1 INTRODUÇÃO
A atividade de pesquisar pode ser compreendida como a busca de informações para a construção e reconstrução do conhecimento, seja ele mais contíguo, seja aquele mais geral, e em qualquer área. Porém, implementar a prática de pesquisa no ambiente da sala de aula não é tarefa fácil, haja vista que a organização escolar e dos elementos que compõem os seus currículos, entre outros fatores, leva a subdivisão das áreas de conhecimento, criando disciplinas isoladas e, muitas vezes, impedem que os estudantes vejam como estas se relacionam e quais suas conexões com a vida.
Segundo Demo (2015, p. 1) “O desafio de educar pela pesquisa na educação básica está ligado ao desafio de construir a capacidade de (re)construir, na educação básica, qualidade formal e crítica para a vida”.
Nesse sentido, sucessivos projetos de pesquisa e reformas visando à transformação do ensino estão sendo incluídos no dia a dia das salas de aula, trazendo consigo elementos que refletem uma visão interdisciplinar, cujo contexto da pesquisa científica e suas consequências sociais, políticas e culturais tornam-se elementos marcantes que servem para o estudante participar e usufruir das oportunidades, das responsabilidades e dos desafios do mundo atual.
Nossos alunos precisam estar preparados para uma leitura crítica das transformações que ocorrem em escala mundial. Num mundo de intensas transformações científicas e tecnológicas, os alunos precisam de uma formação geral sólida, capaz de ajudá-los na sua capacidade de pensar cientificamente, de colocar cientificamente os problemas humanos (Libâneo, 2000, p. 8).
Dessa forma, a escola, como espaço formal de construção e reconstrução do conhecimento, distingue-se dos outros espaços frequentados pelos/as estudantes. A carga dessa construção e reconstrução formal do conhecimento é estabelecida quando, justamente, a busca, o querer conhecer, a pesquisa torna-se uma realidade na sala de aula. Pensar o processo formativo nessa perspectiva exige do/a professor/a, ainda durante sua formação, a compreensão do próprio processo de construção e produção do conhecimento (Pereira, 2007).
Desta feita, o papel do/a profissional da educação surge como fomentador dessa necessidade e dessa particularidade, assim, as vantajosas consequências quando quem está à frente da turma trata-se de um professor com perfil pesquisador/a, engajado/a em aguçar a busca, o “questionamento reconstrutivo”, a pesquisa e seus benefícios para a vida dos/as estudantes, se fazem extraordinárias, pois extrapolam os muros da escola.
No entanto, há inúmeros percalços pelos quais o/a profissional da educação perpassa, cotidianamente nesse papel de transformar os/as estudantes em protagonistas de seu próprio conhecimento, bem como, de tornar-se agente de emancipação intelectual, política e crítica. De acordo com Demo (2015, p. 2),
O problema principal não está no aluno, mas na recuperação da competência do professor, vítima de todas as mazelas do sistema, desde a precariedade na formação original, a dificuldade de capacitação permanente adequada, até a desvalorização profissional extrema, em particular na educação básica.
Assim sendo, visando atender às demandas impostas pelas transformações do mundo atual no que tange “fundamentar a importância da pesquisa para educação, até o ponto de tornar a pesquisa a maneira escolar e acadêmica de educar” (ibidem), a inserção da iniciação/alfabetização científica ainda no Ensino Básico de escolas públicas e a necessidade de políticas públicas e projetos governamentais voltados para essa natureza e para essa perspectiva, de produção do conhecimento, se fazem imprescindíveis.
O ensino com pesquisa desenvolve uma característica que potencializa as capacidades investigativas acerca do cotidiano e suas relações sociais e de poder, pois traz para a realidade escolar a reflexão necessária e práticas transformadoras frente às metodologias unidirecionais. “O professor, ou melhor, o educador é aquele que, engajado em uma prática transformadora, procura desmistificar e questionar com o aluno a cultura dominante, valorizando a linguagem e a cultura deste” (Diniz-Pereira, 2012, p. 132).
Nesse contexto, levantou-se a seguinte questão: De que maneira a realidade educacional amazônica se insere na perspectiva do ensino com pesquisa, tão requerida na contemporaneidade?
Para tanto, este artigo, intitulado a iniciação científica além dos desafios amazônicos, traz reflexões sobre os novos cenários educativos na perspectiva do ensino com pesquisa, tomando como objeto de análise o Programa Ciência na Escola (PCE), visando evidenciar a abrangência e a importância do referido programa no estabelecimento e incentivo à iniciação científica de professores e estudantes da Educação Básica do Estado do Amazonas, instituído e fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em parceria com as secretarias Estadual (Seduc) e Municipal (Semed) de Educação, e a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT/AM).
Dessa forma, refletir sobre como o PCE, a prática docente e a iniciação científica vêm sendo desenvolvidos no cotidiano escolar nos remete aos pressupostos de Demo (2015, p. 6), “a aprendizagem adequada é aquela efetivada dentro do processo de pesquisa do professor, no qual ambos - professor e aluno - aprendem, sabem pensar e aprendem a aprender”.
Este estudo sustenta-se por meio da pesquisa bibliográfica, tendo como referências principais Demo (2011, 2015); Pereira (2007, 2012); Lüdke (2005); e Gonzaga (2006), entre outros. E ainda, por meio da pesquisa documental através dos editais e resultados dos processos de seleção do PCE, fazendo análise a partir do ano de implementação até o ano de 2020.
