INTRODUÇÃO
Os anos finais do ensino fundamental têm se mostrado uma etapa relativamente negligenciada no debate educacional brasileiro referente à compreensão dos fatores escolares associados ao desempenho dos alunos, bem como no enfrentamento dos problemas de evasão e repetência que crescem nessa etapa de ensino. Por um lado, após a consolidação do processo de inclusão das crianças no ensino fundamental (EF), boa parte da atenção da agenda de pesquisa passou a focar em políticas e ações que pudessem ser trabalhadas a fim de garantir a alfabetização e a numeração dos alunos na idade correta, ou seja, nos primeiros anos desse nível de ensino. Grande parte das redes de ensino concentrou esforços e recursos na tentativa de resolver essas questões básicas, com base na premissa de que seria condição necessária para que avanços pudessem ser obtidos em etapas subsequentes de ensino. Por outro lado, o ensino médio apresenta sérios problemas de fluxo escolar. Entre 2016 e 2017, a taxa de promoção escolar no ensino médio foi de 78%, enquanto nos anos iniciais foi de 91% (BRASIL, 2018). Nesse sentido, alguns trabalhos buscaram identificar os motivos da baixa promoção escolar no ensino médio, bem como suas consequências (FUNDAÇÃO BRAVA et al., 2017; SOUZA et al., 2012; NERI, 2009; GREMAUD et al., 2010).
No meio dessas duas etapas, estão os anos finais do ensino fundamental, que têm complexidades próprias. Muitos alunos, ao ingressarem nessa fase de ensino, trocam de escola e sofrem a transição de um professor generalista para professores especialistas (SANTOS et al., 2017). Além disso, existe o desafio de consolidar habilidades cognitivas que já deveriam estar desenvolvidas ao final dos anos iniciais (DAVIS et al., 2012). Por fim, verifica-se uma baixa integração entre os currículos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental (BATISTA et al., 2015).
Embora haja algum esforço de estudo dessa etapa de ensino (PADILHA et al., 2012; DAVIS et al., 2012; MANSUTTI et al., 2007), são poucas as iniciativas que procuram compreender de que modo características específicas da escola e da gestão educacional se associam aos resultados dos alunos. Destacam-se, como exceções, os trabalhos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) (2007, 2009, 2010) que se basearam em pesquisas de campo in loco e apontam três ações pedagógicas como sendo de grande importância para um bom resultado no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb): a implantação de sistemas de avaliação e monitoramento; a presença de coordenadores nas escolas; e a utilização das matrizes da Prova Brasil como direcionador das práticas pedagógicas em Língua Portuguesa e Matemática, juntamente com o currículo. Os estudos também ressaltam a importância de um bom ambiente de aprendizagem, de boa formação do professor e de ações de suporte e valorização dos educadores. Outra exceção é o estudo de Menezes Filho (2012), que aponta o número de horas-aula como um dos fatores escolares mais associados a bons resultados no Saeb.
Entre os aspectos pouco estudados dos anos finais do ensino fundamental está a compreensão dos fatores que distinguem escolas que, apesar de atenderem majoritariamente alunos de baixo nível socioeconômico, conseguem obter bons resultados em termos de aprendizado. Madalozzo e Faria (2014) investigaram os fatores que explicam o sucesso de 215 escolas com indicadores muito bons nos anos iniciais do ensino fundamental, apesar de receberem alunos com nível socioeconômico baixo, denominadas escolas de excelência com equidade. O presente artigo realiza uma reflexão semelhante, contudo voltada aos anos finais do ensino fundamental.
Utilizando critérios semelhantes aos de Madalozzo e Faria (2014), foram selecionadas 329 escolas com bons resultados que recebem alunos de baixo nível socioeconômico. O objetivo da análise é tentar identificar fatores que diferenciam essas escolas de outras que não tiveram o mesmo êxito, apesar de serem semelhantes em várias dimensões, até 2011. Com dados secundários da Prova Brasil, é possível mapear ações e iniciativas das escolas e das redes que podem ter levado a esse melhor desempenho nos últimos anos. Particularmente, estamos interessados em investigar se tais práticas podem ser replicáveis em outras escolas e redes de ensino.
