1 Introdução
Apresentar e analisar as tendências temáticas na produção acadêmica de 1988 a 2020, em relação à interface dos temas direito à Educação e avaliação é o objetivo desse artigo. O estudo insere-se em pesquisa mais ampla em andamento que intenciona inventariar a produção científica no Brasil, em teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos de periódicos, constituindo-se em um Estado da Arte1 . Investigações que adotam esta perspectiva analítica pretendem se debruçar sobre o arcabouço teórico de temática específica para avançar para além do levantamento e leitura e chegar na consolidação do conhecimento construindo, assim, um “balanço da produção” ( ROMANOWSKI; ENS, 2006 , p. 39) em determinada área de forma ampla, tanto no sentido quantitativo como, também, qualitativo ( FERREIRA, 2002 ).
A elaboração do Estado da Arte sobre o direito à Educação pode representar uma contribuição na compreensão da constituição do debate científico sobre a densidade que o conceito adquiriu após a proclamação da Constituição de 1988 que o incorporou aos direitos sociais e definiu que o acesso a ele é direito público subjetivo, devendo sua oferta ser garantida pelo Estado.
Embora a garantia constitucional do direito à Educação no Brasil tenha trilhado um longo e sinuoso caminho até sua atual configuração, como explica Cury (2008 , p. 295) quando demonstra que, desde a instrução das primeiras letras no Império reservada somente aos cidadãos, passando pelo Ensino primário de quatro anos na Velha República, pelo Ensino primário obrigatório e gratuito em 1934 à sua extensão para oito anos em 1967, por fim, “derrubando a barreira dos exames de admissão, chegamos ao direito público subjetivo”, indiscutivelmente, conquistamos um patamar nunca antes alcançado no país nesse aspecto, seja pela valorização da importância do preceito, seja pelo detalhamento das responsabilidades governamentais, seja pela criação de mecanismos jurídicos para a efetivação de tal direito.
Pari passu a vigência da garantia legal do direito à Educação no Brasil, observa-se um vigoroso movimento de ampliação de iniciativas de avaliação, especialmente em larga escala, em diversos níveis e modalidades, tanto como forma de parâmetro da qualidade como, também, mecanismo de gestão da Educação ( MACHADO, 2020 ).
Nesse contexto, esse estudo indaga: quais as temáticas que fazem interface com os temas direito à Educação e avaliação nas pesquisas acadêmicas, disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), produzidas de 1988 a 2020? Buscando responder o questionamento, este artigo tem o propósito de apresentar e examinar as tendências temáticas privilegiadas nas pesquisas que expressaram essa interface.
Esse tema enseja relevância nos debates educacionais já que, conforme preconizam a Constituição Federal ( BRASIL, 1988 ) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB ( BRASIL, 1996 ), todas as ações educativas devem convergir para garantir e efetivar o direito à Educação ( BRASIL, 1988 ; 1996). A mesma LDB ( BRASIL, 1996 ) prevê entre as atribuições da União, em seu artigo 9º, inciso VI, a garantia de um processo nacional de avaliação do rendimento escolar que teria como objetivo “[...] a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do Ensino”, explicitando a importância da relação entre os processos de avaliação e a garantia do direito à Educação uma vez que, segundo Neves e Giorgi (2022 , p. 18) as informações por elas fornecidas devem ser “[...] direcionadas ao aperfeiçoamento e à elaboração das políticas públicas” educacionais.
Os trabalhos acadêmicos analisados neste artigo foram selecionados, inicialmente2 , nos meses de abril e maio de 2019, no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, com o uso dos descritores “direito à Educação” AND “avaliação”, sem a utilização de filtros. Complementarmente, como forma de atualização dos dados, a busca foi retomada, com o mesmo procedimento anterior, em maio de 2021. A plataforma apresentou 199 títulos que foram organizados em planilha contendo informações como autor, título, instituição, resumo, palavras-chave entre outras. Em seguida realizou-se a leitura dos resumos por meio da qual foi constatado que a maior parte dos trabalhos não abordava a articulação dos temas direito à Educação e avaliação em sua problemática central. Após a leitura foram selecionados 31 trabalhos acadêmicos debruçados sobre a interface entre direito à Educação e avaliação para realização da presente análise, 27 na consulta inicial e 4 na última busca, sendo 23 dissertações de mestrado e 8 teses de doutorado.
