INTRODUÇÃO
Há um evidente consenso de que o trabalho infantil deve ser considerado um problema social persistente, principalmente nas economias em desenvolvimento. Com base nas principais convenções internacionais,1 o trabalho infantil pode ser definido como a participação em atividades econômicas, com ou sem remuneração, de crianças e adolescentes abaixo da idade mínima de admissão ao emprego/trabalho estabelecida no país. Especificamente no caso brasileiro, considera-se trabalho infantil quando a atividade é realizada por crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, exceto para a condição de aprendiz, em que a idade mínima permitida é de 14 anos.
No mundo, segundo dados da OIT (2013), estima-se que, em 2013, havia 168 milhões de crianças e adolescentes ocupados economicamente. Na região da América Latina e Caribe (ALC), evidenciou-se um avanço significativo na redução e combate ao trabalho infantil nas últimas duas décadas. Os dados da OIT (2013) mostram que a taxa de crianças e adolescentes ocupados em atividades econômicas foi reduzida de 14,9%, em 2002, a 10,2%, em 2012.
Isso pode ser um reflexo do último ciclo político na primeira década do século XXI e das diversas iniciativas de política social na região. No entanto, a mesma OIT (2015) reporta que, na ALC, no ano de 2015, ainda havia aproximadamente 12,5 milhões de crianças e adolescentes em condição de trabalho infantil. Especificamente no Brasil, segundo dados da OIT (2016) considerando a Pesquisa Nacional de Amostras e Domicílios (Pnad), entre 1992 e 2015, aproximadamente 5,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos deixaram de trabalhar, o que significou uma redução de 68%. Entretanto, ainda há 2,7 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no país, dos quais aproximadamente 160 mil estão situados no estado do Paraná.
As causas possíveis do fenômeno radicam-se em fatores como: a pobreza estrutural das famílias, determinantes culturais, nível de escolaridade dos pais, nível de desigualdade econômica, grau de informalidade da economia, falta de legislação, entre outros (BASU; TZANNATOS, 2003; KASSOUF, 2007). No que diz respeito às possíveis consequências, podem-se destacar: o risco de efeitos negativos na saúde física e mental do infante (AMBADEKAR et al., 1999; ARANSIOLA; JUSTUS, 2018); a tendência a salários menores no futuro (KASSOUF; SANTOS, 2010) e consequências negativas no processo de escolarização (GALLI, 2001). Esta última consequência representa a principal preocupação desta pesquisa.
Diversos estudos mostram que a educação básica é fundamental no processo de formação de capital humano, fator relevante para o crescimento e sofisticação de uma economia (HANUSHEK, 2013; GLEWWE; MURALIDHARAN, 2016; MERCAN; SEZER, 2014). Os efeitos negativos do trabalho infantil sobre a escolaridade podem interromper e afetar esse processo; no entanto, é necessário avaliar com cautela o impacto, levando em conta diversas especificidades sobre o tipo de trabalho ou sua intensidade. Normalmente os estudos na área são realizados no âmbito nacional (BEZERRA; KASSOUF; ARENDS-KUENNING, 2009; DELPRATO; AKYEAMPONG, 2019; EMERSON; PONCZEK; SOUZA, 2017; KASSOUF; TIBERTI; GARCIAS, 2020) e a respeito das causas (BASU, 2000; FORS, 2012), e não das consequências do trabalho infantil.
Esse fato justifica a relevância da presente pesquisa; ademais, o método adotado tem o potencial de representar uma inovação teórica. Isso porque a desagregação dos dados no âmbito regional permite observar especificidades e detectar diferenças de resultados obtidos em análises no contexto de países. O controle das estimações por mesorregiões poderia revelar a existência de heterogeneidade na magnitude do impacto do trabalho infantil sobre a educação.
Dito isso, o objetivo geral do estudo é estimar o impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar dos estudantes do ensino básico do estado do Paraná, no Brasil, no ano de 2015, considerando os tipos de trabalho: doméstico, no mercado ou ambos.
Pretende-se, adicionalmente, identificar a evolução temporal do número de crianças trabalhando entre 2007 e 2015, nas diferentes modalidades, e detectar a existência de heterogeneidade na magnitude do impacto do trabalho infantil, controlando as estimações por cada uma das 10 mesorregiões paranaenses, levando em conta as diferenças estruturais referentes à composição setorial e o tipo de atividade econômica predominante.
TRABALHO INFANTIL E ESCOLARIDADE
Existem alguns estudos que analisam o efeito do trabalho realizado pelas crianças sobre a sua taxa de frequência ou sua matrícula escolar, e não sobre o seu desempenho na escola, como Ravallion e Wodon (2000), Canals-Cerdá e Ridao-Cano (2004), Beegle et al. (2008) e Putnick e Bornstein (2015). Entretanto, no Brasil, é comum ver crianças combinando trabalho e escola; nesse sentido, observar o efeito do trabalho infantil na aprendizagem e no rendimento escolar pode oferecer uma análise mais robusta e detalhada.
Autores como Patrinos e Psacharopoulos (1997), Akabayashi e Psacharopoulos (1999), Heady (2003), Stinebrickner e Stinebrickner (2003), Gunnarsson, Orazem e Sánchez (2006), Bezerra, Kassouf e Arends-Kuenning (2009), Dumas (2012), Delprato e Akyeampong (2019), Kassouf, Tiberti e Garcias (2020), entre outros, estudaram o efeito do trabalho infantil sobre resultados dos testes de desempenho dos alunos em diferentes países.