Além da introdução, este artigo está dividido em mais cinco seções. Na segunda seção, serão abordados os critérios estabelecidos para a seleção das escolas de bom desempenho, referidas neste estudo como escolas de excelência. Na terceira, serão descritas a base de dados e algumas características das 329 escolas selecionadas. Já na quarta seção, será apresentada a metodologia empregada. Discutem-se, então, na quinta seção, os resultados da análise econométrica, que mapeou as características que distinguem as escolas de bom desempenho das demais. A ideia foi realizar uma análise de diferenças em diferenças, encontrando, para cada escola de bom desempenho, uma outra que, em 2011, fosse semelhante a ela em fatores observáveis. Por fim, na última seção, são tecidas as considerações finais do trabalho.
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO
Os indicadores de qualidade dos anos finais do ensino fundamental têm se tornado, recentemente, foco de grande preocupação. Uma vez que, nas avaliações externas, houve um progresso razoável nos anos iniciais desse nível de ensino, havia uma expectativa de que tal avanço impactasse os resultados dos anos finais do ensino fundamental. Infelizmente, não é isso que vem ocorrendo no Brasil, pois permanecem os problemas de baixa proficiência e elevada reprovação e evasão escolar nessa etapa de ensino. Ademais, essas complicações tendem a ser mais graves quanto pior for a condição socioeconômica dos alunos (CARLOS, 2019; SOUZA et al., 2012). Além disso, é importante que a busca por um melhor desempenho ocorra em condições mais igualitárias (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2010; SOARES; ANDRADE, 2006), sem induzir um processo de desistência da escola por parte dos alunos com mais dificuldade e promovendo o aprendizado de todos os estudantes, especialmente aqueles com maior deficit de aprendizado.
Nesse sentido, ganha importância a investigação de escolas com alunos de baixo nível socioeconômico, mas que conseguem se destacar nos anos finais do ensino fundamental. Tais exemplos podem servir como norteador para que as demais escolas possam adaptar práticas que estejam se mostrando bem-sucedidas.
Nesta seção, são discutidos os critérios para identificar escolas que atendem a população de baixo nível socioeconômico e que vêm se destacando em termos de proficiência nos anos finais do ensino fundamental. Foram considerados dois aspectos que diferenciam as escolas de anos finais do ensino fundamental e que acreditamos serem importantes para nossa análise. O primeiro diz respeito à complexidade da gestão escolar em municípios muito grandes. Assim, os municípios foram separados de acordo com o número de alunos nos anos finais do ensino fundamental (em 2015) em dois grupos: aqueles com mais de 50 mil alunos, e os demais. Com esse recorte, ficaram no primeiro grupo os 15 maiores municípios brasileiros: Belo Horizonte, Belém, Brasília, Campinas, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Guarulhos, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís e São Paulo.
O segundo aspecto refere-se ao perfil dos alunos que a escola recebe no 6º ano do ensino fundamental. Idealmente, gostaríamos de saber, para cada aluno da escola, qual foi seu desempenho na Prova Brasil ao término do 5º ano do ensino fundamental. Isso nos permitiria levar em conta a contribuição que os anos finais efetivamente deram para o aumento da proficiência dos alunos, pois pode haver escolas recebendo alunos advindos de escolas de baixa proficiência no 5º ano, enquanto outras poderiam estar recebendo alunos, predominantemente, de escolas de alta proficiência. Assim, identificada, para cada aluno do 9º ano do ensino fundamental em 2015, a escola em que ele se encontrava em 2011, calculamos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de entrada no 6º ano.
Esse indicador foi obtido a partir da informação da distribuição dos alunos do 9º ano da escola em 2015, de acordo com a escola na qual o aluno concluiu o 5º ano em 2011, por meio da seguinte expressão:
Ou seja, o Ideb de entrada no 6º ano da escola i é calculado como sendo a média ponderada do Ideb de 5º ano das escolas de origem dos alunos de 9º ano da escola i, onde o peso é definido pela proporção de alunos do 9º ano que vieram de cada escola de 5º ano j. Esse indicador permite identificar um perfil aproximado da proficiência dos alunos no momento do ingresso nos anos finais do ensino fundamental. Cabe destacar que, na construção da medida, consideramos a parte do Ideb de 5º ano apenas relativa à proficiência, ignorando a medida de fluxo nos primeiros anos do ensino fundamental, pois o objetivo era obter uma medida de proficiência inicial dos anos finais dessa etapa. Com base nisso, separamos as escolas dos anos finais do fundamental em três grupos, de acordo com o Ideb de entrada no 6º ano: aquelas com Ideb de entrada até 5,0 (baixo índice de entrada), entre 5,0 e 6,0 (médio índice de entrada) e maior que 6,0 (alto índice de entrada). Assim, formamos seis clusters de escolas, definidos pelo tamanho do município e Ideb de entrada no 6º ano.