2 Direito à Educação e avaliação na produção acadêmica: tendências temáticas
Para proceder à identificação das tendências temáticas presentes nas teses e dissertações que abordaram o direito à Educação em interface com a avaliação o eixo escolhido foi a problemática de pesquisa proposta pelos/as autores/as. De acordo com Laville e Dionne (1999 , p. 85), o estabelecimento “[...] da problemática e do próprio problema é frequentemente considerada como a fase crucial da pesquisa”, já que irá definir e guiar todo o processo de construção da investigação. Dessa forma, a problemática proposta possibilita perceber não somente o ponto de partida das pesquisas, mas também o direcionamento seguido em seu processo de desenvolvimento, evidenciando as temáticas balizadoras da perspectiva de interface entre direito à Educação e avaliação adotada.
A problemática dos trabalhos foi localizada pela leitura dos resumos deles e, em alguns casos nos quais tal informação não constava no resumo, pela leitura, também, da introdução. A priorização dos resumos como fonte de informação se espelha em Ferreira (2002 , p. 265) que, ao discorrer sobre as possibilidades do uso de metodologia do estado da arte, indica os resumos para inventariar determinada produção, “[...] imaginando tendências, ênfases, escolhas metodológicas e teóricas, aproximando ou diferenciando trabalhos entre si”.
O exame das problemáticas apresentadas nos 31 trabalhos selecionados permitiu identificar e agrupar as tendências temáticas em quatro blocos: programa/política educacional (14); qualidade (11); concepções/práticas de avaliação (3) e processos de inclusão/exclusão (3), e serão objeto de reflexão a seguir.
3 Política/Programa Educacional
Com destaque no levantamento realizado, estão os 14 trabalhos que discutiram políticas ou programas educacionais como eixo articulador dos temas direito à Educação e avaliação, representadas no Quadro 1 em ordem cronológica3 .
Ano | Autor | Tipo | Problemática |
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2002 | José Newton Tomazzoni Tavares | Dissertação | Problematização da política pública curricular efetivada pelo atual governo federal, com relação ao Ensino Fundamental, estudando os Parâmetros Curriculares Nacionais com enfoque sobre a implementação desses parâmetros curriculares pelo Ministério da Educação. |
2007 | Roberta Medeiros Diniz | Dissertação | Como se deu a aplicação dos ciclos e o retorno à seriação, nos anos finais do Ensino Fundamental na rede estadual de Ensino de Minas Gerais, entre 1998 e 2003, na visão dos professores. |
2008 | Renata Mendes Velloso | Dissertação | Avaliação do processo de municipalização da Educação Infantil no campo, desenvolvido em cinco municípios de Minas Gerais, e compreensão dos processos de mobilização política ocorridos naquela região, com o intuito de garantir a Educação às crianças do nascimento aos 6 anos de idade |
2014 | Eliete Ribeiro Falcão | Dissertação | Compreender como os equipamentos públicos da Assistência Social e as escolas operacionalizam as demandas oriundas de Ficais e as possíveis correlações entre a ciência da Educação e a do Serviço Social para a garantia do direito à Educação. |
2015 | Elio de Assis | Tese | A priorização das políticas públicas em Educação na rede estadual de Ensino de São Paulo, nos denominados projetos de “Recuperação de Aprendizagem” como instrumento para garantir o direito à aprendizagem das crianças, adolescentes e jovens. |
2016 | Ananias Noronha Filho | Tese | Avaliação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na EJA, nas dimensões da avaliação política e do processo de implementação no campus Boa Vista Centro, no período de 2006 a 2014. |