Sendo assim, além de discorrer sobre sua base metodológica, faz um breve histórico sobre as políticas públicas educacionais de incentivo à pesquisa; discute a perspectiva da pesquisa ainda na Educação Básica; evidencia o Programa Ciência na Escola e, por fim, apresenta as discussões e considerações acerca das contribuições e desafios na inserção da iniciação científica na Educação Básica do Estado do Amazonas, o que vem promovendo novas concepções de conhecimentos e possibilidades aos professores e estudantes.
2 PROCESSO EDUCACIONAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO À PESQUISA
A construção de um processo educativo favorável ao amadurecimento e engrandecimento do educando é uma necessidade atual, a sociedade da informação em que se vive exige uma educação cada vez mais pautada em instrumentos voltados para que o mesmo consiga de fato comunicar-se, estabelecer-se e modificar-se para a efetiva construção da cidadania e do contínuo aprimoramento da democracia.
Para tanto, há a necessidade de um método educacional diferenciado no qual essa nova forma de educar propõe políticas educacionais voltadas para a aquisição competente dos mecanismos de interação nas práticas sociais existentes.
O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos. Vivemos numa era marcada pela competição e pela excelência, em que progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências novas para os jovens que ingressarão no mundo do trabalho. Tal demanda impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente realizado pelos professores e especialistas em educação do nosso país (MEC, 2000, p. 05).
Nessa perspectiva, nos últimos anos no Brasil identifica-se a ampliação de diferentes iniciativas em prol da inserção da pesquisa na educação formal e informal. A relevância da alfabetização científica vem sendo evidenciada cada vez mais por meio de revistas científicas, jornais e aumento de centros de cultura científica.
Essa visão teve seu avanço significativo durante as décadas de 80 e 90, época em que se vivenciou a ampliação de financiamentos públicos e privados de instituições informais de contato com a cientificidade, como museus e centros de ciências. No entanto, não estabeleciam contato ou relação com instituições formais de educação. Segundo Iannini (2007), a tão almejada alfabetização científica não pode instituir-se, sem que de fato, escolas, museus, centros de interpretação da cultura científica, meios de comunicação de massa, entre outros, promovam cada vez mais ações conjuntas, as quais, respeitando as especificidades de cada um, ampliem o efeito de seus programas.
Na formação de cidadãos de espírito crítico, algumas competências são necessárias como: ter consciência da importância de sua função social; ser capaz de expressar julgamentos de valor; reconhecer o valor dos direitos, deveres e oportunidades dentro de uma sociedade; ouvir, ver e aceitar as diferenças. Essas pretensões e objetivos de tais competências devem-se iniciar na escola, porém, obrigatoriamente, transformações metodológicas, incorporações de novos instrumentos de apoio, temas curriculares e espaços de aprendizagem são indispensáveis, pois devem ir além dos trabalhos nos espaços escolares comuns (Bagno, 2014, p. 11).
Contudo, as transformações nos contornos da educação e das políticas públicas foram provocadas diretamente pelas mudanças no campo econômico e social, influenciando também em novos modos de pensar e praticar a educação. Refletidos sobre a perspectiva de inserir o país no competitivo “comércio” do conhecimento, o Brasil volta-se às políticas de incentivo à pesquisa, à formação de pesquisadores e para a melhoria na qualidade de sua produção de conhecimento para ascender economicamente.
Consideramos que essa política de formação de pesquisadores tende a sinalizar algumas áreas como prioritárias, demandas da globalização econômica, com a finalidade de aproximar o Brasil, como produtor de conhecimento, das grandes potências científico-tecnológicas do cenário mundial. Para Sobrinho (2010, p. 76):
O conhecimento é hoje amplamente reconhecido como principal insumo da economia. Assim sendo, o valor do trabalho e das mercadorias teria se transferido para a aplicação do conhecimento e a capacidade gerencial [...] o valor do trabalho intelectual superou largamente o do trabalho manual.
No entanto, essa forma de pensar a pesquisa vem se modificando e voltando-se para um modelo de participação pública, tendo como foco a apropriação do conhecimento e a integração com outros saberes, ou seja, democratizando, assim, a ciência, a pesquisa e a tecnologia. Apesar disso, o acesso da população às informações científicas e sua participação em tomadas de decisões ainda é distante do que se espera.
Assim sendo, faz-se necessário que as políticas públicas voltadas para educação priorizarem a articulação entre políticas de ciência e tecnologia, de educação e de cultura no sentido de enfrentar o desafio de popularizar a alfabetização científica através do contato com a pesquisa e seus benefícios. Iannini (2007), em seu estudo, mapeia inúmeras iniciativas governamentais brasileiras feitas nos últimos anos, em especial, o período 2003-2006, voltadas às políticas nacionais de popularização da ciência, pesquisa e tecnologia.
A criação do Departamento de Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia - DEDPI, subordinado à Secretaria de Inclusão Social, assumindo funções específicas no âmbito da popularização de ciência e tecnologia, formulando políticas e implementando programas, colaborando com a melhoria do ensino na educação básica, em parceria com o MEC e com secretarias estaduais de Educação, apoiando centros, museus de ciências e eventos de divulgação científica (Iannini, 2007, p.18).