O impacto do trabalho infantil na aprendizagem pode ser negativo se as crianças e os adolescentes dividirem seu tempo entre estudar e trabalhar muitas horas em empregos que exijam muito esforço físico e mental. Por outro lado, o impacto do trabalho infantil na aprendizagem pode ser positivo se o trabalho envolver tarefas que resultem em aprendizado e melhoria de habilidades cognitivas. Portanto, a direção esperada do impacto do trabalho infantil no desempenho escolar não é clara.
No campo teórico, existe controvérsia sobre as formas e tipos de trabalho infantil, assim como as causas e consequências do fenômeno. Por exemplo, no caso do trabalho doméstico - considerado uma das piores formas de trabalho infantil pela Convenção 182 da OIT (1999)2 -, algumas pesquisas mostram que pode ser prejudicial para o infante, e, em alguns casos, as condições de trabalho podem ser análogas à escravidão (BLAGBROUGH, 2008; BOURDILLON, 2009; KASSOUF, 2007). Outras pesquisas, por sua vez, apontam que o trabalho infantil doméstico, além de ser heterogêneo, sob certas condições pode ser visto como “seguro”, e o fato de ser classificado como “pior forma de trabalho infantil” pode trazer consequências negativas para as crianças (GAMLIN et al., 2015; KLOCKER, 2011).
No âmbito do trabalho infantil rural, é bastante frequente a presença de crianças e adolescentes que trabalham em atividades agropecuárias de caráter doméstico sem remuneração. No estudo de Admassie (2003), é evidenciado que, no setor rural, muitas famílias precisam da mão de obra infantil para o sustento do núcleo, e, muitas vezes, existe a compatibilidade entre trabalho e estudo sem consequências maiores para o desempenho escolar. No entanto, é necessário avaliar diversos fatores que influenciam esse processo, tais como o tipo de trabalho, a temporada na qual é desenvolvido (pelas safras e aumento de demanda de mão de obra), a composição familiar etc.
Por outro lado, Kassouf, Tiberti e Garcias (2020) avaliaram o impacto do trabalho infantil (doméstico e no mercado) sobre o rendimento escolar usando os dados da Prova Brasil dos anos de 2007 a 2017. Os resultados encontrados pelos autores mostram que, no Brasil, tanto o trabalho realizado pelas crianças em casa como o realizado no mercado afetam negativamente o rendimento escolar, sendo piores os efeitos naquelas crianças que trabalham apenas no mercado.
Na revisão da literatura, é possível perceber que a maioria dos estudos sobre trabalho infantil é realizada no âmbito nacional, e uma boa parte é sobre as causas, e não as consequências do fenômeno. Também no contexto da avaliação de impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar, as estimativas são, normalmente, baseadas em dados agregados no âmbito nacional. Dessa maneira, os resultados estimados podem omitir algumas especificidades regionais que, por diversas razões, podem ter influência na magnitude e direção dos efeitos analisados.
A implicação prática disso é que podem existir importantes diferenças entre o impacto estimado do trabalho infantil no desempenho escolar de um país e o impacto estimado em alguma das suas regiões específicas. De igual forma, dentro da mesma região, podem existir importantes diferenças na magnitude do impacto, configurando-se, assim, uma possível heterogeneidade do impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar.
O TRABALHO INFANTIL NO PARANÁ
Há uma importante lacuna de trabalhos qualitativo-descritivos e/ou empírico-quantitativos que visam a medir o impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar, considerando, especificamente, o caso do estado do Paraná. Contudo, existem alguns estudos relacionados, como o de Lopes, Souza e Pontili (2008), que, mediante o uso de dados da Pnad, procurou mostrar os efeitos do trabalho infantil sobre o nível de escolaridade e rendimentos futuros dos indivíduos no Paraná. O resultado foi um efeito negativo, evidenciando o fato de que pessoas inseridas no mercado de trabalho paranaense depois dos seus 18 anos de idade (seja no âmbito rural ou urbano) tendem a apresentar maiores níveis de escolaridade e, consequentemente, maiores salários do que aqueles indivíduos inseridos no trabalho durante a infância.
Por outro lado, Mota (2003) discute a evolução da problemática do trabalho infantil no estado do Paraná, destacando os precedentes políticos, econômicos e sociais, bem como as principais iniciativas de combate ao trabalho infantil no período 1992-2001. A análise mostra que, no Paraná, algumas famílias necessitam economicamente da incorporação precoce dos jovens no mercado de trabalho. No entanto, evidencia-se também uma redução significativa nos índices de trabalho infantil nos anos considerados.
Outrossim, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) desenvolveu o Mapa do trabalho infanto-juvenil no Paraná (IPARDES, 2007), uma análise especializada no âmbito de municípios e microrregiões, apresentando uma série de indicadores que caracterizam o trabalho infantil no estado de forma específica. Com base nessa metodologia e incorporando dados da Pnad para o ano de 2010, a Secretaria da Família e Desenvolvimento Social (Sedes) do estado do Paraná realizou um estudo mostrando que os casos de trabalho infantil no Paraná estão espraiados entre regiões, não havendo um único foco, mas pequenos contingentes que apresentam alto porcentual de infantes ocupados (SEDES, 2017).
Navarro, de Souza e Evarini (2013), a partir de microdados da Pnad, puderam analisar o perfil das crianças trabalhadoras e as condições de sua inserção no mercado de trabalho no Paraná no período 2002-2009. Os resultados mostram que as crianças ocupadas, em sua maioria, são do sexo masculino, brancas, alfabetizadas e moradoras da área urbana. A prática de tarefas domésticas é comum, a escolaridade da mãe tende a ser baixa, e a ausência da figura materna nos domicílios é crescente no período analisado. Os infantes começam a trabalhar ao redor dos 10 anos de idade, e o rendimento mensal do trabalho e a renda domiciliar per capita tendem a ser baixos.
