1 INTRODUÇÃO
As discussões que aqui tecemos emergem dos estudos de revisão de literatura (sistemáticas e narrativas) desenvolvidas no grupo de pesquisa Estudos Linguísticos e Internacionalização do Currículo, na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), durante dos anos de 2017 e 2018, no campus de Itajaí. Durante as investigações tecidas nesse espaço epistemológico, confirmamos que a internacionalização das Instituições de Ensino Superior (IES) é de fato um dos grandes elementos estratégicos para a construção dos saberes necessários para a formação dos acadêmicos dos diversos cursos no Ensino Superior (ES) na atualidade.
Em tempos de globalização, a internacionalização tornou-se um relevante fator de diferenciação para as nações do mundo. Atualmente, as IES do mundo todo têm investido cada vez mais esforços para ampliar suas relações transnacionais, como também se organizado em busca de tornarem-se internacionais.
Nessa busca desenfreada pela internacionalização, muitas IES investem, equivocadamente, em práticas consideradas tradicionais de internacionalização. Dentre as práticas tradicionais, os programas de mobilidade estudantil e/ou docente e a oferta de cursos em língua estrangeira representam algumas das principais atividades desenvolvidas na empreitada pela internacionalização.
No entanto, algumas complicações oriundas das práticas tradicionais de internacionalização têm despertado atenção e preocupação de pesquisadores do campo da internacionalização. Conforme apresentamos em trabalho anterior, a seletividade e o fracasso da mobilidade discente para a aprendizagem e para o desenvolvimento das competências interculturais, tanto dos sujeitos que não tem condições de participar dos programas de mobilidade física, tal qual dos sujeitos que têm acesso a essas atividades, são fatores que têm feito com que estudiosos do mundo todo se debrucem cada vez mais sobre novas formas de se pensar e se fazer os processos de internacionalização acontecerem no ES (PEREIRA; SEHNEM 2018).
Na esteira da preocupação com os desafios que emergem quando uma IES leva a sério a amplitude do que o processo de internacionalização representa para o projeto de sociedade que idealiza sobre os pilares da identidade universitária (ensino, pesquisa e extensão) manifesta-se a nossa inquietação quanto à inserção dos estudantes surdos nos projetos de internacionalização das IES; inquietude que consideramos expandida aos demais coletivos singulares que não parecem terem sido destacados como sujeitos da internacionalização.
Quando as IES não se ocupam de pensar em um processo de internacionalização que contemple toda a comunidade acadêmica, arriscam-se a repetir, com novas roupagens, a velha internacionalização elitista que tem sido tão criticada nos tempos atuais. Nessa perspectiva, emerge o conceito de Comprehensive Internationalization (CI), que vem sendo traduzido para a língua portuguesa como Internacionalização Abrangente ou Inclusiva (DE WIT, 2015).
A CI é fruto do reconhecimento das diversas realidades, dentre elas a da circulação global de ideias praticamente instantâneas pela Internet (HUDZIK; MCCARTHY, 2013; HUDZIK, 2010). O conceito de CI é uma extensão da definição de internacionalização proposta anteriormente1. A definição estendida para CI é:
A internacionalização abrangente é um compromisso, confirmado através da ação, para infundir perspectivas internacionais e comparativas ao longo das missões de ensino, pesquisa e serviço do ensino superior. Ele molda o ethos e os valores institucionais e atinge toda a empresa de ensino superior. É essencial que seja adotado pela liderança institucional, governança, professores, alunos e todas as unidades de serviço e suporte acadêmico. É um imperativo institucional, não apenas uma possibilidade desejável (HUDZIK, 2010, p. 2).
Pela definição acima redigida é perceptível que, quando empreendida com eficácia, a CI impacta na aprendizagem de todos os envolvidos no espaço acadêmico. A CI busca a infusão das dimensões locais, globais e internacionais no momento formal de sala de aula e em todo o campus (HUDZIK; MCCARTHY, 2013; HUDZIK, 2010).
Embora tenha sido defendido que caracterizar a internacionalização como abrangente, ou inclusiva, é uma redundância, visto que se não for abrangente não é internacionalização, e sim a velha educação internacional elitista e exclusivista, na atualidade, o termo passou a ser amplamente difundido diante dos inúmeros achados, no mundo todo, que denunciam os fracassos gerados pelas más condições e desentendimentos a respeito da internacionalização que tem deixado de fora maior parte da população estudantil.
