A obra singular de Vigotski, “A construção do pensamento e da linguagem”, reúne uma série de estudos acerca do pensamento infantil e da aquisição da linguagem, além do detalhamento primoroso de todos os processos envolvidos na investigação do desenvolvimento de conceitos científicos pela criança. De um modo geral, o livro destaca as relações inerentes entre o pensamento e a linguagem, e o uso específico e funcional da palavra e do signo nos processos da formação do conceito.
O livro divide-se em sete capítulos. O primeiro discorre sobre “O problema e o método da investigação”. Nesse capítulo, Vigotski apresenta compreensões epistemológicas e análises críticas sobre os métodos empregados por outros pesquisadores para compreender as relações entre o pensamento e a linguagem. O autor percebeu que vários métodos utilizados por pesquisadores tratavam os processos psicológicos de modo isolado e não estabeleciam nem associavam as relações interdependentes. As teorias levantadas apresentavam limitações e não conseguiam se aprofundar no estudo da gênese do pensamento e da linguagem.
No segundo capítulo,“A linguagem e o pensamento da criança na teoria de Piaget”, Vigotski discorre sobre a teoria apresentada por Jean Piaget em relação à linguagem e o pensamento da criança por meio de uma análise mais crítica. Ao mesmo tempo em que aponta inconsistências nos estudos desenvolvidos, o autor também reconhece a sua importância por serem pioneiros na investigação do pensamento infantil. A perspectiva piagetiana aponta que a criança desenvolve um mecanismo de assimilação de um objeto de estudo, um conceito, dentro de um esquema já dominado, e, consequentemente, acomoda um esquema para este dar origem a outro. Deste modo, a linguagem é tratada apenas como uma forma mais tardia de expressão da criança, e o pensamento, desenvolve-se antes da linguagem, porque Piaget não considera que haja relação de interdependência entre linguagem e pensamento.
No terceiro capítulo,“O desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern”, Vigotski aponta a quase ausência de problemas acerca da linguagem interiorizada, seu surgimento e sua relação com o pensamento, o que deveria surgir em evidência para melhor fundamentar sua pesquisa e compreensão. A linguagem egocêntrica, quando apresentada por Stern em seus estudos, faz referência aos resultados da pesquisa desenvolvida por Piaget e limita-se a interpretar a conversa entre crianças sem fazer nenhuma referência ou análise, seja das funções psicológicas envolvidas nesse processo, seja na estrutura e no sentido genético dessa forma de linguagem, ou das transições existentes entre a linguagem externa para a interna.
O quarto capítulo, “As raízes genéticas do pensamento e da linguagem”, Vigotski discorre sobre as investigações desenvolvidas por Köhler em relação ao intelecto e à linguagem em antropoides que, mais tarde, foram adaptadas em crianças. Esses estudos deixam evidências de que, nos animais, a ausência da linguagem e da capacidade de criar representações são as causas principais que diferem um antropoide de um homem mais primitivo. As pesquisas e observações desenvolvidas por Köhler foram válidas para que pesquisadores, como Bühler, Stern, Koffka, Watson, entre outros, pudessem elaborar teorias a partir de um estudo já desenvolvido. Em todas as teorias apresentadas pelos demais pesquisadores, Vigotski vai discorrendo, apontando falhas e acertos, e, com isso, mostra algumas conclusões próprias sobre os caminhos necessários para a compreensão da origem genética do pensamento e da linguagem.
No quinto capítulo,“Estudo experimental do desenvolvimento dos conceitos”, Vigotski inicia apontando a ausência de uma metodologia experimental que pudesse alcançar profundamente compreensões acerca da formação de conceitos e sua gênese psicológica. Ao recorrer aos estudos já existentes na época sobre a formação de conceitos, o autor, sob colaboração de L. S. Sákharov, desenvolveu seu próprio método de investigação, o qual avaliou como “funcional e de dupla estimulação”. Isso porque buscava estudar, por meio de duas situações de estímulos, o desenvolvimento e o papel das funções psicológicas superiores no processo. Esses estudos foram elaborados considerando diferentes faixas etárias de crianças, adolescentes e adultos, o que o levou a concluir que o desenvolvimento e o pensamento em conceitos são impossíveis na ausência da palavra e do pensamento verbal, e que, em todo esse processo de elaboração do conceito, é impreterível o emprego singular da palavra e o uso funcional do signo como princípios fundantes da construção conceitual.
No sexto capítulo, “Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância”, Vigotski percorre sua análise em estudos sobre o desenvolvimento de conceitos científicos com crianças em idade escolar, traçando um paralelo e destacando os níveis de assimilação mais elevados da consciência. O autor mostra que o curso de desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos são diferentes. O conceito espontâneo desenvolve-se na criança a partir de suas experiências vivenciadas em seu contexto social, sem bases científicas comprovadas. Já os científicos são elaborados em contexto escolar com um nível de exigência e de estímulos mais qualificado. Ambos, todavia, estão relacionados, pois um exerce influência sobre o outro.
No sétimo e último capítulo, “Pensamento e palavra”, o autor realiza um estudo acerca da relação interna entre o pensamento e a palavra, levando em conta os estágios mais primários do desenvolvimento filogenético e ontogenético. Vigotski considera que ambos não estão unidos um ao outro por um vínculo primário, no entanto, surgem, se modificam e ganham amplitude, contribuindo para uma maturação do desenvolvimento do pensamento e da própria palavra. O autor destaca que o significado da palavra se torna um fenômeno do pensamento na medida em que este está relacionado à própria palavra que o materializa, ou seja, a palavra significada é também uma generalização do conceito, a expressão genuína do pensamento. Para Vigotski, o pensamento procura estabelecer relações, organizar a execução de algumas tarefas e resolver problemas. Embora tenha uma ligação forte de interdependência com a palavra, não se expressa nela, mas, sim, se efetua.
O livro “A construção do pensamento e da linguagem” é uma obra extensa e profunda, e requer a releitura de alguns capítulos e trechos para compreendermos a complexidade da apresentação dos estudos acerca do desenvolvimento da linguagem, do pensamento verbal e do emprego funcional da palavra e do signo no desenvolvimento das funções psicológicas superiores e, consequentemente, da elaboração do conceito pela criança. As teorias e estudos feitos por outros autores apresentados por Vigotski no livro demonstram como as pesquisas evoluíram e foram importantes para a construção do seu próprio estudo, pois, por seu intermédio, o autor pôde analisar criticamente as lacunas que impossibilitaram a qualidade das pesquisas e considerar aquelas com mais consistência e coerência teórica para seus estudos.
Há de se levar em conta, ainda, que a obra é um marco teórico-investigativo extremamente importante para o campo da Psicologia e da Educação com uma riqueza de detalhes e rigor científico sem igual. Na educação, a obra é indispensável, pois possibilita compreender melhor os processos envolvidos no ensino e aprendizagem a partir de seus estudos sobre a gênese do psiquismo humano que possibilitam ao educador a organização e o planejamento de uma prática mais centrada no sujeito, considerando-o um todo, e como este se apropria do conhecimento e o elabora para modificar e compreender o seu contexto.