Por último, Souza (2018) realizou uma pesquisa que almejou analisar o comportamento do trabalho infantil em relação às medidas institucionais para seu combate em toda a região Sul do Brasil. No tocante ao trabalho precoce, entre as principais consequências está a sua associação negativa com a escolaridade dos indivíduos. Constatou-se que o abandono escolar na região Sul foi mais elevado entre as crianças de 5 a 6 anos e entre os adolescentes de 15 a 17 anos, especialmente entre os mais velhos, acima de 16 anos. No total, 5,9% das crianças e adolescentes da região, de 5 a 17 anos, estavam em condição de abandono escolar (destes, 40% trabalhavam). Após políticas de combate ao trabalho de menores nessa região, a taxa de trabalho infantil caiu significativamente, e, em contrapartida, a taxa de matrícula escolar aumentou.
Diante da escassez de estudos no contexto regional que versem, especificamente, sobre os impactos do trabalho infantil no desempenho escolar, almejou-se avaliar o possível impacto no rendimento escolar dos alunos do estado do Paraná. Para isso, foram utilizados os dados disponíveis na Prova Brasil3 para a 5ª e 9ª séries das edições de 2007 a 2015 (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015), considerando os diferentes tipos de trabalho para os gêneros masculino e feminino.
De igual forma, além de comparar os resultados com os obtidos em estudos nacionais, pretende-se avaliar nas diferentes mesorregiões a possibilidade de existir heterogeneidade na magnitude do impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar paranaense. Os resultados encontrados, além de contribuir com a literatura específica, poderão auxiliar no desenho de projetos sociais, bem como nas tomadas de decisões políticas, sejam elas educacionais ou de combate ao trabalho infantil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Para mensurar o impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar paranaense, objetivo deste trabalho, foi utilizado o método Propensity Score Matching (PSM), considerando os tipos de trabalho infantil: doméstico, no mercado e ambos.4 Para detectar a existência de heterogeneidade na magnitude do impacto, as estimações do PSM serão controladas por mesorregiões do Paraná nos resultados do ano de 2015.
O PSM é um método de pareamento que permite comparar dois grupos: um chamado de grupo de tratamento (alunos que trabalham, nas diferentes formas), e o outro, chamado grupo de controle (alunos que não trabalham). Assim, pode-se avaliar o impacto do trabalho infantil no rendimento escolar para as crianças/jovens que trabalham e qual seria o resultado caso elas não trabalhassem. Por meio dessa hipótese, é possível avaliar um indivíduo no grupo de tratamento com as mesmas características “χ” que um indivíduo no grupo de controle. Por exemplo: compara-se a média na Prova Brasil de João, que tem olhos verdes, dois irmãos e trabalha, com a de Joaquim, que também tem olhos verdes, dois irmãos, porém não trabalha. Dessa maneira, avalia-se um aluno no grupo tratado que tenha as mesmas características de um aluno no grupo de controle, sendo a única diferença entre os estudantes o fato de trabalhar ou não (DEHEJIA; WAHBA, 1999).
Dada a dificuldade de encontrar pares com as mesmas características (por exemplo, ter olhos verdes e dois irmãos), tem-se o problema da multidimensionalidade.5 Para resolver esse problema, calcula-se o escore de propensão (PS) utilizando-se um modelo lógite (GREENE, 2003), que, por meio de variáveis selecionadas, indica a probabilidade de a criança trabalhar ou não; logo, são comparados indivíduos com probabilidades similares. Para o cálculo, foi utilizado o seguinte modelo:
O Quadro 1 mostra a descrição das variáveis do modelo. É importante salientar que a maior parte dos discentes do Paraná é branca; por isso, a decisão metodológica de usar tal critério como categoria base para as variáveis dummies da raça. Outras variáveis, referentes às características da escola, foram omitidas na especificação do modelo por excesso de missing nas observações.
VARIÁVEL | DESCRIÇÃO |
---|---|
Y | Variável dependente: assume valor de 1 se o estudante trabalha (em casa, no mercado ou em ambos), e de 0, caso contrário. Os ßn são os parâmetros estimados para cada variável explicativa, sendo ui o termo de erro. |
sex | Identifica o sexo do aluno: masculino recebe valor de 1, e feminino, de 0. |
mulatto | Recebe valor de 1 se o aluno é de raça parda, e de 0 se o aluno é de raça branca. |
black | Recebe valor de 1 se o aluno é de raça negra, e de 0 se o aluno é de raça branca. |
asian | Recebe valor de 1 se o aluno é de raça amarela, e de 0 se o aluno é de raça branca. |
moth_read | É uma variável proxy para escolaridade da mãe; recebe valor de 1 se a mãe do aluno sabe ler, e de 0, caso contrário. |
fath_read | É uma variável proxy para escolaridade do pai; recebe valor de 1 se o pai do aluno sabe ler, e de 0, caso contrário. |
hhmember | Representa o número de pessoas que residem com o aluno, incluindo ele mesmo. |
RENDA | Representa uma proxy do background socioeconômico do discente. Foi construída a partir do “Critério de Classificação Econômica do Brasil”6 com base nos dados do questionário da Prova Brasil. |
motivate_study | Recebe o valor de 1 se os pais motivam o discente a estudar e fazer suas tarefas, e de 0, caso contrário. Os fatores motivacionais são importantes, porque sua ausência na análise poderia superestimar os efeitos do trabalho infantil. |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015).
