Introdução
Nas últimas décadas do período imperial, as autoridades educacionais entendiam haver urgência de que a escola brasileira se adequasse às novas necessidades da sociedade. A formação desenvolvida nas escolas primárias de então era insuficiente, centrada em um ensino abstrato, baseado na memória e que valorizava mais a repetição do que a compreensão dos objetos estudados. Repensar os conteúdos escolares e métodos de ensino era considerado elemento essencial diante da situação apresentada.
Rui Barbosa1, em 1883, apresentou então um projeto à Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro e destacou que se tornava necessário repudiar tudo o que existia, a fim de reorganizar os programas e o método de ensino. Para ele, esse projeto atendia às necessidades do povo, ou seja, tinha como objetivo formar cidadãos úteis à Pátria e, para isso, a escola teria que preparar a criança para a vida em sociedade (MACHADO, 2005).
O ensino de Ciências Físicas e Naturais, Língua Materna e Gramática, Matemática Elementar e Taquimetria, Geografia e Cosmografia, História, Economia Política, Cultura Moral e Cívica, Desenho, Ginástica, Música e Canto foi tratado com detalhes no projeto de Rui Barbosa. Quanto ao método, a indicação era o intuitivo, considerado por ele como um método natural, em que “começa o homem por se utilizar dos sentidos, emprega depois a memória; em seguida o entendimento; por último, o juízo” (BARBOSA, 1946, p. 203).
O primeiro documento a estabelecer um regulamento para a instrução pública no estado do Paraná, nos anos iniciais da República, foi o Decreto nº 31, de 29 de janeiro de 1890, que promulgou determinações para o ensino primário, o Instituto Paranaense e a Escola Normal. Em relação ao ensino primário, esse decreto definia que o modo de ensino nas aulas de instrução primária elementar deveria ser o misto ou simultâneo mútuo2, com a adesão ao método intuitivo.
No Regimento Interno das Escolas Públicas do Estado do Paraná de 1903, a indicação de que o ensino primário fosse intuitivo aparece de forma mais detalhada no Decreto nº 263, de 22 de outubro de 1903, art. 3º:
O processo de ensino deve ser intuitivo, visando-se desenvolver no alumno a faculdade da observação, habituando-o a pensar por si mesmo. Exercitando-se-lhe a memória, cumpre evitar que ele decore automaticamente, como papagaio; transmita-se-lhe a idéa, para ele produzir por suas próprias palavras, quando possível, sem se escravizar ás palavras do livro [sic passim]. (PARANÁ, 1903).
Também era determinado que as lições devessem “ser mais praticas e concretas que theoricas e abstractas, promovendo-se gradualmente o desenvolvimento das faculdades infantis” (PARANÁ, 1903, art. 4º). Os programas apresentados indicavam uma perspectiva de ensino experimental, por meio de lições de coisas3, exercícios manuais, desenho, compreendida como uma modernização dos processos pedagógicos realizados na escola primária. As observações sobre método de ensino apresentadas pelos primeiros regulamentos no século XX e pelos relatos de professores do estado do Paraná indicam de forma explícita a necessidade do uso do método intuitivo.
No que se refere às matemáticas elementares, Rui Barbosa (1946, p. 288) acrescentou que “é igualmente pelos métodos concretos que se deve professar, na escola primária, este ramo dos conhecimentos humanos”. Recomendava que, nos primeiros anos, a Matemática fosse iniciada por meio do uso de materiais e construções gráficas, de forma concreta e intuitiva.
Para a adoção do método intuitivo, a observação e os objetos foram considerados elementos essenciais no auxílio à passagem das percepções às ideias (VALDEMARIN, 2004). As lições deveriam partir dos objetos familiares à criança: o conhecimento do mundo material era derivado dos sentidos e, dessa forma, a escola teria que colocar as crianças em contato com os objetos. Para a apreensão do mundo sensível, deveria desenvolver atividades de exploração da forma, das características, das propriedades e das utilidades desses objetos.
Para Valdemarin (2004, p. 117), os objetos conseguiram adquirir tamanha importância na proposição do método de ensino intuitivo em razão do momento em que estavam sendo produzidos e comercializados, vistos à época como símbolos da civilização moderna, em tal proporção que “o elemento pedagógico mais significativo aqui introduzido são os objetos didáticos: eles são para o método intuitivo aquilo que os fenômenos e as leis naturais são para a teoria empirista”.
Gisele de Souza (2007) analisou as finalidades e os sentidos que os espaços e a mobília adquiriram na organização pedagógica dos estabelecimentos primários paranaenses no decorrer dos anos de 1910, constatando que a intensidade nos discursos e propósitos das autoridades de ensino caminhavam no sentido de que “a instrução pública deveria integrar-se ao projeto de renovação dos costumes e da instauração de uma vida que se voltasse à ordem e ao progresso da sociedade republicana” (SOUZA, G., 2007, p. 63). A pesquisadora verificou certo esforço das autoridades em viabilizar essa necessidade da sociedade. Para isso, foram levadas a efeito algumas ações, como o envio de professores para outras cidades, com a intenção de estudar propostas diferenciadas e levar inovações para terras paranaenses, bem como a organização de um almoxarifado, cujo objetivo era receber, emprestar e consertar materiais escolares. Porém, ao analisar relatórios de inspetores de ensino, a autora constatou a precariedade e a dificuldade que a instrução pública apresentava naquele período, deixando evidentes os obstáculos à consolidação do projeto de renovação pedagógica.
