Nas diferentes funções que já exerci no âmbito da educação, sempre acreditei ser importante relacionar os estudos acadêmicos com a prática docente e/ou de gestão, buscando levar soluções aos desafios reais do cenário educacional. No presente artigo, busco evidenciar essa relação ao refletir sobre o percurso acadêmico integrado às minhas escolhas pessoais e profissionais.2
Ao cursar mestrado e doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS, confirmei a minha escolha acadêmica tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Nesse sentido, dediquei-me aos estudos acadêmicos como uma experiência com potencial de qualificar minhas atividades na educação básica e superior, buscando empreender os melhores esforços e todo o meu potencial na produção do conhecimento, o que significou refletir sobre o meu papel como pessoa e profissional e sobre minha contribuição para a transformação da sociedade. Afinal, “Empreender é se transformar e transformar o mundo. Porque mudar o mundo passa antes por despertar nosso potencial, entendendo nós mesmos e nossos interesses. Empreender é ser a melhor versão de nós mesmos” (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [PUCRS], 2018, p. 44).
Quando dedicamos tempo para algo que nos é relevante, como é e deve ser o percurso acadêmico no pós-graduação stricto sensu, trabalhamos com entusiasmo propondo caminhos para deixar nossa marca, nosso legado. Os gregos usavam duas expressões para referirem-se ao tempo, Khronos e Kairós. A primeira caracteriza o tempo do relógio, que é a medida linear do movimento ou do período. A segunda expressão, Kairós, refere-se à experiência do momento oportuno, como o tempo da graça, o tempo eterno e não linear. Em uma experiência de pesquisador, a dimensão do tempo adquire um significado muito além do tempo do relógio, das horas dedicadas às leituras, à pesquisa ou à escrita. Trata-se de uma experiência que se pretende eternizada não apenas nas páginas do trabalho final, mas no legado do conhecimento produzido e assimilado.
Para Larrosa Bondía (2002), é possível considerar a experiência acadêmica como um território de passagem, uma superfície sensível sobre a qual são inscritas marcas, produzidos afetos, depositados vestígios, um ponto de chegada que dá lugar ao que recebe, àquilo que nos passa, um espaço onde tem lugar os acontecimentos. Ainda para o autor (Larrosa Bondía, 2002, p. 25-26), “É experiência aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.”
Uma trajetória acadêmica de mestrado e doutorado requer dedicação, disciplina, foco, orientação e, se este percurso for fruto de uma escolha pessoal e profissional, reverte-se em desenvolvimento do seu próprio potencial. Esta perspectiva, da relação entre formação e impacto na sociedade caracteriza as instituições que têm como ethos a confessionalidade católica e a identidade comunitária. No caso de um PPG em Educação, a pesquisa favorece o desenvolvimento das pessoas, gerando inovação e impacto positivo na sociedade.
A relevante contribuição da PUCRS para a ciência no Brasil
As universidades se constituem, por meio de seus cursos, programas e extensão, como espaços privilegiados de desenvolvimento de pessoas e de uma ciência que gera impacto e relevância na sociedade.
A contribuição das instituições de educação superior comunitárias e confessionais católicas no Brasil
Em uma perspectiva histórica, Fávero (2006) e Tavares (2009) afirmam a importância das instituições religiosas, como a Igreja Católica e outras, no processo de desenvolvimento educacional, em especial, na educação superior.
As Universidades confessionais nasceram da ação mais que centenária de instituições educacionais com práticas sociais originárias de sua vocação religiosa. Acompanharam a história da educação no Brasil desde a colonização, constituindo-se suas entidades mantenedoras em agentes para o crescimento e desenvolvimento do País nesse campo. (Tavares, 2009, p. 223)
No Brasil, diferentemente de outros países da América Latina, a implementação de Instituições de Educação Superior confessionais iniciou-se tardiamente. As Instituições Católicas, por muitos anos, especialmente entre as décadas de 1940 e 1970, formavam, juntamente com universidades públicas, a educação superior no Brasil. Já a partir da década de 1970, surgem outras instituições comunitárias, sem o viés confessional e, em muitos casos, nascem com apoio e suporte das próprias instituições confessionais. Estas nascem da e para a comunidade, de modo geral, em cidades que se encontravam em desenvolvimento e que necessitavam prover educação à sua juventude. Em geral, instituições de educação superior comunitárias e confessionais englobam, no Brasil, o conjunto de instituições sem fins lucrativos.
