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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.72 Salvador  2023  Epub May 06, 2024

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n72.p82-96 

Corpos, gêneros e sexualidades

MASCULINIDADES SUAVES NO K-DRAMA HELLO, MY TWENTIES!

SOFT MASCULINITIES IN K-DRAMA HELLO, MY TWENTIES!

MASCULINIDADES SUAVES EN K-DRAMA ¡HOLA, MIS VEINTEAñEROS!

1Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul

2Universidade Luterana do Brasil


RESUMO

O Corpos, gêneros e sexualidades insere-se na perspectiva teórica dos Estudos Culturais e de Gênero e analisa o modo pelo qual o k-drama Hello, My Twenties! veicula representações de masculinidades juvenis. A metodologia associa-se à etnografia de tela, visibilizando e problematizando imagens, observando, assim, manifestações de masculinidades a partir de produtos culturais da Coreia do Sul. Atentamos para os comportamentos, as características e os sentimentos que os jovens devem incorporar enquanto sujeitos de gênero, possibilitando-nos não apenas pluralizar as compreensões da juventude contemporânea, mas ampliar o entendimento de que as instituições e os diferentes locais da cultura veiculam pedagogias. Pela análise, a masculinidade “suave” apresenta sentidos ligados ao feminino, mas que não contestam a vivência da heterossexualidade. Entendemos que o artefato possibilita pensar em modos possíveis e plurais de ser homem e viver a masculinidade, ligados à diversidade de interesses de uma sociedade.

Palavras-chave: Juventudes; Masculinidades; Gênero; Estudos Culturais; K-dramas.

ABSTRACT

The article is part of the theoretical perspective of Cultural and Gender Studies and analyzes the way in which the k-drama Hello, My Twenties! conveys representations of youthful masculinities. The methodology is associated with screen ethnography, making visible and problematizing images, thus observing manifestations of masculinities from South Korean cultural products. We pay attention to the behaviors, characteristics and feelings that young people should incorporate as gender subjects, enabling us not only to pluralize the understandings of contemporary youth, but to broaden the understanding that institutions and different places of culture convey pedagogies. According to the analysis, “soft” masculinity presents meanings linked to the feminine, but which do not contest the experience of heterosexuality. We understand that the artifact makes it possible to think of possible and plural ways of being a man and living masculinity, linked to the diversity of interests of a society.

Keywords: Youth; Masculinities; Gender; Cultural Studies; K-dramas.

RESUMEN

El artículo forma parte de la perspectiva teórica de los Estudios Culturales y de Género y analiza la forma en que el k-drama Hello, My Twenties! transmite representaciones de masculinidades juveniles. La metodología se asocia con la etnografía de pantalla, visibilizando y problematizando imágenes, observando así manifestaciones de masculinidades de productos culturales surcoreanos. Prestamos atención a los comportamientos, características y sentimientos que los jóvenes deben incorporar como sujetos de género, permitiéndonos no solo pluralizar las comprensiones de la juventud contemporánea, sino ampliar la comprensión de que las instituciones y los diferentes lugares de la cultura transmiten pedagogías. Según el análisis, la masculinidad “suave” presenta significados vinculados a lo femenino, pero que no cuestionan la experiencia de la heterosexualidad. Entendemos que el artefacto permite pensar formas posibles y plurales de ser hombre y vivir la masculinidad, vinculadas a la diversidad de intereses de una sociedad.

Palabras clave: Juventud; Masculinidades; Género; Estudios Culturales; K-dramas.

Introdução

A pesquisa1 está ancorada no campo dos Estudos Culturais em Educação e de Gênero, a fim de evidenciar a polissemia de sentidos em torno das formas de ser jovem inseridos/ as em um contexto cada vez mais globalizado. De forma mais específica, propõe-se analisar o modo pelo qual o k-drama Hello, My Twenties! produz e veicula representações de masculinidades juvenis. Segundo Wortmann et al. (2015, p. 12), “os Estudos Culturais focalizam diferentes dimensões da educação e da cultura [...] bem como as práticas educativas” presentes em uma diversidade de artefatos, dentre esses, as midiáticas, espaço no qual o objeto desta análise se insere.

Os Estudos Culturais e de Gênero em articulação com o campo da Educação têm evidenciado possibilidades potentes e fecundas de problematização das juventudes contemporâneas. São muitos os processos que nos “ensinam” sobre os lugares e/ou as posições que homens e mulheres devem ocupar, sobre o corpo em que se deve investir e produzir. Nessa perspectiva, a construção do gênero é um processo social, cultural e linguístico, produzido por meio de significados para os corpos masculinos e femininos, tornando-se múltiplas as instituições e as práticas sociais que atuam na constituição das masculinidades e feminilidades.

Os pressupostos que assumimos nos permitem compreender as juventudes enquanto construção social, histórica e cultural. Ou seja, não há como identificar uma forma única de viver, ser ou estar na condição juvenil, exceto por suas múltiplas possibilidades. Nessa perspectiva, as juventudes são plurais e mostramse imbricadas em complexas redes de saber e poder na contemporaneidade. São atravessadas e constituídas por ensinamentos que as inventam, nomeiam e circunscrevem em um determinado tempo e condições sociais específicas, capazes de evidenciar o seu caráter de provisoriedade e contingência.

