Introdução
A filósofa Hannah Arendt (2010), em sua obra clássica A condição humana, reflete sobre a acepção de vida activa em contraposição à de vida contemplativa, situando, na contextura das atividades humanas fundamentais em suas temporalidades, espaços sociais e, principalmente, suas razões de vir a ser no domínio público.
O trabalho moderno − como uma das atividades humanas fundamentais no domínio público − tanto separa homens e mulheres, quanto os relaciona entre si, todavia, ainda diferentemente pelas suas posições na pirâmide social. Baseado nesse princípio, argumenta Arendt (2010, p. 60): “Nem a educação, nem a engenhosidade, nem o talento podem substituir os elementos constitutivos do domínio público, que fazem dele o local adequado para a excelência humana.”
Desse ponto de vista, os elementos constitutivos do domínio público (escolas, universidades, leis, instituições) se subtendem à constância das atividades humanas fundamentais e à vida activa experimentada tanto na igualdade quanto na distinção do espectro das relações sociais. Infere Arendt (2010) que a pluralidade humana - condição sine qua non dos espaços sociais de domínio público - subtende as paradoxais distinções de si própria na igualdade entre os sexos, ou na igualdade de gêneros e de direitos.
Ademais, Arendt (2010, p. 67) atenta que as atividades humanas socializadas nos espaços do domínio público carecem de elementos históricos para produzir histórias para, assim, sobreviverem no tempo “[...] do vir e ir das gerações, não só aquelas que viveram conosco, mas também aquelas que estiveram antes e com aquelas que virão depois de nós”. Por seu turno, a vida activa socializada e intrínseca à organização social da divisão do trabalho funda-se e se cerca da atividade de pensar onde quer que os seres humanos vivam em condições de liberdade política. Sob tal consideração, exprime Arendt (2010, p. 406, grifo nosso): “As várias atividades no interior da vita activa não podem ser submetidas a nenhum outro teste senão a experiência de se estar ativo, a nenhuma outra medida senão alcance da pura atividade - que é a atividade de pensar como tal bem que poderia superar todas.”
O sociólogo francês Émile Durkheim (1978, p. 48), para evidenciar o caráter histórico do que nomeia “socialização metódica das novas gerações”, advoga a indispensabilidade “[...] de a educação [assegurar], entre os cidadãos [e as cidadãs] suficiente comunidade de ideais, de sentimentos e de práticas [...]”, reclamadas pela vida ativa coletiva, diversa e especializada. Em razão dessa diversidade da vida ativa, cada profissão se reveste de dimensões sui generis, “[...] que reclamam de aptidões particulares e conhecimentos especiais, que [são] regidos por certas ideias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como o [indivíduo] deve ser preparado em vista de certa função, a que será chamada a preencher” (DURKHEIM, 1978, p. 39).
Ora, para esse sociólogo, a vida activa coletiva, dependente da diversidade de aptidões particulares e correlatas com a formação humana, é, de fato, proporcionada por meio de uma educação essencial às sociabilidades do trabalho científico e intelectual nos domínios público e privado. Desse ponto de vista, argumenta Durkheim (1978, p. 45), “É a ciência que elabora as noções cardeais, que dominam o pensamento: de causa, de espaço, de corpo, de vida, de consciência, de sociedade etc., [...] que se encontram perpetuamente em evolução [...]”.
Todavia, a educação socializada e intrínseca à organização social da divisão do trabalho, além de produtora de experiências formativas para a vida activa, é objeto de uma pesquisa que tem como sujeito a discente, a professora e a pesquisadora da área de educação Maria Salonilde Ferreira. O desígnio do estudo, com base no corpus documental da pesquisa (entrevista semiestruturada respondida por escrito pela autora para conhecer a origem social da sua família e da sua história escolar, acadêmica e profissional), além de livros autorais de Salonilde, legislação educacional federal e estadual, atas de reuniões pedagógicas, relatórios de autoridades educacionais do Rio Grande do Norte, é, doravante, refletir historicamente acerca dos componentes formativos, autoformativos e formadores para a vida activa escolar e em profissão da referida professora e pesquisadora da área de educação.
Para fins desse desígnio, faremos uso da abordagem das aprendizagens experienciais de Marie-Christine Josso (2010), essencialmente, por possibilitar apreender os processos de aquisição dos saberes culturais e das aprendizagens implicados nos componentes das experiências de formação, de autoformação e formadoras que se circunscrevem entre umas e outras. Nos termos de Josso (2010, p. 39), “[...] o processo de formação dá-se a conhecer por meio dos desafios e apostas nascidos da dialética entre condição individual e a condição coletiva”. Já o processo de aquisição de saberes culturais dá-se por meio do inventário dos referenciais e dos seus níveis comuns e distintos.
Todavia, a reflexão ilustrará as interpendências dos mencionados componentes formativos, autoformativos e formadores no intervalo do tempo da primeira escolarização (1951) ao estágio conclusivo (2014) do magistério no ensino superior de Maria Salonilde Ferreira. Daí a atenção ao tempo continuum de cinco etapas sucessivas (1951-1955; 1956-1959; 1960-1962; 1964-1967 e 1968-2014) no justo meio das suas interações com os contextos socioeducacionais para a vida activa escolar e em profissão.