Com o objetivo de enfatizar a importância do estudo dos materiais escolares na análise da cultura escolar4, Viñao Frago (2008, p. 29) refere que “a Cultura Escolar não somente se compõe de formas de pensar e fazer institucionalizadas, de rituais, cerimônias e modos de representação e organização social, mas também de elementos extrassomáticos de caráter material”. Para o pesquisador, há uma cultura material das instituições escolares, formada pela disposição de diversas materialidades. Nesse sentido, será dada atenção especial aos objetos de sala de aula produzidos fora do ambiente escolar (livros, figuras geométricas, cartazes ilustrativos, etc.), assim como aos que são adquiridos e usados pelos alunos na instituição como suporte às suas atividades (cadernos escolares e correspondentes exercícios, desenhos e trabalhos de alunos, etc.) e aos relatórios de instrução pública, à legislação educacional e a uma revista. Também será utilizada a produção audiovisual, em especial a fotografia, indicada por Vinão Frago (2008) como um artefato que pode oferecer importantes vestígios sobre a cultura escolar.
Dessa forma, o presente texto tem como finalidade analisar a apropriação e o uso de objetos de ensino nas propostas de renovação da escola primária paranaense durante a Primeira República, tendo como referência os objetos que foram introduzidos, usados e considerados como relevantes para a modernização do ensino. Assim, a análise recai sobre os artefatos materiais que possam de alguma forma estar relacionados ao ensino da Matemática, os quais, possivelmente, foram utilizados por professores e alunos em ambiente escolar.
Conforme aponta Meneses (1998, p. 91), “os traços materialmente inscritos nos artefatos orientam leituras que permitem inferências diretas e imediatas sobre um sem-número de esferas de fenômenos”. Para a realização das inferências, há necessidade de uma lógica retórica, de um suporte de informação externa ao objeto. Para o autor, deve-se entender os artefatos na interação social, sendo necessário analisar esses objetos “em situação, nas diversas modalidades e efeitos das apropriações de que foram parte” (MENESES, 1998, p. 92).
Em consonância com essas ideias, procurou-se desenvolver uma investigação voltada ao conceito de apropriação, no sentido de estudar como se deram, na prática, os usos e as interpretações de materiais que procuravam auxiliar o ensino da Matemática. Para Chartier (1990), o historiador tem como objetivo reencontrar as representações antigas sem se deixar influenciar pelo seu pensamento atual, pois cada época apresenta-se de forma diferenciada. Torna-se necessário, portanto, verificar de onde partem essas representações e a partir de que lugar esses discursos são desenvolvidos, visto que as diferentes formas de interpretação reveladas explicitam as apropriações que cada um faz daquilo que lhe é apresentado.
O livro como elemento de renovação pedagógica
O livro didático é um importante material para o estudo da cultura escolar, pois, como afirma Chopin (2002), nos livros estão depositados os conteúdos educativos, e eles têm o papel de transmitir às jovens gerações os saberes e as habilidades considerados como indispensáveis à sociedade de determinada época. Além disso, também é tido como um instrumento pedagógico, na medida em que apresenta métodos e técnicas de aprendizagem.
Durante as duas primeiras décadas do século XX, foram oficialmente recomendados alguns livros relativos aos saberes matemáticos para o ensino primário no estado do Paraná. O Regimento Interno das Escolas Públicas (1903), o Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná (1907a) e o Programa de Ensino e sua Execução nos Institutos Públicos do Ensino Primário (1916) apresentam indicações de livros de Aritmética, Geometria e Desenho, dentre outras matérias.
Para o ensino da Aritmética, indicavam-se os livros Arithmetica Elementar e Arithmetica Progressiva, de Antonio Trajano, substituídos posteriormente por Arithmetica, de Souza Lobo. Para os saberes geométricos, a indicação inicial era somente Geometria Pratica, de Olavo Freire; na última indicação foi acrescentado o livro Desenho Linear, de Abilio Cesar Borges, e os cadernos da coleção Discípulo Parisiense, para a matéria de Desenho.
Os livros de Aritmética, Geometria e Desenho indicados para o estado do Paraná estavam em consonância com os que eram utilizados em outros estados brasileiros e, de certa forma, procuravam imprimir o método do ensino intuitivo em suas propostas, conforme relatam as pesquisas de Oliveira, Mesquita e Nascimento (2015) 5, Trinchão (2007) 6, Leme da Silva (2010) 7 e Pais (2011) 8.
Mesmo diante das indicações, o uso dos livros didáticos nas escolas apresentava muitas dificuldades. Cesar Pietro Martinez, Inspetor Geral do Ensino, mostrava a sua insatisfação quanto à falta de uniformidade na adoção desses materiais:
Em uma mesma escola cada alumno tinha um livro differente, razão porque não podia haver leitura collectiva. Apezar das medidas que puzemos em pratica para sanar essa falta, muitas escolas ainda se encontram no mesmo lamentável estado de verdadeira anarchia didactica. (PARANÁ, 1920, p. 13).
