1 INTRODUÇÃO
O conceito de ferramentas Web 2.0 ou Web Social revolucionou a utilização da Internet, dado esta deixar de ser apenas um meio de divulgação de informação, para passar a ser uma plataforma onde os conteúdos são criados, partilhados e manipulados, por todos os que têm acesso. Para Zapata-Ros (2014, p. 4), a web 2.0 inclui “todos os serviços em que não há diferenciação entre autor e usuário”. Tim O'Reilly (2005), que cunhou o termo, refere que:
A Web 2.0 considera a rede como uma plataforma, que interliga todos os dispositivos a ela ligados; as aplicações da Web 2.0 são aquelas que melhor permitem tirar partido das vantagens da plataforma: a disponibilização de software constantemente atualizado que melhora à medida que é utilizado dado os usuários explorarem e remisturarem dados de fontes muito diversificadas, incluindo a disponibilização dos seus próprios dados e serviços num formato que possibilita por sua vez que outros os remisturem, numa arquitetura de participação, que vai para além da metáfora da página estática da Web 1.0, para disponibilizar as experiências dos utilizadores (tradução das autoras).
Considera-se que a utilização das ferramentas Web Social está associada ao conceito de aprendizagem colaborativa, bem como ao de comunidade de aprendizagem online (PALLOF; PRATT, 2007). Neste tipo agregados sociais todos os elementos da comunidade podem participar e contribuir para a aprendizagem do próprio e dos seus pares através de processos de entreajuda. Coutinho (2008), por sua vez, indica que o uso da Web 2.0 requer participantes mais ativos, em nome de uma inteligência plural, partilhada ou coletiva, reforçando o conceito de transformação de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais. Para a autora, os utilizadores passam de consumidores a produtores que contribuem para a estruturação do conteúdo. “A Web 2.0 permite uma mais autêntica democratização: os blogs, o Youtube, o Googlepages, a Wikipedia, os serviços on-line proporcionados pelo Windows Live… concorrem para uma maior partilha e maior interatividade” (COUTINHO, 2008, p.83).
O denominado software social (blogs, wikis, fóruns, social bookmarking, redes socias, entre outros) está disponível para todos os que tenham acesso à Internet. Através destes serviços é possível desenvolver competências a vários níveis: pesquisa, resolução de problemas, debate, argumentação, escrita, etc., sendo vasta a literatura na área (COUTINHO, 2008; NERI DE SOUZA; MOREIRA, 2008). Existe contudo um número reduzido de estudos relacionados com o questionamento dos alunos em contextos online, como indicam Neri de Souza (2006) e Neri de Souza; Moreira (2008). Da pesquisa bibliográfica realizada, constatou-se não existirem estudos acerca da utilização de redes sociais para fins educativos formais, em contextos de estágio profissional (em que os alunos estão dispersos por várias empresas). O trabalho subjacente a este artigo visou colmatar essa lacuna e contribuir para o conhecimento na área, como se refere na secção seguinte.
Neste artigo é descrita e interpretada a exploração da rede social NING durante o estágio profissional de alunos do 12º ano (último ano do ensino secundário), de um Curso Tecnológico de Informática, de um colégio privado na zona de Aveiro (Portugal). Foi usada a rede social NING, em particular: fóruns, blog e agenda (eventos). Os fóruns foram utilizados como estratégia de incentivo à colaboração entre alunos e entre estes e a professora/investigadora e os monitores. Tal permitiu a constituição de uma comunidade de aprendizagem em que os alunos se entreajudaram através da formulação de perguntas e o fornecimento de respostas (feedback). O blog foi utilizado para o registo diário do trabalho desenvolvido e assim permitir a acompanhamento da evolução dos alunos, em qualquer altura, e os eventos para disponibilização de informação.
O estudo que originou este artigo visou mostrar como a rede social explorada, com todas as suas potencialidades, pode ser integrada no ensino, na aprendizagem e na avaliação (em contexto de estágio profissional) e as suas mais-valias. Trata-se de um aprofundamento de uma comunicação em que se fez um primeiro balanço da experiência (GONÇALVES; LOUREIRO; NERI DE SOUZA, 2010). Nas secções seguintes, aborda-se sucintamente os objetivos do estudo que deu origem a este artigo., bem como a questão de investigação e as temáticas que o fundamentaram. Seguidamente, apresentam-se e discutem-se os resultados e tecem-se algumas considerações finais.
