão, significativas experiências formativo-pedagógicas, como meios de constituição da profissionalidade docente, evidenciando sua importância como campo da monitoria e de estágios obrigatórios na formação inicial. |
Estudo 5 Dissertação: Professores experientes de uma escola freinetiana: identidade, saberes e processos de aprendizagem Autora: Lenita Martins do Nascimento Ano: 2021 Instituição: Universidade Federal de São Carlos |
[...] foi possível discutir os saberes provenientes de diferentes fontes, principalmente aquelas relacionadas à experiência na profissão, e identificar as fases da carreira docente. Foi possível evidenciar que as professoras investigadas apontam como positiva a relação entre professores iniciantes e experientes para a construção da identidade profissional, a reflexão, o trabalho em parceria com os pares e a formação de uma identidade de grupo, como uma cooperativa baseada no Movimento da Escola Moderna e na Pedagogia Freinet, e também nas possíveis dimensões de uma Comunidade de Prática de Professores para a aprendizagem profissional. A escola apresentou-se como um espaço de formação e aprendizagem às participantes, favorecendo o desenvolvimento profissional. |
Estudo 6 Dissertação: Como professores aprendem a avaliar? Dimensões das experiências de escolarização, de formação e de atuação profissional Autor: Bruno Cabral Costa Ano: 2020 Instituição: Universidade Federal de Viçosa |
[...] os dados da pesquisa nos permitiram compreender que as “tatuagens na alma” foram fonte de inspiração para uma prática avaliativa transformadora. Os dados também sugerem que os futuros professores e os professores de História aprendem a avaliar refletindo sobre os processos de avaliação experienciados. Além disso, os dados mostram que existe uma influência forte da prática experienciada sobre a prática reflexiva - reflexão na ação e sobre a ação - que adotam. [...]. |
Estudo 7 Dissertação: Contextos emergentes no Colégio de Aplicação: tessituras das docências na perspectiva inclusiva Autora: Tásia Fernanda Wisch Ano: 2020 Instituição: Universidade Federal de Santa Maria |
[...] não é possível compreender a profissão de professor sem considerar um contínuo processo de construção e [re]construção das práticas pedagógicas diante das realidades vivenciadas. E estas realidades são entendidas como contextos emergentes, os quais atravessam a docência por meio dos constantes desafios e possibilidades que se apresentam no cotidiano escolar. |
Estudo 8 Dissertação: O trabalho colaborativo na formação contínua de professores dos anos finais do ensino fundamental em uma escola pública de Barueri Autora: Aline Angélica Lima Nonato Ano: 2020 Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
A pesquisa revelou que os saberes e a experiência de cada um contribuem com a formação do outro, quando partilhados. Mostrou possibilidades de trabalho não solitário diante das dificuldades e dos problemas do cotidiano escolar a partir da cooperação deliberada que os docentes e a Coordenadora Pedagógica promoveram nos encontros de formação continuada e que favoreceu a realização de trocas afetivas e cognitivas, características de um trabalho colaborativo. [...]. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Para a análise, utilizamos três etapas da Espiral de Análise proposta por Creswell (2014): 1) organização; 2) categorização; e 3) interpretação e representação dos dados.
Na primeira etapa, organização, dispomos os arquivos em listas com as principais unidades de texto para facilitar o manuseio e a exploração dos dados coletados. Na segunda, categorização, após a imersão na leitura dos textos, anotações e marcações das principais frases e palavras-chave, obtivemos nove categorias iniciais, conforme o Quadro 6.