2017 | Camila Camilozzi Alves Costa de Albuquerque Araujo | Dissertação | Avaliar a estrutura, o processo e os resultados de um programa de atendimento escolar a crianças hospitalizadas, a partir de uma experiência implantada em São Paulo. |
2017 | Gabriela Thomazinho Clementino Sampaio | Dissertação | Conexões do Programa Bolsa Família com a questão educacional e em que medida o programa reduz as múltiplas dimensões de desigualdade educacional enfrentadas pelos seus participantes? |
2017 | Etiene Figueiredo Ferreira | Dissertação | Que princípios, fundamentos, objetivos e valores fundamentam a Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Rio Grande do Norte? |
2018 | Philippe de Faria Correa Grey | Dissertação | Papel da auditoria interna dos Institutos Federais enquanto avaliadoras de políticas públicas, em especial, do seu impacto, partindo doPnaes, no campus São Borja do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. |
2020 | Maura Pereira dos Anjos | Tese | O processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa, buscando responder os elementos constitutivos desse processo e o projeto de desenvolvimento formulado a partir do protagonismo dos movimentos sociais e sindical do campo. |
2020 | Solange Janete Finger | Dissertação | Que elementos o estudo avaliativo do Paevs e do IVS, poderá fornecer no sentido de apontar caminhos na direção da defesa dos direitos dos discentes em situação de vulnerabilidade social? |
2020 | Liliane Ribeiro de Mello | Tese | As políticas nacionais de avaliação de sistema educacional em larga escala do Brasil e do Uruguai buscando entender suas características a partir das implicações contextuais e da relação com a construção do direito à Educação de qualidade. |
2020 | Eglantina Alonso Braz | Dissertação | Quais os principais dilemas, desafios e perspectivas da implementação da Política de Ações Afirmativas da Ufba para garantir um processo efetivo de inclusão social dos estudantes quilombolas? |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021
Ficais: Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente; EJA: Educação de Jovens e Adultos; Pnaes: Programa Nacional de Assistência Estudantil; Unifesspa: Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará; Paevs: Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social; IVS: Índice de Vulnerabilidade Social, UFBA: Universidade Federal da Bahia.
A dissertação de Velloso (2008) teve como problemática os processos de mobilização política da população de cinco municípios do Vale do Jequitinhonha-MG na busca pela garantia do Direito à Educação de crianças de zero a seis anos de idade durante o processo de municipalização da Educação Infantil no campo. A tese de Noronha Filho (2016), também na dimensão do direito ao acesso, propôs-se a avaliar o processo de implementação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos (Proeja), no campus Boa Vista Centro do Instituto Federal de Roraima. Já a dissertação de Araujo (2017) buscou avaliar a estrutura, o processo e os resultados de um programa, implementado em São Paulo, para atendimento escolar de crianças hospitalizadas.
Os três trabalhos demonstram que, assim como afirmado por Oliveira e Araújo (2005) , o problema quantitativo do acesso à escolarização não está resolvido, mesmo nas etapas obrigatórias. Também fica evidente a necessidade de políticas públicas que priorizem grupos marginalizadas, pessoas em condição de carência ou vulnerabilidade, com o objetivo de corrigir desigualdades e de ampliar progressivamente o exercício do direito à Educação ( DUARTE, 2007 ).
Também em uma perspectiva de programas/políticas de acesso, a dissertação de Braz (2020) buscou evidenciar os dilemas, desafios e perspectivas encontrados na implementação da Política de Ações Afirmativas da Universidade Federal da Bahia, para a inclusão social de estudantes quilombolas.