Tempo escolar | 1951-1955
Nascida no dia nove de setembro de mil novecentos e quarenta, no Sítio Boi Choco, pertencente ao município do Assu (Rio Grande do Norte), Salonilde foi a segunda filha de sete irmãos (5 mulheres e 2 homens) de Maria Oliveira da Silva (que possuía o domínio básico da leitura, da escrita e da aritmética) e de Pedro Ferreira da Silva (semianalfabeto, mas inteligente e sábio, conforme Salonilde). Na fase da infância e da adolescência de Salonilde, o senhor Pedro tornou-se comerciante de cera de carnaúba semi-industrializada, que era processada artesanalmente. Contudo, segundo Ferreira (2019), quando a cera de carnaúba deixou de ser matéria-prima da indústria, o seu pai passou ao comércio de produtos variados (antigas bodegas).
Nascida em uma família com insuficiente tradição da cultura escolar, Salonilde foi matriculada pelos seus pais para se iniciar na primeira formação para a vida activa escolar no Grupo Tenente José Correia, criado pelo Decreto n° 254, de 11 de agosto de 1911 (RIO GRANDE DO NORTE, 1911), instituição onde estudou da 1ª à 5ª série primária (1951-1955). O Grupo foi um dos vinte primeiros da rede de grupos escolares criados no governo de Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão (1908-1911), quantidade igual às sedes de municípios.
Aliás, o modelo grupo escolar (fortalecido no governo de José Augusto Bezerra de Medeiros, 1923-1927), por sua correlação mútua com os pressupostos escolanovistas de uma educação escolar completa e/ou integral, foi definido pelo diretor do Departamento de Educação, Nestor dos Santos Lima (RIO GRANDE DO NORTE, 1924, p. 7), como composto por “[...] conhecimentos mais desenvolvidos, embora elementares, sobre as múltiplas aplicações às exigências da vida cósmica e da atividade social [...], para a mais ampla transmissão de um saber organizado e gradual”.
Em sua generalidade, o modelo de grupo escolar de ensino primário, naquela altura dos anos de 1951-1955, persistia na Lei Orgânica do Ensino Primário, promulgada por Decreto-Lei n° 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (BRASIL, 1946a). Era, então, propagandeado com a finalidade escolanovista de oferecer às crianças de sete a doze anos as condições de equilibrada formação e desenvolvimento da personalidade e elevar o nível dos saberes culturais básicos e úteis, concernentes às múltiplas necessidades para a vida em família, para a defesa da saúde e para a iniciação no trabalho. Pelo relato de Ferreira (2019, p. 11), os ensinamentos acerca da sua primeira escolarização dos saberes básicos e úteis de Português, de Matemática, de História do Brasil, de Geografia e de Ciências, além das atividades extraescolares (a exemplo dos passeios escolares) teriam sido “[...] fundamentais para o domínio da leitura e da escrita e da iniciação nos processos de socialização ampliando as nossas interações para situações mais vastas da vida, fora do seio da família”.
Tempo escolar | 1956-1959
No ano de 1956, a jovem Salonilde cumpriu o obrigatório exame de admissão ao curso ginasial do ensino secundário (instituído pelo Decreto n° 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931) no Colégio Nossa Senhora das Vitórias da cidade do Assu, mediante provas escritas em consonância com os saberes gerais, socializados e adquiridos no primeiro nível do processo de formação para a vida activa escolar, a saber: Português, Matemática, História do Brasil, Geografia e Ciências.
Aprovada no exame de admissão com algumas colegas do Grupo Tenente José Correia, Salonilde ingressou nesse ano de 1956 naquele colégio católico feminino para cursar os quatro anos do secundário ginasial, quando vigorava a Lei Orgânica do Ensino Secundário, promulgada pelo Decreto-Lei n° 4.244, de 9 de abril de 1942 (BRASIL, 1942). Uma de suas finalidades seria a preparação geral do estudante para servir de base aos estudos mais elevados da formação especializada.
A experiência formativa para a vida activa escolar, no curso secundário ginasial do Colégio Nossa Senhora das Vitória, sucedeu mediante o programa de estudo formalizado de acordo com a Lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 1942), consentâneo com a socialização de saberes culturais, ordenados no conjunto de quatorze disciplinas acadêmicas, sucessivamente seriadas da primeira à quarta série, a saber: Português, Latim, Francês, Matemática, Desenho, Canto, Inglês, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral, Geografia do Brasil, Ciências Naturais, Trabalhos Manuais e Religião. No processo formativo do curso secundário ginasial, uma das atividades distintivas seriam as extraescolares, relatadas pela estudante Salonilde como sendo os retiros espirituais, geralmente no período da Páscoa. Nesse período do calendário católico, as alunas do Colégio Nossa Senhora das Vitórias eram obrigadas a se manter internadas por três dias, unicamente assistindo à missa, rezando e meditando.
No inventário dos níveis comuns e distintivos do processo formativo para aquisição dos saberes culturais gerais, Salonilde Ferreira (2019) distingue aqueles de menos interesse (línguas estrangeiras, desenho, trabalhos manuais e canto) dos demais saberes afeitos aos seus interesses de estudos e comumente aferidos com notas 10 e 9, no boletim mensal. Ademais, como estudante secundarista, gostava de leituras associadas aos saberes estudados, mas, em dadas ocasiões, também apreciava leituras dos livros da biblioteca do colégio e, outrossim, das estantes da Liga Operária Católica.
Nos termos de Josso (2010), as narrativas das experiências formativas devem reaver as circunstâncias peculiares e a influência da socialização em razão do gênero na aprendizagem autoformativa. Nesse sentido, o relato de Salonilde é esclarecedor no que concerne à sua iniciação auformativa na militância do Movimento Juventude Estudantil Católica (JEC) - diga-se da esquerda católica -, incentivada pelas próprias freiras-professoras do Colégio Nossa Senhora das Vitórias.