No entanto, é possível verificar as tentativas realizadas pelo governo com o objetivo de fazer com que os livros relacionados aos saberes matemáticos fossem adotados pelas escolas primárias. Para Valente (2008), o desenvolvimento da Matemática escolar pode ser lido nos livros didáticos. Também para ele, “a dependência de um curso de matemática aos livros didáticos ocorreu desde as primeiras aulas que deram origem à matemática hoje ensinada na escola” (VALENTE, 2008, p. 141).
Todavia, as novas propostas paranaenses na década de 1920 não indicavam as obras da área de Matemática, e a ênfase das sugestões estava nos livros de leitura, história e civismo. Segundo Razzini (2011), no estado de São Paulo, já na primeira década do século XX, ficou estabelecido que somente os livros de leitura deveriam ser destinados ao uso dos alunos. Sendo assim, o governo não precisava fornecer livros didáticos das outras matérias, as quais ficavam sob a responsabilidade da explicação dos professores.
A dificuldade enfrentada no uso e na uniformização de livros didáticos para várias matérias, a concepção de que os livros não seriam necessários aos alunos e a importância que se passou a atribuir à leitura, que se fortalecia nas primeiras décadas da República, são fatores que podem ter influenciado a instrução pública quanto à mudança na concepção sobre os tipos de livros que seriam indicados para as escolas primárias paranaenses. Dessa forma, diante das necessidades do contexto, livros da área de Geometria, Desenho e Aritmética deixaram de ser indicados na década de 1920.
Os registros realizados: entre lousas, folhas e cadernos
O uso do quadro-negro como um dispositivo do professor e do aluno pode ser observado já na época do Império; e no plano de divisão de estudos para a Província do Paraná, no ano de 1856, proposto pelo Inspetor Geral da Instrução Pública, Joaquim Ignácio Silveira da Motta. No art. 2º, consta que, na primeira classe, todos os alunos deveriam conhecer os números e que os meninos fariam linhas retas e curvas sobre o quadro-negro, ao passo que, na segunda classe, eles começariam a fazer traços finos e grossos sobre o papel. Nesse plano de estudos, o professor teria meia hora para realizar as explicações das lições de Aritmética e Geometria prática no quadro-negro (PARANÁ, 1856).
Quanto ao uso do quadro-negro no século XIX, esta prática vai se tornando mais evidente à medida que passa a ocupar um espaço central na sala de aula e a possibilitar, ao professor, a prática do ensino simultâneo. O quadro-negro para o professor e a lousa (ardósia) para os alunos permitia o desenvolvimento de lições de leitura e escrita, sendo um meio eficaz para ensinar, em pouco tempo, os alunos a ler e escrever (BASTOS, 2005). Além do quadro-negro, tem-se o uso do papel para a realização de desenho no ensino paranaense, antes do período republicano.
No início do século XX, pode-se verificar que o uso do quadro-negro para a realização de atividades dos alunos apresenta-se de forma marcante, como se verifica no relatório9 elaborado pela professora Antonia Reginato, da escola pública promíscua10, situada na Rua Barão do Serro Azul, na cidade de Curitiba. A professora explica que os alunos “esforçam-se por reproduzir nas lousas os caracteres numéricos e alphabeticos que lhe são indicados” (REGINATO, 1906, p. 58). Ela também relata que eles copiavam os livros de leitura, as operações de Aritmética e as principais figuras de Geometria nas lousas ou cadernos. Dessa forma, há evidências de que o uso da lousa e do caderno ocorria de forma concomitante nessa escola.
Em relatório apresentado pelo Delegado Fiscal da 1ª Circunscrição Escolar, Dr. Laurentino de Azambuja, ao Diretor Geral de Instrução Pública, Dr. Artthur Pedreira de Cerqueira, é evidenciado que a dificuldde de materiais para o ensino dificultaria a aprendizagem dos alunos, visto que “devido à economia e muitas vezes à falta de recursos, os pais concorrem para o atrazo intellectual de seus filhos, permitindo-lhes a prolongada repetição dos mesmos exercicios de leitura, a escripta em ardosias por falta de cadernos apropriados” (PARANÁ, 1907b, p. 59). Azambuja acrescenta que algumas professoras, com o objetivo de fazer com que seus alunos tivessem progresso no ensino, acabavam por adquirir livros e demais objetos escolares para distribuir entre os alunos mais pobres, o que prejudicava seus “parcos vencimentos”.
Diante das precárias condições, eram comuns as solicitações de livros e de outros objetos escolares ao longo das primeiras décadas republicanas, o que fazia com que a instrução pública fosse ampliando o investimento para distribuição de materiais aos estabelecimentos de ensino. É o que se pode perceber no Relatório de 1921, realizado pelo Inspetor Geral de Ensino, Cesar Prieto Martinez, no qual é apresentada uma relação do material fornecido pelo almoxarifado às escolas do estado. Entre outros objetos, há 171 quadros-negros, 455 caixas de giz, 6.779 canetas, 10.432 lápis para papel, 5.193 lápis para lousas, 192 caixas de penas, 243 apagadores, 11.575 cadernos de linguagem, 11.667 cadernos de caligrafia, 11.124 cadernos de papel almaço e 1.331 lousas. Verifica-se que tanto os cadernos quanto as lousas e os quadros-negros eram materiais distribuídos às escolas do estado.
