Parker J. Palmer produziu um excelente livro ao abordar as dores e satisfações de ser um professor. Embora tenha sido inicialmente escrito com foco em professores, o público que pode se beneficiar de seu conteúdo é bem abrangente. Ao folhear cada página desta obra, líderes em geral, pensadores, escritores, e qualquer um que tenha interesse em fazer do mundo um lugar melhor, encontram sugestões que os levam a viajar em seu próprio interior e a se descobrir.
O motivo dessa amplitude de leitores é que bons professores possuem características comuns às qualificações de vários profissionais. O próprio autor ressalta a abrangência de profissões e extensão geográfica que a obra atinge no prefácio dessa edição. Para mensurar o impacto do livro, pode-se comprovar sua influência, inclusive, na área médica. O Conselho de Acreditação para Educação Médica de Pós-Graduação dos Estados Unidos, no original em inglês: Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME), criou o prêmio “Parker J. Palmer: A coragem de ensinar”. Essa honraria é concedida anualmente aos diretores de dez programas de residência que demonstram o profissionalismo centrado no paciente na educação médica.
A primeira edição do livro é de 1997, em 2007, foi relançado e atualizado pela John Willey & Sons, Inc. A versão em língua portuguesa dessa edição comemorativa de dez anos do livro foi produzida em 2012 pela Editora Da Boa Prosa. Com o título original em inglês “The courage to teach”, tem tradução de Aline Storto Pereira.
O autor se concentra nos obstáculos internos encontrados no ensino e como é possível superá-los sem desconsiderar as condições exteriores. A busca pelo autoconhecimento e a introspecção é uma constância no livro. Com isso, o autor guia o leitor em busca de motivações e estimula a iniciativa e a confiança. A estratégia abordada é ressaltar a subjetividade do ser, os aspectos intensos da emoção e como direcioná-los para a busca da excelência.
A introdução abrange maneiras de como encontrar dentro de si o valor de ensinar. O livro se divide em sete seções, a começar pelas definições de identidade e integridade, a alma do nosso ser. O autor descreve a importância das técnicas, mas sua total insuficiência. Isso se torna evidente ao entendermos que não é a habilidade de trabalhar com uma faca que distingue um assassino de um cirurgião, que cura as pessoas, mas sim o coração. A boa prática de ensino vem, portanto, da integridade e identidade do professor. Por isso, o foco é educar o coração e não as técnicas. O livro transcorre na definição da integridade daquilo que é intrínseco à personalidade considerando sua relação com a identidade. Apesar da definição, o autor reconhece que esses conceitos não podem ser completamente conhecidos por ninguém. Esses princípios são explicados por histórias, o que facilita a compreensão geral e torna a leitura bem agradável.
Além de ressaltar os pontos altos e baixos do cotidiano do professor, vai ao âmago da formação da identidade e categoriza os degraus que nos levam à constituição do nosso caráter, seja na identificação dos mentores que nos inspiraram, seja nas disciplinas que nos escolheram. Com isso, se aprofunda na intimidade de cada um e disseca os problemas comuns da docência.
Em continuidade, aborda o tópico do medo. O autor ressalta a limitação do medo que incapacita o professor e seus alunos de estabelecerem conexões. No núcleo do questionamento do medo, descreve como as emoções podem paralisar ou libertar a mente. As emoções caminham com o intelecto e é necessário abrir as mentes dos alunos para despertar seus sentimentos. Um mundo de paradoxos na educação é desvelado: mentes que não sabem sentir e corações que não sabem pensar; a separação entre teoria e prática; professores que falam, mas não ouvem e alunos que ouvem, mas não falam.
O leitor é guiado pelas emoções e subjetividade entremeadas com o diálogo entre seus pares que compartilham o conhecimento e sentimentos em comunidade. Palmer conclui com a sugestão de uma reforma educacional a partir de um movimento social para revitalizar a educação. Esse corolário se baseia em um conjunto de etapas, que começa com o indivíduo isolado, passa pela formação de comunidades que possuem pessoas com visão compartilhada, definidas como comunidades de harmonia, e termina em um movimento de mudanças no sistema institucional. As comunidades de harmonia são locais no qual não apenas se contribui, mas que se pode contar com o apoio, independentemente da condição em que se esteja. Essas comunidades não nos definem, mas nos ajudam a recuperar paixões perdidas. São descritas pelo autor como fundamentais “para a reforma educacional, mas criá-las se torna difícil devido ao caráter privado da vida acadêmica”. Palmer apoia a declaração pública e visível de nossos valores em busca de aliados na formação de comunidades de harmonia.
Além do conhecimento que o livro promove, essa edição comemorativa conta com um posfácio e uma descrição da carreira do autor. Outro ponto muito positivo é que cada capítulo possui uma citação instigadora que funciona como prelúdio motivador para o conteúdo que se segue. Em resumo, o livro ressalta a importância do autoconhecimento, pois você ensina o que você é. A questão central é: “quem é o eu que ensina?”, sem focar no “quê”, “comos” e “por quês”, mas na subjetividade do educador. O autor ressalta que o questionamento é ensino, ao invés de fala, e aborda o conceito de espaços intelectuais, emocionais e espirituais.
É um livro de muita relevância em todas as épocas, principalmente para a cultura ocidental, na qual cada profissional acaba buscando a objetividade em metas e esquece-se da influência da subjetividade em seu ser. É necessário coragem para essa busca. Líderes em todas as áreas precisam entender a vocação, as dificuldades e o potencial transformador de suas influências na vida das pessoas ao seu redor. A leitura é agradável, com uma ideia interessante e original. A falta de referências adicionais e diagramas explicativos são pontos que poderiam ser melhor desenvolvidos na obra. Apesar disso, não é necessário conhecimento prévio por parte do leitor, é um livro que pode ser aplicado a um inúmero conjunto de áreas. A tradução é correta, o conhecimento fornecido é bem estruturado e segue uma ordem lógica das ideias. A presença de histórias para ilustrar os conceitos é uma estratégia acertada para a compreensão por qualquer um que se aventure nessa leitura. Provavelmente, essa abordagem advém da experiência do autor com mais de três décadas como professor.
O cerne teórico para aplicação prática do livro é a transformação reflexiva do profissional e não há como permanecer o mesmo depois de sua leitura. Os conceitos centrais são a educação do coração e a paixão pelo ensino. A definição do ser não é composta pelos seus sucessos e falhas, mas sim por seus valores e sua integridade. A busca pelo que nos faz sentir vivos é o começo da resposta que o livro nos leva a perscrutar. Com isso, é necessário buscar essa jornada interior: ser um líder e conhecer a si mesmo como professor para que se possa trazer a verdadeira luz para as pessoas ao seu redor.