Ainda segundo a autora, as primeiras iniciativas do DEDPI foram: a promoção da Semana Nacional de C&T, tornando-se evento anual no país de grande repercussão na divulgação e compartilhamento de conhecimento científico; e o desenvolvimento de programas de inclusão social, como o Ciência Móvel, voltado para atividades significativas de visitas a museus, levando o indivíduo à descoberta de sua história, assim como, outras ações que vão da produção de revistas, promoção de feiras e olimpíadas, formação de professores e atividades conjuntas com outros órgãos do governo, como o Ministério de Educação, Secretarias de Educação, Finep, entre outros.
Além disso, em 2004 também foi criado o comitê de Divulgação Científica do CNPq, responsável por analisar solicitações de atividades científicas e subsidiá-las através de bolsas e auxílios, além de promover editais e financiamentos de programas de divulgação científica.
Na esfera internacional, diversas ações começaram a ser desenvolvidas na direção da popularização do contato com a pesquisa. Criada pela Unesco, em 1990, a Rede de Popularização da Ciência e Tecnologia da América Latina e Caribe (Red-POP) favorece o intercâmbio, o treinamento e o aproveitamento de recursos entre seus membros.
Outra iniciativa importante para o contato com a pesquisa na América Latina vem sendo feita pelo Convênio Andrés Bello (CAB), órgão multinacional que atua como repartição técnica dos Ministérios de Educação e de Ciência e Tecnologia de vários países ibero-americanos, promovendo, desde 2004, o desenvolvimento de fóruns sobre popularização de Ciência e Tecnologia.
Ainda nesse caminho, faz-se importante pensar em políticas educacionais de incentivo à pesquisa e à formação de pesquisadores, fundamentalmente, com o compromisso de propor produções de conhecimentos sem esquecer de que a maior contribuição dessas produções deve priorizar a capacidade ética, a fim de resgatar a dignidade humana e a justiça social.
A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias às áreas de atuação. O desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, formular, criar ao invés do simples exercício de memorização (MEC, 2000, p. 5).
Sendo assim, a reavaliação educacional, submetida em decorrência das novas tecnologias e da constante aquisição de conhecimento através da velocidade das informações que impulsionam o processo de desenvolvimento, é imprescindível em função de uma nova concepção sobre o verdadeiro papel da escola e as incorporações desses novos instrumentos e seus desdobramentos no que se refere o ensino e a pesquisa. A aula que apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define como socializadora de conhecimento, não sai do ponto de partida e, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento (Penin, 1994).
3 A PESQUISA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
A relação do desenvolvimento científico com o desenvolvimento econômico e tecnológico, suas amplas e significativas consequências, desembocou no importante movimento pedagógico denominada “ciência, tecnologia e sociedade”.
Essa tendência leva em conta a importância atual da ciência na tecnologia, desta na indústria, na saúde e, de modo geral, na qualidade de vida, envolvendo uma visão interdisciplinar. E essa relação, é tão mais incorporada quando seu contato é feito o quanto antes com os indivíduos, nesse momento o papel da educação, da escola e seus agentes é de suma importância (Krasilchik; Marandino, 2007, p .8).
Com essa verificação, é possível, e se faz necessário, pensar na Educação Básica como mais um espaço importante para a realização dos primeiros contatos com a cientificidade, com a pesquisa. A partir das demandas, de projetos, dos conhecimentos adquiridos e dos benefícios a serem alcançados, a pesquisa torna-se elemento específico e fundamental na construção de um saber diferenciado, mais próximo da realidade e mais amplo em relação à criticidade. Assim, a pesquisa tem por fundamentação processos que contribuem diretamente em uma formação crítica dos estudantes (Ghedin, 2007).
No entanto, ainda é notório a prática de ‘pesquisa pela pesquisa’, sem uma abordagem mais efetiva e com resultados que ultrapassem o simples objetivo de apenas atribuir/receber nota. Ademais, o ensino pela pesquisa necessita ser gerido e orientado da forma correta, contribuindo assim, de fato, no processo de ensino e aprendizagem, dinamizando esse novo método através de observações, leituras, reflexões, interpretações, experimentos, registros, conclusões, ou seja, elaborando e organizando as informações que pesquisam na escola para, a partir daí, apropriarem-se realmente delas, transformando-as em conhecimento.
Para isso, Demo (2011, p. 87) afirma que “é essencial recuperar a atitude de pesquisa, assumindo-a como conduta estrutural, a começar pelo reconhecimento de que sem ela não há como ser professor/a”.
Desse modo, novos desafios surgem na prática docente voltados para o ensino com pesquisa através de atividades orientadas, instigando a problematização na busca por respostas, mediando o contato com a ciência e efetivando a busca pelo conhecimento. “Ensinar a aprender, então, não é apenas mostrar os caminhos, mas também orientar o aluno para que desenvolva um olhar crítico” (Bagno, 2014, p.15).
Isso significa um processo de reflexão permanente sobre os conteúdos aprendidos, desenvolvendo ativamente a curiosidade científica, a investigação da realidade, não aceitando como conhecimentos perfeitos e acabados os conteúdos transmitidos (Lopes, 2002).
Com base nisso, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004, p. 238) ressaltam que, “[...] a pesquisa orientada supõe que para facilitar a aprendizagem é importante que o aluno se depare com situações-problema, para que possa enfrentá-las de forma não-artificial e com análises críticas na produção do conhecimento”.
[...] o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a pratica de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática [...] quanto mais assumo como estou sendo e percebo as razões de ser, de porque estou assim, mais me torno capaz de mudar [...] (Freire, 2011, p. 40).