De acordo com Néstor García Canclini (2008), os múltiplos artefatos midiáticos da atualidade contribuem para a reformulação dos conceitos de local, nacional e global. Os meios audiovisuais e informáticos oferecem à juventude a possibilidade de acesso a uma formação mais ampla, em um cenário no qual conhecimento e entretenimento se combinam. Segundo o autor, também se aprende a ler e a ser espectador sendo telespectador e internauta - o indivíduo torna-se “um agente multimídia que lê, ouve e combina materiais diversos, procedentes da leitura e dos espetáculos”. Nesse sentido, ampliam-se os locais da cultura que oferecem possibilidades de ensinar e aprender, enquanto “leitores, espectadores e internautas” (Canclini, 2008, p. 22)

Assim, a expansão das tecnologias, das mídias e dos acessos está inevitavelmente associada ao grande desenvolvimento e fomento das produções midiáticas. A articulação entre produção e comercialização nos interpela, nos cerca e se faz presente por meio de uma diversidade de programações e de conteúdos, entre eles, as produções asiáticas com origem na Coreia do Sul, que tomamos como artefato de análise.

Conforme Hall (1997), a cultura constitui-se de práticas sociais permeadas por processos de significação e poder. A cultura possui nexo com todas as instâncias da sociedade, como as mídias, as tecnologias de informação, evidenciando a fluidez e a instantaneidade, atravessada pelos fluxos de trocas, que são globais na contemporaneidade. A “cultura é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (Hall, 1997, p. 16). Dessa forma, a veiculação e a produção de conceitos, atitudes e costumes são constituídos e constituidores na e da cultura, pois se inserem em sistemas de significação, nas estruturas das instituições, assim como nas relações sociais.

Por uma questão de delimitação, a proposta metodológica deste trabalho é visibilizar e problematizar alguns locais nos quais foi possível coletar e observar manifestações de masculinidades, a partir de produtos culturais da Coreia do Sul, que atuam e interpelam jovens no Ocidente. As análises realizadas associam-se à etnografia de tela (Balestrin; Soares, 2012), a fim de conduzir o nosso olhar na produção das observações, registradas em um caderno de campo, instrumento que contribuiu para a seleção das cenas e diálogos considerados mais produtivos para a construção dos eixos analíticos.

Com a proposta de visibilizar e problematizar alguns locais que estão envolvidos e atravessam a constituição das juventudes, sentimo-nos impelidas a refletir sobre os movimentos em torno da produção de sentidos para as masculinidades jovens e dos atravessamentos de fronteiras, possibilidade alcançada pelos avanços das mídias, da internet e suas tecnologias, por meio das quais conseguimos nos aproximar de outras culturas, entre as quais, em especial, a da Coreia do Sul, por meio de artefatos da Onda Coreana.

Apresentando a onda coreana

A fim de apresentarmos as problematizações a que nos propomos neste Corpos, gêneros e sexualidades, estabelecemos como ponto de referência a aproximação com alguns elementos culturais do Extremo Oriente, da Coreia do Sul, especificamente, apresentando a Onda Coreana e a sua inserção no cenário do Ocidente. O fenômeno cultural denominado Onda Coreana, tradução do termo inglês Korean Wave, adotado como sinônimo para o termo Hallyu, criado pela imprensa chinesa na década de 1990, para identificar e reconhecer o “fluxo da Coreia do Sul” e os efeitos da popularização de suas produções culturais, inicialmente pela expansão do k-drama,2 nos países asiáticos.

O Brasil é um dos seis países que possui uma sede da Korea Creative Content Agency, o Centro Cultural Coreano, localizado na cidade de São Paulo desde junho de 2013, com ações regulares com o objetivo de promover os produtos e os conteúdos da Coreia do Sul, realizando shows, apresentações, workshops, palestras e fóruns sobre a cultura sul-coreana. Esse movimento, que atravessa extensões territoriais nacionais, vem borrar e/ou coexistir com o evento conhecido como “americanização”, identificado pela busca de uma hegemonia cultural e fortemente marcado pelo consumo e costumes norte-americanos - processo caracterizado pela expansão dos produtos midiáticos pop e pela forte influência econômica estadunidense em outras culturas do Ocidente. Atualmente, percebe-se uma mudança no panorama do pop global, com o ingresso de representantes do Extremo Oriente, dentre eles as produções da Coreia do Sul. Como destacam Albuquerque e Cortez (2015, p. 249), a influência do Extremo Oriente iniciou com o Japão, na década de 1980, por seus produtos típicos - animes e mangás. Nesse novo milênio, destaca-se a Onda Coreana, associada aos produtos pop da Coreia do Sul. Esse avanço tem como objetivo a produção de seus conteúdos para o mercado global, “com base em um projeto que alia métodos baseados na lógica do mercado a objetivos políticos”.

O crescimento da cultura pop sul-coreana atende a demandas de uma lógica econômica articulada a projetos de promoção nacional baseados no soft power.3 Assim, os produtos da chamada Onda Coreana podem ser pensados por meio da constituição e da promoção da Coreia do Sul tendo em seus produtos como referência de identificação o k de Korea,4 tais como: k-drama, k-pop, k-beauty, k-concert, k-variety, k-food. Nesse contexto, assistimos cotidianamente a um progressivo crescimento da presença (e do consumo) dos produtos produzidos na e pela Coreia do Sul. O cruzamento das fronteiras culturais, comerciais e geográficas está permitindo o acesso a músicas, filmes, animações, games, comidas, cosméticos, modas, comportamentos, carros, produtos de tecnologia, inserindo-se ao cenário global, interpelando os/as jovens.