TAMANHO DO MUNICÍPIO (EM TERMOS DO NÚMERO DE ALUNOS NOS ANOS FINAIS DO EF) | IDEB DE ENTRADA DO ALUNO NO 6º ANO DO EF DA ESCOLA | ||
---|---|---|---|
ALTO (IDEB > 6,0) |
MÉDIO (5,0 < IDEB <= 6,0) |
BAIXO (IDEB <= 5,0) |
|
Grande (mais de 50 mil) | 515 | 2269 | 1044 |
Médio ou pequeno (50 mil ou menos) | 4082 | 9217 | 6852 |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da Prova Brasil e Censo Escolar.
Em seguida, foram desenhados os critérios que definiram a seleção das escolas de baixo nível socioeconômico que mais se destacaram nos anos finais do ensino fundamental em 2015. Utilizou-se o nível socioeconômico médio dos alunos da escola para qualificar as escolas elegíveis para a análise, calculado pelos valores do Critério Brasil (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA - ABEP, 2016). Foram estabelecidos três critérios para determinar se a escola seria considerada elegível: seleção das escolas com nível socioeconômico médio dos alunos nos níveis C2, D e E, de acordo com o Critério Brasil; seleção das 25% piores escolas em termos de nível socioeconômico de cada Unidade Federativa (UF); e seleção, em cada um dos 15 maiores municípios já apontados anteriormente, dos 25% de escolas com nível socioeconômico mais baixo.1 Assim, se a escola atendeu a algum desses três critérios, ela entrou no conjunto de escolas passíveis de serem classificadas como de excelência.
Os critérios utilizados para a seleção das escolas no caminho da excelência com equidade foram os seguintes:
Taxa de evasão escolar da escola entre o 6º e o 8º ano do ensino fundamental: a ideia foi selecionar escolas com menos de 8% de evasão nessas séries, que corresponde à evasão média das escolas brasileiras. Assim, pretende-se destacar escolas que estejam conseguindo melhorar a proficiência dos alunos sem “expulsar” os piores alunos, gerando evasão escolar. Apesar de não ser uma variável de completo controle da escola, entende-se que uma escola de “sucesso” não deveria admitir elevadas taxas de evasão escolar, pois a evasão poderia atuar como um mecanismo de seleção dos melhores alunos.
Valor adicionado da nota: por se tratar da segunda etapa do ensino fundamental, propõe-se uma medida de valor adicionado de Língua Portuguesa e Matemática como critério de seleção de escolas de excelência. A ideia é calcular a nota média de entrada dos alunos da escola no 6º ano do ensino fundamental, que deverá ser subtraída da nota média da escola na Prova Brasil quatro anos depois.
Taxa de participação de pelo menos 70% dos alunos na Prova Brasil (Matemática e Língua Portuguesa): esse critério é importante na medida em que um dos mecanismos para inflar artificialmente o Ideb pode ser provocar a ausência dos alunos com maiores dificuldades de aprendizado no dia da Prova Brasil.
Porcentagem máxima de alunos no nível insuficiente2de proficiência: definida de acordo com o cluster ao qual a escola pertencia, variando entre 10% e 20%.
Porcentagem mínima de alunos no nível adequado3de proficiência: definida de acordo com o cluster ao qual a escola pertencia, variando entre 25% e 34% (Matemática) e 25% e 53% (Língua Portuguesa).
Ideb da escola: a escola deveria estar pelo menos no percentil 75 de Ideb do seu cluster em 2015, variando de 3,9 a 5,4.
Município deve ter pelo menos 75% das escolas com evolução no Ideb entre 2011 e 2015: a ideia é punir municípios que estejam concentrando “bons” alunos em determinadas escolas, aumentando a desigualdade entre escolas no tempo. A rede como um todo tem que ter evoluído positivamente no período 2011-2015.