Na esteira das práticas inclusivas de internacionalização, temos sustentado que a Libras, no ES, pode ser explorada como prática de internacionalização em casa na perspectiva da interculturalidade e para contribuir com a construção do currículo do ES pautado na valorização da diferença, no respeito ao próximo e na solidariedade. Também temos explicado que pensar nos aspectos internacionais e ignorar a diversidade linguística inerente ao próprio país certamente seria manter o colonialismo que buscamos combater.
Apesar da busca intensa que empreendemos, não resgatamos pesquisas de revisão de literatura com o objetivo de mapear os trabalhos acadêmicos sobre a internacionalização na educação de surdos publicadas no Brasil, por isso nos propomos a fazê-lo. Sendo essa a atual fronteira do conhecimento, referendamos a pertinência do presente estudo, que, para além dos seus objetivos técnicos de pesquisa, tem também a pretensão de contribuir com a comunidade científica compartilhando achados atualizados do campo da internacionalização na educação de surdos.
Os processos formativos voltados a assegurar a formação e o desenvolvimento dos sujeitos surdos serão compreendidos como educação de surdos. Por surdo, nesse estudo, nos referimos aos sujeitos que compartilham a experiência visual como principal forma de exploração do mundo. Pela perspectiva teórica de base culturalista, surdez é um tópico a ser aludido dentro de abordagens culturais e epistemológicas, não da audiologia. Dessa forma, é possível pensar a surdez de outros modos que não pela perspectiva apenas clínica (LOPES, 2017). Portanto, assim como demais pesquisadores atuais, não temos o objetivo de discutir a inclusão e seus efeitos na escolarização e constituição da comunidade surda brasileira, ou seja, reconhece-se a importância dessas discussões, então parte-se delas para a problematização da educação de surdos (LOPES; THOMA, 2013).
No presente artigo, seguimos o modelo IMRAD2, a seguir apresentaremos o método, os resultados e as principais análises. Findamos com algumas considerações autorais, seção na qual nos colocamos a refletir acerca das contribuições e limitações do presente estudo e apresentamos algumas lacunas evidenciadas durante a pesquisa.
2 MÉTODO
Para elaborar o desenho metodológico, seguimos os procedimentos recomendados por pesquisadores que estudam o método de revisão sistemática no campo da Educação e das Ciências Sociais (FARIA, 2016; RAMOS; FARIA; FARIA, 2014). O quadro abaixo apresenta, de forma sucinta, os processos da presente pesquisa:
Desenho Metodológico | |
Problemática | Quais são as tendências na produção científica brasileira sobre internacionalização na educação de surdos? |
Equação | educa* AND surd* AND internacional* |
Equação coringa | [*] |
Âmbito | https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/ |
Data da Extração | Extração inicial em: 10/06/2017. Extração atualizada em: 15/11/2019. |
Critérios de inclusão | Estudos que discutam processos de internacionalização na educação de surdos. Pesquisas desenvolvidas em Programas de Pos Graduação brasileiros para obtenção de títulos Stricto Sensu. Estudos publicados de 1987 até 2018. |
Critérios de validade metodológica | Registro de cada etapa realizado por dois pesquisadores. Replicação do processo de análise por dois pesquisadores. Acompanhamento do processo por pesquisador externo. Automatização do processo de extração. Transparência dos dados em: |
Tratamento dos dados | Disponibilização dos dados brutos e análise descritiva. |
Fonte: Os autores.