Para aqueles que não estão inseridos no contexto da cultura sul-coreana e não conhecem seus artefatos, como os programas de televisão e filmes, por exemplo, a presença dessa cultura na mídia internacional e brasileira pode ser considerada intensa, embora recente. Na perspectiva de quem ainda está distante desse movimento cultural, pode-se citar dois eventos considerados como marcos de aproximação e de conhecimento. O primeiro ocorreu em 2012, quando o artista sul-coreano Psy “estourou” com o videoclipe da música Gangnam Style,5 superando a marca de dois bilhões de visualizações na plataforma YouTube. Psy abriu as portas para a disseminação, no cenário internacional, de alguns elementos da cultura pop6 sul-coreana, recebendo visibilidade nos noticiários e programas de entretenimento. O segundo ocorreu em 21 de maio de 2017, na Billboard Music Awards, cerimônia de entrega de prêmios para representantes da indústria musical realizada nos Estados Unidos da América, onde a música sul-coreana, representada pelo grupo BTS (acrônimo para o nome em inglês Beyond The Scene e seu nome em coreano Bangtan Sonyeondan - 방 탄소년단), recebeu o troféu Top Social Artist, categoria com votação dos/as fãs pela internet. O grupo de sete jovens artistas ultrapassou a marca de 300 milhões de votos7 e rompeu com a hegemonia estadunidense na premiação, voltando a receber o mesmo prêmio em 2018.

As produções audiovisuais da Coreia do Sul encontraram visibilidade entre a juventude, ganhando espaço e aproximando-se desse público consumidor mediante os provedores de streaming8 e plataformas na internet. Nos k-dramas, as relações evidenciam certo distanciamento, ou seja, há poucas demonstrações de afetividades por meio do contato físico, e, quando existem, parecem ser furtivas, indicando constrangimentos e silenciamentos. Podemos pensar que as práticas culturais juvenis, contemporaneamente, atravessadas por um contexto do entretenimento sul-coreano, difundido globalmente, atuam enquanto instância pedagógica importante, veiculando determinadas representações de juventudes, sobretudo no que diz respeito às formas de viver o gênero e a sexualidade.

Com isso, retomamos o argumento acerca do caráter pedagógico dos espaços midiáticos e culturais, tais como sites, revistas, livros, programas de TV, filmes, videoclipes, músicas, etc., acessados pela juventude. Sob a perspectiva teórica que adotamos, torna-se produtivo pensar que a mídia divulga e faz circular informação, entretenimento e lazer, ao mesmo tempo em que atua na produção e na veiculação de significados, conhecimentos e representações de juventudes (Fischer, 2002). Concordamos com Rosa Maria Bueno Fischer (2002) quando, em suas pesquisas sobre televisão e educação, se refere à mídia como “dispositivo pedagógico”, tomando como base o pensamento do filósofo Michel Foucault. Suas análises mostram que as mídias, por meio da repetição constante de imagens e de enunciados, operam na produção de regimes de verdade, a fim de interpelar e educar os sujeitos a certos modos de ser e estar na cultura. Dessa forma, a mídia atua fortemente

[...] no sentido de participar efetivamente da constituição de sujeitos e subjetividades, na medida em que produz imagens, significações, enfim, saberes que de alguma forma se dirigem à ‘educação’ das pessoas, ensinando-lhes modos de ser e estar na cultura em que vivem (Fischer, 2002, p. 153).

As representações de juventudes, assim como o gênero, são produzidas em meio a uma pluralidade de práticas sociais, símbolos e instituições. Em tal contexto, inserem-se as mídias, engendrando mecanismos, produzindo pedagogias acerca do gênero e da sexualidade (Louro, 2010). O k-drama Hello, My Twenties! desenvolve uma narrativa pela qual acompanhamos cinco jovens mulheres estudantes, tendo a casa, de nome Belle Époque, como espaço onde ocorrem e se organizam as suas vivências e onde produzem suas experiências. Mesmo que o artefato apresente na narrativa poucos momentos, diálogos e interações entre homens e entre as jovens mulheres, interessa-nos algumas reverberações, presentes em outros elementos da Onda Coreana, para dialogarem com as masculinidades no k-drama.

Produzindo masculinidades suaves

A discussão das masculinidades em um artefato que tem como protagonistas jovens mulheres, suas vivências e experiências é possibilitada pela produtividade do conceito de gênero, sobretudo pela dimensão relacional, a fim de problematizar as relações de poder e as dinâmicas sociais existentes nos processos que tentam diferenciar homens e mulheres. Segundo Robert Connell (1997, p. 32), “a masculinidade existe apenas em contraste com a feminilidade”, abarcando compreensões históricas, sociais e culturais em que se polarizam características e se produzem binarismos.

Na constituição de gênero, estão envolvidos modos de ser homem e ser mulher, o que se torna relevante nas análises que envolvem a constituição dos corpos. Segundo Goellner (2013), o corpo não é só o corpo ou a sua materialidade; ele é produzido com o auxílio de roupas, tatuagens, intervenções e acessórios que o adornam, exigindo a produção de sentidos das imagens que nele se manifestam, da educação de gestos e das formas de olhar. Essa é uma construção possível pelo poder da linguagem, que opera com efeito de nomear, classificar, definir e marcar os corpos, como fruto de um determinado tempo histórico, assumindo um lugar importante na produção de representações de gênero.

Tal como a feminilidade, a masculinidade é polissêmica. Nos artefatos da Onda Coreana, circulam diferentes representações de masculinidades, dentre elas, a masculinidade “suave”, atravessada por sentidos e códigos ligados à delicadeza, beleza, sensibilidade, empatia e cuidado, associados hegemonicamente (em nossa cultura) ao feminino, fazendo-nos pensar que, no contexto da trama, o recato, o embelezamento, a sensibilidade e a gentileza se tornam características também pertencentes ao universo masculino. Parte-se do pressuposto de que há muitas formas de ser e viver a masculinidade (e a feminilidade), caracterizadas por um conjunto de sentidos que são reificados ou que se modificam pelas e nas relações sociais entre os homens e com as mulheres. A fim de prosseguirmos com as análises, apresentaremos a seleção de algumas imagens, capturadas em notícias referentes à Onda Coreana, bem como do k-drama Hello, My Twenties! em que são veiculadas representações de uma masculinidade “suave”.