2 DO PROBLEMA AOS OBJETIVOS E ÀS QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO
Tal como referido por Gonçalves, Loureiro e Neri de Souza (2010), a finalidade do estudo que se apresenta neste artigo consistiu em melhorar a insuficiente comunicação que existia entre os vários intervenientes do estágio profissional componente curricular do 12º ano de um Curso Tecnológico de Informática. Sendo o estágio realizado num contexto profissional, em entidades públicas e privadas, no distrito de Aveiro, distanciadas fisicamente, verificou-se que os alunos não comunicavam entre si, isto é, não havia partilha de informação nem troca de experiências ou dúvidas. Por sua vez, a professora só podia contactar com os alunos e respetivos monitores uma vez a cada quinze dias. Desta forma, a análise do desempenho dos alunos era comunicada com algum atraso à professora, o que dificultava o acompanhamento dos alunos. Tendo em vista fazer um acompanhamento mais próximo e aumentar a interação entre os estagiários utilizou-se uma ferramenta da Web 2.0, uma rede social, onde foi incentivada a partilha de conhecimentos, a troca de informação e a entreajuda através do questionamento e da reflexão/avaliação do trabalho desenvolvido.
As questões de investigação que nortearam o estudo ora apresentado foram:
Como explorar uma rede social para o acompanhamento de alunos do 12º ano, em estágio profissional?
Em que medida a exploração de rede social utilizada promove a interação e o questionamento dos alunos e que tipo de interação e questionamento?
A sua inovação prende-se com o contexto pouco usual do estudo, como referido, um Curso Tecnológico de Informática, ministrado numa instituição de ensino privada, e com a divulgação de instrumentos de análise/avaliação passíveis de ser utilizados noutros contextos. Procurou-se desta forma contribuir para os estudos empíricos na área da análise/avaliação de interação em contextos online e do questionamento.
3 REFERÊNCIAL TEÓRICO
Como acima referido, os eixos teóricos que sustentaram o estudo que se presenta neste artigo prendem-se com a análise/avaliação de interações em contextos online e o questionamento. Nas sessões seguintes abordam-se esses temas ainda que necessariamente de forma sucinta.
3.1 Avaliação em contexto online
O processo de avaliação permite, entre outros, estimular, observar e aferir as formas de comunicação/interação através das quais o aluno teve maior êxito. Os registos da avaliação facilitam ainda o diagnóstico de dificuldades e analisar a evolução das aprendizagens. Podem também ter a finalidade de reestruturar as opções tomadas no que respeita ao processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação, por outras palavras, ao currículo. Esta reestruturação tem como objetivo a definição de atividades que levem o aluno a desenvolver as competências visadas e melhorar/delinear estratégias para superar as suas dificuldades (HADGI, 1994; ROEGIERS, 2010).
O conceito de avaliação de e para as aprendizagens tem sido largamente explorado e estudado nos últimos anos, quer a nível nacional quer internacional. O termo “avaliação” dos alunos é associado de forma comum a testes, ou seja, a uma avaliação sumativa e certificadora, em que os alunos são classificados numericamente e são comparados entre si (BLACK et al., 2003). Para Fernandes (2006, p.32) a avaliação para a aprendizagens, a que o autor chama de avaliação formativa alternativa, é
um processo sistemático e deliberado de recolha de informação relativa ao que os alunos sabem e são capazes de fazer e essencialmente destinado a regular e a melhorar o ensino e a aprendizagem. Assim, a informação obtida deve ser utilizada de forma a que os alunos compreendam o estado em que se encontram relativamente a um dado referencial de aprendizagem e desenvolvam ações que os ajudem a aprender ou a vencer as suas eventuais dificuldades.
Como indicam Black et al. (2004), a avaliação formativa para a aprendizagem não é desenhada para medir, distribuir em rankings ou certificar competências. A sua prioridade é a promoção da aprendizagem dos alunos e do ensino, tanto ao nível do desenho como da prática letiva. Os mesmos autores, tal como Black e Wiliam (2009) e Fernandes (2009) consideram ainda que a avaliação formativa pode ajudar através do fornecimento de informação (feedback) todos os intervenientes no processo (alunos e professores) e pode permitir adaptar as estratégias didáticas, e por consequência o currículo, ao progresso dos alunos. Utiliza-se o feedback “(…) numa lógica de questionamento, quer como esclarecimento de dúvidas quer como crítica estimuladora, de apoio, de recomendação, de síntese ou de esclarecimento conceptual, teórico ou metodológico” (SÁ et al., 2014, p. 230).
A utilização da Internet e de ferramentas Web 2.0 pode contribuir para uma alteração dos currículos mais célere dada a facilidade de interação e partilha de informação entre professores e alunos. Surgem assim novas formas de comunicação/interação em que cada um encontra a sua forma de aprender e a avaliação é integrada no processo (LISBÔA et al., 2009)
(…) as ferramentas gratuitas da geração Web 2.0 poderão, dependendo do modo como forem utilizadas pelo professor, favorecer um olhar diferenciado sobre o processo de aprendizagem do formando, em que a avaliação é entendida não como uma forma punitiva e excludente, mas antes como um meio que possibilita aprendizagens múltiplas, a partilha de conhecimento entre o professor e o aluno, tornando o ato de ensinar e aprender um momento rico e permeado de novas experiências (LISBÔA et al., 2009, p. 3).