No entanto, a partir das reformas da educação superior brasileira, implementadas inicialmente na década de 1990, o mercado educacional passou a atrair instituições privadas com fins lucrativos, grupos econômicos nacionais e grupos econômicos com investimento de capital estrangeiro (Souza, 2013), tornando o cenário da educação superior bastante competitivo, especialmente quanto à captação de estudantes. A atuação desses grupos remete à mercantilização da educação superior, como é compreendida por muitos teóricos. Para as instituições comunitárias e confessionais, o cenário passa a se apresentar, desde então, como incerto, especialmente, para aquelas inseridas em contextos mais competitivos.
Hoje no Brasil, a educação superior alcançou grande crescimento, em especial nas últimas duas décadas, impulsionado, sobretudo, pela educação a distância, alcançando 23,8% da população de 18 a 24 anos que frequentam o ensino superior em relação à população dessa faixa etária (taxa líquida) (Brasil, 2022). No entanto, a meta do Plano Nacional de Educação é alcançar 33% dos jovens de 18 a 24 anos na educação superior até 2024. Ao mesmo tempo, o crescimento da educação superior no Brasil tem provocado diversos questionamentos acerca da qualidade do ensino e do seu impacto na inovação e desenvolvimento da sociedade.
No cenário da pesquisa, mesmo tendo contribuído o Brasil, na última década, com uma produção científica exponencial, assistimos a um gap entre pesquisa básica e pesquisa aplicada, muito em razão da pouca relação entre a universidade e as demandas reais da sociedade, bem como do incipiente envolvimento do mundo empresarial em relação aos temas de pesquisa, inovação e desenvolvimento. Todavia, instituições comunitárias têm assumido um papel importante no Brasil, por meio de práticas empreendedoras geradoras de ecossistemas de inovação.
Uma estratégia para as instituições comunitárias foi a criação, em 1995, da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC), que nasce com o objetivo de aproximar instituições de mesma natureza e fortalecer sua marca e presença no país, por meio de articulações em torno de objetivos comuns. Segundo a ABRUC, as Instituições de Ensino Superior (IES) comunitárias caracterizam-se pelo fato de não serem lucrativas, ou seja, os recursos gerados ou recebidos são reinvestidos nas próprias atividades. São instituições que não pertencem a investidores, mantidas por comunidades, igrejas, congregações, podendo ser confessionais ou não. Para Bittar (1999), as universidades comunitárias não se enquadram em modelo público, tampouco no modelo privado. Assim, para alguns autores, como Vannucchi (2004), essas instituições representam um modelo alternativo, não sendo nem públicas no sentido estatal, nem privadas no sentido estrito; podendo ser identificadas como pública não estatal.
PUCRS: uma universidade católica e comunitária
Inspirada na tradição educativa marista, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul iniciou suas atividades em 1931, com a criação do curso superior em Administração e Finanças. Em 9 de novembro de 1948, sob o Decreto n.º 25.794, foi equiparada como universidade.
É uma instituição confessional católica, tendo como Chanceler o Arcebispo de Porto Alegre. O título de pontifícia, outorgado pelo Papa Pio XII, em 1º de novembro de 1950, simboliza a marca de união e de filial devotamento à Santa Sé (…). É o reconhecimento à contribuição de uma instituição universitária ao bem da Igreja no que diz respeito à formação superior, tanto nas ciências, quanto nas artes. (PUCRS, 2022)
Como universidade comunitária e católica, a PUCRS desenvolveu-se ao longo dos seus quase 75 anos buscando sempre responder aos desafios do seu tempo. O marco referencial afirma que a universidade atua no ensino, na pesquisa e na extensão, mediante uma permanente interação com a sociedade, no compromisso com a formação de cidadãos responsáveis, inovadores, autônomos e solidários. Em sua estruturação e planejamento, a universidade sempre se pautou pela excelência e pela contribuição científica, social, econômica e cultural da sociedade (PUCRS, 2016, p. 9) e expressa assim a sua missão:
A PUCRS, fundamentada nos direitos humanos, nos princípios do cristianismo e na tradição educativa marista, tem por Missão produzir e difundir conhecimento e promover a formação humana e profissional, orientada pela qualidade e pela relevância, visando ao desenvolvimento de uma sociedade justa e fraterna.