O caderno torna-se um importante material nas escolas durante as primeiras décadas republicanas. Herbrard (2001) diz que, apesar de haver registros do uso de cadernos em tempos anteriores, uma vez que durante o século XVI há referências ao caderno escolar, denominado como livro branco no Ratio Studioru, é somente na metade do século XIX que eles começam a fazer parte do ambiente escolar de forma mais sistematizada. Segundo Viñao Frago (2008, p. 22), “o caderno é um produto da cultura escolar, de uma forma determinada de organizar o trabalho em sala de aula, de ensinar e aprender, de introduzir os alunos no mundo dos saberes acadêmicos e dos ritmos, regras e pautas escolares”.
O uso dos cadernos, além das questões pedagógicas, apresenta também a finalidade de controle, conforme se pode observar neste trecho do Relatório de Prieto Martinez:
Em muitos grupos do Estado, felizmente, já se vae seguindo a verdadeira orientação: collecionam-se os cadernos de calligraphia, os de dictado, as composições, as sabatinas e até os cálculos e problemas. Encerradas as aulas, cada alumno recebe o que é seu, podendo neste caso, os Paes fazer um juízo do aproveitamento alcançado no decorrer do anno lectivo. (PARANA, 1922, p. 27-28).
Os cadernos são usados pelos pais para verificar as atividades desenvolvidas pela criança, uma vez que refletem a dinâmica da sala de aula. Nesse contexto, os exercícios de Matemática tiveram um destaque especial com as atividades de língua portuguesa. Como exemplo, tem-se o caderno do ano de 1926, que pertencia a Aymo Perotti, do Colégio Duilio Calderari11. Esse caderno foi fabricado e vendido pela Livraria Mundial12 que enaltecia o seu produto ao dizer que, “devido ao capricho da confecção e superioridade do material empregado, os cadernos fabricados pela Livraria Mundial têm a melhor aceitação por parte dos pequenos consumidores, sendo extraordinária a venda dos mesmos” (PEROTTI, 1926, capa).
No caderno de Aymo, há várias atividades de gramática, com análises dos elementos que compõem as frases, tais como sujeito, predicado, pronome, objeto direto e indireto, e também de conjugação verbal. Intercaladas com as atividades de gramática, há 24 atividades de Geometria sobre cálculo de áreas, volumes e transformações de unidades de medidas e dois exercícios de cálculo de raiz quadrada.
Além do controle pelos pais, o caderno também possibilitava o controle por parte dos diretores e inspetores de ensino, com o objetivo de analisar e também supervisionar o trabalho realizado pelo professor. Como exemplo dessa versão, tem-se o caderno13 de Janina de Souza, do ano de 1915, da Escola Primária Complementar de Paranaguá14. Na capa do caderno, encontra-se escrito “este caderno destina-se a receber os deveres mensais para a duração do curso completo” (SOUZA, J., 1915). Trata-se de um caderno de deveres mensais ou caderno de comprovação, imposto na França, por Jules Ferry, em 1882, no qual cada aluno deveria realizar o primeiro dever de cada mês em ordem de estudo. Esse caderno deveria ser conservado ao longo de toda a escolaridade do estudante e guardado na escola, a fim de se poder apreciar os progressos do aluno de ano a ano (VIÑAO FRAGO, 2008). Nele, há várias lições das matérias de Aritmética, Português, Francês, História do Brasil, Geometria, Química, Física, Botânica e Caligrafia.
Por meio da análise comparativa entre os dois cadernos dos alunos referenciados, verifica-se a existência de atividades relacionadas à memorização de conhecimentos geométricos, ao treino da capacidade de escrever textos, à realização de desenhos à mão livre e aos problemas de taquimetria15. Era evidente a preocupação em fazer com que o ensino da Matemática se tornasse parte da educação popular, que pudesse auxiliar na formação dos profissionais de que a nação necessitava e que dialogasse com a pedagogia intuitiva e as lições de coisas (CAMARA, 2017). Propostas estas que estavam sendo intensamente discutidas no contexto em questão e que eram essenciais para a renovação pedagógica brasileira. Com relação aos saberes matemáticos, eles puderam de alguma forma ser postos em prática em escolas do Paraná por meio do uso dos cadernos de alunos.
Com o aumento do número de escolas e a escassez de professores, eram frequentes as observações dos subinspetores quanto aos métodos e aos usos dos materiais didáticos nas escolas dos lugares mais distantes dos grandes centros. O subinspetor Levy Saldanha fez a seguinte observação em relatório enviado ao inspetor Cesar Martinez
Os trabalhos escriptos, mesmo para os da segunda série, eram feitos pelo senhor professor, a lápis, e constavam de uma sentença que a classe limitava-se a cobrir a tinta. Recommendei-lhe os cadernos de Vianna, cadernos para cópias e lousas para as operações de Arithmetica e mesmo para os exercícios escriptos dos mais atrasados. (PARANÁ, 1924, p. 136).