O processo de avaliação com recurso a ferramentas da Web 2.0 leva a estimular, observar e registar as formas de comunicação e de interação em que o aluno teve mais sucesso e as em que teve maiores dificuldades. Estes registos podem ser explorados para diagnosticar as áreas que o aluno tem ainda de trabalhar, bem como para redesenhar a planificação das estratégias didáticas ou, por outras palavras, o currículo. Trata-se de promover estratégias que levem os alunos a desenvolver as competências visadas e encontrar atividades que permitam superar as dificuldades diagnosticadas. Estando a avaliação intimamente ligada aos processos de ensino e aprendizagem, vários estudos procuram dar resposta à questão: como integrar as novas ferramentas no processo de avaliação, envolvendo os alunos? O estudo que se apresenta neste artigo procurou em parte dar resposta a esta questão.
De entre as ferramentas passíveis de ser usadas para facilitar o processo de avaliação online temos: os fóruns, as wikis, os blogs, o Drive do Google e as redes sociais que muitas vezes integram várias das referidas ferramentas. Na Tabela I faz-se sinteticamente uma descrição do tipo de interação que essas ferramentas possibilitam e como podem ser integradas na aprendizagem e na avaliação dos alunos.
Ferramenta | Tipo de interação | Como pode ser integrada na | |
Aprendizagem | Avaliação | ||
Fórum | Assíncrona | Espaço de partilha e discussão através da escrita ou através de elementos gráficos, podcasts... Fornecer feedback | Qualidade da interação, nomeadamente das perguntas formuladas e respeito pelas regras linguísticas Quantidade da interação |
Wiki | Assíncrona | Escrita colaborativa Partilha e discussão de informação Fornecer feedback | Tipo de contribuição Qualidade do conteúdo Quantidade do conteúdo |
Blog | Assíncrona | Escrita de diário de bordo Desenvolvimento de eportefolios reflexivos Fornecer feedback | Análise da evolução das aprendizagens Espírito crítico, reflexividade |
Google Drive | Assíncrona Síncrona | Edição colaborativa e partilha de documentos Utilização de formulários como forma de avaliação ou reflexão sobre o trabalho desenvolvido Fornecer feedback | Tipo de contribuição Qualidade das contribuições Quantidade de contribuições Análise da evolução das aprendizagens (histórico dos documentos, análise das respostas os formulários) |
Redes Sociais | Assíncrona Síncrona | Edição colaborativa e partilha de documentos nos blogs e fóruns Participação em discussões - chats, fóruns Escrita de reflexões Fornecer feedback | Tipo de contribuições Qualidade das contribuições, nomeadamente das perguntas formuladas e respeito pelas regras linguísticas Espírito crítico, reflexividade Cumprimento de prazos |
Fonte: As autoras
3.2 Questionamento
Em Inglês contemporâneo, o sentido semântico de ‘questionamento’ pode envolver vários níveis, de perguntas a desafios, e ‘pergunta’ pode incluir tudo de um problema a uma discussão (tradução dos autores da definição do dicionário “Oxford English Dictionary Online”, citada por TRACY; ROBLES, 2009) Para Neri de Souza (2006), entre outros, a formulação de perguntas, questionamento, é uma componente essencial na construção do conhecimento, na compreensão de conceitos e na resolução de problemas. No entanto, o padrão de questionamento em contexto formal e em aulas presenciais parece permanecer o mesmo durante as últimas décadas. A comunicação em sala de aula é dominada pelo discurso do professor que formula frequentemente perguntas de baixo nível cognitivo, sem que seja concedido tempo para os alunos pensarem para responder (ALMEIDA; NERI DE SOUZA, 2010). Os alunos mantêm-se ou são mantidos numa postura passiva, praticamente não formulando perguntas (GALL, 1970; PEDROSA DE JESUS et al, 2004; TRACY; ROBLES, 2009).
Pode haver várias justificações para o pouco questionamento da parte dos alunos, como o medo de ser ridicularizado ou o receio de ser criticado (SALGADO; NERI DE SOUZA, 2016). Como refere Coutinho (2012, p. 28) "uma dúvida ou um engano, em relação ao conteúdo abordado ou à forma como a pergunta é colocada, torna o aluno vulnerável, expondo-o à censura dos colegas". Numa dimensão cognitiva, a capacidade de formular perguntas implica reconhecer que não se sabe para poder questionar (NERI DE SOUZA, 2009).