Nessa direção, evidenciamos algumas manifestações culturais que podem produzir indagações e estranhamentos na relação entre juventude, masculinidade, gênero e sexualidade, assim como a tentativa de enquadrar (ou não) os sujeitos em representações de beleza, juventude e masculinidade construídas pela linguagem e pela cultura.

Podemos pensar, por meio da Figura 1, e dos comentários referentes à postagem, apresentadas no Quadro 1, a seguir, que a biologia deve sustentar, associar-se e/ou corresponder a representações hegemônicas de masculinidade e sexualidade. A imagem da Figura 1 apresenta a reportagem do Portal G1 sobre o ranking dos rostos masculinos mais bonitos do cenário do entretenimento, organizado anualmente pela The Independent Critics. No ano de 2017 foi selecionado o rosto de um cantor da Coreia do Sul como primeiro do ranking. Organizamos, no Quadro 1, dentro dos 394 comentários sobre a matéria publicados, omitindo a autoria, aqueles com maior volume de marcações com o sinal gráfico de positivo (like).

Quadro 1 Comentários sobre o rosto masculino 

MENSAGEM LIKE DISLIKE
Já acho surpreendente ele ter sido eleito homem. 284 121
Qual o problema de um homem usar maquiagem? Qual o problema no fato dele ser um coreano? Qual o problema se o órgão genital dele é pequeno ou grande? Qual o problema que ele foi eleito o rosto mais lindo do mundo? Cuide da sua vida, não há problema algum em ter cuidado pessoal. 163 38
Taehyung é lindo por fora e por dentro. Um homem muito educado e talentoso. Não são esses comentários maldosos sobre a aparência dele que vão rebaixá-lo, afinal, padrões de beleza são diferentes ao redor do mundo. E garanto que ele é mais homem que muitos que estão comentando aqui. 113 16
Só quero dizer que vir aqui praticar xenofobia e preconceito não te faz mais homem, só te faz um covarde que fica rebaixando os outros atrás de uma tela por não ter amor próprio, já que se tivesse não estaria se doendo tanto. 87 19
Se esse é o mais bonito, imagine o mais feio. 81 62
Parece uma coreana.... 62 0
Passei só para deixar minha gargalhada kkkkkkkkkkkk 59 14
Homem??? Com essa carinha de barbie!!! hahahahah 56 40
ESSA É A PROVA DE QUE ESSES CONCURSOS, LISTAS, PESQUISAS ETC NÃO TEM CREDIBILIDADE NENHUMA 41 19
Parece a boneca inflável que eu comprei na sexy shop. 40 13
Com essa cara de mulher, é mesmo. Bonito sou eu de meia e cueca. 29 10

Fonte: Adaptado de Portal G1 (2017).

Fonte:Portal G1, 2017.

Figura 1 Print da imagem publicada sobre masculinidade 

Nesses comentários, logo destacamos os embates em torno do gênero e da sexualidade, tornando-se necessária uma reflexão sobre os espaços educativos em que estão imersas as juventudes contemporâneas. Estamos em constante contato com os processos de produção de representações de masculinidade (e de feminilidade) legitimada e normalizada, assim como, por meio das formas de viver, expressar os desejos e os prazeres da sexualidade. Podemos dizer que a heterossexualidade é apresentada, ainda, como a mais verdadeira, tendo as instituições tradicionais a função de nortear e regular as ações para corresponder àquilo que é nomeado como “normal”. De acordo com Louro (2013, p. 45-46), “mesmo que se admita que existam muitas formas de viver os gêneros e a sexualidade afastar-se desse padrão significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico, é o extravagante, o esquisito”. Conforme vimos argumentando, a mídia tem ocupado um espaço privilegiado para colocar em circulação representações de juventudes, assim como ensinamentos e possibilidades para viver o gênero (e a sexualidade) de forma plural.

Segundo Meyer (2013), convergindo com os pressupostos da análise cultural, as teorizações de gênero também focam suas análises na dimensão educativa, isto é, além dos espaços tradicionalmente concebidos como educativos, tornando-se necessário incluir o exame dos artefatos culturais às análises, pois é no interior deles que aprendemos a nos reconhecer (ou a resistir) enquanto sujeitos de gênero, no âmbito da sociedade. Conforme Meyer (2013), a cultura e seus processos, sempre plurais e conflitantes, são tomados como alvo para as análises de gênero.

Louro (2011) acrescenta que gênero se constitui como parte do sujeito, uma identidade marcada pela pluralidade e polifonia, afastada de alguma “essência”, um a priori ou uma condição homogeneizante de viver o feminino e o masculino. Nessa perspectiva, são diferentes instituições e práticas sociais que “fabricam” os sujeitos como homens e mulheres, em constante processo de construção e transformação. As identidades de gênero e as sexuais não são a mesma coisa. Gênero refere-se às formas de aprender e viver as feminilidades e as masculinidades, coladas ou não a corpos sexuados. Sexualidade está relacionada com as nossas formas de viver os prazeres e as relações que estabelecemos ao longo da vida. Ambas são produzidas no âmbito da cultura; assim, “as formas de sexualidade e de gênero são interdependentes, ou seja, afetam umas às outras” (Louro, 2011, p. 53).

A representação da masculinidade “suave” parece tensionar a representação hegemônica de masculinidade. Essa inquietude é percebida por meio de marcadores tipicamente associados à feminilidade no contexto ocidental, os quais frequentemente também denotam homossexualidade. No entanto, no contexto das análises, a masculinidade “suave” está associada ao desejo heterossexual. Assim, pode-se pensar que é dada ao homem a possibilidade de maior fluidez e flexibilidade em termos de estética, comportamentos e atitudes, sem que isso os vincule a uma orientação sexual específica.