3 RESULTADOS
Foram recuperadas trinta e nove pesquisas pela string de busca. Após leitura e aplicação dos critérios, onze estudos foram apurados como interessantes a essa investigação. O quadro a seguir apresenta quais:
Título | Autor | Defesa | Grau |
---|---|---|---|
ESTUDO DA AUTOADVOCACIA E EMPODERAMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E NO CANADÁ | TAISA CALDAS DANTAS | 2014-07-11 | Doutorado |
LIBRAS E A DIVULGAÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS SOBRE CIÊNCIAS E BIOTECNOLOGIA: INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DE UM DICIONÁRIO CIENTÍFICO ONLINE | RUTH MARIA MARIANI BRAZ | 2014-07-31 | Doutorado |
DA INCLUSÃO À CIDADANIA: UM ESTUDO SOBRE O GRUPO DE ESTUDOS SURDOS DA UCPEL | BRENDA TEIXEIRA DE OLIVEIRA SEQUEIRA | 2015-10-30 | Mestrado |
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: A CIÊNCIA E O SURDO | JULIA BARRAL DODD RUMJANEK | 2016-01-08 | Doutorado |
EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE FILHOS OUVINTES DE PAIS SURDOS (CODAs) COM O OLHAR DE PAIS SURDOS | RICARDO ERNANI SANDER | 2016-04-15 | Mestrado |
A ESCOLARIZAÇÃO DE SURDOS E O CONGRESSO DE MILÃO: ECLOSÃO DA NORMALIZAÇÃO PARA ORALIDADE. | CLARISSA FERNANDES DAS DORES | 2017-05-15 | Mestrado |
A EDUCAÇÃO DE SURDOS PELOS ESTÁGIOS DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CURRÍCULO | VALKIRIA DE NOVAIS SANTIAGO | 2017-07-31 | Mestrado |
INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS EM CASTILLA-LA MANCHA (ESPANHA) | DAIANE NATALIA SCHIAVON | 2017-08-24 | Doutorado |
PROJETO DE SOFTWARE PARA INTERNACIONALIZAÇÃO EM LÍNGUAS DE SINAIS | PAULO MARCOS SOARES RODRIGUES | 2017-08-30 | Mestrado |
RECONHECIMENTO DE LÍNGUAS DE SINAIS E EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL E NA SUÉCIA | ALINE LUCIA BAGGIO MONTES | 2018-05-11 | Mestrado |
O ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS: O DISCURSO EDUCACIONAL BRASILEIRO E O INTERNACIONAL. | EDNA MISSENO PIRES | 2018-08-24 | Doutorado |
Fonte: Os autores.
4 ANÁLISE
O total de estudos que se debruçaram sobre a referida temática pode ser considerado escasso. Do ano de 1987, ano em que, segundo registro da Capes, foi defendido, no Brasil, o primeiro trabalho acadêmico sobre a temática educação de surdos, até o ano de 2019, ano em que se finaliza a extração de dados e se inicia a escrita final da presente pesquisa, estão catalogados 1147546 estudos, dentre os quais 192630 podem ser encontrados pela string [educa*], 2202 trabalhos acadêmicos [educa* AND surd]. Ao restringirmos a string de busca para [educa* AND surd* AND internacional*] encontramos o total de 39 pesquisas, que, como já citamos, após extraídas e analisadas resultaram em um corpus de apenas 11 estudos.
Os estudos apresentam pouca discrepância em relação ao grau acadêmico a que se referem. O gráfico a seguir explicita tal afirmativa:
A análise das modalidades constitui indício para avaliar a maturidade e o aprofundamento dos estudos em um dado campo. No geral, os trabalhos acadêmicos Stricto Sensu, dissertações e teses, se diferenciam pelo ineditismo, pois as teses, que devem apresentar defesas inéditas oriundas de profunda investigação, representam um avanço para os estudos do campo em questão (DRUMMOND, 2003). O equilíbrio entre a quantidade de teses pode ser interpretado como um dado animador, visto que essas podem representar continuidade dos estudos e são pesquisas elaboradas por pesquisadores experientes.
A próxima análise tem por objetivo verificar as tendências na distribuição temporal desses estudos. Conforme o gráfico a seguir, podemos aferir que o campo da internacionalização na educação de estudos é um objeto de investigação novo, já que os registros iniciais datam de 2014.
É possível constatar que os estudos têm se intensificado nos últimos dois anos. O aumento das publicações, que dobrou em tal período, é um indicativo de uma nova realidade no campo das pesquisas sobre educação de surdos no Brasil, tendo como inserção problemáticas que discutem internacionalização. Tal fato pode ser dado pela temática da internacionalização ter evoluído acima das expectativas; que em termos de investimentos ultrapassou valores de aproximadamente 100 milhões de reais em 2010 para 900 milhões de reais em 2012 (BRASIL, 2010).