Embora os professores formulem muitas perguntas em contexto de sala de aula, tudo indica que o padrão de questionamento num ambiente de aprendizagem online seja diferente. Blanchette (2001) reporta que, embora num ambiente online a sintaxe das perguntas dos alunos tenda a ser mais pobre, as perguntas têm um nível mais elevado. Tanto a autora, como Almeida e Martins (2016), verificaram que em ambiente online o número de perguntas dos alunos é superior ao dos professores.
O estudo de Neri de Souza e Moreira (2010), num contexto de um curso híbrido (bLearning), investigou se havia alguma diferença nos padrões de questionamento nos ambientes presenciais e online, após o uso de ferramentas e estratégias para estimular o desenvolvimento do questionamento em estudantes universitários. Os autores constaram que havia uma certa hierarquia relativamente a três formas de questionamento observadas (presenciais orais, presencias escritas, e colocadas nos fóruns de discussão online). Concluíram ainda que as perguntas de mais baixo nível cognitivo são as presenciais orais, seguidas das presenciais escritas e, por fim, as de maior nível cognitivo, são as que ocorreram nos fóruns de discussão online. Estes autores também puderam perceber que o ambiente online é mais propício ao questionamento do que o ambiente presencial e verificaram um maior número de perguntas dos alunos do que dos professores em contexto online. Finalmente, constataram que a qualidade destas perguntas evoluiu ao longo da interação com colegas e professores.
No que respeita às estratégias de promoção do questionamento, Marinho et al. (2010) propõem uma atividade assente no Web Inquiry Projet, uma proposta que segue os preceitos das Webquest mas dá mais autonomia aos alunos. Neste tipo de estratégia, os alunos podem escolher a questão-problema a trabalhar, os recursos a explorar e a forma de apresentação das conclusões, entre outros e dependendo do grau de abertura da atividade.
No contexto online, o foco da investigação na área tende a ser a frequência das perguntas dos alunos (Waugh, 1996). Pretendeu-se ir para além e analisar também a qualidade da interação através das perguntas que os alunos colocaram. Utilizando a rede social NING e através de tarefas que os alunos deviam realizar, procurou-se incentivar a formulação de perguntas enquanto forma de aprendizagem ativa, contextualizada nos problemas que cada aluno enfrentava no decurso do estágio profissionalizante. Perguntas contextualizadas em problemas reais, ligadas ao quotidiano ou perguntas CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), são de difícil concretização em contextos académicos formais (NERI DE SOUZA; MOREIRA, 2008). A expectativa era que a comunidade de aprendizagem online, formada por alunos em estágio, em diversas empresas, pela professora/orientadora e pelos monitores, constituísse um contexto onde perguntas de cariz profissional fossem discutidas. De realçar que este tipo de perguntas é mais difícil de formular, como as perguntas CTSA, dado serem perguntas emergentes de problemas reais das empresas e se ter pretendido que surgissem espontaneamente.
4 METODOLOGIA
A investigação realizada, descrita neste artigo, foi considerada de natureza qualitativa (procurando perceber o como e o porquê do fenómeno em estudo) e do tipo estudo de caso (YIN, 2003), em que o próprio investigador (primeira autora) era a docente que trabalhava diretamente com os alunos. O caso analisado foi as estratégias de interação e o questionamento de um grupo de alunos do 12º ano, em estágio profissional.
O projeto envolveu uma turma de alunos do 12º ano de escolaridade dum curso tecnológico, como indicado na introdução. Neste nível de ensino os alunos frequentam a Área Tecnológica Integrada, composta por três componentes: Disciplina de Especificação, Projeto Tecnológico e Estágio Profissional. Foi na componente de estágio que se desenvolveu o estudo ora apresentado. O estágio teve a duração de 240 horas, distribuídas em 11 semanas, de Janeiro a Março. Os intervenientes no estágio foram os alunos, o professora/orientadora e os monitores (pessoas responsáveis pelos alunos na Entidade de Estágio).
A turma era composta por 14 alunos sendo dois do sexo feminino e os restantes do sexo masculino. As idades dos alunos estavam compreendidas entre os 17 e os 20 anos. A média de idades da turma era de 18 anos. Todos os alunos tinham selecionado o curso acima identificado como primeira opção. Nas entrevistas realizadas no 10º ano de escolaridade, os alunos mostravam-se satisfeitos com as características e perspetivas do curso. Acresce que eram alunos com objetivos bem definidos no que respeita ao seu futuro e ao que pretendiam fazer na sua vida profissional. Dado frequentarem um curso de informática, todos pretendiam trabalhar nesta área. Havia apenas 4 alunos que não tinham perspetivas em prosseguir estudos, os restantes pretendiam ingressar em cursos superiores relacionados com Engenharia Informática.