Para o cálculo de diferença de médias de quem trabalha com quem não trabalha, chamado de Average Treatment Effect on the Treated (ATT), é necessário que haja os pares entre os indivíduos dos grupos. Na literatura, são propostos diferentes métodos que têm por finalidade efetuar o pareamento do escore de propensão (CALIENDO; KOPEINIG, 2008; MAFFIOLI, 2011), ou seja, a seleção e comparação dos indivíduos presentes nos grupos de tratamento e de controle. Para isso, cada método atribui determinado peso a cada grupo. Neste trabalho, os resultados estimados foram obtidos pelos seguintes métodos de pareamento: sem restrição (noreplacement), 5 vizinhos e kernel.
Para a análise da heterogeneidade do impacto do trabalho infantil, será estimado o impacto mediante o método PSM para cada uma das dez mesorregiões do estado do Paraná. Da mesma forma, será utilizado o mapa do trabalho infantil do Ipardes (2007) para classificar o tipo de atividade econômica que predomina em cada mesorregião e suas respectivas microrregiões e, assim, poder comparar os efeitos segundo o tipo de atividade. A classificação regional utilizada será a descrita no Quadro 2.
NÚMERO | MESORREGIÃO | MICRORREGIÕES |
---|---|---|
1 | Noroeste Paranaense | Paranavaí, Umuarama, Cianorte |
2 | Centro-Ocidental Paranaense | Goioerê, Campo Mourão |
3 | Central Paranaense | Astorga, Porecatu, Floraí, Maringá, Apucarana, Londrina, Faxinal, Ivaiporã |
4 | Norte Pioneiro | Assaí, Cornélio Procópio, Jacarezinho, Ibaiti, Wenceslau Braz |
5 | Centro-Oriental | Telêmaco Borba, Jaguariaíva, Ponta Grossa |
6 | Oeste Paranaense | Toledo, Cascavel, Foz do Iguaçu |
7 | Sudoeste Paranaense | Capanema, Francisco Beltrão, Pato Branco |
8 | Centro-Sul Paranaense | Pitanga, Guarapuava, Palmas |
9 | Sudeste Paranaense | Prudentópolis, Irati, União da Vitória, São Mateus do Sul |
10 | Metropolitana de Curitiba | Cerro Azul, Lapa, Curitiba, Paranaguá, Rio Negro |
Fonte: Elaboração própria com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017).
A base de dados utilizada é a da Prova Brasil, censo que mensura o rendimento dos alunos das escolas públicas urbanas brasileiras nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Para a análise descritiva, foram considerados os anos de 2007, 2009, 2011, 2013 e 2015 para discentes da 5ª e 9ª séries. Para a mensuração do impacto sobre o rendimento, foram utilizados apenas os dados de 2015.
RESULTADOS
Os resultados aqui apresentados estão divididos em duas partes. Na primeira, são discutidas as estatísticas descritivas dos resultados do Paraná na Prova Brasil, utilizando os dados de 2007, 2009, 2011, 2013 e 2015. Na segunda parte, são apresentados os impactos do trabalho infantil, mensurados utilizando-se o PSM, nas diferentes mesorregiões para o ano de 2015.
Estatística descritiva
Na Tabela 1, apresenta-se um panorama geral da evolução na situação laboral dos discentes, considerando como critérios o sexo e a série. Para cada ano da Prova Brasil, foi tabulada a porcentagem de estudantes em relação ao total.
No caso dos meninos da 5a série, observa-se que a porcentagem média dos ocupados (em casa, no mercado ou em ambos) entre 2007 e 2015 foi de 40,97%. No caso do trabalho doméstico, observa-se um incremento significativo de 26,20%, em 2007, para 38,48%, em 2009. Apesar de uma redução em 2011 (para 23,67%), essa modalidade de trabalho infantil situou-se praticamente nos níveis iniciais até 2015 (26,66%). Por outro lado, em 2007, os ocupados no mercado de trabalho foram 9,36%, diminuindo para 3,07%, em 2009, e voltando para 9,11%, em 2011. Ou seja, não houve mudanças temporais muito significativas, mas é importante destacar que a média de alunos ocupados em trabalho doméstico se situa acima dos níveis nacionais detectados por Kassouf, Tiberti e Garcias (2020).
Quando observados os meninos da 9ª série, percebe-se que a porcentagem média dos ocupados entre 2007 e 2015 foi de 52,02%. Em 2007, a porcentagem de alunos no trabalho doméstico foi de 21,6%; em 2009, ocorreu uma leve queda para 20,23%, que persistiu em 2011 (20,42%), aumentando para 27,46%, em 2013, e 30,96%, em 2015. No caso dos que trabalham no mercado, a porcentagem foi de 21,26%, em 2007, registrando uma tendência de queda a partir de 2011, com 21,59%, chegando a 13,86%, em 2015. A redução observada nos níveis de trabalho infantil no mercado coincide com diversas políticas nacionais e regionais de combate e fiscalização no Brasil nas últimas décadas (DE BARROS; MENDONÇA, 2010; KASSOUF, 2015; SOUZA, 2018).
No caso das meninas da 5ª série, a porcentagem média das ocupadas entre 2007 e 2015 foi de 46,73%. No mesmo intervalo, os dados do trabalho doméstico apresentam uma porcentagem média de 40,31%, evidenciando-se um aumento significativo de 2007 para 2013. Já em relação às que trabalham no mercado, as porcentagens médias não apresentaram mudanças temporais significativas, passando de 3%, em 2007, para 2,43%, em 2015. Novamente, observa-se que o aumento, ao longo do tempo, do trabalho em casa é tendência, e a taxa de crianças do sexo feminino ocupadas é maior se comparada à dos discentes do sexo masculino da mesma série.