A Tabela 2 apresenta os valores de corte para a definição das escolas de excelência:
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DAS ESCOLAS | TAMANHO DO MUNICÍPIO E IDEB DE ENTRADA NO 6º ANO DA ESCOLA | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
GRANDE | MÉDIO E PEQUENO | |||||
ALTO | MÉDIO | BAIXO | ALTO | MÉDIO | BAIXO | |
Valor adicionado da nota: Matemática | 46 | 44 | 53 | 42 | 49 | 58 |
Valor adicionado da nota: Português | 63 | 62 | 70 | 60 | 65 | 71 |
Taxa de evasão escolar: 6º a 8º ano | 8% | 8% | 8% | 8% | 8% | 8% |
Taxa de participação na Prova Brasil 2015 | 70% | 70% | 70% | 70% | 70% | 70% |
% Max. no nível Insuficiente: Matemática | 11% | 20% | 20% | 10% | 19% | 20% |
% Max. no nível Insuficiente: Português | 10% | 14% | 19% | 10% | 11% | 20% |
% Mínima no nível adequado: Matemática | 34% | 25% | 25% | 33% | 25% | 25% |
% Mínima no nível adequado: Português | 53% | 34% | 25% | 50% | 35% | 25% |
Ideb em 2015 | 5,4 | 4,6 | 4,1 | 5,4 | 4,7 | 3,9 |
% Escolas com crescimento do Ideb | 75% | 75% | 75% | 75% | 75% | 75% |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da Prova Brasil e do Censo Escolar.
DADOS E ANÁLISE DESCRITIVA
As informações utilizadas para identificar as características e práticas das escolas de excelência são provenientes dos questionários das Provas Brasil. Nesse sentido, buscou-se identificar e analisar o maior número possível de variáveis que pudessem estar relacionadas ao fato de a escola ter atingido um status de excelência com equidade nos anos finais do ensino fundamental.
Os gráficos abaixo permitem uma breve análise descritiva de algumas variáveis, tanto para as escolas de excelência em 2015 quanto para as demais escolas, de acordo com o cluster ao qual pertencem. Para a porcentagem de alunos no nível adequado em Língua Portuguesa e em Matemática, é possível notar que as médias das escolas de excelência são sempre maiores que as médias das demais escolas. Por outro lado, para a porcentagem de alunos no nível insuficiente de proficiência em Língua Portuguesa e em Matemática, as médias das escolas de excelência são inferiores às médias das demais escolas. O que confirma um melhor desempenho das escolas de excelência.
Cabe destacar também que parte considerável das perguntas dos questionários de aluno, professor e diretor da Prova Brasil corresponde a variáveis categóricas. Ou seja, as alternativas de respostas são categóricas (como, por exemplo, “sempre”, “frequentemente”, “às vezes”, “quase nunca”, “nunca”). Nesses casos, foram criadas variáveis binárias que assumiam valor um ou zero, a depender da categoria respondida. No exemplo acima, atribuiu-se o valor 1 quando a resposta era “sempre”, e zero no caso das outras respostas.
Para essas variáveis binárias, foram construídos alguns índices (0 a 1) que podem nos orientar sobre os próprios resultados para identificar os fatores que diferenciam as escolas com melhores desempenhos. A Figura 2 apresenta a evolução de alguns índices: alunos que fazem o dever de Língua Portuguesa e Matemática (questionário de aluno); expectativa dos professores sobre quantos alunos concluirão o ensino médio; agressão física ou verbal a alunos cometida por outros alunos (questionário de professores); e índice de falta dos alunos (questionário de diretores).
Nesses casos, nota-se que nas escolas de excelência os índices são melhores (mais próximos de um, exceto no caso do índice de agressão, que deve ser mais próximo de zero) em relação às demais escolas.
METODOLOGIA
A fim de entender melhor as características e práticas que diferenciam as escolas de excelência das demais escolas, a estratégia de estimação adotada baseia-se no pareamento por escore de propensão e diferenças em diferenças.4 A ideia do pareamento consistiu em procurar, para cada escola selecionada como de excelência em 2015, outra (de nível socioeconômico baixo) que acabou não se tornando de excelência, mas que fosse o mais semelhante possível em características observáveis à de excelência em 2011. No nosso caso, selecionamos as seguintes variáveis para tornar as escolas pareadas o mais parecidas possível: Ideb em 2011; tamanho do município em termos do número de alunos nos anos finais do ensino fundamental; Ideb de entrada no 6º ano; nível socioeconômico médio dos alunos da escola; e taxa de abandono do 8º e 9º anos em 2011. A escolha dessas variáveis visa a garantir maior probabilidade de que as escolas tivessem, inicialmente, condições semelhantes, seja em proficiência, seja em abandono e aprovação, além de estarem no mesmo nível socioeconômico e com o mesmo perfil de entrada dos alunos no 6º ano do ensino fundamental. O pareamento das escolas de excelência com as demais foi feito por meio do método do vizinho mais próximo.
