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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.72 Salvador  2023  Epub May 06, 2024

 

Apresentação

Dossiê Corpos, Gêneros e Sexualidades: tensionamentos e provocações para a educação

Elenita Queiroz Pinheiro Silva1 

Paula Regina Costa Ribeiro1 


O Dossiê Corpos, gêneros e sexualidades: tensionamentos e provocações a educação compõem um espaço de muitas vozes, sons, sensações, movimentos. Elas revelam e desmontam as tensões e as disputas em torno de corpos, gêneros e sexualidades, na/para a educação. Especialmente aquelas mobilizadas nos últimos anos, de forma mais contundente, quando dos ruídos gerados pela intensificação da onda da ofensiva antigênero em nosso país e em outras partes do mundo.

Reunir e convocar vozes, sons, sensações e movimentos de pesquisadoras e pesquisadores que desnudam as políticas e produções de gênero e sexualidade interseccionadas com classe, raça, regionalidade, religiosidade e geração, marca a intenção de composição de leituras e análises dos diversos e intensos processos de subalternização, silenciamento e apagamento de determinados grupamentos - LGBTQIA+, negros e negras, povos originários, pessoas empobrecidas...

A aposta foi a de criar espaço para que pesquisadoras e pesquisadores apresentassem, por meio de seus textos, o conhecimento produzido nos campos dos Estudos de Gênero, Sexualidade e Educação tanto no Brasil quanto fora dele. Textos-denúncias-anúncios. Textos memórias. Pontas de lança e arcos. textos que desmontam maquinações e fabulações produzidas pelas sociedades modernas, capitalistas, colonizadoras que tomaram/sequestraram o corpo, os gêneros e as sexualidades; que tornaram o corpo lócus privilegiado de atuação e produção de seus efeitos. Nestas sociedades, muitos foram e são os dispositivos e os mecanismos de proliferação de poderes - do disciplinamento, do controle e do governo dos corpos, dos desejos e prazeres.

Reunir e apresentar um conjunto de 23 textos que deem a pensar, a problematizar os arcabouços teórico-metodológicos, políticos e culturais que permitem/permitiram a consolidação de tais poderes é apresentar, para pesquisadoras/es, professoras/es e para a sociedade em geral, as ferramentas que favorecem (des)leituras dos ataques desencadeados por segmentos da sociedade civil, do legislativo, do judiciário e, mesmo da academia, aos corpos, aos gêneros e as sexualidades dissidentes. Ferramentas que permitam apontar modos de enfrentamento aos ataques às propostas de educações para as diferenças. Propostas que desviam da violência, dos discursos de ódio e de morte.

Congregar tais escritas é uma aposta em possíveis no momento que nos encontramos e que nosso Planeta se encontra. É a aposta na produção de uma composição a favor da responsabilidade política, educativa e social assumida por pesquisadores e pesquisadoras do campo dos estudos de corpo, gênero, sexualidade e educação. Convidamos professores/as, pesquisadores/as, pós-graduandos/as/es e demais leitores/as a, com e pela leitura dos textos do nosso dossiê, tecerem “novos fios, emaranhar novamente os signos, produzir novas tramas, escrever de novo ou de novo: escrever” (LARROSA, 1998, p. 183)1.

Desejamos que, ao lerem os instigantes textos do dossiê, lembrem que “[...] o importante não é que nós saibamos do texto o que nós pensamos do texto, mas o que - com o texto, ou contra o texto ou a partir do texto - nós sejamos capazes de pensar” (LARROSA, 1998, p. 177). Assim, desejamos que sintam, pensar, problematizem e desestabilizem entendimentos sobre as temáticas apresentadas: os feminismos, a linguagem neutra, as masculinidades, a transexualidade, a decolonialidade, as violências, o antifeminismo, a heteronormatividade, corporalidades, HIV/Aids ...