A porcentagem média das meninas ocupadas da 9ª série, entre 2007 e 2015, foi de 68,69%. O trabalho doméstico observado teve porcentagem média de 53,98%, em 2007, aumentando para 61,17%, em 2013, e 63,35%, em 2015, o que representa os maiores níveis em relação às demais categorias analisadas. Considerando as ocupadas apenas no mercado de trabalho, a porcentagem foi reduzida de 4,42%, em 2007, para 3,46%, em 2013, e 2,64%, em 2015, sem importantes mudanças temporais. Quando analisados os estudantes que trabalham em casa e no mercado, sem considerar o gênero, a porcentagem é mais elevada para discentes da 9ª série do que para os da 5ª série.
De modo geral, parece haver uma tendência de que as meninas trabalhem mais em casa, e os meninos, no mercado. Particularmente no caso das alunas da 9ª série, a porcentagem média das que trabalham em casa de 2007 a 2015 foi de 56,04%, mais do que o dobro se comparada com a média dos meninos da 9ª série, que foi de 24,13% para o mesmo período. Esse fato coincide com os achados dos trabalhos de Alberto et al. (2009), Alvi e Dendir (2011), Haile e Haile (2012) e Frasco--Zuker (2016), em que a “especialização” do trabalho é marcada pela propensão das meninas ao trabalho doméstico e dos meninos a tarefas de mercado. Outro detalhe importante é que a porcentagem média de estudantes ocupados, entre 2007 e 2015, foi mais alta no caso das meninas em comparação à dos meninos.
SITUAÇÃO | MASCULINO 5ª SÉRIE (%) | MASCULINO 9ª SÉRIE (%) | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Não trabalha | 57,89 | 54,84 | 61,39 | 59,39 | 61,63 | 49,39 | 48,5 | 49,77 | 45,33 | 46,87 |
Trabalha em casa | 26,2 | 38,48 | 23,67 | 25,14 | 26,66 | 21,6 | 20,23 | 20,42 | 27,46 | 30,96 |
Trabalha no mercado | 9,36 | 3,07 | 9,11 | 9,42 | 7,11 | 21,26 | 22,27 | 21,59 | 17,74 | 13,86 |
Trabalha em ambos | 6,55 | 3,61 | 5,83 | 6,04 | 4,6 | 7,75 | 9 | 8,23 | 9,47 | 8,32 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
SITUAÇÃO | FEMININO 5ª SÉRIE (%) | FEMININO 9ª SÉRIE (%) | ||||||||
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Não trabalha | 52,73 | 54,84 | 54,2 | 50,89 | 53,69 | 32,9 | 34,76 | 35,33 | 26,48 | 27,07 |
Trabalha em casa | 40,46 | 38,48 | 39,4 | 42,29 | 40,94 | 53,98 | 52,18 | 51,84 | 61,17 | 63,35 |
Trabalha no mercado | 3 | 3,07 | 2,92 | 3,16 | 2,43 | 4,42 | 4,78 | 4,71 | 3,46 | 2,64 |
Trabalha em ambos | 3,81 | 3,61 | 3,48 | 3,66 | 2,93 | 8,71 | 8,28 | 8,12 | 8,9 | 6,94 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015).
Em relação ao desempenho escolar, pode ser útil começar mapeando alguns dados sobre reprovações e abandono da escola. Segundo a evidência, em média, a porcentagem de estudantes que reprovaram, pelo menos um grau, no período 2007-2015, foi de 24,67% para a 5ª série e de 33,39% para a 9ª série. Já a porcentagem média de estudantes que abandonaram pelo menos uma vez a escola foi de 4,62% para a 5ª série e de 5,85% para a 9ª série. A tendência sugere que é mais comum observar problemas de desempenho nas crianças de maior idade, no caso, da 9ª série; uma tendência parecida também foi observada em outros casos da literatura internacional (ALVI; DENDIR, 2011; DELPRATO; AKYEAMPONG, 2019). A porcentagem de reprovação e abandono dos discentes paranaenses da 5ª série apresentou resultado inferior ao nível observado no Brasil por Kassouf, Tiberti e Garcias (2020) e Kassouf et al. (2016); no caso dos discentes da 9ª série, a porcentagem foi similar e levemente superior em alguns anos. A Tabela 2 mostra detalhadamente a evolução dessas porcentagens em cada ano da prova.
REPROVADO | 5ª SÉRIE (%) | 9ª SÉRIE (%) | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Não | 73,66 | 72,77 | 73,26 | 79,21 | 77,73 | 65,81 | 65,99 | 66,72 | 69,25 | 65,24 |
Sim | 26,34 | 27,23 | 26,74 | 20,79 | 22,27 | 34,19 | 34,01 | 33,28 | 30,75 | 34,76 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
ABANDONOU | 5ª SÉRIE (%) | 9ª SÉRIE (%) | ||||||||
Não | 95,04 | 95,49 | 94,97 | 95,67 | 95,7 | 93,22 | 93,97 | 94,09 | 94,88 | 94,59 |
Sim | 4,96 | 4,51 | 5,03 | 4,33 | 4,30 | 6,78 | 6,03 | 5,91 | 5,12 | 5,41 |
Total | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015).
Alguns estudos apontam o fato de que delegar tarefas domésticas às crianças pode fomentar responsabilidade e confiança, impactando positivamente na idade adulta (FRENCH, 2002; ROSSMAN, 2002). No entanto, sobrecarregar a criança com tais tarefas pode ocasionar prejuízos no seu desempenho acadêmico (ROSSMAN, 2002). Nesse sentido, para fins da pesquisa, considera-se que a criança trabalha em casa quando realiza atividades domésticas pelo menos duas horas ou mais por dia. Assim, na Tabela 3, apresenta-se o score médio, ou o rendimento médio, dos alunos da 5ª e 9ª séries nas suas provas de Português e Matemática, considerando-se, para isso, sua situação laboral.