Para auxiliar na superação das dificuldades metodológicas apresentadas pelo professor, Saldanha sugere o uso de cadernos para cópias e das lousas para as atividades de Aritmética, além dos cadernos de Vianna. Dessa forma, verifica-se que os alunos paranaenses continuaram usando a ardósia nas salas de aula para o estudo de saberes matemáticos, pelo menos até meados da década de 1920.
O uso da lousa para a realização dos cálculos aritméticos visava ao treino para a realização das contas, uma vez que o aluno poderia apagá-las e refazê-las com mais facilidade e empregando material de menor custo. Aos poucos, a lousa individual vai sendo substituída por papel e caderno. Segundo Vidal e Esteves (2003), a retirada das lousas de alunos ocorre com o crescimento da produção de papel nos anos de 1920, especialmente nas capitais, enquanto no interior do estado de São Paulo esse tipo de lousa foi utilizado até a década de 1940.
Os objetos específicos para o ensino de saberes matemáticos
A dificuldade de aquisição dos materiais necessários ao ensino era tema constante de correspondências e relatórios encaminhados pelas escolas à diretoria de ensino. Ao se analisarem as várias solicitações presentes nos documentos do Arquivo Público do Paraná e nos Relatórios de Governo, constatou-se que a maioria delas trata de materiais de primeiras necessidades para o ensino, como o livro de leitura. Tratam também da falta de elementos essenciais para a saúde dos alunos, tais como talhas e canecas para todas as salas, para evitar que as crianças colocassem a boca na torneira, conforme solicitado pela diretora do Grupo Escolar de Pirahy, Isaura Torrez Cruz (PARANÁ, 1928b).
Faltando materiais tão primordiais para o bom andamento das escolas, fica então a pergunta: e quanto aos materiais específicos para o ensino da Matemática? Estavam presentes nessas escolas, eram solicitados? Os relatórios apresentados ao Diretor Geral do Ensino, Hostílio Cesar de Souza Araújo, no ano de 1928, podem oferecer mais alguns vestígios para a presente análise. As escolas prestavam contas do material existente no estabelecimento, comunicando a espécie e a quantidade por meio de um formulário pré-organizado, conforme a figura a seguir.
Na análise de relatórios do ano de 1928, de 34 escolas, com relação aos objetos utilizados diretamente para o ensino, verifica-se que os quadros-negros, os mapas e os livros são os materiais em maior quantidade. A maioria das escolas, mesmo que de forma deficitária, possuía esses objetos. Esse resultado parece estar em consonância com o que ocorreu no estado de São Paulo, pois, segundo Rosa Fátima de Souza (2013, p. 107), após as discussões iniciais da Pedagogia Moderna, o que prevaleceu nas escolas foi “o uso sistemático das cartilhas e livros de leitura e as lições rotineiras empregando o quadro-negro e giz, cadernos e lápis. Na maioria das escolas, os objetos de ensino mais comumente encontrados continuaram a ser os mapas e cartazes”.
Entre os materiais listados e que estão mais diretamente relacionados aos saberes matemáticos propriamente ditos, há contadores, mapas de Parker, mapas decimais, sólidos geométricos, réguas e compasso. Constata-se que os mapas de Parker eram materiais presentes na maioria das escolas, e os mapas decimais e os sólidos geométricos achavam-se em aproximadamente metade delas, enquanto os contadores, a régua e o compasso eram objetos que poucas relatavam possuir16.
Roberto Emilio Mongruel17, então diretor da Escola Normal Primária de Ponta Grossa, em um detalhado relatório apresentado ao Diretor Geral do Ensino, Hostilio Cesar de Souza Araujo, no ano de 1928, permite que se façam mais algumas análises quanto à materialidade presente no ambiente escolar. Mongruel (1928a) critica o programa dos grupos escolares do ano de 1921, dizendo tratar-se de um “resumo de incongruências”. Segue alertando para o fato de que o ensino das escolas é teórico e que “esse conhecimento todo abstracto que se da aos alunos ao envez de preparal-os para a vida, dando-lhes aptidões, desenvolvimento physico, aperfeiçoar-lhes o talento, o raciocínio, a memoria – é, pelo contrario; um processo pernicioso” (PARANÁ, 1928a, p. 17).
No referido relatório, são apresentadas algumas fotografias de espaços e situações que envolviam o contexto da Escola Normal e da Escola de Aplicação de Ponta Grossa. A fotografia é aqui considerada como uma importante fonte de auxílio na elaboração do conhecimento histórico, pois “compõe, juntamente com outros tipos de texto de caráter verbal e não verbal, a textualidade de uma determinada época” (MAUAD, 1996, p. 10). O historiador que utiliza esse tipo de fonte deve empregar um sentido próprio, relacionado à problemática de pesquisa e à construção de seu objeto de estudo, ficando atento ao fato de que “A imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas.” (MAUAD, 1996, p. 10). Dessa forma, procurou-se utilizar a fotografia como fonte histórica, de maneira a ultrapassar seu simples aspecto ilustrativo, com vistas a resgatar o contexto histórico em que foram produzidas e as diferentes visões de mundo dos sujeitos envolvidos.