Em seguida, acompanhamos esses dois grupos de escolas ao longo do tempo (até 2015) e observamos como evoluiu uma série de suas características. Por meio da aplicação da técnica de diferenças em diferenças, pretendemos saber quais características tiveram alteração ao longo do tempo de modo particular para as escolas de excelência relativamente ao outro grupo de escolas (FARIA; GUIMARÃES, 2015; GELMAN; IMBENS, 2013).
Como temos três períodos (2011, 2013 e 2015), a especificação do modelo permite estimar o que diferencia as escolas de excelência das demais nos dois últimos períodos. Assim, seguindo Galiani, Gertler e Schargrodsky (2005) e Oshiro, Scorzafave e Dorigan (2015):
Em que Y it refere-se aos diferentes indicadores sobre os quais vamos avaliar se há diferenças entre as escolas de excelência e as demais; Esc_Excel i = 1, se a escola i tiver sido classificada como de excelência e 0, caso contrário; I i2013 é uma variável que assume valor 1 para as escolas de excelência em 2013; I i2015 assume valor 1 para as escolas de excelência apenas em 2015; d 2013 e d 2015 são dummies de tempo para 2013 e 2015, respectivamente.
Os parâmetros β 2 e β 3 capturam o diferencial entre as escolas de excelência e as demais em termos de cada indicador analisado em 2013 e 2015, respectivamente. Assim, sendo esses coeficientes estatisticamente significativos, inferimos que tais diferenças podem revelar um dos aspectos que fizeram as escolas de excelência conseguir essa posição de destaque.
RESULTADOS
Com base nas perguntas das Provas Brasil, foram construídos índices que as agregavam de acordo com os seus conteúdos.5 A ideia de apresentar os índices é avaliar em quais dimensões as escolas de excelência se diferenciam das demais. Para este estudo, se apenas olhássemos perguntas da prova isoladamente, poderia não ficar evidente quais categorias de características estariam explicando dimensões que diferenciam as escolas de excelência das demais. Na Tabela 3 apresentam-se os resultados das estimações para os índices.
Diferenças que variam de 0,3 a 0,5 desvios-padrão nos índices capturam se os alunos fazem lição de casa e se os professores corrigem lição de casa, a favor das escolas de excelência, se comparadas às demais, em 2013 e 2015. Também se destacam a maior participação dos pais (0,389 d.p.) e o fato de os alunos gostarem de estudar (0,259 d.p.) em 2015. Além disso, os professores das escolas de excelência tiveram maior expectativa com relação ao futuro escolar dos alunos do que os docentes das demais escolas (0,446 d.p.), além de reconhecerem o papel de liderança dos diretores em suas escolas e identificarem menor violência nas escolas de excelência. Nos indicadores relacionados à resposta dada pelos diretores, não houve diferença entre os dois tipos de escolas. No caso específico do indicador de violência, as escolas de excelência já eram menos violentas em 2011 do que as demais, segundo a percepção dos diretores (-0.25 d.p.).6
ÍNDICES | 2013 | 2015 | ||
---|---|---|---|---|
COEFICIENTE | E. PADRÃO | COEFICIENTE | E. PADRÃO | |
Alunos | ||||
Gosta de estudar | 0,180 | 0,122 | 0,259** | 0,120 |
Faz lição de casa | 0,292** | 0,124 | 0,523*** | 0,128 |
Professor corrige lição | 0,309*** | 0,116 | 0,456*** | 0,120 |
Participação dos pais | 0,169 | 0,128 | 0,389*** | 0,130 |
Professor | ||||
Liderança do diretor | 0,286** | 0,116 | 0,233** | 0,116 |
Coesão do corpo docente | 0,371*** | 0,128 | 0,199 | 0,134 |
Expectativa do professor em relação aos alunos | 0,193 | 0,120 | 0,446*** | 0,118 |
Violência | -0,265** | 0,117 | -0,372*** | 0,118 |
Diretor | ||||
Recursos financeiros | 0,000* | 0,000 | 0,000 | 0,000 |
Participação dos pais na escola | -0,018 | 0,085 | -0,018 | 0,085 |
Violência | 0,169 | 0,132 | -0,002 | 0,126 |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da Prova Brasil.