1: A escola é um lugar de aprendizagem docente. 2: Os saberes docentes advêm de várias fontes, sendo a experiência a principal para atuar na profissão. 3: A importância da formação continuada, dos momentos de estudo e de trocas de experiência nos espaços e tempos da escola. 4: A prática pedagógica é constituída por diversos saberes mobilizados pelos professores na ação contínua da sala de aula. 5: O Pibid como lugar fundamental para aprendizagem da docência no processo da formação inicial. 6: A formação inicial não dá conta de oferecer as aprendizagens ao professor, sendo necessários processos formativos específicos, que articulem elementos teóricos e práticos. 7: Na formação inicial, atividades de extensão constituem-se lugares profícuos para a constituição da profissionalidade docente, promotores de autonomia didático-pedagógica, reflexão na ação e formação humana. 8: A profissão professor na realidade vivenciada na escola, que é onde se constroem e se reconstroem as práticas pedagógicas. 9: Os saberes da experiência são fontes enriquecedoras do trabalho colaborativo; ao serem compartilhados, são formativos uns aos outros na escola. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Com as categorias iniciais, passamos ao processo exaustivo de classificar os temas, que, segundo Creswell (2014, p. 151), “[...] são unidades amplas de informação que consistem em diversos códigos agregados para formarem uma ideia comum [...]”.
Assim, categorias iniciais deram origem à categoria central, a escola como lugar de aprendizagem docente; e quatro subcategorias: 1) a formação inicial, atividades de ensino, extensão e pesquisa são espaços profícuos de aprendizagem da docência e de constituição da profissionalidade docente; 2) a formação continuada e os momentos de estudo e de trocas de experiência nos espaços e tempos dentro da escola são importantes à aprendizagem da docência; 3) a profissão de professor se constitui na realidade vivenciada na escola, que é onde se constroem e se reconstroem as práticas pedagógicas; e 4) os saberes docentes advêm de várias fontes, sendo os saberes da experiência os principais para atuar na profissão. São formativos quando compartilhados com outros na escola.
Por fim, na terceira etapa, interpretação e representação dos dados, apresentadas a seguir, exibimos a categoria central e as quatro subcategorias, demonstrando os aspectos evidenciados pelas pesquisas do período de 2017 a 2021 a respeito da escola como lugar de aprendizagem docente.
3.1 A escola como lugar de aprendizagem docente
O emergido dos achados no percurso investigativo de produção desta RSL reforçam o entendimento de escola como lugar, por excelência, de aprendizagem da docência, onde se integram a teoria e a prática. Esclarecemos compreender o lugar como algo que vem se “[...] desenvolvendo, ou melhor, se realizando em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo da história [...]” (Carlos, 2007, p. 17), como:
[...] produto das relações humanas, entre homens e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é lugar da vida (Carlos, 2007, p. 29).
Esse lugar, como escola, é caracterizado por ser um novo lugar para a formação de professores; é híbrido, voltado para a formação, afirmação e reconhecimento público desse profissional. Trata-se de, como compreende Nóvoa (2017), uma casa comum da formação e da profissão: um lugar de encontro e articulação entre a universidade, a escola e as políticas públicas; um lugar de entrelaçamentos: voltado para a formação do ser humano em um trabalho em conjunto sobre o conhecimento; um lugar de encontro: valorização do conhecimento de todos, advindos da escola e da universidade, em colaboração; um lugar de ação pública: de conhecimento da realidade social de quem participa da escola.
Dessa maneira, carregada de relações sociais e subjetividades, a escola é ponto de integração de teoria e prática. É importante atentarmos aqui para o emprego dos termos “teoria” e “prática”, pois são compreendidos como presentes e indissociáveis do fazer pedagógico dos professores como agentes do processo educativo.
Dando sequência ao constatado na revisão, salientamos as quatro subcategorias emergidas. Os resultados dessas quatro subcategorias, a seguir, confirmam a escola como lugar privilegiado de aprendizagem docente em quatro aspectos: na formação inicial, no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão em cooperação com a escola; na formação continuada, quando reconhecidas as necessidades formativas dos professores; na realidade vivenciada na escola, onde as práticas são reconstruídas; e nos saberes experienciais compartilhados no meio escolar.