Na Figura 2, a seguir, coloca-se em cena uma turma do 4º ano da Escola de Aplicação da Escola Normal de Ponta Grossa. A composição das pessoas que estão na sala de aula indica que, possivelmente, trata-se de um exame de Geometria18.
Analisando-se a imagem, visualiza-se um aluno segurando um compasso, que parece estar desenhando um polígono por meio de uma construção geométrica. Trata-se do conteúdo de inscrição de polígonos. Essa figura oferece um importante indício do uso de instrumento de desenho e da presença de conteúdos de construção geométrica no ensino primário no estado do Paraná, o que corrobora a intenção para esse trabalho pautar-se na “proposta de um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre dados marginais, considerados reveladores” (GINZBURG, 2007, p. 149).
Em terras paulistas, o uso de instrumentos no ensino primário foi confirmado por Rosa Fátima de Souza (2009) em seu livro, Alicerces da Pátria, por ocasião de um exame de Geometria do 3º ano do Grupo Escolar Antonio Padilha, de 1896, na cidade de Sorocaba, estado de São Paulo. O problema “Traçar a bissetriz de um ângulo ou dividi-lo em duas partes iguais” é dado pela professora A. P. Ourique de Carvalho para a aluna Dorvalina de Moraes Rosa, que responde corretamente à questão.
O uso de régua e compasso torna-se imprescindível para o cumprimento do programa primário paranaense. Verifica-se que a ampliação dos materiais nas escolas primárias não é resultado somente das novas metodologias mas também da reestruturação das propostas dos programas de ensino. No programa para o ensino primário do estado do Paraná no ano de 1921, constata-se que muitos conteúdos de construção geométrica fazem parte da proposta. A construção com régua e compasso é iniciada no 3º ano, e o conteúdo sobre a construção de polígonos inscritos na circunferência é apresentado no 4º ano do ensino primário.
As observações realizadas no relatório de Mongruel indicam que o uso desses instrumentos para a matéria de Geometria seria sinônimo de ensino prático e intuitivo. Essa forma de pensar o ensino de Geometria também foi constatada por Leme da Silva e Valente (2014), ao analisarem o modelo de organização escolar criado pelos grupos escolares paulistas nas primeiras décadas republicanas.
É possível pensar que a presença das construções geométricas, em alguma medida, representa uma forma de apropriar-se das orientações de que o ensino deva ser prático. E, desse modo, praticar a geometria levaria à conclusão da necessidade de utilização de instrumentos na construção de figuras. (LEME DA SILVA; VALENTE, 2014, p. 64).
Além dos objetos para as construções de figuras, os sólidos geométricos também se tornaram importantes dispositivos para o ensino. Oswaldo Pilotto (1926), professor da matéria de Metodologia da Geometria na Escola Normal de Curitiba, afirmava que o ensino da Geometria deveria partir do estudo dos sólidos. Para isso, dizia ser necessário que “cada escola tenha coleções completas de solidos geometricos feitos de madeira, cartão etc., muitos dos quaes podem ser feitos pelos proprios alunos” (PILOTTO, 1926, p. 10). O estudo dos corpos não deveria ser teórico nem demonstrativo, mas desenvolvido de forma experimental e intuitiva. Para tanto, os sólidos geométricos tornaram-se imprescindíveis tanto para o ensino de Geometria quanto para o ensino do Desenho.
Na intenção de abordar a Geometria partindo dos sólidos, primeiramente o cubo deveria ser apresentado e, a partir dele, seriam desenvolvidas as noções de plano, aresta, vértice, superfície, ângulo e ponto. Ao se apresentar a esfera, poderiam ser operadas as noções de superfície curva e linha curva; no estudo do prisma, seria dada a noção de retângulo; para o cilindro, as noções de circunferência e círculo; e com a pirâmide, seria explorada a noção de triângulo. Além do método intuitivo, fica clara a intenção de Pilotto com relação ao uso do método analítico, do todo para as partes, para o ensino da Geometria.
A discussão sobre o método analítico ampliou-se na década de 1920, com Cesar Pietro Martinez19, Inspetor Geral do Ensino.
Quem ensina a ler pelo método analytico, segue caminho idêntico em relação a linguagem, calligraphia, a arithmetica, a geografia, a historia, ao desenho. Si, de facto, for o educador conhecedor das bases fundamentais do methodo, tornara o ensino variado, de anno para anno, de lição para lição, acrescentando, suprimindo, substituindo, inovando em summa; de maneira a lucrar não somente o aluno, mas o próprio professor que se compraz em dar uma feição variada e, portanto, mais sympathica às suas lições. (PARANÁ, 1924, p. 19).
Percebe-se a preocupação com relação à aplicação do método analítico para a alfabetização das crianças e também para o ensino de outras disciplinas escolares. Para o ensino da Geometria, por meio do método analítico, a sugestão era partir do estudo dos sólidos e depois para o das figuras planas, retas e circunferências, conforme orienta Oswaldo Pilotto.