A priori, os resultados parecem mostrar que os discentes que trabalham em casa e no mercado tendem a ter um pior desempenho acadêmico em comparação àqueles que não trabalham ou trabalham somente em casa. O mesmo pode-se dizer sobre aqueles que trabalham só no mercado. Particularmente, os discentes da 9ª série que trabalham em casa apresentaram um rendimento levemente mais alto em Português em comparação àqueles que não trabalham; isso se constata para os anos de 2009, 2011, 2013 e 2015. Esse achado sugere uma primeira divergência dos resultados obtidos no âmbito nacional nos estudos de Salvador (2016) e de Kassouf, Tiberti e Garcias (2020) e reforça a ideia de que em contextos específicos o trabalho infantil doméstico não é necessariamente prejudicial para o desempenho escolar (ADMASSIE, 2003; GAMLIN et al., 2015; KLOCKER, 2011).
SITUAÇÃO | SCORE MÉDIO EM MATEMÁTICA, 5ª SÉRIE | SCORE MÉDIO EM MATEMÁTICA, 9ª SÉRIE | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Não trabalha | 190,04 | 199,11 | 203,67 | 213,91 | 221,68 | 238,9 | 249,61 | 248,01 | 244,7 | 250,56 |
Trabalha em casa | 184,57 | 191,28 | 195,47 | 211,11 | 218,9 | 238,87 | 251,11 | 250,11 | 251,73 | 258,09 |
Trabalha no mercado | 170,07 | 176,48 | 179,71 | 183,26 | 195,22 | 223,86 | 232,77 | 229,86 | 226,83 | 232,98 |
Trabalha em ambos | 168,42 | 173,21 | 175,59 | 182,01 | 194,81 | 226,06 | 236,17 | 234,09 | 236,03 | 242,26 |
SITUAÇÃO | SCORE MÉDIO EM PORTUGUÊS, 5ª SÉRIE | SCORE MÉDIO EM PORTUGUÊS, 9ª SÉRIE | ||||||||
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Não trabalha | 210,67 | 224,45 | 228,13 | 234,37 | 236,66 | 256,74 | 254,89 | 257,4 | 252,62 | 257,38 |
Trabalha em casa | 203,7 | 215,46 | 217,68 | 229,51 | 233,13 | 250,76 | 249,97 | 253,96 | 253,8 | 257,55 |
Trabalha no mercado | 195,6 | 206,47 | 210,32 | 210,23 | 217,52 | 249,78 | 248,21 | 248,94 | 243,93 | 250,53 |
Trabalha em ambos | 192,01 | 202,06 | 202,7 | 205,03 | 215,02 | 242,58 | 242,78 | 245,17 | 245,05 | 250,73 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015).
Seguidamente, na Tabela 4, são mostrados os dados correspondentes ao desempenho dos alunos considerando o gênero.
SEXO | SCORE MÉDIO EM PORTUGUÊS, 5ª SÉRIE | SCORE MÉDIO EM MATEMÁTICA, 5ª SÉRIE | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Feminino | 190,24 | 198,38 | 204,03 | 214,55 | 222,73 | 204,56 | 217,55 | 219,93 | 227,55 | 231,08 |
Masculino | 180,95 | 189,23 | 192,15 | 204,2 | 214,27 | 207,65 | 220,7 | 224,23 | 231,66 | 236,37 |
SEXO | SCORE MÉDIO EM PORTUGUÊS, 9ª SÉRIE | SCORE MÉDIO EM MATEMÁTICA, 9ª SÉRIE | ||||||||
2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | |
Feminino | 241,94 | 253,24 | 252,99 | 254,11 | 259,38 | 248,1 | 246,29 | 251,06 | 250,11 | 251,77 |
Masculino | 229,16 | 238,8 | 236,91 | 235,85 | 244,29 | 257,17 | 255,7 | 256,96 | 252,99 | 260,6 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015).
Para as meninas da 9ª série, a evidência mostra que seu rendimento nas provas de Português é melhor do que o rendimento dos meninos da mesma série; o contrário ocorre nas provas de Matemática, em que os meninos apresentam melhor desempenho. No caso dos estudantes masculinos da 5ª série, repete-se a tendência anterior: melhor desempenho nas provas de Matemática e pior desempenho nas provas de Português em comparação com as estudantes do sexo feminino.
Impactos e heterogeneidade do trabalho infantil no Paraná
Mediante os resultados obtidos por meio do método PSM,7 controlando as variáveis por mesorregiões do estado do Paraná, e com auxílio do mapa da composição setorial do trabalho infantil, podem-se observar algumas divergências em relação à magnitude do efeito do trabalho infantil sobre o rendimento escolar. As estimativas, nos diferentes tipos de pareamento, atenderam à hipótese de suporte comum, ou seja, foi possível comparar, no grupo de tratamento e no grupo de controle, indivíduos com probabilidades similares de trabalhar.
A Figura 1 apresenta o efeito médio do trabalho infantil sobre a proficiência em Língua Portuguesa para discentes da 5ª série nas dez mesorregiões do Paraná, considerando também o status ocupacional do indivíduo para o ano de 2015. Já a Figura 2, considerando os mesmos critérios, apresenta o efeito sobre o rendimento dos discentes em Matemática.