3.1.1 Na formação inicial, atividades de ensino, extensão e pesquisa constituem-se lugares profícuos de aprendizagem da docência e de constituição da profissionalidade docente
Os estudos evidenciam que a articulação do tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão) favorece a construção e solidificação dos saberes/conhecimentos do docente na formação inicial. Apontam essa articulação como oportuna para a constituição da profissionalidade docente. Podemos citar como exemplos: Figueira (2019), em que a ação de formação inicial de licenciandos em Física da Universidade Federal de Uberlândia, a partir da experiência deles como monitores no museu Diversão com Ciência e Arte, objetivou a autonomia didático-pedagógica, reflexão na ação e perspectivas progressistas ampliadas de formação humana; e Meira (2017), em que a prática pedagógica é construída no contexto do subprojeto de Matemática no Ensino Médio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência pelos bolsistas participantes.
Nesse sentido, dialogamos com Pimenta (2012), quando aborda a construção de saberes na formação inicial. Para a autora, os alunos, quando chegam à universidade, não se encontram vazios de experiências, mas, pelas vivências do cotidiano escolar, experiências como aluno, sabem como é ser professor. Essas experiências, no entanto, não são suficientes para a constituição de uma identidade profissional e profissionalização. É necessário reconsiderar os saberes necessários à docência na formação inicial, preparando o estudante para o exercício de sua atividade docente. Esse processo envolve a construção da identidade docente em seu caráter dinâmico e social, considerando que essa identidade não é algo dado, mas uma construção histórica, cultural, que perpassa de um indivíduo a outro em uma comunidade, como é o caso de considerarmos a escola como esse lugar social.
A imersão dos estudantes nas atividades em que se assumam professores, como é o caso de atividades de Pibid e na experiência extensionista relatada nos museus, embora ainda em formação, favorece os “[...] processos de passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor [...]” (Pimenta, 2012, p. 21, grifos da autora).
A constituição da profissionalidade se dá, então, a partir autonomia adquirida pelos futuros professores, quando assumem processos de ensino, mesmo que iniciais, adquirindo hábitos, posturas, entendendo as especificidades do trabalho docente e as identificando, para que, a partir da reflexão, estejam sempre em melhoria de suas práticas e as transformem em saberes.
Vejamos, então, a sequência desse processo, que se dá ao longo da vida profissional, na escola, na formação continuada.
3.1.2 A formação continuada e os momentos de estudo e de trocas de experiência dentro da escola são importantes à aprendizagem da docência
A respeito da formação continuada, os resultados evidenciam a escola como lugar propício à formação, sob a óptica dos saberes docentes, por meio do realce dado a ela como um ambiente no qual a aprendizagem acontece a partir da resolução de problemas situacionais do ambiente educativo e por meio das relações que se estabelecem com os alunos, com os pares e com todos os envolvidos nesse processo de troca.
A pesquisa de Dionízio (2019) traz evidências em relação às práticas de formação específicas que levem em consideração as reais necessidades de aprendizagem dos professores em contexto, articulando elementos teóricos e práticos, por meio de formações que partam da necessidade real da sala de aula, sendo mais desejáveis à aprendizagem para a docência, principalmente quando a formação inicial ou a autoformação não dão conta dessa tarefa.
Sobre essa análise, Galindo (2007) afirma que as reais necessidades de aprendizagem na formação continuada, quando consideradas, são propulsoras do sucesso da formação, à medida que possibilitam a participação efetiva dos professores na análise de problemáticas contextuais do ensino e até mesmo servem como um instrumento que eleva a participação das ações formativas na escola, distintamente de outras iniciativas formativas em que há um agente responsável por pensar a formação oferecida.
Por mais que haja distintos interesses envolvidos na instituição, como os institucionais, profissionais e pessoais dos professores, quando se referem à formação continuada, a distância tende a diminuir ao se abrirem espaços mais democráticos e participativos na definição de objetivos educacionais e nos processos de formação docente (Galindo, 2007).