A finalidade era a difusão da doutrina católica, mas contraditoriamente, foi um Movimento que propiciou (pelo menos para mim como estudante secundarista) a internalização de valores éticos de justiça, de liberdade, de honestidade, de conscientização de nossa participação política e social na sociedade. Mas, particularmente a partir do início da década de 1960, o Movimento se voltou para uma ação social mais efetiva, sendo destituído com o golpe de 1964 quando houve uma grande repressão dos Movimentos Sociais. (FERREIRA, 2019, p. 6-7).
Pierre Bourdieu (2012, p. 49), num dos seus estudos, afirmou que as oportunidades de ascensão social pela escolarização condicionam as atitudes frente à educação e contribuem para “[...] aderir a seus valores ou às suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto, uma ascensão social [...]”.
Contudo, a afirmação de Bourdieu (2012) permite situar, também, as oportunidades de ascensão social condicionadas por atitudes políticas, relativas ao acesso a oportunidades educativas instituídas no sistema de ensino. De fato, teria sido no domínio das políticas de democratização da educação que foi aprovado o Fundo Nacional do Ensino Médio, Lei nº 2.342, de 25 de novembro de 1954 (BRASIL, 1954) no governo João Fernandes Campos Café Filho (1954-1955), cujos recursos seriam, primordialmente, destinados à concessão de bolsas de estudos para os/as estudantes mais capazes entre os/as necessitados(as) e ao aprimoramento do sistema de ensino médio.
A propósito da concessão de bolsas de estudos para os/as estudantes mais capazes entre quem tinha mais necessidades, Salonilde relata que foi uma das estudantes do Colégio Nossa Senhora das Vitórias selecionada, mediante prova escrita, com uma bolsa de estudo proveniente do Governo Federal que custeou os seus estudos secundaristas de 1957 a 1959 (2º ano ao 4º ano). “Em Assu não existia o curso secundário em escola pública, mas naquela época existia um sistema nacional de bolsas de estudos para suprir essa necessidade. Participei da seleção para bolsa estudo no 2º ano, aprovada estudei com bolsa de estudo federal até o 4º ano” (FERREIRA, 2019, p. 4).
Historicamente, a educação das gerações jovens traz implícita desígnios e hesitações políticas para o prosseguimento das experiências formativas para a vida activa escolar que se sucedem no tempo do ensino secundário e adiante. Provavelmente, aí residissem as atitudes e a valoração da estudante Salonilde de seus estudos. No seu parecer, o curso secundário ginasial no Colégio Nossa Senhora das Vitórias representou uma espécie de base cultural de suas experiências formativas e autoformativas, assim como a internalização de princípios humanitários, orientadores de sua vida activa em profissão.
Tempo escolar | 1960-1962
Nos anos de 1960-1962, período de estudos de Salonilde na Escola Normal de Natal (criada em 1918, no governo de Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão), prevaleciam as diretrizes e os princípios da Lei Orgânica do Ensino Normal, Decreto-Lei n° 8.530, de 2 de janeiro de 1946 (BRASIL, 1946b), além das prescrições legais do Regulamento do Ensino Primário e Normal do Estado do Rio Grande do Norte, Decreto n° 3.590, de 1º de fevereiro de 1960 (ARAÚJO, 2015).
Todavia, por intermédio dos estudos de Araújo (2006), é possível afirmar que parte das referências concernentes à formação de professores na Escola Normal de Natal (1960-1962) provinha das diretrizes da reforma que fixou as bases da educação elementar e da formação do magistério primário do Estado, Lei n° 2.171, de 6 de dezembro de 1957 (ARAÚJO, 2006), empreendidas no governo de Dinarte de Medeiros Mariz (1956-1961).
A matriz teórica da referida reforma fora as formulações consubstanciadas no Plano de Reconstrução Educacional do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), sistematizadas por Anísio Teixeira (e colaboradores) quando dirigiu o Inep (1952-1963). A implantação gradativa dessa reforma constituía as bases teóricas e práticas das experiências formativas e formadoras das futuras professoras primárias da Escola Normal de Natal - em transição para Instituto de Educação de Natal, Lei n° 2.638, de 28 de janeiro de 1960 (RIO GRANDE DO NORTE, 1960a). Mediante o emprego dos processos pedagógicos de uma educação ativa e progressiva, o Inep - no ano de 1959 - determinou que os estados do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul fossem o campo experimental do Plano de Reconstrução Educacional. Para tanto, o governo do estado formalizou alguns convênios com o Inep, extensivos ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e aos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE), sempre com o referendum de Anísio Teixeira.
Nesses anos (1960-1962), as experiências formativas para a vida activa escolar no segundo ciclo da formação de professores na Escola Normal de Natal em três anos - segundo Ferreira (2019) - adquiriam, através do programa de estudo, a primazia dos saberes gerais teóricos e pedagógicos, concernentes à Psicologia, Filosofia e História da Educação, Biologia, Didática, Música, Prática de Ensino, Metodologia da Linguagem, Metodologia da Matemática, Metodologia das Ciências Naturais, Metodologia dos Estudos Sociais e as Didáticas correlacionadas.