Os resultados mostram que, em todas as mesorregiões, o efeito do trabalho sobre alunos que trabalham em casa e no mercado ou só no mercado é negativo. No entanto, os efeitos se mostram maiores em algumas mesorregiões, principalmente na 5 (Centro-Oriental), na 1 (Noroeste) e na 2 (Centro-Ocidental). A composição do trabalho infantil nas microrregiões que constituem a mesorregião 5, por exemplo, é predominantemente agrossilvopastoril e comercial; no caso da mesorregião 1, há predominância das atividades agrossilvopastoris e industriais (SEDES, 2017). Já no caso da mesorregião 3, o efeito negativo foi bem reduzido em comparação ao resto. A composição do trabalho infantil nessa mesorregião está marcada por menor predominância do setor agrossilvopastoril e maior presença da indústria e comércio. Em todos os casos, os efeitos negativos do trabalho doméstico foram relativamente pequenos.
A existência de heterogeneidade na composição do trabalho infantil pode implicar que os efeitos sejam diferenciados entre microrregiões do Paraná. Por exemplo, tomando o caso da mesorregião 3, se considerarmos as duas microrregiões mais intensivas no setor agrossilvopastoril, as duas mais intensivas em indústria e as duas mais intensivas em serviços e comércio, separadamente,8 observam-se algumas diferenças. No primeiro caso, os efeitos médios do trabalho infantil sobre o rendimento para alunos da 5ª série que trabalham em casa e no mercado são positivos (5,02) no caso do score de Português e negativos (-3,68) para Matemática; no segundo caso, os efeitos se mostram negativos para Português (-13,33) e Matemática (-17,81); no terceiro caso, os efeitos também são negativos para Português (-26,91) e Matemática (-23,63).
Os resultados apontam que, especificamente na mesorregião 3, quando considerados os alunos da 5ª série, existe heterogeneidade do trabalho associada ao tipo de atividade praticada. Os infantes ocupados em setores com vocação agrária parecem ter efeitos negativos menores do que os ocupados em setores como indústria, comércio e serviços.
Tal resultado é contrastado com a situação observada na mesorregião 5. Quando consideradas suas duas microrregiões mais intensivas em trabalho infantil agrossilvopastoril, observa-se que o efeito médio sobre o rendimento escolar em alunos da 5ª série que trabalham no mercado e em casa é negativo no score de Português (-30,07) e de Matemática (-20,58), sendo bastante superior ao efeito observado nas microrregiões anteriores com trabalho infantil intensivo no mesmo setor. Já considerando sua microrregião menos intensiva no setor agrossilvopastoril e mais intensiva em comércio e serviços, e considerando também ocupados no mercado e em casa, os efeitos continuam a ser negativos em Português (-32,56) e Matemática (-33,28). O resultado indica que não necessariamente as regiões intensivas em agro terão menores efeitos negativos sobre o rendimento escolar dos infantes e sugere novamente a existência de heterogeneidade na composição do trabalho infantil no Paraná.
Nas Figuras 3 e 4, são considerados os efeitos médios do trabalho infantil sobre a proficiência em Português e Matemática, respectivamente, para alunos da 9ª série. A comparação é feita por mesorregiões do estado do Paraná levando em conta o status ocupacional do discente. A priori, é possível perceber que os efeitos do trabalho doméstico, além de serem menos prejudiciais do que para alunos da 5ª série, mostram-se positivos em algumas mesorregiões. Esse cenário tem sido observado em outros estudos (FRENCH, 2002; ROSSMAN, 2002), justificado pelo fato de que o trabalho doméstico pode gerar um impacto no sentido de responsabilidade do aluno e porque normalmente o tempo de trabalho pode ser controlado pelos pais ou responsáveis. No entanto, como assinalam Haile e Haile (2012), é necessário olhar outros fatores que podem incidir nas formas de trabalho doméstico infantil na zona rural, a exemplo de variáveis como o tamanho da família e a forma de propriedade da terra e do gado. Além disso, muitas famílias demandam estruturalmente a incorporação da mão de obra dos infantes (ADMASSIE, 2003).
Do mesmo modo, observa-se que os efeitos negativos são levemente menores em algumas mesorregiões, tanto no score de Português quanto no de Matemática. Inclusive, no caso da região 5, existe um impacto positivo do trabalho no rendimento quando as crianças trabalham em casa e no mercado. Tais evidências oferecem suporte à ideia de existência de heterogeneidade na magnitude do impacto do trabalho infantil, além de mostrar diferenças claras em relação aos resultados que foram estimados em outras pesquisas, já mencionadas anteriormente, em relação ao contexto nacional.
Levando em conta, novamente, a mesorregião 5, quando mensurados os efeitos nas suas microrregiões com predominância de trabalho infantil agrossilvopastoril, nota-se que o efeito médio sobre o rendimento dos alunos da 9ª série é totalmente diferente do que o observado em crianças da 5ª série. Em se tratando dos que trabalham no mercado e em casa, o efeito é positivo no caso de Português (10,36) e negativo (-4,37) no caso de Matemática. Isso não sugere que o trabalho infantil nos setores com predominância agrária seja a priori “positivo” para o desempenho escolar, mas que, no caso de discentes da 9ª série, o impacto pode ser menor ou menos prejudicial do que nos discentes da 5ª série. Isso segue a linha dos achados das pesquisas de Admassie (2003), Alvi e Dendir (2011), Haile e Haile (2012), Klocker (2011) e Gamlin et al. (2015). No entanto, é provável que a magnitude do impacto do trabalho infantil em setores agrários dependa mais da forma e esfera em que seja executado e de fatores que possam exercer influência (aumento da demanda por safras, composição familiar, fatores culturais etc.), o que representa maior dificuldade de observação utilizando unicamente uma análise quantitativa do fenômeno.