A composição resultante das muitas vozes, sons, sensações, movimentos que responderam ao convite para a composição do dossiê expressam preocupações diversas. Em Cultura inclusiva para educar en sexalidad e igualdad, Maria Teresa Bejanaro Franco e Irene Martinez, revisam o modelo de escola baseada no Desenho Universal para a aprendizagem, proposto por um dispositivo legal na Espanha, e, por ele fomentar a cultura inclusiva. As autoras, sustentam a revisão na perspectiva de gênero para verificar se a cultura inclusiva perspectivada pelo modelo considera as identidades sexo-genéricas e/ou identidades corporais.

Pode um quadro ser preso? Tiago Duque, em O quadro “preso” e a proibição da linguagem neutra: ofensiva anti-igualitária em Mato Grosso do Sul, revela como é possível responder que sim. Duque analisa parte da ofensiva anti-igualitária em Mato Grosso do Sul (MS) no que diz respeito a marcadores como gênero, sexualidade, raça/cor/etnia e classe. A “prisão” (apreensão) de um quadro em uma exposição no Museu de Arte Contemporânea - MS) pedofilia e a aprovação da Lei n.º 5.820/2021, que proíbe o uso da linguagem neutra no referido Estado, são os motes discutir e problematizar lugares de produção dos sujeitos e das diferenças.

Manuela Azevedo Carvalho e Helena Altmann provocam, com o texto Escolarização de mulheres trans e travestis: violências e efeitos de vínculos de amizade, o debate acerca das disputas em torno de quem pode estabelecer sobre o gênero uma verdade. Dentre os variados espaços sociais que podem fazê-lo, está a escola. As autoras discutem as violências enfrentadas, a influência do apoio de profissionais da escola e, principalmente, os efeitos dos vínculos desenvolvidos na escolarização de mulheres trans e travestis.

Com Leandro Teofilo de Brito em “Me sinto na obrigação de fazer com que homens héteros respeitem homens que não sejam héteros”: masculinidades em disputa no ativismo estudantil, somos instigadas/os a pensar sobre a participação política de jovens estudantes-ativistas que se auto identificam com o gênero masculino em grêmios e coletivos de duas instituições de ensino - o Colégio Pedro II e o Instituto Federal localizado no Estado do Rio de Janeiro. A problematização e análises realizadas mobilizam noções de masculinidades e sexualidades como tabém a participação política dos jovens nos espaços institucionais.

As masculinidades são lidas e no artigo Masculinidades suaves no kdrama hello, my twenties! cuja autoria é de Justina Bechi Robask e Carin Klein. Elas analisam o k-drama Hello, My Twenties! e, a partir dos Estudos Culturais e de Gênero, assinalam para o modo pelo qual o artefato cultural veicula representações de masculinidades juvenis.

A ofensiva antigênero e o antifeminismo são focos de dois artigos: Retóricas da ofensiva antigênero e o antifeminismo de estado, de Frederico Assis Cardoso, Marina Alves Amorim e Juliana Albuquerque Sulz, e, O conceito de gênero no pensamento antifeminista brasileiro contemporâneo, de Karina Veiga Mottin. No primeiro, Cardoso, Amorim e Sulz examinam o discurso da “crise da masculinidade” e as maneiras como ele tem sido sustentado por explicações amparadas em argumentos como o da “feminização da sociedade” e da escassez de sólidos modelos masculinos. No segundo, Mottin, a partir de referências de estudos feministas e pósestruturalistas, analisa a forma como o conceito “gênero” é mobilizado pelo discurso antifeminista no Brasil contemporâneo, a partir do livro de Ana Caroline Campagnolo (2019) - Feminismo: perversão e subversão, explorando os possíveis efeitos para o campo da educação.

Com o argumento de que Lugar de indígena é onde ela quiser!: um estudo com mulheres indígenas universitárias, Karina Molina e Paula Regina Costa Ribeiro problematizam a presença das mulheres indígenas em uma universidade federal do sul do Brasil, discutindo o papel que a educação superior tem desempenhado, enquanto aliada na luta pela visibilidade das mulheres indígenas, sujeitas marginalizadas da aldeia à academia.