Contudo, as experiências formativas para a vida activa escolar perante a Prática de Ensino na Escola de Aplicação (anexa ao edifício da Escola Normal de Natal, que reunia o Jardim de Infância Modelo e o Grupo Escolar Modelo, cujo edifício foi construído com recursos do Inep e inaugurado em 1956 no Governo Sylvio Pedroza) dividiam-se em três estágios ordenados no tempo escolar das três séries de estudos, como relata Ferreira (2019, p. 9): “No 1º ano (primeiro estágio), era para conhecer o funcionamento administrativo e pedagógico da escola primária. No 2º e 3º anos (segundo estágio), era para estagiar em cada uma das metodologias de ensino. No 3º ano (terceiro estágio), era a vez da regência de classe.” (FERREIRA, 2019, p. 9).
Por conseguinte, a Prática de Ensino para efeito das interseções com os saberes teóricos, pedagógicos e técnicos intermitentes nos três estágios referidos por Ferreira (2019), pode ser mais ou menos apreendida por intermédio das atas das Reuniões da Hora Pedagógica do corpo docente da Escola de Aplicação (RIO GRANDE DO NORTE, 1960b, 1961, 1962).
A esse propósito, as atas das Reuniões da Hora Pedagógica da Escola de Aplicação de 16 e 30 de março de 1960 (RIO GRANDE DO NORTE, 1960b), registraram a socialização das palestras “Aprendizagem de Leitura” (Marinha Sampaio) e do “Ensino de Matemática” (Carmem Pedrosa), além da divulgação do livro de leitura do Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE) (Ezilda Elita do Nascimento - diretora da Escola de Aplicação). Todavia, sobre o PABAEE (Acordo Brasil/Estados Unidos de 1956-1964, voltado para a formação continuada de professores das Escolas Normais), é, pois, inevitável não assinalar o que recorda Salonilde:
Apesar da americanização do sistema de ensino elementar, o fato dessas professoras terem essa formação nos propiciou um respaldo metodológico que, no meu caso, me possibilitou assumir uma sala de aula no lugar de uma professora durante o estágio de Regência. Posteriormente, esses cursos passaram a ser assumidos pela Divisão de Aperfeiçoamento de Professor (DAP) do Ministério da Educação como cursos de Especialização. Curso que tive oportunidade de fazer pouco tempo depois de concluída a Licenciatura em Pedagogia e me tornado oficialmente professora do ensino médio mediante concurso público. (FERREIRA, 2019, p. 11).
Já as atas das Reuniões da Hora Pedagógica da Escola de Aplicação de 8 de março e 12 e 13 de setembro de 1961, além de 8 de setembro de 1962 (RIO GRANDE DO NORTE, 1961, 1962) assinalaram a socialização das palestras “Testes A.B.C”, “Materiais Didáticos” e “Projetos de Aprendizagens na Sala de Aula” (Corina Gomes de Lima), “Ensino de Ciências Naturais” (Sotéra Arruda Fialho) e “Ensino de Estudos Sociais” (Ezilda Elita do Nascimento).
Por um lado, as palestras socializadas naquelas reuniões pedagógicas da Escola de Aplicação (sempre a cargo de uma professora) afiguravam um momento de observância da unidade sobre as concepções teóricas dos processos de uma educação ativa e progressiva, entre uma e outra instituição, mas sob as formulações do Plano de Reconstrução Educação do Inep.
Por outro lado, certificavam a efetivação das experiências formativas e formadoras das futuras professoras primárias no tocante à Prática de Ensino nas salas de aulas do Jardim de Infância Modelo e/ou do Grupo Escolar Modelo da Escola de Aplicação. Daí a participação eventual nessas reuniões da professora de Prática de Ensino da Escola Normal de Natal (Dorvalina Emereciano), da diretora do Instituto de Educação (Francisca Nolasco Fernandes, chamada de dona Chicuta) e da Técnica em Educação do Centro Regional de Pesquisa Educacional do Rio Grande do Sul, a serviço na Secretaria de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande do Norte (Cecília).
Todavia, simultaneamente às experiências formativas, a vida activa escolar das futuras professoras do magistério primário surgiu, por conseguinte, o movimento estudantil a partir do Grêmio Estudantil Nísia Floresta, entidade representativa das reivindicações das normalistas, resultante implícito das lutas da União Nacional dos Estudantes do Rio Grande do Norte, do Diretório Estudantil Celestino Pimentel do Colégio Atheneu Rio-Grandense, do Diretório do Ginásio Municipal de Natal, entre outros. Ora, militante da Juventude Católica desde os tempos de estudante secundarista, Salonilde esteve à frente do movimento das normalistas que reverteu a indicação da presidente do Grêmio Estudantil por parte da diretora da Escola Normal de Natal. A luta vencida pelas normalistas foi, obviamente, oriunda daquele tempo principiante da década de 1960, que, ao fim e ao cabo, pode ser lida nas entrelinhas do relato de Salonilde.
Antes, a presidente do Grêmio Estudantil ‘Nísia Floresta’ era escolhida pela diretora dona Chicuta. Mas fizemos um movimento e toda a Diretoria do Grêmio Estudantil passou a ser escolhida democraticamente via eleições diretas. Uma atividade autoformativa foi a minha permanência no Movimento ‘Juventude Estudantil Católica’ (J. E. C.), da qual vinha sendo integrante desde o curso ginasial. (FERREIRA, 2019, p. 8).
No dia 11 de dezembro de 1962, Maria Salonilde Ferreira logrou o diploma de professora primária de crianças, constando as médias finais obtidas nos saberes teóricos do programa de estudo do Curso Normal de Natal (1º ano - 72,8; 2º ano - 79,2 e 3º ano - 79,9) e a nota de aptidão pedagógica na Prática de Ensino na Escola de Aplicação (9,0). Ora, a pedagogia da qualificação de um professor, para Arendt (2014, p. 239), evidentemente, há que se consistir “[...] em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém a sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo”.