De modo especial, atribui-se ao professor da Educação Básica a responsabilidade pela acolhida e introdução de todos os novos membros dessa sociedade, os futuros profissionais das mais diversas áreas, pertencentes a uma comunidade e que, por meio do educador, aprenderão a lidar e a conviver com os costumes, valores e princípios que são inerentes ao grupo social de sua origem, integrando-os plenamente (Lüdke, 2005).
Desta feita, percebe-se a necessidade de professores/as que possuam essa inquietação e busquem inovações, para assim, transformar sua postura, seu método e os resultados em sala de aula e, posteriormente, na vida. Esse perfil de professor condiz com as novas demandas contemporâneas de educação, principalmente, no Ensino Médio, pois, costumamente, trata-se de estudantes que, num futuro próximo, chegam ao Ensino Superior sem contato/conhecimento algum com a produção científica.
Destaca-se aqui, a pesquisa como ferramenta chave desse profissional, que sabe e entende não ser um pesquisador profissional, mas, ainda assim, a perceber como emergência no processo de promoção de um ensino pautado na emancipação crítica, na instigação pela necessidade do conhecer e o reconhecimento do valor da autonomia reflexiva.
Aceitar que as relações pessoais dos estudantes com o mundo e cultura mudaram, impele novas concepções na prática pedagógica e no currículo, para que venham a possibilitar estratégias e diálogos para ampliar os horizontes culturais de ambas as partes. Por outro lado, a construção de novas visões só será possível a partir da dialética entre sociedade e educação, por intermédio da compreensão de que educação é mediadora na busca da harmonia e do equilíbrio das relações humanas (Gonzaga, 2006).
Assim, “o professor como sujeito de identidade, responsável pela formação de outras identidades, assume um papel central na formação das identidades culturais dos estudantes de uma determinada sociedade” (Vasconcelos, 2016, p. 132).
No entanto, essa atitude não depende tão somente do professor que, apesar de todos os esforços, necessita de políticas públicas de formação docente, de recursos que subsidiem a execução de projetos, adesão da gestão escolar como parceria nesse enfrentamento, para que o professor não se sinta solitário na busca de métodos diferenciados para a formação dos estudantes, para que esses reconheçam e valorizem o ambiente em que vivem. Pois, de acordo com Lüdke (2005, p. 336), “a pesquisa e o professor da Educação Básica tem revelado a existência de lacunas na formação desses professores, bem como as precárias condições para realização efetiva da pesquisa e as consequências de sua importância”.
As políticas educacionais postas em ação, o financiamento da educação básica, aspectos das culturas nacional, regionais e locais, hábitos estruturados, a naturalização em nossa sociedade, da situação crítica das aprendizagens efetivas de amplas camadas populares, as formas de estrutura e gestão das escolas, formação dos gestores, as condições sociais e de escolarização de pais e mães de alunos das camadas populacionais menos favorecidas (os “sem voz”) e, também, a condição do professorado: sua formação inicial e continuada, os planos de carreira e salário dos docentes da educação básica, tudo são aspectos que impactam as condições de trabalho nas escolas (Gatti, 2010, p. 1359).
Assim, percebe-se a necessidade da construção de pontes que liguem as contribuições da universidade - fonte tradicional de produção de conhecimento e reconhecida como tal - com a do professor da Educação Básica, como pesquisador mais próximo e sensível aos problemas desse nível de ensino. Esta união virá, por certo, enriquecer a pesquisa efetuada na área da Educação como um todo, tornando-a mais atenta e pronta a responder às necessidades mais urgentes, decorrentes de seus mais graves problemas, atendendo, assim, à vocação de toda pesquisa (Lüdke, 2005).
Desta feita, perante o novo contexto em que o desenvolvimento social se faz de forma acelerada, com diversos meios de comunicação e uma contínua carga de conhecimento adquirida através dos mesmos, o indivíduo precisa estar preparado para inserir-se nessas novas demandas sociais. Quando nos voltamos aos profissionais da educação no contexto amazônico e seus desafios educacionais ao produzir projetos que destaquem a identidade dos espaços da escola, bem como os valores, crenças, modos de vida que tracejam a realidade econômica, política e cultural, verifica-se a necessidade de um método educacional diferenciado cuja essa nova forma de educar propõe um ensino voltado para a cientificidade, contudo, essa tarefa deve ser conjunta entre estado, escola e sociedade.
4 O PCE E A INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA AMAZÔNIA.
A alfabetização científica e tecnológica tem se tornado o centro da discussão acerca da exigência de melhorar a qualidade de ensino no país, principalmente, no engajamento de uma mudança drástica e transformadora. “Formar cidadãos participantes em todas as instâncias da vida social contemporânea” (Libâneo, 2000, p. 7).
Segundo Freire (1999), a alfabetização é mais que o simples domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e de ler. É o domínio destas técnicas em termos conscientes. Implica numa autoformação de que possa resultar uma postura interferente do homem sobre seu contexto. Dessa forma, fazendo um paralelo, Chassot (2003, p. 91) afirma que “a alfabetização científica pode ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida”.
Assim, percebe-se a relevância de um estudo voltado para a educação comprometida com a cidadania, ou seja, contribuindo com o engrandecimento cultural e social do estudante, fazendo com que enxerguem e assumam a importância do saber científico para inserir-se favoravelmente na sociedade. Porém, este feito só será atingido se a escola assumir a sua função de fato: “garantir a todos os alunos o acesso aos saberes necessários para o exercício da cidadania” (MEC, 2008, p. 05).