Na Entidade de Estágio, o monitor indicava as atividades a desempenhar pelo aluno e os alunos desenvolviam essas atividades, respeitando a organização de trabalho na empresa. A professora/orientadora acompanhava os alunos no desenvolvimento das atividades, bem como fazia a avaliação das mesmas, em colaboração com os monitores. Semanalmente era feita uma avaliação formativa do estágio, relativa ao decurso das atividades, e a avaliação da interação foi feita várias vezes como incentivo à interação.
O estudo que se descreve neste artigo foi desenvolvido ao longo de um ano letivo, segundo tarefas que foram sendo definidas de acordo com a sua evolução: i) determinação dos objetivos do estudo; ii) definição do problema; iii) investigação nas áreas da didática, nomeadamente sobre questionamento; iv) pesquisa sobre ferramentas Web 2.0; v) pesquisa sobre avaliação em contextos online; vi) descrição e concretização do trabalho por projetos com os alunos; vii) configuração da rede social; viii) análise, acompanhamento e avaliação das interações dos alunos; ix) elaboração do inquérito para avaliação das estratégias utilizadas; x) análise dos resultados.
De entre várias aplicações disponíveis na Internet, foi necessário escolher uma que fosse de fácil utilização para os vários intervenientes no estágio, além de permitir a comunicação e colocação de perguntas para que outros pudessem responder em tempo útil. A plataforma escolhida para criar a rede social foi o NING (www.ning.com), que é uma rede social que pode ser usada eficazmente como um artefacto tecnológico para melhorar a comunicação entre os alunos (BRADY; HOLCOMB; SMITH, 2010). Os mesmos autores consideram que, dado tratar-se de uma rede desenvolvida com fins educativos, a rede social selecionada fornece a oportunidade de usar uma rede social minimizando problemas de privacidade e segurança associadas às redes comerciais como o FaceBook.
Foi decidido que seria uma rede fechada, ou seja, a que só podiam aceder pessoas convidadas através de email para facilitar a comunicação dos alunos pois interagiam num meio mais reservado. Como referem Özmen e Atıcı (2014) a rede social NING ajuda a simular o ambiente de sala de aula dado poder criar-se áreas específicas para cursos a que só os membros têm acesso, aumentando a participação dos alunos.
A figura i mostra a página principal da rede social. A página foi dividida em quatro áreas distintas: o cabeçalho com o menu principal, o menu lateral esquerdo que mostrava todos os membros e listava os três últimos tópicos dos fóruns, o menu lateral direito que dava acesso a configurações pessoais e na parte central a lista de eventos. A fase inicial de configuração e implementação da rede foi executada pela docente/investigadora, durante o 1º período letivo, de forma a estruturar todo o conteúdo antes dos alunos entrarem em Estágio.
Depois de a rede social estar em funcionamento, foi instalada uma ferramenta de estatística para a web - Google Analytics, que permitisse o controlo de acessos à rede social e o estudo quantitativo da utilização da mesma. Os dados qualitativos, i.e., as interações efetuadas na rede social, foram posteriormente analisados com o apoio do software NVivo 8.
De forma a incentivar os alunos a participar ativamente na rede, foi apresentado o sistema de avaliação a explorar (que se descreve na secção seguinte). Foi ainda explicado aos alunos que a sua participação proporcionaria o desenvolvimento de competências variadas e a partilha de experiências e problemas, podendo as suas contribuições ser relevantes para a resolução de problemas de outros colegas. Esta estratégia reflete a convicção dos autores de que a importância do incentivo à interação entre alunos (e destes com os outros intervenientes no Estágio) deve passar de alguma forma pelo processo de avaliação contínua e formadora (LOUREIRO et al., 2009) e pelo feedback entre pares (ERTMER et al., 2007, TOPPING, 2009, LOUREIRO et al., 2012).
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS
Tendo em vista dar resposta à segunda questão de investigação, no decurso do Estágio foi feita a análise da utilização da rede social, e mais em pormenor a análise da utilização dos fóruns. Dos 14 alunos convidados a interagir na rede social, houve apenas um que nunca participou. Tal deve-se ao fato do aluno estar em estágio com outro colega e terem utilizado apenas uma conta para interagir na rede.
No total foram contabilizadas 245 participações ativas, principalmente em forma de pergunta, resposta e feedback. Estas participações nem sempre estavam relacionadas com a aprendizagem formal (ou seja com o estágio, como se apresenta na secção seguinte). Destas 245 participações, 13 foram do professor respondendo a perguntas diretas formuladas pelos alunos e 5 respostas de um monitor que colaborou com os alunos na resolução de problemas específicos. As demais 237 participações foram dos alunos estagiários. Tendo em conta o número de alunos e que o estágio teve a duração de três meses, em média, os alunos postaram 5,6 mensagens por mês, mais que uma por semana.