Afinal, convém recordar que, desde a época das experiências formativas e autoformativas no curso secundário ginasial, Salonilde trazia consigo inquietações sobre a vida activa de si e de outros, perante os princípios humanitários que regiam a equalização das oportunidades sociais no mundo ao seu redor. Confiante nos movimentos de lutas sociais para a materialização de princípios humanitários, Salonilde, ainda como estudante normalista, levou a efeito as experiências formativas da vida activa escolar para a atividade de professora de crianças pobres, antes sem direito à escola, nas salas de aula abertas dos Acampamentos Escolares do bairro das Rocas. Acerca de sua iniciação docente na Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, assegura:
No meu entender, viver essa experiência fez-me encantar com a educação, particularmente, por observar na prática, que é possível fazer um ensino efetivo e de qualidade mesmo que os recursos sejam resultado da inventividade e criatividade dos professores como por exemplo: crianças se alfabetizarem com menos de 6 meses de escolarização via adaptação do método Paulo Freire de alfabetização de adultos às experiências e vivências das crianças. (FERREIRA, 2019, p. 11).
No ano seguinte à sua diplomação como professora primária de crianças (1963), Salonilde integrou o Movimento da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, em especial na etapa de preparação para sua interiorização durante o segundo governo do prefeito Djalma Maranhão no município de Natal (1960-1964). O que não veio a se efetivar, como veremos em seguida.
O Movimento da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, pelos estudos de Marques (2019), elevou-se como fundante do Plano de Erradicação do Analfabetismo do município de Natal. Não obstante, a sua interiorização foi ensaiada por iniciativa do Grupo de Trabalho de Educação Popular da Secretaria de Educação e Cultura, que sobreviveu à própria efemeridade do tempo breve da igualdade de oportunidades socioeducacionais como direito social para o povo (1960-1964). Nesse tempo breve do justo direito à educação à cidadania, o relato de Salonilde sintetiza outra de suas experiências formativas e autoformativas para a vida activa
Passei um ano sem estudar participando do Movimento de Interiorização da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Nessa experiência, tive a oportunidade de conhecer quase todo Estado do Rio Grande do Norte no que se refere ao sistema escolar. Com o golpe de 1964, o Movimento de Interiorização da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler foi exterminado. (FERREIRA, 2019, p. 9).
Tempo escolar | 1964-1967
No início do ano de 1964, Salonilde foi aprovada no vestibular do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Natal, que iniciou as suas atividades a 7 de março de 1957, mantida pela Fundação José Augusto. Em julho de 1966, por meio de um Aviso Ministerial em caráter emergencial, a Faculdade passou a ser administrada pela reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Enfim, em 1968, pelas pesquisas de Marques e Araújo (2020), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi agregada à UFRN, todavia, desmembrada na Faculdade de Educação (com o curso de Pedagogia), no Instituto de Ciências Humanas (com os cursos de História e de Geografia), no Instituto de Letras e Artes (com o curso de Letras) e no Instituto de Matemática (com o curso de Matemática).
Entretanto, dias após o ingresso de Salonilde no curso de Pedagogia, foi deflagado, no Brasil, o Golpe Civil-Militar (31 de março de 1964) por intervenção executiva das Forças Armadas com atuação norte-americana. A propósito dos anos de 1964-1967 (correspondentes ao período do curso de Pedagogia de Salonilde), Germano (1993) ressalta que trazem um progressivo endurecimento do regime ditatorial como reação às mobilizações sociais e, principalmente, à ofensiva do movimento estudantil.
Sucede que, nos anos 1960, o programa de estudo do curso de Pedagogia foi radicado nos saberes teóricos e práticos das Ciências da Educação associado aos saberes técnicos da Didática como contributos às experiências formativas para a vida activa escolar. Nesses anos, recorda a professora Maria Isaura Pinheiro (2004), as teorias críticas da educação então divulgadas contestavam a própria instituição da escola (à época, como aparelho reprodutor das relações sociais de produção), mas não, precisamente, o seu cotidiano e o seu isolamento do contexto sociopolítico.
De acordo com as entrevistas de Cléa Monteiro Bezerra de Mello (2000) e de Maria Isaura de Medeiros Pinheiro (2004), professoras da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Natal, respectivamente em 2000 e 2004, os saberes teóricos e práticos, no concerto das Ciências da Educação eram aqueles, mais ou menos implicados na formação para o exercício profissional do pedagogo e do docente que era posto pelas seguintes disciplinas de estudo e práticas pedagógicas: Biologia Educacional, Educação Comparada, Filosofia da Educação, História da Educação I (Oriental e Grega), História da Educação II (Medieval e Moderna), Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Didática, Metodologia das Ciências, Prática de Ensino, entre outras. Na confluência entre todas elas, nas experiências formativas para a vida activa escolar, Salonilde expressa de maneira apreciável uma parte do capital cultural transmitido às gerações jovens universitárias por intermédio dos saberes teóricos institucionalizados das Ciências da Educação.
- Li e estudei os Filósofos Clássicos Greco-Romanos.
- Li e estudei Comenius (Didática Magna).
- Li e estudei Jean-Jacques Rousseau (Emílio ou da educação).
- Li e estudei Jonh Dewey (Vida e educação).
- Li e estudei Maria Montessori (A descoberta da criança).
- Li e estudei muitos outros clássicos. (FERREIRA, 2019, p. 10).