Deste modo, aliar os conteúdos diários com a pesquisa científica, revelando toda grandeza do conhecimento por trás do dia a dia e, como tal, utilizar a pesquisa como princípio científico e educativo e a tenha como atitude diária no contexto escolar e fora dele. Libâneo (2000, p. 10) retrata que “a escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã, possibilitando uma relação autônoma, crítica e construtiva com a cultura em suas várias manifestações”.
A partir desta realidade, o PCE surge como uma ferramenta que atua na alfabetização científica e tecnológica, destinada aos estudantes e professores da Educação Básica do Amazonas. Pioneiro no Brasil no incentivo ao ensino com pesquisa de jovens de escolas públicas, o programa foi criado em 2004 pela FAPEAM, em parceria com as secretarias SEDUC, SEMED e SECT/AM.
É um programa voltado para apoiar a participação de professores e estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio ou da Educação Profissional de Jovens e Adultos em projetos de pesquisa desenvolvidos nas escolas públicas municipais e estaduais do Amazonas (Revista Amazonas Faz Ciência, 2014, p. 45).
Assim, o trabalho do PCE é incentivar a produção da ciência dentro do espaço escolar, através do desenvolvimento de projetos de pesquisa que garantam a formação e transformação do pensar e fazer científico dos alunos, ajudando no desenvolvimento, escrita e defesa, tudo isso sob a coordenação de um professor capacitado pelo programa para dar subsídios aos participantes nesse primeiro contato com a alfabetização científica.
Os grandes benefícios do PCE são: Facilitar o acesso às informações científicas e tecnológicas ao público escolar; Incentivar o envolvimento entre professores de escolas públicas e o universo científico; Capacitar professores em Metodologia da Pesquisa Aplicada à Educação Básica; Despertar a vocação científica ainda na Educação Básica (Revista Amazonas Faz Ciência, 2010, p. 41).
Tendo como objetivo contribuir para que estudantes e professores, a partir do sexto ano da Educação Básica de escolas públicas Estaduais e Municipais do Estado do Amazonas, desenvolvam projetos de pesquisa científica em suas escolas. O programa, teoricamente, garante a excelência do processo de alfabetização científica no Estado do Amazonas não só através do estímulo, dos critérios na seleção dos projetos, mas também no acompanhamento e financiamento através de bolsas de iniciação científica e custos operacionais.
Apesar de sua primeira edição ter sido em 2004, ainda como projeto piloto, por meio do edital nº 013/2004, o convite restringiu-se aos órgãos públicos executores de políticas de educação e pesquisadores-professores de instituições públicas de ensino para apresentarem propostas de projetos ao PCE, os quais deveriam fomentar a participação de estudantes do ensino Fundamental e Médio, a fim de identificar possíveis talentos para área científica. Neste momento, pouca adesão foi alcançada, apenas sete projetos foram contemplados.
Nesse momento, percebeu-se a necessidade de modificações para que o programa tivesse uma melhor aceitação. Dessa forma, mudanças nas regulamentações foram necessárias e, após três anos, em 2008, o programa volta com novas diretrizes e sua proposta reformulada, assim, a partir de então, o público alvo passa a ser professores e estudantes dos ensinos Fundamental, Médio e da Educação de Jovens e Adultos-EJA de escolas públicas estaduais e municipais e o incentivo à imersão destes no mundo da pesquisa científica, para isso, um novo aporte de subsídios também foram formulados.
As propostas submetidas e aprovadas teriam suas equipes formadas por 01 professor Jovem Cientista-PJC, com bolsa de 461,00; 01 Apoio Técnico-AT, com bolsa de 360,00 e, até 5 alunos monitores Iniciação Científica Junior-IC/Jr, com bolsas de 120,00. Além das bolsas, cada projeto recebe auxílio-pesquisa no valor de até R$ 4.840,00 destinados às despesas com capital, equipamentos e custeio (Revista Amazonas Faz Ciência, 2010, p. 42).
Nesse retorno, 79 projetos foram aprovados. Um dos grandes marcos dessas reformulações foi a ação de interiorização do programa, ultrapassando os desafiadores limites amazônicos e possibilitando o contato e o desenvolvimento de habilidades voltadas à educação científica aos outros municípios do estado. Cerca de 13 projetos de municípios do interior foram contemplados e 35 da capital, exclusivamente, de escolas estaduais. Outro marco importante foi no ano de 2009, quando um edital específico foi aberto, edital esse que percebeu as especificidades das áreas de Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) aprovando 30 projetos.
Em 2014, quando o programa completou 10 anos, percebeu-se a dimensão inimaginável de seu alcance, afinal, em si tratando de produção de conhecimento, esse tempo revela-se curto. Após sete edições, o programa permitiu a inserção no universo da pesquisa de mais de 7,7 mil estudantes do interior e da capital e mil projetos financiados, somando um total de 21.6 milhões investidos nesses 10 anos de programa. Somete neste referido ano, o PCE alcançou os números de 19 municípios do Estado do Amazonas contemplados, 135 escolas beneficiadas, 305 projetos aprovados e 610 professores, apoios técnicos e alunos envolvidos.
O programa sofre alguns retrocessos no ano de 2016. Neste edital, foram retirados o fomento ao Apoio Técnico e ao custo com o projeto em si, materiais e equipamentos. Assim como em 2018, cujo número de alunos monitores que, até então, contemplavam 5 bolsistas, passou a contemplar apenas 3 bolsas de Iniciação Científica Júnior.