5.1 Análise da interação
As diferentes participações de alunos, professor e monitores (245), foram analisadas segundo o tipo/objetivo da interação e categorizadas da seguinte forma: i) Questão - frases sob a forma de interrogação ou não, que requerem uma resposta; ii) Resposta - comentários que fornecem uma solução para o problema apresentado; iii) Pistas - reação a uma pergunta que não sendo uma resposta pode ter uma indicação para resolver o problema; iv) Outros - comentários ou informação não relevantes para a resolução de problemas. Tendo em consideração estas categorias, conclui-se que a maioria das interações (139) foram do tipo Outros, foram efetuadas 33 Perguntas e fornecidas 36 Respostas. As restantes interações são Pistas (37), como se pode ver na Tabela II.
As 139 interações que não estavam ligadas às atividades do estágio eram de diversos tipos, por exemplo sobre a vida académica e pessoal, e foram consideradas muito importantes porque é este tipo de interação que permite desenvolver o sentimento de pertença à comunidade, como referem, por exemplo Pallof e Prat (2007) e Brady et al., (2010).
Perguntas | Resposta | Pistas | Outros | |
Janeiro | 15 | 21 | 22 | 50 |
Fevereiro | 3 | 2 | 5 | 21 |
Março | 15 | 13 | 10 | 68 |
TOTAL | 33 | 36 | 37 | 139 |
Fonte: Gonçalves et al. (2010, p. 733)
A Tabela II mostra que os meses de Janeiro e Março foram aqueles em que houve maior participação. Estes resultados podem estar relacionados com a novidade da utilização da rede social e a disponibilização dos resultados da avaliação da participação no final do mês de menor interação (Fevereiro).
Pela análise dos resultados é possível verificar que grande parte da interação foi feita pelos alunos, mostrando autonomia e segurança na partilha e troca de informação, uma das vantagens indicada por Brady et al., (2010). Os alunos responderam a dúvidas dos colegas e, como veremos adiante, forneceram feedback sob a forma de perguntas, o que corrobora os resultados dos autores citados e que indicam que o uso de redes sociais leva a uma mais frequente colaboração com os pares. Na aprendizagem com os pares, que envolve o fornecimento de feedback entre os alunos, estes avaliam os colegas e são avaliados por eles, levando a uma maior participação e responsabilidade pela aprendizagem de todos (SÁ et al., 2015).
O monitor forneceu Respostas e Pistas para a solução de problemas apresentados e a professora respondeu a perguntas que lhe eram colocadas diretamente, como exemplo: “Professora, o que devemos colocar em entidade?” Por outras palavras, os alunos acabaram por interagir mais com os responsáveis do estágio, sendo a rede social criada também uma mais-valia a este nível.
Tal como no estudo de Brady et al., (2010), os alunos podiam criar novos fóruns, ou seja, os alunos podiam criar fóruns baseados nas suas próprias necessidades. Por consequência a rede NING permitiu que os alunos tivessem a possibilidade de se apropriar da sua aprendizagem facilitando a sua personalização tendo em conta as suas necessidades.
Em suma, foi criada uma comunidade de aprendizagem e interajuda que envolveu todos os intervenientes no processo e promoveu-se um currículo centrado nas situações profissionais vivenciadas no estágio e, portanto, flexível, contextualizado e descentralizado. Ao contrário do reportado noutros estudos (por exemplo, BRADY et al., 2010), os alunos envolvidos na experiência, assim como a professores/investigadora e os monitores, não tiveram dificuldades em utilizar a rede, o que se pode dever à forma como esta foi criada, estando disponíveis só as ferramentas necessárias para o desenrolar dos trabalhos.
5.2 Análise do questionamento
Tendo em consideração as perguntas efetuadas pelos alunos serem relevantes para a sua aprendizagem e para a resolução de problemas concretos, foi feita uma análise mais aprofundada ao nível da dimensão Perguntas. Para a classificação das perguntas foi utilizada e adaptada a tipologia a que se referem Neri de Souza e Moreira (2008). Desta forma, as perguntas foram classificadas de acordo com os seguintes eixos: Académicas Escolares - Profissional Aplicada ou com relevância profissional (em vez de CTSA), Fechadas - Abertas (ver Figura II).