Defendemos, portanto, que a formação continuada deve estar alinhada às necessidades profissionais e contextuais dos professores para que haja uma verdadeira mudança nas práticas em sala de aula. A partir disso, vemos ainda que o destaque à vivência na escola é de extrema significância para a reconstrução de práticas pedagógicas, e é o que abordaremos na categoria a seguir.
3.1.3 A profissão de professor se constitui na realidade vivenciada na escola, que é onde se constroem e se reconstroem as práticas pedagógicas
Nessa subcategoria, a partir dos estudos de Wisch (2020), observamos que é na escola, nas convivências e nas práticas que o professor vai se constituindo na atividade docente. Nesse lugar, aprende, compartilha estratégias e reflexões, constrói e reconstrói um conjunto de saberes ao longo de sua vida que lhe permite superar dificuldades e adaptar-se às mais diversas situações pedagógicas, constituindo seu repertório de conhecimentos teóricos e práticos em constante desenvolvimento.
Essa ideia nos leva a compreender o exercício do trabalho docente como parte decisiva do processo de produção da profissionalidade e, portanto, indispensável à vivência de todo professor. Essa afirmação acontece porque, durante muito tempo, supervalorizaram-se o conhecimento científico, o conhecimento tecnológico e o treino descontextualizado na formação inicial, prática que objetivava a transferência posterior à prática profissional. Essa visão, contudo, é redutora do exercício profissional docente, pois a sala de aula é envolta de incertezas, complexidades e singularidades, portanto somente ao vivenciá-la é que se pode assumir as certezas de cada contexto, sendo impossível construir receitas prontas em laboratórios de formação que não considerem a realidade (Canário, 1998).
Além disso, como afirma Canário (1998), é preciso valorizar as noções de sujeito, experiência e contexto no processo de profissionalização docente, tendo em vista pelo menos quatro dimensões fundamentais: sair da perspectiva de reciclagem na formação docente e caminhar em direção ao reconhecimento dos saberes adquiridos experiencialmente; sair da ideia de qualificação como certificações escolares (caráter cumulativo) e ir ao encontro de competências que se produzem em contexto escolar; sair da capacitação individual para a capacitação coletiva do corpo educativo; e, por fim, produzir mudanças na formação e na identidade, visando a reinventar novas modalidades de socialização profissional nas escolas.
Aprofundando essa questão do sujeito, experiência e contexto, a próxima categoria aborda os saberes docentes como uma importante fonte para a pesquisa e para a reflexão.
3.1.4 Os saberes docentes advêm de várias fontes, sendo os saberes da experiência a principal para atuar na profissão. São formativos quando compartilhados com outros na escola
Esta subcategoria se destaca por abranger a maioria dos estudos. O primeiro aspecto dessa categoria sugere que os saberes são provenientes de diversas fontes: formação escolar, atuação profissional (Costa, 2020), sendo a experiência a principal fonte entre os achados (Correia, 2017; Nonato, 2020).
Tardif (2014, p. 36) afirma que o saber docente é “[...] um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Os saberes da formação profissional são conhecimentos que se destinam à formação científica do professor e os saberes pedagógicos; os saberes disciplinares são os saberes sociais instituídos pela universidade em forma de disciplinas; os saberes curriculares são os discursos, os objetivos, os conteúdos e os métodos apresentados pela instituição escolar; e os saberes experienciais são os saberes específicos produzidos na prática cotidiana, a partir da experiência individual e coletiva.
Desses saberes, os saberes da experiência são a principal fonte para atuar na profissão, pois, como saberes de domínio único do professor, produzidos por ele, é desses saberes que advêm as certezas que se transformarão em habitus da profissão: estilo de ensino, traços da personalidade, truques da profissão, manifestados por meio de um saber-ser e saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano (Tardif, 2014).