Em 2019, cerca de 619 projetos foram aprovados e executados, desses 372 são de escolas da capital, sendo 108 municipais e 264 estaduais; e 247 projetos de escolas do interior, contemplando 27 municípios, envolvendo tanto escolas da sede do município quanto do campo, dos mais próximos aos mais longínquos municípios do Estado do Amazonas. Neste ano também, houve um aumento no valor das bolsas de incentivo à pesquisa, passando a ser de 560,00 para professores e 150,00 para estudantes.
Neste ano de 2020, por conta da pandemia que abala o país, o cronograma do processo de seleção e execução dos projetos sofreu alteração e, por consequência, atrasos em suas implementações. Ainda assim, 600 projetos foram selecionados, sendo 85 de escolas municipais da capital e 515 projetos de escolas estaduais, da capital e do interior, para serem executados, na medida do possível, ainda neste mesmo ano.
Desse modo, as modificações foram imprescindíveis para o sucesso e amplitude que o programa alcançou e vem alcançando. Muito mais que um programa, o PCE consolida-se como uma Política Pública Educacional no Estado do Amazonas voltada para alfabetização científica, já que a mobilização de escolas e professores para fazerem parte dessa realidade e os números de projetos submetidos e selecionados vêm aumentando a cada ano. Para um melhor parâmetro quanto ao número crescente de submissão de propostas, referenciamos na tabela abaixo o quantitativo de alguns anos.
Ano | SECRETARIAS | Total | Representação | ||
---|---|---|---|---|---|
Seduc | Semed | ||||
Capital | Interior | Capital | |||
2004 | 07 | - | - | 07 | Ano de início |
2008 | 35 | 13 | 31 | 79 | Ano de retorno |
2010 | 63 | 83/301 | 66 | 242 | Ano com inclusão RDS |
2014 | 115 | 140 | 49 | 304 | Dez anos de programa |
2019 | 264 | 247 | 108 | 619 | Ano recorde |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2020), a partir dos dados da Fapeam.
“Há dez anos, temos grupos de adolescentes e jovens no Ensino Fundamental e Médio fazendo pesquisa”, destaca Sena (Revista Amazônia Faz Ciência, 2014, p. 37). São crianças e adolescentes descobrindo a pesquisa vivendo esse ambiente, coordenadas por professores da rede pública que desenvolvem um projeto submetido à avaliação. Assim, destaca-se, mais uma vez, a importância do professor em desenvolver uma postura investigativa nos estudantes.
Perceber a alfabetização científica na perspectiva social, política e cultural implica fomentar políticas e ações de parcerias entre diferentes instituições e atores, para ampliar as oportunidades de acesso e de produção de significados sobre o conhecimento científico (Barros, 2002, p. 15).
A alfabetização científica desenvolve uma característica que potencializa as capacidades investigativas acerca do cotidiano e suas relações sociais e de poder, pois traz para a realidade escolar a reflexão necessária e práticas transformadoras frente às metodologias unidirecionais. “O professor, ou melhor, o educador é aquele que, engajado em uma prática transformadora, procura desmistificar e questionar com o aluno a cultura dominante, valorizando a linguagem e a cultura deste” (Pereira, 2012, p. 132).
O gosto pela pesquisa se dá quando há descoberta a partir de uma problemática identificada, a qual sofreu toda uma reflexão e análise, vindo a transformar-se em princípio científico e educativo (Gonzaga, 2006).
A pesquisa e a produção científica não podem parar (...). O Programa Ciência na Escola tem sua gênese alicerçada a essa necessidade, assim, firma-se como um instrumento estratégico, pois atua diretamente na formação de vocações científicas no ambiente escolar, isso é bom para o estudante, e uma oportunidade única para os educadores (Revista Amazônia Faz Ciência, 2010, p. 3).
Dessa forma, a inserção da iniciação científica, a partir do PCE, constitui-se de forma concreta e crescente, inserindo, cada vez mais, a perspectiva da prática pedagógica por meio de projetos na realidade escolar da Educação Básica no Amazonas.
2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Seduc Capital | 115 | 139 | 172 | 209 | 238 | 264 | 257 |
Seduc Interior | 140 | 242 | 202 | 163 | 202 | 247 | 258 |
Semed | 49 | 48 | 32 | 24 | 86 | 108 | 85 |
TOTAL | 304 | 429 | 406 | 396 | 526 | 619 | 600 |
Fonte: Elaboração própria (2020), a partir dos dados da Fapeam.
A prática pedagógica, por meio do desenvolvimento de projetos, é uma forma de conceber educação que envolve o educando, o professor, os recursos disponíveis, inclusive as novas tecnologias e todas as interações estabelecidas naquele contexto, denominado ambiente de aprendizagem, visto que é criado para promover a interação entre todos os elementos, propiciar o desenvolvimento da autonomia do aluno e a construção de conhecimento de distintas áreas do saber, por meio da busca de informações significativas para compreensão, representação e resolução de uma situação-problema (Marinho; Ramos; Gonzaga, 2007, p. 328).
Na educação básica, é indispensável que as metodologias de ensino e aprendizagem partam de atividades problematizadoras e que os/as estudantes possam relacionar as temáticas abordadas nessas atividades com a realidade. É essencial que o ensino destaque a pesquisa, a busca, a cientificidade como um elemento presente no cotidiano e que os conhecimentos adquiridos em sala de aula possibilitem a relação com a tecnologia, a sociedade e o meio ambiente.