Conforme é demonstrado no quadro a seguir, dentre as IES em que se efetuou a defesa de tais pesquisas, as instituições públicas se destacam:
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA/JOÃO PESSOA |
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE |
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO |
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ |
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO |
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ |
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO (ARARAQUARA) |
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS |
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS |
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS |
Fonte: Dados da pesquisa.
Tal achado reforça a prerrogativa de que as IES públicas são instituições que alavancam o desenvolvimento científico do país. Após a identificação das instituições foi possível averiguar os estados e, consequentemente, as regiões em que as IES se encontravam.
Além de ser uma das características que delineiam o perfil das instituições e de revelar em quais lugares há maior quantidade de pesquisas, a compreensão desse dado também possibilita pensar sobre a contribuição dessas regiões na produção e sistematização de novos conhecimentos.
Os dados obtidos podem ser relacionados com as assimetrias na distribuição regional dos PPG no Brasil. Segundo a Capes, a região Sudeste é a que mais possui PPG no Brasil; a região Sul fica em segundo lugar, seguida pela região Nordeste. As assimetrias existentes no sistema de pós-graduação brasileiro têm sido tema de discussão nos planos nacionais que discutem educação.
Face à existência de um quadro de assimetrias, o Plano Nacional de Programas de Pós Graduação revela preocupações com tal fenômeno. No documento, o assunto é considerado importante para o desenvolvimento do país; o combate às assimetrias é tomado como uma temática cuja complexidade irá exigir a ação sinérgica de vários órgãos do governo (BRASIL, 2010).
Cabe também lembrar que o estado de Santa Catarina sedia o único Campus Bilíngue de Educação Científica e Tecnológica da América Latina e foi pioneiro na implantação do curso de Letras Libras (licenciatura e bacharelado). Já no Rio de Janeiro reside o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) que é uma importante instituição na história da educação dos surdos no Brasil (WITCHS; LOPES; COELHO, 2019).
4.1 Algumas temáticas em discussão no Brasil
A imagem a seguir apresenta as temáticas exploradas nas pesquisas recuperadas nesse estudo e o entrecruzamento de temas:
Os resultados indicam que o bilinguismo é o nó que conecta as temáticas exploradas. As questões linguísticas também são destacadas nos estudos que discutem a internacionalização em outros campos. No entanto, cabe lembrar que o bilinguismo vivido pela comunidade surda ultrapassa o conceito de fluência em duas línguas, uma vez que os membros dessa comunidade usam a língua de sinais e a língua oral oficial do país, ou seja, trata-se de um bilinguismo também bimodal. Apesar de vários surdos serem fluentes em mais de uma língua de sinais, não há sociedades conhecidas nas quais todos sejam surdos e, consequentemente, não existe uma situação de monolinguismo territorial ou bilinguismo apenas em uma modalidade nessa comunidade (ANN, 2001; GROSJEAN, 2008; WOLL; MACSWEENEY, 2016). A seguir detalhamos como as temáticas foram exploradas em cada uma dessas pesquisas.
A tese intitulada "Estudo da autoadvocacia e empoderamento de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá" teve como foco a realidade político-global e coletivo-individual da educação de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá. Tal estudo cita que o movimento internacional das pessoas com deficiência vem dando destaque à necessidade urgente de garantia dos direitos humanos para o exercício da cidadania e participação social dessas pessoas (DANTAS, 2014).
Já a tese "LIBRAS e a divulgação dos conceitos científicos sobre ciências e biotecnologia: integração internacional de um dicionário científico online", explica que a ausência de termos priva o aluno surdo do acesso à informação, compromete seu conhecimento para ascender ao ES e o priva do direito à cidadania plena garantida por lei (BRAZ, 2014).
No ano de 2015 se deu a defesa do trabalho de mestrado "Da inclusão à Cidadania: um estudo sobre o grupo de estudos surdos da UCPel" na Universidade Católica de Pelotas. A referida investigação também retrata as contribuições dos documentos e eventos internacionais, como a Convenção Internacional Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, para a mudança do olhar voltado às pessoas com deficiência nos diversos âmbitos, dentre eles o educacional, mas não aborda as questões alocadas no âmbito do processo de internacionalização do currículo voltado à formação dos estudantes surdos.