Tal como a feminilidade, a masculinidade é polissêmica. Nos artefatos da Onda Coreana, circulam diferentes representações de masculinidades, dentre elas, a masculinidade “suave”, atravessada por sentidos e códigos ligados a delicadeza, beleza, sensibilidade, empatia e cuidado, associados hegemonicamente (em nossa cultura) ao feminino, fazendo-nos pensar que, no contexto da trama, o recato, o embelezamento, a sensibilidade e a gentileza se tornam características também pertencentes ao universo masculino. Parte-se do pressuposto de que há muitas formas de ser e viver a masculinidade (e a feminilidade), caracterizadas por um conjunto de sentidos que são reificados ou que se modificam pelas e nas relações sociais entre os homens e com as mulheres

A fim de prosseguir com as análises, apresentamos a seleção de algumas imagens capturadas do k-drama Hello, My Twenties!, em que são veiculadas representações de uma masculinidade “suave”. Para apresentá-la, ilustramos com a Figura 2. À esquerda, está Seo Dong-Joo, amigo e confidente de Kang, ambos tendo a mesma atividade na indústria do sexo. Nessa cena do episódio 3, Kang, por descuido, derruba um pouco de comida no terno cor de rosa do amigo, e esse diz: “Ei, vou até o banheiro. O tecido vai manchar se eu não lavar agora!”, o que deixa Kang irritada, retrucando: “Da próxima, você come pelado”. À direita, vemos o colega de aula de Yoo, Shin Yool-Bin, com cabelos no estilo Chanel, lenço petit-pois com um pequeno laço no pescoço, suéter em tom suave, pele alva e limpa - descrições usualmente relacionadas ao feminino. Nessa cena do episódio 5, Shin é interrompido em sua leitura por Yoon JongYeol,7 outro colega da jovem Yoo, que demonstra um olhar contemplativo para o entardecer e fala: “O pôr do sol no verão é como um suspiro de menina”. O rapaz, ao dizer a frase poética, utiliza-se de um vocabulário que denota sensibilidade e delicadeza, marcas simbólicas da feminilidade, ao invés de evidenciar dureza e força, fortemente associadas à masculinidade.

Fonte: Hello, My Twenties! (2016).

Figura 2 Representações de uma masculinidade “suave” 

Essa forma de representar os jovens sulcoreanos, em que uma determinada estética masculina se torna central, também pode ser localizada em outros espaços da cultura sul-coreana, e não apenas nessas cenas. Há outros locais onde também se reafirmam formas “suaves” de ser homem e/ou de viver a masculinidade. Trazemos, como exemplo, o relato de Babi Dewet, no livro K-Pop: Manual de Sobrevivência, sobre suas experiências nos bastidores de shows de grupos de k-pop. Ela revela que “fotos ou filmagens dos ídolos sem maquiagem não são permitidos” (Dewet, 2017, p. 133). A autora dessas informações diz que esses cuidados estão vinculados às características que os membros dos grupos devem possuir: a aparência cuidada, a juventude ligada a sentidos de pureza, inocência e virtude, associando-os a comportamentos de atenção e cuidado para com os/as fãs.

Segundo Juarez Dayrell (2005, p. 21), não há uma “noção de juventude que consiga abranger a heterogeneidade do real”. Há um esforço de quem faz pesquisa em desnaturalizar o entendimento da juventude como um grupo homogêneo e apresentá-la mediante uma diversidade de condições sociais, culturais, de gênero e de locais, entre outros aspectos que problematizam e atuam na sua constituição, sem chegar a um denominador comum. As juventudes são atravessadas por interações sociais e simbólicas, afetando as trajetórias juvenis, permeadas pela diversidade contextual e sociocultural existente (Dayrell, 2005). Dentro desse cenário, de acordo com Mássimo Canevacci (2005, p. 19), as culturas juvenis são fluidas, fragmentadas, “são pluriversos”, transitam entre as pluralidades de alternativas disponíveis e ofertadas.

A masculinidade “suave” ressoa e fomenta a indústria de cosméticos da Coreia do Sul, onde a rotina de cuidados com a pele vai além de limpar, tonificar e hidratar. É um processo que pode ter de sete a doze passos, inserindo-se no cotidiano masculino e feminino. Uma matéria da BBC (Russon, 2018) apresenta informações sobre a bilionária indústria da beleza, identificada como k-beauty, para o país. A reportagem destaca que o contexto motiva marcas de outros lugares, como a francesa Chanel, a lançarem uma linha de produtos para o público masculino. Em outra reportagem produzida pela BBC (Asher, 2018), informa-se que a Coreia do Sul é nomeada como “pioneira em beleza masculina”, uma vez que os homens fazem uso corrente de maquiagens e tinturas, além de frequentarem salões de beleza, dando relevância aos cuidados com o vestir-se, a pele e o cabelo. As reportagens corroboram os investimentos, características, comportamentos e ações vinculados à incorporação da masculinidade “suave”, definida na Coreia do Sul pelo termo kkonminam.

Para a autora Joanna Elfving-Hwang (2011), citada na reportagem, a tradução literal da expressão seria “homens parecidos com flores”, representados como sensíveis e dispostos a expressar seus sentimentos, se necessário, e excessivamente preocupados com a aparência, apresentando-se bem arrumados e elegantemente vestidos, o que corresponde a uma tendência em toda a Ásia Oriental. A autora sugere que a produção da masculinidade “suave” estaria ligada a um reposicionamento das mulheres, por sua inserção no mundo do trabalho e conquista da independência financeira, assim como ao dos homens, que estariam se adequando a “novas” exigências para atrair uma parceira (Elfving-Hwang, 2011).