Como instituição de ensino, pesquisa e extensão, a PUCRS é constituída por um conjunto de unidades (Escolas, Institutos, centros etc.), nas diversas áreas do saber. O substantivo universidade é acompanhado do adjetivo “católica”, promovendo o compromisso e a integração das diferentes áreas do conhecimento, o cuidado ético e uma perspectiva teológica, o diálogo entre fé e razão e a estreita relação entre a comunidade cristã e a Igreja Católica (PUCRS, 2022).
Ensino, pesquisa e inovação
O contexto atual pede maior proximidade da universidade com a sociedade, por meio de respostas aos problemas que hoje pautam as grandes reflexões. As instituições, especialmente aquelas que nasceram da comunidade e para a comunidade, como é o caso da maioria das instituições de educação superior confessionais (Wit et al., 2017), têm hoje, a partir dos inúmeros avanços tecnológicos, a possibilidade de alavancar ações de ensino, pesquisa e extensão, de maior sinergia e articulação não somente com a própria sociedade, mas também com seus pares.
Al mismo tiempo, el aprendizaje a distancia y otras formas de educación superior transfronteriza están contribuyendo a un aumento de la movilidad académica virtual, con todos los desafíos que las nuevas formas de provisión presentan para los reguladores y la garantía de calidad. (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 2022, p. 9)
Assim como qualquer instituição, especialmente neste momento da história, também a universidade necessita voltar o seu olhar para si mesma e repensar o seu papel e a sua missão. Quando criada, em Bolonha, em 1088, no final do século XI, a primeira universidade tinha como missão o ensino. Em meados do século XIX, especialmente na Alemanha, França e Inglaterra, surge uma segunda missão: a pesquisa. “(…) Naquele momento, a inserção da pesquisa na missão e criação dos centros de pesquisa foram mudanças disruptivas nas instituições” (Audy, 2017, p. 80). No final do século passado, com forte impacto no início deste século, especialmente nos Estados Unidos, surge uma terceira missão: a inovação como vetor de desenvolvimento social e econômico da sociedade. Para Masetto (2004, p. 197), a inovação no ensino superior refere-se ao “(…) conjunto de alterações que afetam pontos-chave e eixos constitutivos da organização da educação universitária provocados por mudanças na sociedade ou por reflexões sobre concepções intrínsecas à missão da Educação Superior”.
Percebe-se, com isso, que, à medida que as sociedades foram se transformando, a universidade foi repensando o seu papel. O avanço e a ampliação do papel da universidade acompanham a trajetória de evolução e as necessidades da sociedade. Para Audy (2017, p. 75):
Ao longo da história, desde a Idade Média, usa-se o termo inovação, seja para novas formas e técnicas de desenvolver trabalhos artísticos (como na renascença italiana nos séculos XV e XVI), seja nas revoluções industriais na Inglaterra e Alemanha (nos séculos XVIII e XIX), seja na revolução das tecnociências, em especial nos Estados Unidos, no século XX. A Inovação foi largamente abordada por Schumpeter, desde uma perspectiva econômica e seu impacto nas empresas. Desde o final do século XX a inovação transbordou dos laboratórios científicos e tecnológicos nas universidades e nas empresas para a sociedade, emergindo novos conceitos, como os de inovação social e inovação aberta.
A contemporaneidade oferece uma realidade mais conectada e intercultural, permeada pelo viés da internacionalização, o que justifica, portanto, as diferentes “missões” da universidade e suas respostas ao mundo de hoje. O conceito que explica esse novo ambiente foi denominado inicialmente de Hélice Tripla, por promover a articulação dos agentes que atuam alinhados na economia baseada em conhecimento, a saber: indústria, governos e universidade (Etzkowitz, 2009). Na última década, além dos três agentes, incorporaram-se outros elementos, como a sociedade ou as pessoas, gerando o modelo conhecido como a Quádrupla Hélice (Lombardi et al., 2012).