Certamente, na mesorregião 8, de predominância agro em todas as suas microrregiões, observa-se que o efeito médio quando os alunos da 9ª série trabalham só no mercado tende a ser negativo (-17,21 em Português e -18,88 em Matemática). Isso poderia ser explicado pelo fato de que o custo de trabalhar no mercado é mais elevado (principalmente pelo deslocamento até o local de trabalho, por exemplo) (BOURDILLON, 2009) e o tempo de trabalho dos alunos não é controlado pelos pais ou responsáveis. É importante assinalar que o resultado dessa mesorregião pode representar uma importante evidência a favor da heterogeneidade do impacto do trabalho infantil no rendimento escolar paranaense.
Por outro lado, no caso das microrregiões pertencentes à mesorregião 3, intensivas em trabalho infantil voltado para serviços e comércio, é possível observar que os efeitos médios negativos sobre o rendimento escolar em alunos da 9ª série são inferiores aos observados nos alunos da 5ª série, sendo negativos no score de Português e Matemática (-13,63 e -13,16) para quem trabalha no mercado e em casa. Os efeitos são também negativos em Português (-14,90) e Matemática (-9,51) para quem trabalha só no mercado. Isso confirma tendências relacionadas a menores prejuízos em infantes de maior idade, como apontado por Alvi e Dendir (2011).
Na mesma mesorregião 3, as microrregiões predominantes em indústria mostraram efeitos médios positivos em Português (0,11) e Matemática (2,22) para quem trabalha em ambos, e ligeiramente negativos (-5,02 em Português e -2,54 em Matemática) para alunos que trabalham só no mercado. Observa-se novamente que existe uma possível heterogeneidade do trabalho infantil no estado do Paraná, pois as diferenças nos efeitos são observados entre mesorregiões, microrregiões e variam de acordo com a intensidade setorial da região e com a condição ocupacional das crianças.
De modo geral, os resultados mostram que (com algumas exceções, como o aumento do trabalho doméstico em alguns anos) não há mudanças temporais significativas no panorama de trabalho infantil do estado do Paraná no período analisado. Há tendências aparentes no estado que merecem atenção e outras abordagens, como o fato de que as meninas tendem a trabalhar mais em casa, e os meninos, no mercado. Apesar de existir uma tendência apresentada na literatura especializada, a direção do impacto do trabalho infantil não é totalmente clara. Ficou evidente que o trabalho doméstico nas zonas agrárias do Paraná parece ser menos prejudicial do que o trabalho em outros setores econômicos. Por último, foram obtidos resultados que sugerem que há significativa heterogeneidade na magnitude do impacto do trabalho infantil no estado.
CONCLUSÕES
O estudo procurou mostrar o impacto do trabalho infantil sobre o rendimento escolar no estado do Paraná e testar a possibilidade de heterogeneidade na magnitude do efeito. Para tal propósito, foram utilizados os dados do Inep (BRASIL, 2015) para a Prova Brasil de 2015, considerando os scores dos resultados das disciplinas de Português e Matemática para discentes da 5ª e 9ª séries. Nesse sentido, a partir do questionário da Prova Brasil, foram selecionadas variáveis específicas sobre o background socioeconômico do estudante e que podem incidir na probabilidade condicional de que ele trabalhe ou não.
A estatística descritiva, realizada com dados do Inep (BRASIL, 2007, 2009, 2011, 2013, 2015) para a Prova Brasil de 2007 a 2015, mostrou que não há mudanças temporais significativas nos níveis de trabalho infantil no estado do Paraná, embora haja uma leve tendência para sua gradual redução. Nesse sentido, os níveis de trabalho infantil nas três formas descritas no estudo são mais elevados para discentes da 9ª série, havendo uma tendência geral de que os meninos trabalhem no mercado, e as meninas, em casa. Outra evidência apontou que os discentes que trabalham em casa e no mercado tendem a ter um pior desempenho acadêmico em comparação àqueles que não trabalham ou que trabalham somente em casa.
A avaliação do impacto revelou que, em todas as mesorregiões, o efeito do trabalho infantil sobre alunos da 5ª série que trabalham em casa e no mercado ou só no mercado é negativo. No caso do trabalho doméstico, tal efeito negativo é inferior. Já nos alunos da 9ª série, os efeitos negativos do trabalho infantil são, no geral, inferiores aos observados nos alunos da 5ª série. Considerando o trabalho doméstico, foi possível observar que, além de ser menos prejudicial do que em alunos da 5ª série, mostra-se positivo em algumas mesorregiões. Esse fato também foi constatado em outros estudos pela literatura consultada.
Já no caso dos alunos da 9ª série que trabalham só no mercado, o impacto negativo tende a ser maior, principalmente porque o custo de trabalhar no mercado é mais elevado (devido ao deslocamento até o local de trabalho, por exemplo) e porque o tempo de trabalho dos alunos não seria controlado pelos pais ou responsáveis. Por fim, foi possível detectar a heterogeneidade do impacto do trabalho infantil pela evidência de magnitudes diferenciadas, verificadas por meio do controle por mesorregiões, microrregiões e levando-se em conta as particularidades setoriais do tipo de trabalho e a forma de ocupação do estudante.
Recomenda-se fortemente que novas pesquisas de impacto do trabalho infantil na educação ponderem a existência de heterogeneidade não só no âmbito estadual, como é realizado na maioria dos trabalhos, mas que fatores intraestaduais e determinantes locais sejam levados em consideração (fatores associados a cultura, infraestrutura, saúde etc.). Tais particularidades podem mudar o perfil das políticas públicas regionais, fundamentais para o combate efetivo do trabalho infantil.