Segundo Crystal S. Anderson (2014), a masculinidade sul-coreana transita entre duas expressões, kkonminam e jimseungdol, sem se fixar em nenhuma. A primeira refere-se a um homem “bonito e elegante”, evidenciando sentidos de beleza relacionados aos cuidados com a aparência física, como uma pele lisa e macia, cabelos alinhados e sedosos - características associadas, no Ocidente, ao feminino. A segunda traz a combinação das palavras coreanas ídolo e animal, relacionando o masculino a características supostamente “dadas” pela biologia, como vigor, agilidade, virilidade, agilidade - elementos “próprios” de homem, como um animal que traz consigo comportamentos intrínsecos.

Nesse sentido, a Figura 3 ilustra o entrelaçamento dessas masculinidades há pouco citadas. As cenas apresentadas são um recorte de outro k-drama, com enredo militar. Nessa produção, os homens, em seu tempo de descanso, dedicam-se ao cuidado da beleza, fazendo uso de máscaras faciais. Como Louro (2018, p. 19) esclarece, “a fronteira é lugar de relação, região de encontro, cruzamento é confronto”, podendo-se pensá-la como fluida, cambiante e provisória.

Fonte:Descendentes do Sol, 2016.

Figura 3 Soldados com máscaras faciais 

A visibilidade dos jovens nos k-dramas que representam a masculinidade “suave” reverbera em outros espaços, em princípio, pelo olhar e desejo feminino por homens sul-coreanos, os Oppas, percebidos como bonitos, atenciosos e sensíveis. Na trama, o namorado de Jung pode ser considerado distante dessa representação masculina. Tal visibilidade é percebida na criação de grupos10 no Facebook, com títulos como “50 Tons de Oppas” e “50 Tons de Oppas 2.0”, que associam a expressão Oppa (ligada à masculinidade “suave”) com 50 Tons de Cinza, título de uma produção literária erótica, com sentidos que se distanciam da sensibilidade, da delicadeza e da suavidade. Em outras páginas11 dessa rede social, utilizadas para divulgar os k-dramas, tais como “Amizade Dorameira”, “Doramas Brasil” e “Somos Viciados em Doramas 2.0”, utilizam-se, nas postagens, as imagens de atores que atuam/ atuaram como personagens que articulavam os sentidos de uma masculinidade “suave”.

A masculinidade, então, é representada usualmente como antagônica à feminilidade. Prepondera, em nossa cultura, a representação masculina ligada a força, dominação, provisão e proteção da família em relação ao conforto, alimentação e abrigo. Nessa relação, hegemonicamente, o feminino ocupa o lugar do desejo, além de vincular-se a atividades de cuidado, como mãe e esposa, que ainda hoje envolvem as representações hegemônicas de gênero, explicadas por uma suposta associação com a natureza de homens e mulheres, tendo sido amplamente contestada na sociedade, mas, de forma recorrente, volta a ser acionada.

O artefato apresenta modos de ser homem, entre os quais está a masculinidade “suave”. Os diálogos e cenas selecionados evidenciam sentidos associados a uma suposta masculinidade que se opõem e/ou se distanciam desta. Ressaltamos a posição do jovem Yoon Jong-Yeol ao iniciar um romance com Yoo, a mais jovem da Belle Époque. Em uma cena do episódio 8, a jovem cobra que ele deveria avisar, não aparecendo de surpresa, e ele contesta, utilizando expressões possessivas: “Como assim? Por quê? Você é minha! Só eu posso olhar para você”. Em outro momento do mesmo episódio, os dois estão em um parque, fazendo um lanche preparado por ela. As imagens mostram-no colocando os braços sobre ela, envolvendo-a, mas não de forma carinhosa. Nesse momento, são repreendidos por uma mulher que observa o evento. A atitude é tomada como um ato de assédio e abuso, cobrando-se a complacência de Yoo: “É por causa de garotas passivas assim que assédios sexuais ainda acontecem!”. O pedido de desculpa de Yoo não deixa o namorado confortável, e ele cobra dela outra atitude: “Por que não disse ‘ele é o meu homem’?” (sequência apresentada na Figura 4).

Figura 4 O olhar externo sobre a relação de Yoo e seu namorado 

As imagens que apresentam uma relação abusiva no âmbito da trama permitem-nos refletir sobre os sentidos presentes nos comportamentos relacionados aos modos de ser homens e mulheres; permitem também pensar que a produção da masculinidade “suave” pode estar relacionada às demandas de mercado, mas ainda podem vincular-se às demandas contemporâneas de gênero na re/organização da sociedade. A masculinidade “suave” rompe justamente com a compreensão de que determinados gestos, sentimentos e atitudes estão relacionados à biologia ou são “inatos”, com isso abrandando argumentos de que mulheres podem ser posses de homens. Insere-se nesse contexto a vivência da sexualidade, compreendida como “menos um produto do impulso biológico e mais um produto dos significados vinculados a esses desejos ou impulsos”, variando de acordo com os grupos sociais e a cultura (Garcia, 2001, p. 41).

Voltando a personagem Go Doo-Youn, namorado de Jung, vemos elementos de uma masculinidade que aciona uma posição de superioridade em relação ao feminino, ou seja, uma masculinidade que se afirma, afastandose de significados que se aproximam do que é tomado como feminino - portanto, faz-se necessário ser agressivo e mostrar-se poderoso na relação. Para tal, o rapaz usa como recurso atitudes para humilhar e ferir sua namorada, sem demonstrar preocupação com seu bem-estar. Podemos ver nas cenas que o casal vivencia uma relação abusiva, em que o namorado faz uso de palavras e gestos para humilhar Jung. Inclusive, ele faz uso da força física e de uma suposta superioridade para praticar atos de violência contra a jovem. São imagens que dialogam com informações publicizadas cotidianamente pelos noticiários nacionais e que ratificam o cenário12 vivenciado em nosso país, de violência e agressões contra as mulheres e seus corpos.