As universidades estão sendo “cobradas” por uma interação maior com a sociedade. Elas não podem estar fechadas intramuros. Precisam dialogar constantemente com as empresas, governos e sociedade. Uma universidade inovadora e moderna deve ser protagonista no processo de desenvolvimento de seu país. (Mentges & Teixeira, 2022, p. 424)
Desde a sua origem, a universidade, de modo geral, constituiu-se por um formato que permaneceu, por muitos anos, inalterado (Christensen, 2014). Especialmente no século XXI, autores como Clark (2003) vêm pesquisando a temática e destacando a necessidade de mudanças no modelo universitário para fazer frente a diferentes desafios, tais como inovação, sustentabilidade e maior relação com a sociedade. Pensar em uma universidade inovadora e com capacidade de gerar desenvolvimento não significa abandonar o modelo tradicional, pois este segue sendo indispensável.
Para Castells (2010), a revolução oriunda da tecnologia da informação, a partir dos anos 1970, induziu um novo tipo de globalização, no qual instituições, governos e pessoas passaram a se comunicar de modo instantâneo. O autor afirma que, em um mundo de mudanças rápidas, incontroladas e confusas, há a tendência de reagrupamento em torno de identidades primárias: étnicas, religiosas, territoriais e nacionais. Para Ferguson (2018), as mudanças que hoje vivemos resultam em grande parte da tecnologia da informação. “(…) A resposta é que a tecnologia deu um poder enorme para as redes de todos os tipos em relação às estruturas tradicionais hierárquicas – mas as consequências dessas mudanças serão determinadas pelas estruturas, propriedades emergentes e interações destas redes” (Ferguson, 2018, p. 427).
Superar desafios e aproveitar oportunidades em um mundo global e em célere ritmo de mudanças são ações que exigem muito mais do que competência cognitiva e habilidades técnicas. Afirma a UNESCO (2009) que, em nenhum momento da história, a universidade foi tão determinante para o desenvolvimento da sociedade como hoje. Na mesma esteira, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial (BM) apontam para a educação superior como fator fundamental para o desenvolvimento e a competitividade econômica, em contextos e cenários em que a economia depende cada vez mais do conhecimento (Maués & Guimarães, 2019). Ao considerar a educação superior como um direito e bem público, a UNESCO (2022) afirma que são necessários avanços no contexto atual, de modo a superar fronteiras disciplinares, profissionais, epistêmicas, de reputação e institucionais.
Hodiernamente, apesar da clareza que se tem de que é imperativo atuar de forma a integrar as três missões (ensino, pesquisa e inovação) nas universidades (Christensen, 2014), persistem os desafios de atualizar o modelo de governança e de gestão e a dificuldade de integrar os três elementos sob o ponto de vista da estratégia e de sua execução. Acredita-se que ensino, pesquisa e inovação geram desenvolvimento em todas as dimensões da sociedade, o que configura a razão de ser da universidade (Etzkowitz & Zhou, 2017).
O fato é que as três missões, no contexto de um mundo em constante processo de globalização, são imbricadas pela internacionalização e sua relação constante com a sociedade, o que representa, dependendo da estratégia, valor agregado e sinônimo de excelência, segundo os rankings internacionais quando avaliam os indicadores da educação superior (Stallivieri, 2021). Para Castells (1999), romperam-se as fronteiras territoriais, o que permitiu a expansão dos mercados e elevou consideravelmente a velocidade do fluxo das informações.
Trajetória pessoal no Programa de Pós-Graduação em Educação
Em meu fazer profissional, atualmente sou desafiado a colaborar com os processos de gestão educacional, seja como vice-reitor da PUCRS ou como integrante de conselhos e colegiados da instituição marista, marcados por sua atuação global. Nesse sentido, o percurso formativo realizado na PUCRS pretendeu contribuir com o desenvolvimento de competências técnicas, socioemocionais e institucionais para melhor cumprir com a minha missão.