Em uma nota fiscal da Livraria Mundial, endereçada à Inspetoria Geral do Ensino do Paraná, há o registro da compra de um jogo geométrico de madeira no dia 12 de agosto de 1927. As formas geométricas feitas em madeira eram comuns, em razão da abundância desse material em nosso país. Porém, também havia sólidos confeccionados em gesso, conforme indicam as imagens da sala de aula de Desenho da Escola Normal de Curitiba.
Na análise da fotografia, verifica-se que, além dos sólidos geométricos, vários outros objetos do cotidiano eram utilizados como moldes para a realização dos desenhos. Os quadros-negros, com a presença dos quadriculados, nas paredes da sala, também são elementos importantes e que muito podem dizer sobre o processo de ensino. Um possível método utilizado nessa sala de aula é o desenho à vista (de redução/ampliação ou em escala natural), sem o uso de instrumentos, que, segundo Trinchão (2008), é realizado com o emprego dos quadros parietais: o quadro preto (negro) para o professor e, para os alunos, os quadros ou papéis demarcados por estigmas (pontos), formados pelo cruzamento de uma rede de linhas horizontais e verticais.
O ensino de Desenho no início da República não tinha a pretensão de formar artistas ou industriais. Seu objetivo era desenvolver a faculdade da observação e, ao mesmo tempo, um modo de operação caligráfica com elementos do mundo real, entendendo o Desenho como um tipo de escrita e também despertando o gosto pelo belo desde a infância. Assim, “através da educação do olho e da mão, o desenho seria um facilitador tanto da escrita quanto da atuação profissional do educador, ao tornar as lições mais claras e facilitar o estudo das outras matérias” (TRINCHÃO, 2008, p. 458). Além de ser visto como uma linguagem útil para a formação profissional (arquiteto, escultor, mecânico e técnico), era também considerado como objeto de ensino voltado à educação dos sentidos por meio da observação e do registro.
Além das matérias de Geometria e Desenho, que proporcionavam saberes matemáticos para o ensino primário, havia a matéria de Aritmética, que apresentava outro material muito utilizado pelas escolas do estado: as Cartas de Parker20. No Relatório da Instrução Pública do ano de 1917, o Sr. João Miró, responsável pelo almoxarifado, informa o registro de objetos recebidos naquele ano, entres quais havia um total de 16 coleções de Cartas de Parker. Segundo Portela (2014), os primeiros registros da presença dessas Cartas no estado do Paraná datam desse relatório. A pesquisadora também constatou a presença do material em outros relatórios de governo e encontrou vestígios de seu uso até a década de 1950.
Valente (2010) observa que a ênfase na necessidade do ensino intuitivo acaba construindo uma representação negativa sobre o passado do ensino da Aritmética. Dessa forma, “as propostas sobre o ensino da matemática, defendidas pelos reformadores da instrução pública paulista, têm no nome de Parker uma garantia de mudança, de ruptura com o modelo considerado ultrapassado” (VALENTE, 2010, p. 79). A utilização das Cartas de Parker estaria relacionada à orientação das práticas dos professores, pois funcionava como algo parecido com um estudo dirigido, trazendo uma organização diferente da prática consagrada de decorar tabuadas: “cada uma delas tem uma forma própria com objetivos definidos para o ensino e a aprendizagem” (VALENTE, 2010, p. 80).
Joaquim Meneleu de Almeida Torrez, professor da Escola Normal Primária de Ponta Grossa (PR), participou da I Conferência Nacional de Educação, que foi realizada no ano de 1927, na cidade de Curitiba. Ele apresentou a tese de número 30, intitulada Qual o processo mais eficaz para o ensino da Arithmetica no primeiro ano do curso preliminar?, a qual teve como tema central os meios que o professor deveria utilizar para ensinar os rudimentos da Aritmética no primeiro ano primário. Torrez (1927, p. 168) evidencia o papel do professor e do aluno, o material didático, o método e o processo que deveriam ser utilizados, indicando o método intuitivo como o ideal.
A princípio é necessária uma grande variedade de objetos para o ensino objetivo desta disciplina: palitos, tabuinhas, tornos, esferas, moedas, frutas diversas, réguas, etc. No aprendizado dos números, torna-se também muito útil o emprego dos cartões com formas geométricas. [...] Devem existir ainda, na sala, réguas graduadas e, se possível for, uma coleção de pesos e uma balança. Um mapa de Parker é também indispensável para auxiliar as lições: primeiro com os quadros ilustrativos; depois com os numéricos. Lápis e papel são, porém, os materiais principais do aluno; são como as ferramentas do pequeno operário, que aprimora o espírito nessa oficina que é a escola.
O uso do ensino intuitivo para as lições de Aritmética fez com que se tornassem necessários muitos objetos no meio escolar, conforme apresenta a tese do professor Torrez. Entre os vários materiais, há os Mapas de Parker, tidos como elementos indispensáveis para auxiliar nas lições, recomendando-se que se utilizassem primeiro os quadros ilustrativos e depois os numéricos. Esse material estabelecia uma ordem para o ensino dos números, incluía o uso de objetos da realidade das crianças, tais como seixos, canetas, tornos e livros para serem manuseados. O ensino era iniciado com a apresentação dos números, com gravuras, e seguia até a realização de cálculos, em um passo a passo com rigor e disciplinamento.