A opção pelo uso de uma categorização específica fundamentou-se nas recomendações de Gall (1970, p. 711) que refere
que seria preferível identificar questões que são eficazes para um currículo e atividades de sala de aula específicos em vez de procurar questões gerais (…). Estas questões específicas, quando comparadas com categorias de classificações gerais, tal como a taxonomia de Bloom, têm duas vantagens: fornecem descrições mais precisas e possivelmente mais claras do que constituí o questionamento efetivo em situações de ensino particulares e são mais úteis que as questões gerais (tradução dos autores).
Dos 14 alunos, só 4 não fizeram qualquer pergunta. Este resultado pode dever-se a os alunos estarem desmotivados (como referido quatro alunos não sabiam ainda o que iriam fazer na sua atividade profissional), serem demasiado tímidos ou preferir não se expor ao ridículo caso colocassem perguntas sem sentido. Pode ter acontecido ainda que não tenham percebido as indicações dadas pela professora sobre as atividades a desenvolver nos fóruns da rede social.
Uma análise das perguntas centrada nos quadrantes da figura acima indica que (Tabela III): no quadrante perguntas abertas e de relevância profissional (A) foram registadas 9 perguntas; os alunos colocaram 16 perguntas fechadas e com relevância profissional (B); só foi colocada uma pergunta académica e aberta (C); e, por fim, 5 perguntas situavam-se no quadrante perguntas académicas fechadas (D). Na figura acima encontram-se exemplos para cada tipo de pergunta.
Analisando agora as perguntas tendo como enfoque os extremos dos eixos da figura II, pode inferir-se que, das 33 perguntas, 10 foram consideradas abertas (Tabela IV), como por exemplo: “Estamos a configurar o Nagios 2.0 pela linha de comandos e estamos a ter alguns problemas. Alguém nos pode ajudar?”; “Não consigo abrir emails nem descarregar anexos. Será problema do hotmail?” As restantes perguntas (23) são fechadas, o que significa que a resposta é direta, como mostram os exemplos seguintes: “Tem dado alguns erros tipo strncat(), strncpy(), or snprintf()?”; “Já fizeste os testes do Hiren's Boot CD?”
Quanto à natureza das perguntas, estas podem ser classificadas como académicas escolares, perguntas relacionadas com atividades da escola, ou como profissionais aplicadas (de relevância profissional), que se prendem com a atividade a desenvolver na Entidade de Estágio. Das 33 perguntas, 10 eram académicas escolares, como ilustram as citações seguintes: “Como adiciono a numeração a partir da introdução do relatório de Estágio?”; “As tarefas têm de ser descritas por ordem alfabética?” As restantes perguntas eram todas relacionadas com a actividade profissional a desenvolver no momento, como por exemplo: “Alguém conhece sites para comprar cabos adaptadores sci high density db 68 pin a disco sca 80 pin?”
Tendo em consideração as Perguntas colocadas pelos alunos, foi ainda analisada a função das mesmas. Foram realizadas 15 perguntas com a função de explicar o problema, pedindo ajuda para a sua resolução, por exemplo: “Sabes se dá para criar macros?”. De modo a obter mais informação sobre um problema foram realizadas 10 perguntas, como: “Qual é o domínio dos mails? É tipo hotmail ou gmail?” As demais perguntas, 8, foram realizadas tendo em vista a resolução direta de um dado problema, como, por exemplo: “Como esconder células no Excel?”.
É de realçar que a maioria das perguntas são sobre problemas que os alunos tiveram no decurso do Estágio e, portanto, contextualizadas nas atividades que estavam a ser desenvolvidas. Estes resultados corroboram as indicações de autores como Chin (2001), que refere que as situações de ensino que apelam ao questionamento sobre o vivenciado, são mais motivantes para os alunos porque mais autênticas. Na linha do que propõe o autor, a estratégia seguida foi solicitar que os alunos escrevessem perguntas no decorrer das atividades sobre aspetos que os intrigassem ou sobre temas que gostariam de aprender.
Através dos resultados obtidos, verifica-se que as perguntas relacionadas com as atividades da estágio são na sua maioria fechadas, sendo algumas dirigidas ao professor, possibilitando assim fornecer feedback imediato aos alunos. No entanto, a maioria das respostas foram da autoria dos alunos, o que implica que foi explorado o feedback por pares que tem várias vantagens, com o aludem Ertmer et al. (2007) ou Loureiro et al. (2012). Entre elas, refira-se que os alunos têm a possibilidade de refletir sobre o percurso dos colegas mas também sobre o seu o que com o tempo pode contribuir para o desenvolvimento de aprendizagens de níveis mais elevados (ERTMER et al. 2007). O feedback fornecido pelos pares contribuiu entre outros para a especificação dos problemas levantados, como ilustra a seguinte interação.