Minha formação iniciou-se pela graduação em Filosofia (bacharelado e licenciatura), com posterior aprofundamento em processos, políticas e métodos de gestão educacional por meio de especialização em Gestão Educacional, MBA em Gestão Empresarial e MBA em Gestão de Projetos, mestrado em Educação, doutorado em Educação – todos os títulos pela PUCRS. Desde a graduação, complementei (e ainda complemento) minha formação com cursos de extensão, eventos, congressos, visitas, experiências e intercâmbios em instituições de ensino e pesquisa (nacionais e internacionais) relevantes, tendo como crença e premissa a ideia de que aprendemos ao longo de toda a vida.
Desempenhei as seguintes atividades associadas à educação: professor, coordenador do Serviço de Pastoral, diretor de colégio, gerente educacional dos colégios da Rede Marista, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, pró-reitor de Graduação de Educação Continuada, membro de Conselho de Administração de Mantenedoras de Educação Básica e Superior, membro de comissões de educação básica e superior em nível nacional e internacional. O exercício dessas atividades tem propiciado um caminho de construção contínua e de grande contribuição para os processos e práticas pedagógicas e de gestão educacional, bem como favorecido o meu crescimento e amadurecimento pessoal e profissional. Acrescento aqui o fato de que as experiências nacionais e internacionais vivenciadas, em especial nos últimos 10 anos, têm oportunizado um aprendizado profícuo, uma possibilidade de alargamento de fronteiras, de maior compreensão da diversidade, da interculturalidade e da internacionalização como realidade e potencial para o desenvolvimento das pessoas e das instituições. E aqui se destaca o papel da universidade, especialmente da PUCRS, que favorece e promove um conjunto de ações articuladas e integradas com o currículo e com todo o “ecossistema universitário”, o que contribui com a formação integral dos estudantes.
Destaco, em especial, a contribuição do Programa de Pós-Graduação em Educação pela PUCRS que, tanto no mestrado, como no doutorado, obtive a aprovação com louvor, na dissertação e na tese. Creio na premissa de que a PUCRS, a partir de sua missão e diretrizes, visa gerar e transformar o conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da sociedade em todas as dimensões.
É importante dizer que sempre busquei investigar temas relacionados com a minha prática, por meio de desafios percebidos no cotidiano da minha atuação profissional e nos cenários nos quais estava inserido. E dessa forma, vida acadêmica, vida profissional e pessoal foram se entrelaçando, e as experiências e aprendizados promovidos fizeram sentido e significado.
Realizei o meu mestrado3 enquanto ocupava o cargo de diretor de um colégio de educação básica. Com o título “Autoformação do ser gestor marista preconizada à luz do Projeto Educativo do Brasil Marista”, o trabalho teve como objetivo geral “Compreender o processo de Gestão, preconizado à luz do projeto educativo marista, aprofundando seus horizontes e suas implicações na autoformação do Ser Gestor Marista” (Mentges, 2013, p. 15). A pesquisa foi aplicada no contexto das lideranças de uma escola marista de educação básica e buscou percorrer seus objetivos por meio de estudos, com abordagem qualitativa, descritiva e interpretativa, a qual, para Bogdan e Biklen (1999), por ser indutiva e ter como essencial a significação, preocupa-se com o processo.
A pesquisa revelou elementos constitutivos para a autoformação do “ser gestor marista” e uma clara percepção acerca da realidade da escola, aproximando a realidade atual do ideal apontado pelo Projeto Educativo. Revelou a importância e a necessidade da formação plena de gestores, em todas as dimensões, e a importância da Espiritualidade como elemento transversal que confere sentido e vida à missão, valorizando essa característica identitária de uma escola confessional católica. Promovendo um grande crescimento pessoal, os resultados favoreceram a revisão e o aprimoramento de processos sistêmicos administrativo-pedagógico-pastorais, apontando a possibilidade de ações ao interno e externo da equipe diretiva, no cultivo de um clima organizacional e na valorização das pessoas, culminando em uma educação evangelizadora de qualidade.