Apesar de tais limites, são inegáveis os avanços alcançados na dimensão do acesso à escolarização nas últimas décadas, e à medida em que foi aumentando a oferta do Ensino no Brasil, os principais obstáculos à democratização da Educação passaram à ordem da permanência, em função dos altos índices de repetência e evasão. Para atender a tal demanda, “[...] a década de 1990 é marcada pela tendência de regularização do fluxo no Ensino Fundamental por meio da adoção de ciclos de escolarização, da promoção continuada e dos programas de aceleração da aprendizagem” ( OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005 , p. 10).
Tendo como foco a aplicação dos ciclos nos anos finais do Ensino Fundamental na rede estadual de Ensino de Minas Gerais, entre 1998 e 2003, a dissertação de Diniz (2007) buscou analisar seu processo de implementação e de posterior retorno à seriação, a partir da visão dos professores. A dissertação de Falcão (2014) abordou as possíveis correlações entre a ciência da Educação e a do Serviço Social na prevenção da evasão, por meio da compreensão dos processos de operacionalização das demandas oriundas das Fichas de Comunicação do Aluno Infrequente (Ficais).
Focando em programas de assistência social, as dissertações de Sampaio (2017) , Ferreira (2017) , Grey (2018) e Finger (2020) buscaram avaliar, respectivamente, em que medida o Programa Bolsa Família contribui para a redução das múltiplas dimensões de desigualdade educacional enfrentadas por seus participantes; os princípios, fundamentos, objetivos e valores que fundamentam a Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Rio Grande do Norte; o papel da auditoria interna dos Institutos Federais frente à concessão do auxílio permanência aos alunos do Ensino Médio profissional técnico integrado, no campus São Borja do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha; as contribuições do estudo avaliativo do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (Paevs) e do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) na defesa dos direitos dos discentes em situação de vulnerabilidade social.
As iniciativas pesquisadas nesses trabalhos tornam-se necessárias especialmente em um país de desigualdades sociais e regionais tão profundas. Possibilitar a permanência e o sucesso escolar de grupos em situação de carência e vulnerabilidade social requer medidas que vão além do pedagógico e devem incluir também, de acordo com Duarte (2007 , p. 705), outras políticas públicas, como por exemplo, de enfrentamento ao trabalho infantil, aumento do tempo de escolaridade e da jornada escolar, atividades de recuperação, valorização do professor, transporte escolar e material didático.
Entretanto, a dimensão pedagógica segue sendo um fator central na garantia não só da permanência como, também, de uma Educação de qualidade socialmente referenciada ( DOURADO; OLIVEIRA, 2009 ). Frente a isso, dois trabalhos apresentaram avaliação de programa/política de garantia do direito à aprendizagem: a dissertação de Tavares (2002) , que buscou problematizar a política pública curricular nacional para o Ensino Fundamental, por meio do estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais; e a tese de Assis (2015) , que teve como problemática os projetos de Recuperação de Aprendizagem, propostos pela Rede Estadual de Ensino de São Paulo como instrumento para garantir o direito à aprendizagem das crianças, adolescentes e jovens.
Tangencialmente a essa dimensão pedagógica, as teses de Anjos (2020) e Mello (2020) têm foco no direito à formação de educadores e à Educação dos povos do Campo e investiga o processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), no contexto da Política Pública de Educação do Campo; e na relação entre a construção do direito à Educação de qualidade e as políticas nacionais de avaliação de sistema educacional em larga escala do Brasil e do Uruguai, respectivamente.
As pesquisas que articularam direito à Educação e avaliação por meio da investigação de políticas e programas educacionais demonstram um movimento de “proliferação horizontal”, conforme Arretche (2003 , p. 8), uma vez que “[...] o conteúdo da produção acadêmica tem sido, em boa medida, a avaliação dos resultados alcançados pelas políticas em voga ou a atualização da informação existente sobre programas já consolidados”.
Neste sentido, vale destacar considerações de Trevisan e Van Bellen (2008) que indicam a importância de que os estudos da área de políticas públicas se concentrem não só no sucesso ou fracasso das políticas, mas também no desenvolvimento de tipologias analíticas e na identificação de variáveis que possibilitem um melhor entendimento dos processos de implementação e dos resultados alcançados por elas.