“Tive problemas para instalar o software XXX, quem me ajuda?” (aluno 1)
“(…) tens de explicar a situação. Qual era a mensagem de erro?” (aluno 2)
Convém relembrar também que as perguntas deviam ser dirigidas aos colegas e não à professora o que provavelmente não criou ansiedade pelo fato de não se questionar quem se considera normalmente o orientador do processo de ensino e de aprendizagem e quem faz a avaliação. Como refere Goody (1978, citado por TRACY; ROBLES, 2009), o questionamento dos professores provoca relações delicadas uma vez que se considera que os alunos têm menos conhecimentos que os professores e que uma questão pode indicar que quem coloca a questão tem outra perspetiva sobre um conteúdo. Crê-se que no estudo que se descreve neste artigo estas situações de fragilidade foram ultrapassadas, apesar de quarto alunos não terem formulado nenhuma pergunta.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando as questões de investigação do estudo apresentado e em particular no que diz respeito ao papel de uma rede social no acompanhamento de alunos do 12º ano, em estágio, a partir da descrição da intervenção didática em que foi explorada a rede social NING, podem inferir-se várias mais-valias das opções tomadas: os alunos, após um curto período de adaptação à estratégia e ferramentas exploradas e apesar de terem alguma dificuldade de expressão escrita, demonstraram muita autonomia, colaboraram na resolução de problemas variados, conseguindo explicá-los e encontrar soluções em conjunto, como demonstra o nível de interações que ocorreu. O acompanhamento do professor foi mais próximo, dado que diariamente conhecia as tarefas dos alunos e tinha informação que lhe permitia fazer a análise das dificuldades e tentativas de resolução. Este acompanhamento e a avaliação da interação feita semanalmente e quando a interação era mais reduzida levou a um reinvestimento e aumento da interação. Pode-se inferir, portanto, que o feedback da professora foi essencial para o aumento da interação, como advogam (LOUREIRO et al., 2009). Em termos das estratégias de avaliação formativa postas em prática, considera-se que foram integradas, continuas, interativas e com o principal objetivo de “melhorar o que, e como, os alunos aprendem” (FERNANDES, 2009, p.39).
Do exposto, parece ainda poder inferir-se que a rede social NING facilitou o acompanhamento dos alunos em Estágio, promoveu a interação online, sob a forma de perguntas, respostas, pistas e outros (interações que não tinham a ver com o contexto profissional em que os alunos estavam mas permitiu o desenvolvimento de sentimento de pertença).
Considerando a segunda questão de investigação, a exploração da rede NING parece ter permitido o desenvolvimento de competências de questionamento, dado os alunos terem colocado várias perguntas, na sua maioria relacionadas com problemas que lhes surgiram ao longo do estágio. Pensa-se, portanto, que o questionamento promovido com recurso à rede social selecionada teve implicações ao nível da aprendizagem dos alunos e reforça o referido por Chin (2001): é comum considerar-se que saber questionar é essencial para saber ensinar bem. Tendo em conta a enfase que se tem dado ao pensamento crítico, à pesquisa e à aprendizagem centrada nos alunos, devia-se promover a tomada de consciência de que saber questionar é saber como aprender melhor.
Através da exploração da rede NING, foi possível desenhar estratégias de ensino mais centradas no aluno e um currículo que atende aos princípios propostos pela literatura (MARQUES et al., 2015). A título de exemplo, refira-se que o desenvolvimento curricular foi descentralizado (requerendo a colaboração dos diversos atores), flexível e diferenciado (atendendo aos progressos e dificuldades dos alunos) e contextualizado (os temas abordados partiram na sua maioria das necessidades reais dos alunos em estágio).
Apesar de reconhecer as limitações do estudo apresentado que se relacionam com o pequeno número de alunos envolvidos na experiência, pensa-se que o estudo subjacente a este artigo fornece pistas sobre como utilizar as redes sociais tendo em conta um problema que emergiu das práticas da primeira autora. Sendo a natureza do estudo qualitativa e do tipo estudo de caso, pretendeu-se fornecer pistas para a resolução do problema passíveis de ser utilizadas/adaptadas em contextos semelhantes. As pistas são apenas indicativas de conquistas feitas no que tange à promoção da interação online e do questionamento no contexto em que foi desenvolvido o estudo, não podendo ser generalizáveis. Acresce que a sua validação só será possível se o estudo for replicado.
Ainda ao nível dos contributos do estudo, realça-se o desenvolvimento de instrumentos de análise/avaliação de interações centradas: no tipo/objetivo da interação (Tabela II) e na classificação das perguntas dos alunos de acordo com os seguintes eixos: Académicas Escolares - Profissional Aplicada ou com relevância profissional, Fechadas - Abertas (ver Figura II). Acredita-se que estes instrumentos podem ser usados noutros contextos sendo, portanto, relevantes para a área da análise de interações online.