O estudo “Admirável Mundo Novo: A Ciência e o Surdo” afirmou que existe uma limitação dos termos científicos existentes em Libras, que tal fato cria uma barreira linguística para a comunicação e compreensão da ciência. O estudo objetivou “criar uma aproximação com o mundo científico. Para tal torna-se necessário um glossário científico em Libras” (RUMJANEK, 2016, p. 410). Como resultado, a pesquisa apresenta a expansão do conhecimento e da acessibilidade, para os surdos, para outras áreas culturais (RUMJANEK, 2016).
A dissertação "Educação bilíngue de filhos ouvintes de pais surdos (codas) com o olhar de pais surdos", desenvolvida também na já citada Universidade Estadual de Maringá, promoveu reflexões acerca de processos comunicativos e aspectos da aprendizagem e desenvolvimento dos filhos ouvintes de pais surdos, em contexto familiar de educação bilíngue. Esse trabalho apresentou a organização internacional dos filhos ouvintes de pais surdos, discutiu a condição bilíngue desses sujeitos, tal qual o crescimento e desenvolvimento de crianças ouvintes filhas de pais surdos em um contexto bilíngue e bimodal, que transitam entre língua, modalidade e culturas diferentes. A autora apresenta pesquisas desenvolvidas em países como Portugal, Estados Unidos e Brasil e, assim como os demais trabalhos, também explorou a influência de eventos e documentos internacionais, como a Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, de 1983, a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, de 2001, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O estudo “A escolarização dos surdos e o Congresso de Milão: eclosão da normalização para oralidade” analisou práticas e procedimentos que estruturaram a educação de surdos com base na oralidade ao longo da história da educação de surdos no mundo e no Brasil, em especial a partir do século XIX. Tendo como objeto documentos do Congresso de Milão e de Paris, os achados indicam que, de uma maneira ou de outra, as estratégias e práticas propostas ainda repercutem significativamente nos dias de hoje.
A dissertação "A educação de Surdos pelos Estágios do Processo de Internacionalização do Currículo" teve por objetivo geral validar o processo de internacionalização do currículo na educação de surdos pelos estágios e componentes de revisão/reflexão e imaginação. Tal pesquisa também explora o impacto de documentos e eventos internacionais sobre a educação de surdos no Brasil, também não evidenciou a conexão entre os acontecimentos e o estado atual da educação de surdos. Os lócus explorados é uma escola inclusiva, ambiente escolar citado pelos estudiosos da área como inapropriado para o desenvolvimento educacional de estudantes surdos, os achados da pesquisadora reforçam tal prerrogativa (SANTIAGO, 2017).
O estudo “Inclusão de alunos surdos em Castilla la Mancha (Espanha): reflexões para o contexto brasileiro” objetivou investigar o sistema educativo espanhol (Castilla-La Mancha) no que diz respeito à sua organização e às práticas pedagógicas para crianças surdas que frequentam a educação infantil e primária, com vistas a oferecer possibilidades de reflexão para o contexto brasileiro. De acordo com a pesquisa, a educação de alunos surdos é um tema de importância multinacional, cujo caráter internacional possibilita uma perspectiva de aproximação e diálogo entre diferentes contextos. Os resultados indicaram que, no recorte espanhol, foram encontradas variadas modalidades comunicativas para o surdo, porém, há a predominância da aquisição da linguagem oral, a qual está associada à utilização dos sinais da Língua Espanhola de Sinais, bem como evidenciou debates divergentes sobre a educação de surdos e sobre as modalidades linguísticas utilizadas em sua escolarização (SCHIAVON, 2017).
A pesquisa “Projeto de Software para Internacionalização em Línguas de Sinais” buscou desenvolver um projeto de software que permitisse internacionalização em relação às diversas línguas de sinais existentes, para tanto foi elaborado uma aplicação web. Dentre as conclusões oferecidas, destaca-se que a criação de uma arquitetura voltada para a internacionalização para as línguas de sinais, o estudo demonstrou que é possível ter aplicações voltadas para línguas espaço-visuais, tendo as línguas orais como um ente auxiliar na compreensão do conteúdo por parte dos usuários surdos (RODRIGUES, 2017).