5 METODOLOGIA
Enquanto prática social, a educação científica é resultante das determinações econômicas, sociais e políticas da atualidade, assim, teve-se como proposta apresentar a implementação e abrangência da iniciação científica no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, através do PCE, reafirmando a relevância de políticas públicas educacionais voltadas para inserção da iniciação científica ainda na Educação Básica, transformando o “fazer educacional”.
Para a investigação e busca dos dados, utilizou-se as pesquisas bibliográficas, partindo do pensamento de alguns autores que tratam sobre a iniciação científica, o ensino com pesquisa e suas consequências, que segundo Gil (2017, p. 45), “é desenvolvida a partir de materiais já elaborados, constituídos principalmente de livros e artigos científicos”. Assim, uma pré-seleção de materiais para embasamento foi feita com o objetivo de conhecer e reconhecer o pensamento desses autores para compor o referencial teórico deste trabalho. Em consenso com Prodanov e Freitas (2013), a pesquisa bibliográfica é a base para todo tipo de pesquisa, pois todas elas necessitam de um referencial teórico para o embasamento de seus estudos.
A pesquisa documental vale-se tanto de documentos que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens, quanto de documentos já foram analisados, tais como: relatórios, tabelas, etc., segundo Gil (2019). Dessa forma, realizou-se pesquisa documental relacionada ao PCE, através dos arquivos disponibilizados no site da FAPEAM, bem como nas edições da revista Amazônia Faz Ciência, seus aspectos legais, levantamentos de projetos das escolas, desde seu ano de início até hoje.
O objetivo desta pesquisa consistiu em evidenciar a implementação e abrangência do PCE, da FAPEAM e da difusão da iniciação científica na realidade escolar pública do Estado do Amazonas. A relevância desta pesquisa se apresenta pelo benefício da obtenção de conhecimentos sobre PCE, programa pioneiro no país nessa perspectiva, seu alcance, desafios e os desdobramentos dessa metodologia no cotidiano e na transformação social de professores/as e estudantes da Educação Básica.
Haja vista adquirir-se novo dinamismo com a penetrabilidade das concepções do ensino com pesquisa no processo educativo e grandes reestruturações nos conteúdos, currículos, espaços escolares e na capacitação dos docentes, visando superar um ensino dependente da racionalidade e produtividade com a simples função de transmitir conteúdos e preocupada exclusivamente em preparar um futuro trabalhador, “onde o que importa é aprender a fazer” (Saviani, 1994, p. 14), ou seja, chegando a um ensino mais interativo, cooperativo, instigador e crítico.
6 RESULTADOS
Dessa forma, a função do PCE, na perspectiva da iniciação científica nas escolas públicas do Amazonas, vai além dos trabalhos com os projetos nos espaços escolares comuns, contribui para uma nova visão e formas de ensinar e aprender, levando a aprendizagem de seus participantes também fora das salas de aula e das delimitações da escola, se estabelece, assim, na ampliação e fortalecimento do questionamento, da busca, da criticidade, da reflexão, da emancipação e da modificação.
O PCE é um programa pioneiro e inovador do Estado do Amazonas. Sua estrutura pluridisciplinar revela a beleza e importância do ensino com pesquisa e desponta o quão relevante é o papel de políticas públicas educacionais que incentivem a alfabetização científica e a produção de conhecimento, demandas tão requeridas na contemporaneidade.
Programas dessa natureza devem ser cada vez mais implementados e difundidos, mesmo quando a realidade para executá-los carregue o contraste de sujeitos e universos os mais variados e distantes possíveis, como são as fronteiras amazônicas perpassadas pela vontade de fazer acontecer de escolas, professores e alunos que participam dos projetos e fazem da pesquisa científica o seu lugar no mundo.
A pesquisa constitui um instrumento de ensino e um conteúdo de aprendizagem na formação, especialmente importante para análise dos contextos em que se inserem as situações cotidianas da escola, para construção de conhecimentos que ela demanda e para compreensão da própria implicação na tarefa de educar (MEC, 2001, p. 19).
O professor, como parte desta construção de conhecimento, necessita estar na posição de pesquisador da realidade, conduzindo os/as estudantes ao exercício da observação, percepção, análise crítica, argumentação e criatividade, compreendendo sua responsabilidade social e investindo na interação (Gonzaga, 2006).
Durante esses 17 anos de programa e estando em sua 14ª edição, o aumento significativo de números de escolas engajadas em participarem, tanto na capital quanto no interior, nos revela o quão significativo é a aprendizagem na perspectiva do ensino com pesquisa e seus efeitos na busca de novas concepções de promoção de conhecimentos, como pode-se verificar no gráfico abaixo.
Dessa forma, o grande diferencial do programa é sua versatilidade e abrangência, tanto geográfica quanto pedagógica, pois o mesmo não se resume somente em trabalhar disciplinas voltadas para o componente de Ciências, ou afins, mas qualquer componente curricular, como: Língua Portuguesa, Geografia, História, etc., ou seja, qualquer conhecimento pode ser pensado, analisado e transformado em produção científica no âmbito do programa. Outro registro importante são as parcerias firmadas com entidades, instituições, grupos de apoio, ONG’s e as mais variadas que possam contribuir com a execução dos projetos.