Com a pergunta O que ensinam livros didáticos de Biologia sobre mulheres brasileiras da ciência? Alessandra Pavolin Pissolati Ferreira, Elenita Pinheiro de Queiroz Silva e Claudiene Santos problematizam e buscam pelas mulheres brasileiras da ciência em livros didáticos de Biologia, aprovados em editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Elas discutem os modos e lugares de visibilização e apagamento do trabalho e conhecimento realizado por estas mulheres, e, por conseguinte, os modos como os livros didáticos, entendidos como documento, artefato cultural e dispositivo, atuam na divulgação e disseminação de ideias sobre quem são cientistas; quem produz a ciência.

As mulheres ainda se fazem presentes em dois outros artigos: Narrar e descolonizar: memórias de mestras de capoeira e percursos educacionais formativos, escrito por Mayris de Paula Silva e Norma Trindade e Produção acadêmica educacional sobre docentes lésbicas e trans: regulação e queerização, de autoria de Jonathan Vicente da Silva, Isabella Rocha Azevedo Ferreira e Maria Cláudia Dal’Igna. Silva e Trindade analisam o reconhecimento e a visibilidade de memórias, historicamente subalternizadas, de mulheres na capoeira, e, problematizam a ausência, o silêncio e/ou apagamento destas memórias no imaginário coletivo, discursivo e documental da capoeira. Por sua vez, Silva, Ferreira e Dal’Igna analisam a produção acadêmica educacional brasileira sobre docentes lésbicas e trans, e, os processos de regulação da docência, a partir de uma matriz cisheteronormativa; e, os movimentos de resistência e reexistência numa perspectiva do que é nomeado de queerização da docência.

O artigo de Silva, Ferreira e Daligna carregam os sons e tons de docentes lésbicas e trans. Estes sons e tons são amplificados no artigo (Trans)vivências e experiências de escolarização na Educação de Jovens e Adultos por Gabriela da Silva, Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin e Samira De Moraes Maia Vigano. Elas buscaram pelos os significados, atribuídos por travestis e transexuais da EJA, sobre suas experiências de escolarização na vida cotidiana. E, não ficou só por aqui! Na montagem da sinfonia trans participam “Eu me fiz pesquisador antes de me fazer trans”: (re)existências no campo científico, de Yasmin Teixeira Mello e Joanalira Corpes Magalhães. Elas, com o recorte de uma pesquisa de mestrado, apresentam interlocuções com a narrativa da trajetória de constituição de um pesquisador trans.

Ao dizermos, que não tem volta as proposições e formulações sobre e com as transexualidades e travestilidades apostamos que a proliferação de metodologias, teorias e modos de dizer, pensar, investigar as transexperiências-trans também não têm volta. Em Etno(queer)hipergrafia: autorias trans no instagram, Fábio dos Santos Coradini e Edméa Oliveira dos Santos, carregam as autorias de pesquisadoras trans/travestis forjadas em uma rede social - o Instagram, a partir de uma etno(queer)hipergrafia online. De outra parte, Robson Guedes da Silva e Paula Corrêa Henning interrogam: Por uma estética da existência queer?! Intuições, dissidências e educação, e, assim exploram os saberes que construíram o campo da teoria queer e discutem noções que possibilitaram a sua emergência.

As notas da composição do dossiê são muitas, entretanto, uma se mantém: a resistência-desobediência-recusa às (hetero)normatividades. “Nas brechas das normas se tecem resistências: experiências nãoheteronormativas na escola”, puxado por Nerize Laurentino Ramos e Emannuely Maria da Silva Santos nos remete às formas de resistências elaboradas por estudantes não-heteronormativos para superar as experiências de abjeção causadas pela LGBTQIAPfobia, em uma escola pública e urbana localizada no município de Queimadas (PB). Para o espectro da nota mantida são puxados outros tons, por Eduardo Ramirez Meza e Marcelo Victor da Rosa que articulam Intergeracionalidade, gênero e sexualidade: (re)existências no ensino superior. Ganham a cena o diálogo com pessoas idosas e jovens e as suas vivências e convivências no espaço de disciplinas de curso de graduação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