Em 2018 a investigação “Reconhecimento de línguas de sinais e educação de surdos no Brasil e na Suécia” investigou, na perspectiva comparada, os documentos que reconhecem as línguas de sinais no Brasil e na Suécia e analisou se os respectivos reconhecimentos contribuíram para o processo educacional dos surdos em ambos os países. Dentre as conclusões do estudo, ficou evidente que na Suécia o direito de aquisição e uso da língua sueca de sinais, como língua materna, está previsto na lei e o país contribui efetivamente na criação de condições reais para a sua aquisição pela comunidade surda, enquanto no Brasil, como o direito à aquisição não é previsto em lei, o reconhecimento da Libras não garantiu ao surdos o direito à aquisição da língua de sinais e, também, não promoveu a garantia de uma educação bilíngue (MONTES, 2018).
Também em 2018, a tese “O estado do conhecimento sobre a educação de surdos: o discurso educacional brasileiro e o internacional” visou a compreender as vertentes teóricas e metodológicas para a educação de surdos no século XXI, explicitando quais são as proposições nacionais e internacionais mais presentes no discurso para a educação de surdos no Brasil. A tese apresentada é de que:
O discurso educacional brasileiro para surdos no século XXI está pautado no bilinguismo, apresentando-se em três vertentes: político, cultural e linguístico, sobretudo na vertente linguística que aparece como destaque para o reconhecimento do uso da língua de sinais na proposta atual para a educação de surdos (PIRES, 2018, p 14).
Dentre os achados, a pesquisa afirma que em todos os trabalhos analisados observou-se unanimidade quanto à ideia do bilinguismo na educação de surdos. Destaca que sobre a vertente linguística, presente no pensamento educacional brasileiro, a maioria dos trabalhos utilizaram a teorização de Vygotsky, consagrando-o, dessa forma, como autor clássico que norteia o discurso educacional brasileiro, pois os pesquisadores apropriaram-se dos estudos teóricos do autor russo, na vertente linguística, como argumento para a utilização da língua de sinais na educação de surdos (PIRES, 2018).
5 CONCLUSÃO
O equilíbrio entre a quantidade de teses e dissertações pode ser interpretado como um indicador de continuidade dos estudos, enquanto a análise da cronologia pode significar o surgimento de novas questões de pesquisa, no âmbito da educação de surdos, relacionadas com a internacionalização, pois o o aumento das publicações é um indicativo de uma nova realidade. Interpretamos que a evolução da temática internacionalização acima das expectativas, inclusive em termos financeiros, é um fator que pode ter impulsionado essas pesquisas para a área da internacionalização.
Verificamos que a maior parte das IES em que esses estudos foram publicados são públicas e as regiões que se destacaram com maior número de publicações foram as que sediam importantes espaços formais de discussão da educação de surdos (INES e Campus Palhoça Bilíngue do IFSC). Tal dado ressalta a importância dessas instituições, públicas, na produção e atualização do conhecimento científico no Brasil.
A noção de bilinguismo foi percebida como o nó que conectou as temáticas estudadas pelas pesquisas, no entanto apenas um estudo encontrado se voltou a discutir diretamente o processo de internacionalização na educação de surdos, os demais apenas tangenciaram a temática. O bilinguismo tratado nessas pesquisas se caracteriza como multimodal, por se tratar da fluência em uma língua visual espacial e em outra oral.
No geral, podemos afirmar que as pesquisas que aprofundam, no Brasil, satisfatoriamente a problemática sobre a qual nos debruçamos não foram descobertas pela revisão e as que a puderam ser associadas são poucas, considerando que quando objetivamos tais produções como poucas tomamos como base uma concepção formada para além do senso comum, ou seja, buscamos uma base de comparação, longe de nos referimos às 1083988 retornadas pela busca coringa [*].
Com base no exposto, consideramos evidente o afastamento entre os estudos que abordam educação de surdos e os estudos que abordam internacionalização. Diante tal fato se torna notória a lacuna a ser preenchida em âmbito nacional. Recomendamos que as discussões sobre mobilidade física internacional para estudantes surdos sejam abordadas e aprofundadas; indicamos que o contato internacional entre surdos seja objeto de pesquisa tanto quanto o é entre estudantes ouvintes.