Na narrativa, a jovem Jung é sequestrada e sofre violências, físicas e psicológicas, promovidas por Go, devido ao fato de ele não aceitar o rompimento do relacionamento. Jung é resgatada da situação pelo envolvimento e engajamento das amigas, ao detectarem comportamentos que não lhe eram próprios e que indicavam que algo de errado estava acontecendo. A relação de amizade estabelecida entre as jovens, na qual estão presentes empatia e cumplicidade, traz sentidos de “irmandade”, cuidado e proteção, produzindo um desfecho positivo. Ensina-se que é possível (e necessário) mulher apoiar mulher. A criação de uma rede de apoio entre as mulheres inserese no processo para superar a experiência de violência, aspecto que, como já mencionado, é considerado pelos/as jovens espectadores/as como um dos “pontos altos” do k-drama.

Pode-se dizer que, cultural e socialmente, há ensinamentos e práticas, tais como as modalidades esportivas, que investem e educam, sobretudo os homens, a tornarem-se competitivos, fortes e até a utilizarem-se de práticas de violência física, como no futebol, por exemplo. São modos de ser que valorizam determinados comportamentos, gestos e atitudes vinculados à disputa, à força e à competitividade, pois, segundo Goellner (2016, p. 31), “o esporte foi pensado pelos homens e para os homens, marcando, desde seu início, a sua generificação”. Do mesmo modo, em determinadas atividades profissionais, a racionalidade, a produtividade e a eficiência constituem formas naturalizadas de viver a masculinidade. Assim, a masculinidade supostamente significa, no âmbito de determinados contextos, ser viril e exitoso, além de possuir confiança, controle e poder.

Esses atributos estão entre as características da masculinidade hegemônica, que, segundo Robert W. Connell e James Messerschmidt (2013, p. 245), são normativas. O poder é sustentado e legitimado socialmente por um regime de práticas de dominação de homens sobre outros homens e de homens sobre as mulheres, mas “a masculinidade hegemônica não se assumiu normal num sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a adote”; outros apenas se beneficiam de dividendos do patriarcado,13 sem adotar uma versão forte de dominação. A masculinidade hegemônica e as relações de gênero são uma construção histórica e sociocultural. Elas estão abertas a lutas e contestações, possibilitando mudanças tanto nas formas de se viver a masculinidade quanto nas relações de poder vigentes em uma sociedade, processos que visibilizam a pluralidade de masculinidades e as complexas relações existentes entre homens e mulheres (Connell; Messerschmidt, 2013).

No artefato, estão presentes, em diversas cenas, reflexões sobre a condição feminina e a independência e desvinculação da necessidade de ligar-se ao homem como protetor e provedor de segurança, seja ela financeira e/ ou emocional. Por meio dos eventos que se inserem no mundo feminino, como, por exemplo, o ingresso no mercado de trabalho, o acesso à educação superior, aos métodos contraceptivos e à liberdade sexual, situações que têm produzido, historicamente, contestações e tensões, iniciam-se processos que promovem mudanças nas relações e configurações sociais, como nos ditos “papéis” de homens e mulheres. Pelo exercício analítico desenvolvido, a masculinidade “suave” apresenta sentidos ligados ao feminino e conecta-se à representação de uma mulher que cuida de si. O artefato, ao apresentar um homem que cuida da aparência, utiliza maquiagem, faz uso de adornos e roupas em tons suaves, aponta comportamentos e atitudes que não contestam a vivência da heterossexualidade. Entendemos que o artefato possibilita pensar em modos possíveis, plurais e contingentes de ser homem e viver a masculinidade, ligados à diversidade de interesses de uma sociedade.

As mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, dentre elas a contestação das posições e de afirmação da igualdade entre homens e mulheres, inscrevem, para o século XXI, novas possibilidades de representações masculinas e femininas. O homem forte, rude, possessivo e provedor perde espaço para uma possibilidade de viver a masculinidade associada a sentidos antes considerados como “próprios” do feminino, tais como preocupar-se com a vaidade, o ser delicado, sensível e atencioso, o que se constitui como um cenário viável, relacionado com outra posição do feminino, agora liberado da posição de sexo frágil, anteriormente associado a comportamentos de docilidade e fragilidade. As transformações permitem-nos perceber a polissemia na forma de ser e viver o gênero e a sexualidade. Assim, as representações de gênero estabelecem-se tanto na reificação quanto na contestação dos “arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação” (Louro, 2011, p. 26), premissa que nos conduziu a produzir um estudo que contesta as desigualdades sociais e a nomeação das diferenças compreendidas como “naturais” ou alicerçadas e justificadas pela biologia. As investigações que se filiam aos Estudos Culturais e de Gênero reforçam a necessidade de produzirmos lutas simbólicas e de poder, nas quais se engajem homens e mulheres, a fim de rompermos com as posições e relações existentes, sobretudo aquelas que afastam os homens do cuidado e da educação das crianças, ao mesmo tempo em que aliam as mulheres a essas tarefas, responsabilizando-as integralmente (Klein, 2018). Compreendendo a complexidade que envolve as masculinidades e feminilidades, Connell (1995, p. 204) indica que “a maior parte desse trabalho é, sobretudo, educacional”.