Orientado pela professora Dra. Leda Lísia, o trabalho contribuiu muito para o meu próprio desenvolvimento como educador e gestor e resultou em um conjunto de ações, cientificamente estruturadas e implementadas posteriormente na Rede Marista de Colégios e Unidades Sociais. A possibilidade da investigação científica e sua aplicabilidade à resolução de problemas ou desafios atuais em alguma instituição agrega valor e gera impacto na sociedade.
Já a tese de doutorado4 teve o propósito de investigar o papel de instituições maristas de educação superior na contemporaneidade, sob o ponto de vista da internacionalização e tendo como estratégia a cooperação por meio da articulação em rede, considerando, especialmente, o contexto global no qual a instituição “universidade” se encontra, além do seu papel e contribuição para a inovação e o desenvolvimento da sociedade. O processo de investigação ocorreu durante o período da pandemia COVID-19, configurando um desafio para o pesquisador, bem como para todo o cenário no qual se encontra a educação superior. O cenário que desde a pandemia se apresenta para as instituições de educação superior reforçou a importância do tema investigado no doutorado. “Se alguma coisa conseguimos comprovar com a pandemia, é que o mundo é verdadeiramente ‘global’ e que a humanidade está interconectada” (Comissão Internacional da Missão Marista, 2021, p. 3).
A educação superior na contemporaneidade, perante as rápidas mudanças e os avanços tecnológicos, tem vivenciado transformações que afetam diretamente sua atuação e sua relação com a sociedade. Assim, as instituições são conclamadas ao protagonismo, ao seu papel inerente e de vanguarda na geração, armazenamento, disponibilidade e transferência de conhecimento, contribuindo para a inovação e o desenvolvimento da sociedade.
A pesquisa foi orientada pela professora Dra. Marilia Morosini e teve como locus a Rede Internacional Marista de Educação Superior (RIMES), cujas instituições de educação superior são mantidas por diferentes unidades administrativas do Instituto dos Irmãos Maristas, fundado em 1817, na França. A pesquisa pretendeu investigar a internacionalização e a articulação em rede, propondo-se a construir uma proposta de organização em rede para as instituições. A pesquisa buscou respostas ao seguinte problema: considerando a internacionalização e a organização em rede como possibilidade de articulação e colaboração entre as instituições, que proposta de organização em rede pode ser estruturada para a RIMES? Em seus objetivos, propôs-se a analisar o cenário e o contexto da educação superior; a aprofundar os conceitos da internacionalização e da teoria das redes; a apresentar o histórico e a composição da RIMES; e a construir uma proposta de organização em rede. Foi adotada a metodologia pesquisa-ação, promovendo o engajamento dos participantes e do pesquisador, viabilizando uma ação transformadora em contextos específicos.
Foram considerados participantes desta pesquisa o Comitê executivo ampliado e o grupo de lideranças das 27 instituições de educação superior de 12 países. Em seus resultados, a tese apresentou uma proposta de organização em rede, que consiste na composição de estratégia, estrutura e processo, definido a partir de um arcabouço teórico pautado nas teorias de internacionalização e organização em rede. A estratégia definiu uma atuação das instituições por meio da organização em rede, com o objetivo de conectar pessoas, conhecimentos e projetos, para promover a inovação e o desenvolvimento das instituições. Para operar a estratégia e o plano estratégico, foi criada uma estrutura denominada Organização Administrativa da Rede, mediante formato de constituição por associativismo, sediada no Brasil. Os processos referem-se à operação da rede, com destaque para a gestão dos seis projetos definidos para viabilizar a estratégia.
A tese afirma que a organização em rede, por meio das possibilidades de internacionalização e mediante uma atuação cooperativa e articulada entre instituições, potencializa a missão universitária, promove sua perenidade e contribui para o alcance dos objetivos e resultados institucionais estabelecidos. Portanto, estima-se que a proposta de organização em rede, construída a partir desta investigação, com o engajamento e a validação das lideranças das instituições, tenha significativa relevância e impacto social para a educação superior marista. A proposta de doutorado foi integralmente validada pelas lideranças das universidades que compõem a Rede e implementada a partir do estudo cientificamente conduzido no doutorado.