As experiências formativas correlatas às autoformativas para a vida activa escolar persistiam, no tempo breve dos cursos que se encadeavam, em suas preferências, a exemplo da leitura dos pensadores clássicos. No último ano do curso de Pedagogia (1967), recorda Salonilde da experiência formativa e autoformativa verdadeiramente ímpar como professora de Filosofia da Educação no então curso de formação de professores do Instituto Kennedy.
A diretora Crisan Siminéa foi na nossa turma de pedagogia perguntar quem gostaria de ensinar nessa nova instituição. Eu fui a primeira a erguer a mão. No Instituto Kennedy, eu ensinei Filosofia da Educação. Isso por gostar muito de estudar os filósofos. Considerei essa experiência escolar como um estágio profissional. (FERREIRA, 2019, p. 10).
No excerto acima transparece que, na órbita das Ciências da Educação, há uma afinidade de Salonilde com os saberes teóricos da Filosofia da Educação, que induzem a pensar as causas complexas dos fins e dos meios da educação em seus contornos gerais e particulares. Evidentemente, para Saviani e Duarte (2010), a Filosofia da Educação é, precipuamente, o estudo dos clássicos da Filosofia, da clareza conceitual e da vigilância crítica da formação humana. Tal afinidade com os saberes teóricos da Filosofia da Educação já revelaria uma sensibilidade pedagógica de Salonilde, em particular para a clareza conceitual na formação de conceitos científicos, como veremos mais adiante.
Do ponto de vista de Mannheim (1977), a atividade vital das gerações jovens nas sociedades de circunstâncias mutáveis qualifica-se como agente revitalizador. Daí a ênfase sempre renovada de Durkheim (1978, p. 45) de a educação criar na pessoa que aprende um ser novo representando “[...] o que há de melhor nela, o que há em nós de propriamente humano”.
Tempo em profissão | 1968-2014
É nessa dimensão prospectiva de a educação criar na pessoa um ser novo de vanguarda e, como tal, na intensidade das experiências formativas, autoformativas e formadoras para a vida activa em profissão mediante os saberes teóricos, práticos e técnicos das Ciências da Educação. Não obstante, teria sido em 1967 que Salonilde assumiu o magistério de professora pública concursada para ensinar as disciplinas de Filosofia da Educação e Didática dos Estudos Sociais no então Instituto de Educação Presidente Kennedy (edifício inaugurado em 22 de novembro de 1965 no governo de Aluízio Alves, com a presença do Senador Robert Kennedy).
A década de 60 do século XX é o tempo de continuum desdobramento das especializações na área da educação e dos parâmetros inovadores da produção do conhecimento socioeducacional mediante a interlocução interdisciplinar - a rigor, para Durkheim (2010) - derivada da organização social da divisão do trabalho com seus vínculos de sociabilidades. Mais precisamente, é o tempo da definição e da normatização da pós-graduação no Brasil, no Conselho Federal de Educação, Parecer n° 977, de 3 de dezembro de 1965 (ALMEIDA JÚNIOR, 2005). Esse parecer foi relatado pelo conselheiro Newton Sucupira, assinado por educadores reconhecidos, como Anísio Teixeira, Durmeval Trigueiro, Alceu Amoroso Lima e Valnir Chagas.
É nessa década (abril a dezembro de 1968) que Salonilde, guardando as diretivas do processo continuum de suas experiências formativas e formadoras para a vida activa em profissão, teria sido a única professora do Instituto de Educação Presidente Kennedy indicada para o Curso de Aperfeiçoamento para Professores(as) da Escola Normal promovido pelo Inep, que funcionou na Fundação João Pinheiro (instituição do estado de Minas Gerais). Nesse Curso de Aperfeiçoamento, a sua especialização foi em Estudos Sociais, cujo trabalho conclusivo intitulava-se Estudo monográfico de uma criança com dificuldades de aprendizagem (FERREIRA, 2019).
Já no ano de 1970, Salonilde foi aprovada no concurso para Auxiliar de Orientação Educacional na então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (atualmente, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte). No triênio 1971-1974 integrou a equipe de currículo da Secretaria de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande Norte para a elaboração da proposta curricular para o ensino de 1° grau em conformidade com as diretrizes da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971).
As experiências formadoras para a vida activa em profissão, ao se entrecruzarem concomitantemente com as formativas, transmutaram-se para outros espaços acadêmicos de domínio público. Nesse sentido, em 1975, Salonilde foi aprovada no concurso para Auxiliar de Ensino para o magistério no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Já no triênio 1976-1979 - em princípio, em razão da implantação do mestrado em Educação com área de concentração em Tecnologia da Educação na UFRN, Resolução nº 105/77 - CONSEPE, de 15 de agosto de 1977 (ARAÚJO, 2008) -, na condição de bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fez o curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, defendendo a dissertação com o título Escolha profissional: opção ou imposição?. Como professora e mestra em Educação, lecionou, no Curso de Pedagogia, Introdução à Educação, Metodologia do Ensino de 1° Grau, Currículos e Programas, Orientação Educacional, Psicologia da Educação (FERREIRA, 2019).
No quadriênio 1980-1984, o processo continuum das experiências formativas, formadoras e autoformativas para a vida activa em profissão defrontou-se, obviamente, com referenciais internacionais. Mais uma vez, com bolsa da Capes, Salonilde (2019) cursou doutorado em Educação na Universidade de Caen (França), com a defesa da tese com o título L’École pour quoi? Etude des rapports entre scolarité et origine sociale des enfants (A escola para quê? Estudo da relação entre frequência escolar e origem social das crianças).