Considerações finais

Argumentamos, com base na perspectiva teórica adotada, que os espaços culturais agem pedagogicamente, uma vez que veiculam e produzem conhecimentos, compreensões, experiências e mobilizam os/as jovens em torno de manifestações do consumo midiático nos quais circulam determinadas representações de juventudes, tendo como origem a Coreia do Sul. Estamos diante de artefatos culturais, produzidos na Coreia do Sul, os quais estão atuando e interpelando jovens no Ocidente, que se organizam em torno de produções sulcoreanas, acesso estabelecido pelos avanços das mídias, da internet e suas tecnologias, inserindo a juventude a um contexto globalizado, produzindo um jovem que habita o virtual e o presencial, um estar “aqui e lá”. Assim, por meio dos processos de observação, também evidenciamos locais em que estão imersas as juventudes contemporâneas. Necessitamos manter reflexões acerca dos investimentos, saberes e ações das instituições tradicionais, como a escola e a família, que estão em articulação com os ensinamentos, as mensagens, os recursos e as linguagens midiáticas. Nesse sentido, articulam-se filiações, lutas e resistências na tentativa de evidenciar e/ou silenciar discussões acerca do que é ser jovem, no âmbito das diferentes instituições. A mídia tem ocupado um espaço privilegiado para colocar em circulação representações de juventudes, assim como ensinamentos e possibilidades para viver o gênero de forma plural. Entendemos, portanto, como frutíferas as pesquisas que colaboram para ampliar o debate, o conhecimento e a atenção sobre as representações de juventudes, no presente caso, nas mídias.

1O presente Corpos, gêneros e sexualidades apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado, um estudo qualitativo, no qual se analisam as representações de juventude produzidas e veiculadas pelo k-drama Hello, My Twenties! (Robaski, 2019).

2O k-drama é um produto audiovisual, uma produção televisiva no qual se deve observar enquanto formato e não como um gênero.

3Termo cunhado pelo cientista político Joseph Nye para discutir o poder de atração e persuasão dos Estados nação por meio de produtos culturais.

4Identifica os produtos produzidos como originários da Coreia do Sul, uma forma de caracterizar e divulgar os produtos da Onda Coreana.

5Psy bate recorde de 2 bilhões de visualizações no YouTube. Veja, Entretenimento, 31 mai. 2014. Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/psy-bate-recorde-de-2-bilhoes-de-visualizacoes-no-youtube/. Acesso em: 11 out. 2017.

6 No contexto da língua inglesa, o “pop” é entendido como “popular midiático”, em consonância com os ecos das premissas conceituais da “pop art”, aproximação com uma expressão voltada aos modos de produção e consumo mais comerciais, efêmeros e acessíveis (Soares, 2015).

7 BTS é o primeiro grupo de k-pop premiado no Billboard Music Awards. O Globo, Cultura, 22 maio 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/musica/bts-o -primeiro-grupo-de-poppremiado-no-billboard-music-awards-21373805. Acesso em: 5 jul. 2017.

8 É uma forma de transmissão de conteúdos (de áudio e vídeo) online através de redes de computadores, especialmente pela internet.

7Como esse jovem possui o mesmo nome de família de uma das jovens mencionadas na produção de feminilidades, utilizaremos o nome completo para identificá-lo.

10 Grupos do Facebook, juntos, possuem 60.848 participantes. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/131739700862026/ e https://www.facebook.com/50-Tons-De-Oppas-20976662825835058/. Acesso em: 20 nov. 2018.

11 Grupos fechados do Facebook para divulgação dos k-dramas, que somam 60.049 membros. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/415405411856424/ - facebook.com/groups/SVED2.0/ - https://www.facebook.com/groups/182538815765716/. Acesso em: 20 nov. 2018.

12 No Brasil, de acordo a Nota Técnica 13, publicada conjuntamente com o Mapa da Violência de 2018, 48% das vítimas sofrem agressões de pessoas próximas em suas residências. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150302_nt_diest_13. pdf. Acesso em: 1 fev. 2018.

13 Expressão com origem nas palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem, comando). A expressão refere-se a uma forma de organização familiar e social em que um homem, o patriarca, submete os outros membros da família ao seu poder. “Um sistema que estrutura relações sociais e legitima desigualdades de gênero” (Lima; Souza, 2015, p. 515).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 30 de Agosto de 2023; Aceito: 14 de Outubro de 2023

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Possui graduação em Administração pela Faculdade Integrada São Judas Tadeu (1995), Especialização em Gestão de Pessoas no Ambiente Organizacional pela FTC/Salvador (2012) e Mestrado Em Educação pelo programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade Luterana do Brasil, na área de concentração os Estudos Culturais em Educação (2019). Servidora do IFRS desde 2010, nomeada como Administradora. Possui experiência profissional nas áreas: Comercial, Financeira e Recursos Humano. Atualmente, dedica-se à pesquisa acerca das juventudes, pedagogias culturais e educação. E-mail: justina.robaski@gmail.com

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É pedagoga pela Universidade La Salle (1990), Mestre (2003) e Doutora em Educação (2010) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora do Curso de Pedagogia, pesquisadora e professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU/ULBRA) na área de concentração dos Estudos Culturais em Educação, onde está inserida na linha de pesquisa Infâncias, Juventudes e Espaços Educativos. Além disso, participa de projetos de pesquisa vinculados à ULBRA, à UFRGS e à UNISINOS, investindo na discussão de temas que envolvem políticas públicas, educação e(m) saúde, infâncias, juventudes, docências e gênero. É pesquisadora integrante do Grupo de Estudos de Educação, Sexualidade e Relações de Gênero (GEERGE/UFRGS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: carinklein31@gmail.com

Corpos, gêneros e sexualidades revisado por Carlos Batanoli Hallberg

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