Nota: *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; * significativo a 10%.
Obs.: Cada linha da tabela corresponde ao resultado da estimação de um modelo de diferenças em diferenças em que a variável dependente é um indicador formado a partir de itens da Prova Brasil. Os coeficientes na primeira e segunda colunas são, respectivamente, estimativas de ß2 e ß3 da equação (2). No Apêndice, são apresentadas as variáveis utilizadas para o cálculo de cada um dos índices sintéticos.
A análise dos índices sintéticos, no entanto, não permite a identificação das práticas concretas que podem diferenciar as escolas de excelência das demais. Nesse sentido, passa-se agora a analisar a resposta a itens isolados do questionário da Prova Brasil, cujos resultados encontram-se na Tabela 4. Vale ressaltar que, no caso da Tabela 4, as variáveis dependentes são binárias e os coeficientes indicam qual a diferença entre escolas de excelência e as demais (em pontos percentuais) em cada uma das variáveis em análise.
VARIÁVEIS | 2013 | 2015 | ||
---|---|---|---|---|
COEFICIENTE | E. PADRÃO | COEFICIENTE | E. PADRÃO | |
Alunos | ||||
Gosta de estudar Matemática | 0,023 | 0,0164 | 0,044*** | 0,0164 |
Faz dever de Português | 0,042** | 0,0169 | 0,055*** | 0,0169 |
Faz dever de Matemática | 0,032* | 0,0171 | 0,063*** | 0,0168 |
Prof. corrige dever de Português | 0,038*** | 0,0145 | 0,042*** | 0,0148 |
Prof. corrige dever de Matemática | 0,031** | 0,0144 | 0,047*** | 0,0140 |
Frequência que os pais participam da reunião | 0,023 | 0,0190 | 0,048** | 0,0188 |
Pais que incentivam os alunos a estudar | 0,004 | 0,0028 | 0,006** | 0,0025 |
Pais que incentivam os alunos a fazer dever | 0,009* | 0,0053 | 0,011** | 0,0049 |
Pais que incentivam os alunos a não faltar | 0,003 | 0,0032 | 0,006* | 0,0030 |
Aluno já reprovou | 0,000 | 0,0186 | -0,056** | 0,0170 |
Professor | ||||
Indisciplina dos alunos em sala de aula | -0,068 | 0,0450 | -0,074* | 0,0444 |
Quantos dos alunos você acha que concluirão o ensino fundamental | 0,047* | 0,0275 | 0,052** | 0,0237 |
Quantos dos alunos você acha que concluirão o ensino médio | 0,050 | 0,0462 | 0,136*** | 0,0454 |
Quantos dos alunos você acha que entrarão para a universidade | 0,030 | 0,0281 | 0,058** | 0,0295 |
Agressão física ou verbal a funcionário e/ou professores cometida por alunos | -0,093* | 0,0477 | -0,102** | 0,0477 |
Agressão física ou verbal a alunos cometida por outros alunos | -0,099** | 0,0460 | -0,182*** | 0,0478 |
Diretor | ||||
Diretor dá atenção especial a aspectos relacionados a aprendizagem dos alunos | 0,051* | 0,0300 | 0,053* | 0,0306 |
Critério de formação de turmas: homogeneidade de rendimento escolar | 0,032 | 0,0409 | 0,070** | 0,0340 |
Há carência de pessoal administrativo | -0,139** | 0,0679 | -0,075 | 0,0622 |
Alto índice de falta dos alunos | -0,048 | 0,0672 | -0,104* | 0,0611 |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da Prova Brasil.
Nota: *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; * significativo a 10%.
Obs.: Cada linha da tabela corresponde ao resultado da estimação de um modelo de diferenças em diferenças em que a variável dependente corresponde a itens da Prova Brasil. Os coeficientes na primeira e segunda colunas são estimativas de ß2 e ß3 da equação (2), respectivamente.