A resistência-desobediência-recusa às (hetero)normatividades também é integrada a Gênero e sexualidade de jovens com tea: uma breve análise a partir do podcast introvertendo, por Clarice Antunes do Nascimento, Juliana Ribeiro Vargas e Kay Duarte Bezerra. Vivências e experiências afetivasexuais de jovens produtores do podcast Introvertendo são tomadas para pensar o entrelaçamento gênero e sexualidade, e, ao mesmo tempo, o artefato cultural tomado como fonte da pesquisa.

O cyberespaço é novamente escrutinado Em defesa da “educação sexual”: sentidos produzidos em vídeos do youtuber Felipe Neto. O escrutínio realizado por Michele Priscila Gonçalves dos Santos e Roney Polato de Castro, desvelam as notas que compõem discursos de gênero e sexualidade em circulação nos vídeos do youtuber Felipe Neto.

Os registros do cyberespaço, de conversas, entrevistas, narrativas, textos são acrescidos de registros de reuniões de um grupo gay e de posicionamentos políticos e religiosos. Assim, Marcio Caetano e Anderson Ferrari compuseram Memória, experiência, discursos e identidades na constituição dos grupos gays, a partir do questionamento “Jesus Cristo era gay?” Eles situam o contexto de emergência da pergunta - uma reunião de um grupo gay, e problematizam como história, memória, experiência, discursos e identidades se relacionam com a constituição dos grupos e com a construção dos sentidos de homossexualidade e homossexual.

De outro lugar, José Vicente de Souza Aguiar, Kelly Almeida de Oliveira e Rossini Pereira Maduro, em A Educação e as corporeidades: as resistências nas existências, analisam posicionamentos políticos e religiosos com relação à política de inclusão das diversidades no ensino escolar, ao mesmo tempo em que situam os entendimentos de docentes em formação na graduação sobre essa temática.

Entendemos que no processo de composição de um dossiê cujo campo temático é permeado por grandes urgências teóricas-metodológicas e políticas, há sempre material complementar. Neste sentido, para a sessão de estudo deste número do periódico estão dispostos os seguintes artigos: A perspectiva decolonial do corpo no curso de licenciatura em educação física da UFRRJ, de Bruno Cardoso de Menezes Bahia e Elionai Ribeiro Almeida Dia, expõe a estrutura curricular do curso situando diálogos possíveis que se pode estabelecer com a cultura local. E, em O que podem as educações menores em HIV/aids? Caminhos possíveis à educação em ciências e biologia,

Tiago Amaral Sales destaca que o texto foi “tecido ao modo de um manifesto e, através da cartografia” apresenta como objetivo imbricar em educações menores em HIV/aids, em ressonâncias com a educação em ciências e biologia.

Dessa maneira, apostamos na riqueza teórica, metodológica, analítica que o dossiê apresenta. Gentes de muitos lugares, físicos, objetivos, culturais, políticos, educativos, com seus textos e lutas, nos apresentam por suas escritas suas vidas e de tantas outras. Fica o convite para que vocês, leitoras e leitores, acessem, sintam, vejam, escutem o que está narrado, contado, escrito, tecido. Mas, sobretudo, fica o convite para que acolham e façam outras composições de corpos, gêneros e sexualidades para que juntas, juntes e juntos possamos permanecer provocando as educações. Pois,

O corpo vibra, pulsa, incomoda, importa

Curva. Flexiona. Enverga.

Às vezes, quebra...

O corpo faz corpos, corpas

Engendra

Ritualiza

Gêneros en(corpa)m

Corpos engendrados (ou não) desejam

Trans-gridem. Agridem

Desejos, corpos, gêneros, politizam

Multiplicam

Singularizam

Educam ... escolarizam...governam... desafiam

Sofrem e amam

Escoam

Produzem-se!

Aventurem-se!

1LARROSA, Jorge. Sobre a lição. In: LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. p. 173 - 183.

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