4 Qualidade
A relação direito à Educação-avaliação-qualidade pôde ser percebida na problemática apresentada pelos 11 trabalhos relacionados no Quadro 2 numa perspectiva que compreende a avaliação como um possível instrumento de garantia do direito a uma Educação de qualidade. O Quadro 2 apresenta os trabalhos que adotaram a qualidade como eixo articulador da interface do direito à Educação com a avaliação, porém, enfatiza-se o caráter polissêmico e histórico do conceito de qualidade ( DOURADO; OLIVEIRA, 2009 ; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005 ), bem como a complexidade da Educação, bem retomada por Gomes (2020) na metáfora da cebola para ilustrar que uma Escola de qualidade para todos envolve questões socioeconômicas, culturais, de gênero, administrativas, curriculares, escolares, docentes e discentes, entre outras. Tal complexidade pode ser percebida nas problemáticas elencadas no Quadro 2 .
Ano | Autor | Tipo | Problemática |
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2006 | Maria Tereza Uille Gomes | Dissertação | Quais os mecanismos legais que podem ser utilizados para aferir e exigir a qualidade da Educação básica na Administração Pública e efetivar o direito humano universal à Educação, a partir de Tratados e Acordos Internacionais de Direitos Humanos? |
2010 | Gabriela Schneider | Dissertação | Discutir a metodologia de criação de um índice de condições materiais e estruturais da escola que tenha potencial para ser um instrumento de avaliação de políticas. |
2011 | Michele Asato Junqueira | Dissertação | A qualidade da Educação e a função da Educação no Ensino Superior no ordenamento jurídico e o papel da Universidade e a garantia da liberdade de ensinar, pesquisar e expressar o pensamento. |
2012 | Thais Pacievitch | Dissertação | As políticas sociais e o modo como são operacionalizadas possibilitam a garantia dos direitos da criança e do adolescente na efetivação da Educação Básica de qualidade social nas escolas públicas. |
2013 | Natalia Menin da Silva | Dissertação | Analisar a estrutura e as condições de funcionamento de uma escola de Ensino fundamental situada em um assentamento de reforma agrária e identificar as demandas de melhoria da escola por parte da população usuária e da equipe escolar na perspectiva de se obter o custo aluno-qualidade de uma escola do campo. |
2013 | Patrícia Montenegro Freire de Carvalho | Dissertação | Problematiza os resultados das avaliações em larga escala, buscando refletir sobre o desempenho escolar e as políticas de avaliação da qualidade da Educação a partir das dinâmicas desenvolvidas no interior das escolas, tendo como parâmetro de análise o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), nos anos de 2007, 2009 e 2011. |
2015 | Ednolia Carvalho Dourado; Teofilandia Rodrigues de Lima | Dissertação | Discutir a qualidade da Educação a partir dos resultados da avaliação externa Prova Brasil, analisando a proficiência em Língua Portuguesa e Matemática dos alunos de 5º e 9º ano do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Lapão-BA. |
2015 | Malena Xavier de Carvalho | Dissertação | Identificar processos educacionais relevantes à formação para cidadania e destacar instrumentos com potencial para acessar de forma padronizada os processos apontados, de modo a constituir medidas que alimentem um eventual indicador de qualidade mais compreensivo quanto à magnitude do direito à Educação. |
2016 | Angela Maria Klemann | Dissertação | Problematiza que não há normas que definam um padrão mínimo de qualidade para a gestão da(s) política(s) pública(s) de Educação Infantil, portanto, torna-se necessário antes de avaliar os resultados, conhecer a realidade da Educação Infantil que está sendo ofertada. |
2017 | Claudia Oliveira Pimenta | Tese | Iniciativas de avaliação da Educação Infantil implementadas por municípios paulistas, tendo como finalidade evidenciar suas potencialidades para contribuir com a garantia do direito das crianças a uma Educação Infantil pública e de qualidade. |
2017 | Ana Carolina Mantovani Beserra | Dissertação | Discutir as políticas públicas de avaliação e o direito à Educação de qualidade para a consagração desse direito fundamental, público subjetivo, como forma do desenvolvimento nacional, econômico e social, através da Educação Básica. |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021
A dissertação de Pacievitch (2012) buscou examinar, por meio dos pressupostos teóricos da avaliação emancipatória de Ana Maria Saul, se a operacionalização das políticas sociais possibilita a garantia do direito à Educação básica de qualidade nas escolas públicas. Da mesma forma, a tese de Pimenta (2017) e a dissertação de Beserra (2017) discutem inciativas e políticas públicas de avaliação em sua potencialidade de garantir o direito à Educação de qualidade, respectivamente na Educação Infantil e na Educação Básica.