Aliás, são percebidas em Salonilde atitudes de continuum revitalização de sua vida activa em profissão. Em fins da década de 1970, o programa de redes de intercâmbio da Capes com o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária (Capes/COFECUB) propiciou, a partir de então, o convênio de projetos interinstitucionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a Universidade de Caen (França). Ora, a professora e pesquisadora Salonilde, em correspondência mútua com aquele programa e com o convênio da instituição universitária de magistério, efetivou o estágio pós-doutoral na Universidade de Caen em duas etapas.
A primeira etapa (1993) foi dirigida para que tomasse parte ativamente em seminários nos cursos de licenciaturas e no mestrado em educação. A segunda etapa (1994-1995) foi voltada para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa interinstitucional com o título O aprendizado na sala de aula, em parceira com o professor Jean Vivier, da própria Universidade de Caen. Os resultados dessa pesquisa foram publicados em anais de congressos na França e no Brasil (FERREIRA, 2019).
Em decorrência desse programa de redes de intercâmbio em concordância com o convênio bilateral Capes/COFECUB/Universidades - segundo Gatti (2005) -, teria havido a formação de grupos de pesquisadores em redes de referências em várias das subáreas da educação. Em sua apreciação:
É verificado que os participantes em todos os estágios [do convênio] se consolidaram como pesquisadores-chave em suas subáreas, por suas pesquisas, trabalhos e publicações, bem como por seu desempenho na formação de novas gerações de pesquisadores, por meio das orientações de mestrandos e doutorandos e da institucionalização de núcleos de referências em suas instituições. (GATTI, 2005, p. 132).
Os processos de experiências formadoras para a vida activa em profissão com os fundamentos dos saberes teóricos, práticos e técnicos das Ciências da Educação, associados aos das Ciências Humanas de um outro tempo acadêmico tangível, permitem, como já observava Josso (2010), estabelecer registros em relação às demandas formativas e autoformativas pelo procedimento da interdisciplinaridade.
Em princípio, a instituição do curso de doutorado em Educação, Resolução nº 257-A/93 - CONSEPE, de 21 de dezembro de 1993 (ARAÚJO, 2008) já invocava o registro do projeto de pesquisa interinstitucional, desenvolvido em conjunto por Salonilde e o professor Jean Vivier (1994-1995). Ademais, segundo o trabalho de Araújo e Ramalho (2004), o projeto de pesquisa prontamente invocava o estabelecimento das Bases e/ou Grupos de Pesquisa na UFRN (1992) como instância de organização coletiva (não mais pela estreiteza da pesquisa individual) para a prática de pesquisar de forma colegial em torno de temáticas afins pelo procedimento da interdisciplinaridade, compartilhada por docentes pesquisadores(as), além de doutorandos(as), mestrandos(as) e de discentes bolsistas de iniciação científica.
Pelo registro de Araújo e Ramalho (2004), observou-se a decisão imediata de Salonilde na constituição de uma Base e/ou Grupo de Pesquisa (Currículo, Saberes e Práticas Educativas) coparticipada pelos orientandos(as) de doutorado, de mestrado, de iniciação científica e de alguns/algumas professores(as) de escolas públicas. Daí, por coerência com a interdisciplinaridade, as Ciências Cognitivas (alicerçadas na Antropologia, na Linguagem e na Sociologia e nos avanços da Biologia) representaram os primeiros referenciais teóricos à formação de conceitos científicos em situações formais de escolarização no ensino fundamental nas escolas púbicas do Rio Grande do Norte, preferencialmente pela abordagem sócio-histórica de Lev Semionovitch Vygotsky.
O caráter histórico-social da formação de conceitos científicos e a sua correlação com as premissas lógica, cognitiva e psicológica nos processos complexos de ensinar (discente) e de aprender (docente) elevam-se essencialmente como objetos de estudos empíricos e teórico-metodológicos em conformidade com Vygotsky e outros autores clássicos que nortearam a/o Base/Grupo de Pesquisa/UFRN, coordenado por Salonilde. A pura atividade de pensar referida por Arendt (2010) - no caso, os objetos de estudos correlativos à formação de conceitos científicos em situações formais de escolarização - está ordenada nas obras de Ferreira e autores/orientadores/pesquisadores (FERREIRA, 2000, 2002, 2007, 2009; FERREIRA; FROTA, 2008).
O prefácio de Márcia Gurgel Ribeiro (orientanda de mestrado e de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN) no livro de Ferreira (2009), com o título “Buscando caminhos: uma metodologia para o ensino-aprendizagem de conceitos”, traduz, de maneira apreciável, a pura atividade de pensamento no justo meio dos estudos, das pesquisas e da produção do conhecimento, segundo os referenciais das ciências cognitivas pela colegialidade da “vida activa” em profissão. É evidente que, pelos referentes das situações formais das salas de aula das escolas púbicas do Rio Grande do Norte:
[A] elaboração conceitual, com profundidade e horizontalidade, não impõe limites nem fronteiras entre a pesquisa e o ensino em diversas áreas do conhecimento [...]. As reflexões são construídas em um diálogo permanente entre teoria e em empiria, no intuito de ajudar o leitor, a ‘olhar’ o processo de aprendizagem e de elaboração conceitual, acercando-se de sua beleza, seu fulgor e sua imensidão. (RIBEIRO, 2009, p. 11-12).