Outro ponto que merece ser destacado refere-se às exposições desses trabalhos, além de, obrigatoriamente, o encerramento dos projetos deva ser apresentado num evento que envolva toda comunidade escolar, há também a visibilidade dos mesmos nos eventos da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNTC), momento onde os/as estudantes e professores/as saem do espaço escolar e levam sua pesquisa ao grande público nos vários espaços, não só de Manaus, mas de todo Estado, e passam a ser vistos por outras comunidades que produzem pesquisa científica. Destaca-se ainda, as emblemáticas participações, cada vez mais recorrentes, em feiras científicas renomadas em todo o Brasil, e as conquistas de credenciais para participações em feiras internacionais, evidenciando a realidade, modo de vida e o fazer científico do Ensino Básico Amazônico.
As impressões dessas experiências modificam o ser, o pensar e o agir de professores/as e estudantes frente aos desafios que a sociedade lhes impõe, engrandecimentos pessoais e profissionais que ultrapassam o programa, pois acabam por contribuir para que aqueles que dele participam possam (re)construir suas identidades, (re)pensando quem são no(s) mundo(s) social(is) em que estão inseridos (Chassot, 2003).
Ressalta-se ainda, o programa Mulheres e Meninas na Ciência, lançado pela Secretaria de Educação e Desporto (Seduc/AM) no ano de 2020, a partir da seleção do PCE de 2019, o qual premiou 25 projetos das áreas de Ciências Humanas; Linguísticas, Letras e Arte; e Ciências Biológicas. Houve ainda, destaque para 8 projetos realizados nas áreas de Ciências Exatas e da Terra, por tratar-se de áreas com predominância masculina. No total, 33 professoras e 99 alunas receberam medalhas e menções honrosas. Momento importante e de afirmação do gênero feminino ocupando espaço significativo na produção científica.
É certo dizer que ainda há inúmeros obstáculos a serem ultrapassados acerca de fomento aos projetos e compra de materiais, bem como a abrangência reduzida sobre o número de alunos monitores. Há ainda a limitação perante a divulgação dos resultados obtidos pelos projetos, pois não há, além da própria iniciativa do professor coordenador em inscrever seu projeto em Feiras de Ciências, uma forma mais significativa proposta pelas secretarias ou pela Fapeam, nas quais esses projetos possam ser conhecidos e reconhecidos, obtendo o devido mérito, como o incentivo e subsídio à publicações de artigos e relatos de experiências em revistas científicas qualificadas.
Ainda assim, o mérito do programa se faz evidente no sentido de que, cada vez mais, os princípios científicos, o protagonismo na construção de saberes de professores/as e estudantes da Educação Básica de escolas públicas e a educação científica tornam-se parte integrante, através do PCE, da realidade amazônica na tentativa de responder às demandas e desafios da vida em sociedade e trazendo mais equidade, criticidade, emancipação e uma cultura voltada para a escola como ambiente de incentivo à pesquisa científica.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância da pesquisa no desenvolvimento educacional se insere no discernimento de aspectos significativos vinculados à problemática do cotidiano. Nesse processo, sua contribuição está atrelada às etapas necessárias para resolução dessas inquietações que vão desde o reconhecimento de um problema, organizar e analisar informações, gerando soluções alternativas. Esses passos levam o/a estudante a dar início a uma formação crítica, estabelecida entre o contato entre a pesquisa e a busca de conhecimento ainda no ambiente escolar básico, onde a escola, estabelecendo um conjunto de valores mediado na consciência da importância de sua função, cumpre seu papel de mediadora entre pesquisa e estudante, sugerindo inúmeras formas e espaços; pessoas e instituições da comunidade, contribuindo para uma nova forma de aprendizado, levando os participantes a aprender também fora da sala de aula, para assim, através do contato amplo com a pesquisa científica, modificar e fortalecer sua visão de mundo, tornando a Educação Básica efetivamente produtiva, prazerosa e significativa.
O primeiro contato com a produção de trabalhos científicos de alunos da Educação Básica é de suma importância, já que por meio dele podem aprender como se elabora um projeto, o desenvolvimento, a aplicação dele na prática, metodologia, apresentação de resultados e isso de certa forma acaba os motivando em outros projetos que participam ao longo da vida, inspirando a busca por mais conhecimento para a carreira acadêmica, principalmente por meio da socialização. Participar de projetos de iniciação/alfabetização científica é, de certa forma, ampliar os olhares para novos horizontes, vivenciar a ciência e a pesquisa de forma prática, levando em consideração as questões sociais, a ampliação do discernimento político e a valorização cultural.
A exemplo disso surge o PCE, que dos rincões mais longínquos da Amazônia, incentiva e dá subsídios para professores e alunos com seus projetos de pesquisa, nos mais variados componentes curriculares, contemplando as mais variadas realidades, modos de vida e temáticas, refletindo na mudança da história da educação no Amazonas, através da alfabetização cientifica. Em sua gênese, o ensino com pesquisa deve contribuir para uma nova visão e formas de ensinar e aprender, levando a aprendizagem de seus participantes também fora das salas de aula e das delimitações da escola, estabelecendo-se na ampliação e fortalecimento do questionamento, da busca, da criticidade, da reflexão, da emancipação e da modificação.
A nova realidade social requer que o aluno ao fim do ciclo escolar, consiga ingressar plenamente na vida em sociedade seja pelo âmbito cultural, seja pelo político ou profissional etc. Por conseguinte, reconhecemos a relevância do Programa Ciência na Escola por considerarmos que a integração direta do ensino com a alfabetização científica torna-se um modelo de interação social de importante valor, induzindo os/as estudantes à consciência crítica, à importância de tornarem-se cidadãos e cidadãs atuantes socialmente, com inquietude de quem busca a resposta para as coisas e torna-se protagonista de seu conhecimento.