Outro material elencado na lista do Relatório de 1928 e que está relacionado aos saberes aritméticos é o contador. Pais (2011) relata que na Primeira Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, no ano de 1883, há referências sobre o uso do contador mecânico, determinando que este deveria ser usado para a realização de exercícios de numeração por meio do método intuitivo. “ao que tudo indica, trata-se dos ábacos em seus diversos modelos e variantes” (PAIS, 2011, p. 3).
Na revista A Eschola Pública, de 1896, há um artigo de Isabel de Castro sobre o uso do contador mecânico. Nele, a autora refere que o contador é indispensável para o ensino no 1º ano primário, pois é de fácil compreensão e apresenta uma boa linguagem. Também afirma tratar-se de um aparelho com que os alunos podem aprender a contar até 100 e a realizar as quatro operações. Castro (1896) acrescenta que o material seria dispensável para o 2º ano.
Apesar de poucas escolas paranaenses relatarem possuir contadores no ano de 1928, há vestígios de sua possível apropriação e de seu uso (CHATIER, 1990) no início do século XX e relatos sobre a dificuldade que tinham em possuir esse tipo de material. A professora Antonia Reginato observa, em Relatório do ano de 1906, que, pelo fato de o ensino da Aritmética elementar ser intuitivo, ela sentia a necessidade de um contador mecânico. Segue explicando que os aparelhos haviam sido inventados para que as crianças compreendessem os princípios e as operações e que seriam muito úteis principalmente para o começo do estudo. A professora justifica que não estava exigindo os tais aparelhos e que tampouco seria seu direito fazê-lo, até porque suas colegas sofriam da mesma necessidade.
As palavras da professora Antonia (1906) confirmam o artigo de Castro (1886) no tocante à opinião de que o contador mecânico era um material de ensino dos saberes aritméticos, utilizado para explorar os aspectos intuitivos envolvidos na numeração e nas quatro operações, isto é, um material facilitador para realizar cálculos elementares, indicados aos anos iniciais escolares.
Algumas Considerações
Compreende-se que os variados objetos presentes na organização da instrução pública primária paranaense são importantes elementos para investigação da História da Educação, em especial neste texto, no que tange ao ensino dos saberes matemáticos. Por meio da discussão sobre essa materialidade, podem-se compreender elementos importantes da cultura escolar na perspectiva de seus usos e apropriações. Nesse sentido, quais saberes, práticas e concepções pedagógicas podem ser percebidos nos elementos da realidade escolar paranaense aqui apresentados?
Foi possível verificar as tentativas de uniformização dos livros de Aritmética, Geometria e Desenho durante as duas primeiras décadas do século XX. No entanto, em razão das dificuldades apresentadas, os livros sobre saberes matemáticos deixaram de ser indicados nas listagens apresentadas na década de 1920. O uso do quadro-negro pelo professor e da ardósia pelo aluno foram essenciais para a realização dos cálculos aritméticos e dos desenhos de figuras geométricas desde o início do período republicano. Os cadernos para a realização de lições de Geometria e Aritmética estavam presentes nas escolas paranaenses durante o período analisado, porém, devido às dificuldades financeiras, tanto dos alunos quanto da instrução pública, o uso da ardósia ainda se manteve na década de 1920.
Nos relatórios apresentados pelas escolas, constata-se que quadros-negros, mapas e livros eram os materiais didáticos mais presentes nas escolas. Os objetos diretamente relacionados aos saberes matemáticos também estavam presentes no ambiente escolar, porém em menor quantidade, com exceção dos mapas de Parker, que podiam ser encontrados na maioria das escolas. O uso dos contadores e, principalmente, das Cartas de Parker teve como grande objetivo auxiliar as mudanças nos métodos e conteúdos da Aritmética escolar. Tal uso, associado ao ensino intuitivo e às lições de coisas, foi considerado uma proposta moderna, capaz de reverter a ineficiência escolar. O ensino com o uso de instrumentos de desenho e dos sólidos geométricos trazia a ideia de um ensino prático para as matérias de Geometria e Desenho, voltado para a educação dos sentidos: questões muito discutidas para a construção da nova escola republicana e para a consolidação do método intuitivo.
Pode-se perceber, por meio da análise das fontes, a intenção, tanto de professores quanto de gestores, em ressaltar a necessidade de implantação de novos métodos e materiais para o ensino dos saberes matemáticos nas escolas primárias paranaenses. No entanto, fica evidente a conveniência de mais investimentos para aquisição de materiais escolares no período. Com relação aos materiais relativos ao ensinar Matemática, a análise realizada permite constatar as dificuldades para consolidação das novas propostas pedagógicas para o ensino da Aritmética, Geometria e Desenho no estado do Paraná. De outro modo, também foi possível aferir o potencial de mobilização dessa materialidade na dinâmica da cultura escolar.