A resolução de problemas reais que afligem instituições educacionais, em processos diversos relacionados à educação, pode por meio da pesquisa encontrar soluções e caminhos, traduzindo a pesquisa acadêmica em pesquisa aplicada aos desafios da realidade. Particularmente, ao iniciar o mestrado e o doutorado, além da consciência da necessidade de ampliar conceitos e aprofundar o tema, sempre me preocupei em entregar algo que pudesse contribuir com a sociedade, por meio de propostas práticas, aplicadas, indo ao encontro do contexto no qual estava inserido.
A contribuição das universidades com a ciência
As últimas quatro décadas, em especial, foram impactadas pela expansão da educação superior a partir de mudanças demográficas e sociais, decisões políticas e culturais, que desafiaram as instituições a romper com suas práticas, políticas e postura tradicionais. Nesse sentido, o final do século XX foi marcado por transformações rápidas e profundas, lançando o apelo para a necessidade de mudança na educação superior. E dentre os propulsores dessas transformações, há que se destacar o impacto da pandemia COVID-19 neste início de século XXI, como componente que acelerou tendências e, ao mesmo, tempo expôs fragilidades e desigualdades entre países e instituições, sobretudo, no âmbito educacional (Global University Network For Innovation, 2022; Santos, 2021).
Para Almeida (2014), o século XXI se caracteriza cada vez mais pelas transformações advindas do avanço tecnológico, o que tem contribuído para reconfigurar as relações sociais e estabelecer novas formas de estrutura organizacional, com predominância para a internacionalização e para a atuação em rede.
O desafio permanece para as universidades: fazer ciência com racionalidade verdadeira, sem perder seu fundamento humanista que sempre a caracterizou. Esse equilíbrio deve permanecer nas universidades por meio da reflexão e da autocrítica em relação à sua atuação, em contínuo alinhamento com as demandas da sociedade, sem a perda de seus valores e princípios. (Mentges & Teixeira, 2022, p. 421)
Dessa forma, as instituições de educação superior e as sociedades onde atuam, mesmo com características diferentes, passam por um momento de transformação global, em todos os contextos (Santos, 2021). A OCDE fala de uma educação sem fronteiras, em função da mundialização da economia, o que indica o importante e fundamental papel da educação superior pela sua relevância e força produtiva de impacto na socialização do conhecimento. A relevância da educação superior se manifesta no compromisso que se estabelece com a sociedade, na promoção do bem-estar da coletividade, visando ao desenvolvimento sustentável (UNESCO, 2022). Por isso, a responsabilidade social conecta-se com o modus operandi e com a identidade institucional de uma IES, perpassando desde o projeto educativo até as práticas de gestão, retroalimentando os saberes e fazeres da comunidade acadêmica (Menegat et al., 2018).
A universidade, com a missão de gerar e disseminar o conhecimento em vista do bem comum, é também impactada pelas tensões presentes na sociedade. O documento Educação Superior em tempos de transformação (Escrigas et al., 2009) analisa a inter-relação entre educação superior e o modelo de sociedade, afirmando que:
O papel que se espera das Instituições de Educação Superior hoje é resultado da inércia das recentes transformações sociais e do modelo contemporâneo de desenvolvimento, particularmente marcado pela pressão de tornar sistemas econômicos nacionais globalmente competitivos. (Escrigas et al., 2009, p. 7)
O século XXI coloca-nos diante de um conhecido dilema: de que forma, a Educação poderá contribuir para a resolução dos problemas complexos e das diferentes necessidades econômicas, culturais, políticas e sociais da sociedade? Segundo Teixeira e Audy (2016, p. 72, tradução nossa),
(…) talvez esta aspiração seja um dos grandes paradoxos do mundo contemporâneo e consista justamente em que, nos tempos da globalização ou da internacionalização de quase todas as coisas, a educação permaneça como a última utopia, certeza ou projeto para a reforma cultural, ética e cívica das sociedades.