A importância de fazer o dever de casa e o fato de o professor corrigi-lo aparecem, tanto para Língua Portuguesa quanto para Matemática, como fatores que diferenciam as escolas de excelência. Na percepção dos discentes, em 2015, os pais dos alunos de escolas de excelência incentivavam seus filhos a fazerem o dever de casa, a estudar e a não faltar à aula. Por fim, um dado interessante é que, nas escolas de excelência, a proporção de alunos que já haviam sido reprovados também era menor. Em geral, a diferença entre as escolas de excelência e as demais é de cerca de cinco pontos percentuais nesses itens, exceto no caso do incentivo dos pais, em que é praticamente nula a diferença.
Com relação aos itens respondidos pelo professor, destacam-se a menor indisciplina dos alunos nas escolas de excelência e uma maior expectativa quanto ao futuro escolar dos alunos. Por exemplo, há diferença de 13 pontos percentuais a favor das escolas de excelência na expectativa dos professores de que os alunos concluiriam o ensino médio. Por fim, os professores relatam menos violência na escola, merecendo destaque uma diferença de 18 pontos percentuais na ocorrência de agressão física e verbal entre alunos, quando se comparam as escolas de excelência com as demais. Ou seja, aspectos relacionados a habilidades interpessoais parecem ser mais bem trabalhados nas escolas de bom desempenho do que nas demais, sob a ótica dos professores, corroborando parte da literatura, que aponta a importância de um bom ambiente na sala de aula para garantia do aprendizado.
Por fim, os diretores relatam menos problemas com faltas de alunos e carência de pessoal administrativo. Um último ponto interessante é que há maior proporção de escolas de excelência que formam turmas separando os alunos por homogeneidade de desempenho. De fato, apesar de esse assunto ser polêmico, a literatura sobre efeitos dos pares vem demonstrando que conformações de turmas dessa natureza, em que são alocados alunos de níveis semelhantes de aprendizado, possuem efeitos benéficos (HOXBY; WEINGARTH, 2005).
Os resultados aqui encontrados também corroboram a literatura no que se refere ao fato de que as expectativas dos professores sobre os alunos afetam o aprendizado (SOARES et al., 2010) e um ambiente violento dentro da escola está associado a menor nível de proficiência escolar (SEVERNINI; FIRPO, 2009; TEIXEIRA; KASSOUF, 2015). Além disso, a literatura já aponta que fazer lição de casa explica a diferença de desempenho escolar entre os alunos (SCORZAFAVE; FERREIRA, 2011; MENEZES FILHO; RIBEIRO, 2009). Por fim, a liderança do diretor, outro fator importante de distinção das escolas de excelência, também corrobora a literatura (OLIVEIRA; CARVALHO, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo procurou-se caracterizar as escolas que vêm apresentando destaque nos anos finais do ensino fundamental, mesmo tendo alunos de baixo background socioeconômico. Após o estabelecimento dos critérios e a seleção das denominadas escolas de excelência, buscou-se identificar em que dimensões essas escolas se diferenciam das demais. De forma geral, as relações interpessoais se destacam nessas escolas, com menores índices de violência, maior crença dos professores no potencial de estudo futuro dos alunos e menor indisciplina dos alunos. Um ponto importante para futura investigação é entender como essas escolas conseguem construir um ambiente seguro e lidar com os problemas de violência, tanto do seu entorno (que, muitas vezes, se refletem no ambiente escolar) como dentro da escola. Investigar como se constrói essa situação benéfica e como se previne a violência escolar é o próximo passo nesta agenda de pesquisa.
Esses fatores acabam sendo complementados por um ambiente em que o aprendizado é levado a sério, o que se reflete no maior índice de alunos que afirmaram fazer as lições de casa, bem como no maior comprometimento dos professores com a correção dessas tarefas. Também há menos relatos de faltas dos alunos nessas escolas do que nas demais. Tais fatores, de modo geral, costumam ser apontados como associados a um melhor desempenho escolar quando são feitas análises para as escolas como um todo, sem a realização de recorte para escolas com alunos de mais baixo background socioeconômico.
Por sua vez, fatores normalmente considerados para atribuir qualidade a uma escola não mostraram diferenças entre as escolas analisadas, em particular os salários de professores, bem como a qualificação e experiência de docentes e diretores, que se mostraram semelhantes tanto nas escolas de excelência como nas demais. Note-se que não se pretende dizer, com isso, que tais fatores não sejam importantes para compreendermos a qualidade das escolas, mas simplesmente que não são fatores que diferenciam as escolas de melhor desempenho das demais. Portanto, não parece ter sido por meio desses canais que as escolas conseguiram se destacar em relação às demais.