A formação das gerações vindouras para a vida activa em profissão enunciava para a orientanda de Salonilde uma sensibilidade pedagógica à partilha dos estudos, das pesquisas e da colegialidade, além das descobertas, decorrentes dos objetos empíricos de pensamento e conhecimento, consequentemente, das elaborações conceituais relacionadas (estas e aqueles) às situações formais dos contextos escolares. De modo inequívoco, para Dewey (1979), a vida activa e as experiências formativas mediante os processos de aprendizagem acontecem, deveras, simultaneamente. De fato, para Dewey (1979, p. 44), “[...] vivemos sempre no tempo em que estamos e não em um outro tempo e só quando extraímos em cada ocasião, de cada presente a experiência, todo o seu sentido, é que nos preparamos para fazer o mesmo no futuro”.
Conclusão
As experiências formativas da vida activa em profissão da professora e da pesquisadora Drª Maria Salonilde Ferreira no curso de Pedagogia e no mestrado e doutorado da Pós-Graduação em Educação da UFRN, ao longo de trinta e nove anos (1975-2014), reciprocamente colegial e intergeracional, proporcionaram o constante alargamento do acervo de conhecimentos das formulações teóricas “[...] para dar formas ativas às práticas experienciais” (JOSSO, 2010, p. 158).
Naquela altura, entre os anos de 1975 e 2014, o referencial analítico acerca das práticas experienciais, partilhadas no Grupo de Pesquisa sob a coordenação de Salonilde, vinha por meio de uma vasta interlocução interdisciplinar dos conhecimentos das Ciências Humanas, Sociais e Cognitivas à luz de pensadores clássicos, como o próprio Lev Semionovitch Vygotsky, (1896-1934), Aristóteles (384-322 a.C.), Francis Bacon (1561-1626), Galilei Galileu (1564-1642), René Descartes (1596-1650), Immanuel Kant (1724-1804), Karl Marx (1818-1883), Friedrich Nietzsche (1844-1900), Mikhail Bakhtin (1895-1975), Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962), Jean Piaget (1896-1980), Alexander Romanovick Luria (1902-1977), Aléxis Nikolaevich Leontiev (1903-1979), David Paul Ausubel (1918-2008), Louis Althusser (1918-1990), Paulo Freire (1921-1997), Michel Foucault (1926-1984), Pierre Bourdieu (1930-2002), Georges Snyders (1917-2011), Edgar Morin (1921-), Jean-Claude Passeron (1930-), Christian Baudelot (1938-), Roger Establet (1938-), Michael W. Apple (1942-), Dermeval Saviani (1943-), David Paul Ausubel (1918-2008), entre muitos outros.
É evidente que, no contracanto de uma interlocução com esses pensadores clássicos, havia a constatação epistemológica das dessemelhanças entre as situações formais dos contextos escolares vinculadas às desigualdades sociais, mas havia diálogos filosóficos entre outros, intercruzados pelo requisito do desenvolvimento do pensamento lógico e das capacidades cognitivas no processo das experiências formativas da vida activa escolar, justamente consentâneos com o exercício pleno da cidadania dos(as) estudantes das escolas públicas do Rio Grande do Norte.
Afinal, ao refletir sobre as experiências formativas, autoformativas e formadoras para a vida activa escolar e vida activa em profissão de Maria Salonilde Ferreira, na coexistência do tempo sócio-histórico de 63 anos no território fronteiriço do domínio público, do essencialmente local e do inevitavelmente global, lançamos mão da máxima de Kant (1996), que adaptamos para usar uma linguagem mais inclusiva: o ser humano não pode tornar-se uma verdadeira pessoa, senão pela educação. Ela é aquilo que a educação permite que ela seja.
A despeito de o acesso à educação formativa trazer implícitas as estratégias de reprodução social pelas análises sociológicas de Bourdieu (2012), por sua vez, em outra vertente sociológica, as práticas experienciais formadoras e autoformativas na vida activa em profissão partilhadas pela professora Maria Salonilde Ferreira combinavam-se pelo justo meio do requisito pedagógico do enfrentamento da reprodução das desigualdades sociais. Também é aqui devida a menção a Paulo Freire (2000), quando nos lembra que a educação enquanto especificidade humana é também um ato de intervenção no mundo, sendo que através dela nos tornamos pessoas melhores, isto é, mais capazes de gerir as nossas vidas de maneira positiva e emancipadora e de fazer escolhas que nos liguem de forma cidadã a quem nos rodeia.
Portanto, a vida activa em profissão da professora e pesquisadora Maria Salonilde afinava-se de maneira cônscia com as proveitosas aprendizagens essenciais ao redor das descobertas de conceitos científicos pela contiguidade das partilhas de estudos e das pesquisas e da colegialidade, bem análoga àquela pretensão de Snyders (2005) de que as aprendizagens essenciais se esmeraram nas alegrias presentes e futuras da criança no efetivo encontro dos saberes, dos aprendizados e da satisfação cultural-escolar. A jovem estudante Maria Salonilde, mais tarde uma prestigiada educadora e investigadora, assumiu claramente o compromisso ético de “[...] usar a educação, entendida em sentido lato, como o recurso mais poderoso para a construção de um futuro comum, [consciente de] que a transformação social exige responsabilidade individual” (VIEIRA; NUNES; FERRO, 2018, p. 715).
Enfim, as experiências formativas, autoformativas e formadoras de Salonilde esmeram-se pela complexidade interdisciplinar dos saberes teórico-científicos para pensar as dimensões das aprendizagens essenciais para a vida activa num continuum de coparticipação e intergeracionalidade.