Na esteira deste cenário, o Papa Francisco lançou, em outubro de 2020, o Pacto Educativo Global, com o objetivo de refletir sobre o compromisso da sociedade para com as novas gerações, por meio de uma educação inclusiva e do diálogo construtivo. Para ele, no momento atual, a educação é colocada à prova pela constante aceleração, especialmente tecnológica e digital, alterando de forma rápida os nossos pontos de referência. A proposta está alicerçada na centralidade da pessoa, à qual o Papa se refere como percurso de ecologia integral, em que se encontram o sujeito, suas relações e a realidade que o rodeia. O documento afirma que “Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna” (Papa Francisco, 2019). Ainda, segundo o Papa Francisco: “O mundo contemporâneo está em transformação contínua, vendo-se agitado por variadas crises. Vivemos uma mudança epocal: uma metamorfose não só cultural mas também antropológica, que gera novas linguagens e descarta, sem discernimento, os paradigmas recebidos da história.” (Papa Francisco, 2019).
O ensino superior é o locus do diálogo intergeracional e transformador e precisa atuar com força, autonomia, credibilidade e inovação para dar respostas aos contextos atuais e futuros (UNESCO, 2021). Para Maués e Guimarães (2019, p. 323), a educação superior precisa internacionalizar-se numa perspectiva “(…) que contribua no alargamento das fronteiras acadêmicas, na lógica da educação enquanto direito inalienável de todas as pessoas, buscando-se emancipação humana e social.”
Considerações finais
Ao longo de sua história, a Igreja Católica e suas instituições se constituíram como espaços de referência em educação. Hoje, mesmo mantendo força e relevância, precisa também, constantemente, reafirmar sua posição de formadora de excelência, especialmente quando falamos em educação superior. Nas palavras de Teixeira e Audy (2016, p. 69, tradução nossa):
(…) a universidade nasce no seio da Igreja de forma quase espontânea. Seus primórdios, por exemplo, remontam a uma época em que a religião dominava todas as esferas das relações sociais. Com uma tradição milenar, como o próprio nome expressa “universitas”, quer dar a entender a convergência de elementos à unidade, quer dizer, a reunião de estudiosos, intelectuais do saber.
Assim, a PUCRS, instituição comunitária e católica em que me formei, tem particular relevância e sentido para a minha vida pessoal e profissional. Sua história e trajetória, seu propósito, atuação em ensino, pesquisa e extensão a partir do posicionamento de inovação e desenvolvimento, tem contribuído na minha formação como pessoa, professor e gestor. Todo o percurso realizado favoreceu o meu desenvolvimento integral por meio de um conjunto de competências que alicerçam uma base sólida para enfrentar os desafios aos quais atualmente sou chamado. A PUCRS é minha alma mater.5
Como espaço privilegiado de geração e difusão do conhecimento, a PUCRS configura-se como uma instituição de vanguarda para a promoção da ciência no Brasil. O programa de Pós-Graduação em Educação, que vem formando gerações de professores, pesquisadores e lideranças, tem contribuído principalmente ao enfrentamento de um dos maiores desafios do Brasil no contexto atual: a educação. O programa conta com professores qualificados, uma infraestrutura de ponta e está imerso em um ecossistema de muitas possibilidades. Permeado por inúmeras estratégias de internacionalização, o programa revela-se atual e relevante frente aos desafios pelos quais passam os sistemas de educação e as suas instituições.
A PUCRS, ao selar seu posicionamento de inovação e desenvolvimento em todas as suas frentes, confere ao PPG em Educação o compromisso de geração de valor à sociedade ao discutir, aprofundar e pesquisar a temática da Educação. O programa oferece um grande contributo à sociedade, mas, ao mesmo tempo, tem como compromisso a renovação e a construção de respostas aos desafios de cada tempo.
A universidade só envelhece quando os que nela atuam acreditam que o que fazem é perfeito e que basta reproduzir o passado. O grande desafio para as universidades continua sendo a formação humana integral, com o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional. (Mentges & Teixeira, 2022, p. 420).
A pesquisa por si só tem um inestimável valor. Mas, quando aplicada aos desafios e aos problemas reais da sociedade, revela-se potente e protagonista, tornando factível sua razão de ser e existir. A pesquisa produz ciência e a ciência transforma a sociedade para melhor. Essa afirmação se traduz no título deste artigo: “Pesquisa que desenvolve pessoas, contribui para a ciência e gera impacto na sociedade”.