Ampliando o entendimento desses saberes experienciais, o segundo aspecto dessa subcategoria mostra que a partilha das experiências produzidas em sala de aula propicia a formação do docente (Nascimento, 2021). Dessa forma, vê-se a importância de compartilhar as experiências do saber experiencial, pois é o momento de compartilhar práticas exitosas, não exitosas, afetos, potencialidades, que produzem um discurso da experiência capaz de formar a outros docentes.
Nesse sentido, de acordo com Ferreira et al. (2023), há aprendizagem docente por meio da construção de saberes que se dá na partilha entre um professor experiente e um professor iniciante, em uma ação de assessoramento, apoio e acompanhamento. Assim, sob a óptica da aprendizagem pelo compartilhamento, destacam-se os saberes nas diversas fases da carreira como possibilidade para a construção de novos saberes, sendo a escola o lugar que melhor propicia o modelo de trabalho colaborativo entre pares.
4 Considerações finais
Neste estudo do tipo RSL, objetivamos explicitar o que as pesquisas do período de 2017 a 2021 evidenciam em relação à escola como lugar de aprendizagem. Os resultados apontaram a escola como lugar privilegiado de aprendizagem docente em quatro aspectos, representados por meio de quatro subcategorias no estudo.
A escolha pela adoção de um protocolo e condução da RSL com o uso de estratégias de busca se deu devido ao entendimento da importância de metodologias que sejam explícitas e reduzam ao máximo o viés da pesquisa no tipo revisão, além da possibilidade de reprodução dos resultados por outros pesquisadores (Galvão; Ricarte, 2020). Ademais, com a adoção de passos metodologicamente planejados, as chances de identificar estudos relevantes e excluir irrelevantes são maiores, principalmente ao se aplicar critérios de qualidade.
Em relação aos saberes docentes, quanto à tendência trabalhada entre os estudos levantados, compreendemos que são relevantes no campo da formação de professores e que colaboram na investigação de temas considerados essenciais nesse campo. Além disso, podemos afirmar que as discussões dentro da tendência não se esgotam com o passar dos anos, mas avançam e se complexificam, abrindo espaços para mais estudos, haja vista identificarmos a cada ano pelo menos um novo estudo defendido e mais conhecimentos gerados na referida tendência.
No que refere à questão norteadora desta revisão, os resultados nos encaminharam a afirmar a escola como um lugar por excelência de aprendizagem docente, mas não se pode assegurá-la como o único lugar de aprendizagem para o professor, pois há outros lugares a serem reconhecidos, como, por exemplo, comunidades de aprendizagem1, programas de mentoria on-line2, instituições não formais, instituições políticas e ainda diferentes lugares da vida3. Nesse sentido, compreendemos existirem outras discussões acerca da aprendizagem docente em lugares micro (salas de aula), meso (contextos que influenciam) e macro (sociedade), avançando em outras linhas distintas da adotada neste levantamento.
Destacamos a escola como lugar por excelência da aprendizagem da docência pela razão de a compreendermos como ponto de encontro para a superação da dualidade entre teoria e prática, como lugar para a reflexão crítica sobre a própria experiência em contato direto com a diversidade de segmentos da sociedade, afinal: “Nada melhor do que perceber a escola como esse espaço de diálogo, lugar de trocas para sedimentar saberes que emergem dos diferentes momentos da prática profissional” (Vellenich et al., 2017, p. 174, grifos nossos).
Os momentos de aprendizagem coletiva, de trocas e de reflexões, bastante enfatizados nos achados dos estudos, ajudam a pensar propostas de comunidades de aprendizagem e possíveis caminhos para a implementação desta cultura escolar; para isso, precisa haver criação de grupos e tempos destinados aos encontros de reflexão e partilha. Reconhecemos, no entanto, pelos estudos, que mudanças na cultura escolar como essas não são fáceis de serem implementadas e esbarram em problemas comuns das escolas brasileiras: falta de formação adequada dos professores, falta de tempos destinados à partilha de experiências, falta de capacitação dos gestores e investimentos na educação pública, bem como nas políticas públicas de maneira geral.