No Brasil, as políticas sociais, que se caracterizam pelas ações e estratégias governamentais para amenizar as tensões sociais próprias do contexto socioeconômico e político dos países capitalistas, se fortaleceram juridicamente no cenário da consagração da Educação como direito social subjetivo com a promulgação da Constituição de 1988 ( BRASIL, 1988 , art. 208). Apesar dos revezes provocados pela implementação de políticas neoliberais, as políticas sociais representam um anteparo legal para a efetivação do acesso à escola e da garantia de permanência e aprendizagem. “Por outro aspecto, a não efetivação desse direito, bem como a lógica da mercantilização da Educação, restringem o acesso à escola a um significativo contingente populacional”, de acordo com Guerra, Figueiredo e Zanardini (2020, p. 2200). Os trabalhos analisados evidenciam a premência de articular as políticas sociais com o direito à Educação como forma de defesa e proteção da escola como o lugar privilegiado de uma Educação Pública, gratuita e de qualidade.
Propondo investigar as políticas de avaliação em larga escala implementadas pelo governo federal, a dissertação de Dourado e Lima (2015)4 discute a qualidade da Educação a partir da proficiência em Língua Portuguesa e Matemática dos alunos da Rede Municipal de Lapão-BA demonstrada pelos resultados da Prova Brasil. Carvalho (2013) , em sua dissertação, também definiu como problemática os resultados das avaliações em larga escala, especificamente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), refletindo sobre ele a partir das dinâmicas desenvolvidas no interior das escolas.
A partir desses estudos, vale ressaltar o questionamento de Sousa (2014 , p. 413) sobre o papel que tais avaliações vêm ocupando, convertendo-se em “[...] instrumento de controle do trabalho escolar e de fortalecimento da meritocracia” e na concepção de qualidade que é difundida por meio delas. Apesar disso, pondera a autora que não se pode descartar a avaliação como ferramenta para a melhoria da qualidade do Ensino Público, já que esta mostra-se como “[...] um caminho promissor em direção à concretização do direito à Educação” ( SOUSA, 2014 , p. 418). O desafio que se apresenta é o de ressignificar a concepção de avaliação que se apresenta, ampliando a noção de qualidade e promovendo a colaboração entre os entes federados para a construção de uma política de avaliação que amplie a noção de uma Educação de qualidade.
A dissertação de Silva (2013) relata pesquisa realizada em uma escola de Ensino Fundamental localizada em um assentamento de reforma agrária, na perspectiva de obter o custo aluno-qualidade a partir da estrutura, condições de funcionamento e das demandas por melhoria feitas pela população usuária. Semelhante preocupação direciona a dissertação de Schneider (2010) , que discute a criação de um índice de condições materiais e estruturais da escola que pudesse servir de instrumento de avaliação de políticas educacionais relacionando o investimento em Educação com o resultado/desempenho estudantil. Também Carvalho (2015) , em sua dissertação, demonstra preocupação em ampliar a dimensão de avaliação que tem sido utilizada pelas políticas públicas e busca fornecer subsídios para a criação de um indicador de qualidade que dê maior magnitude ao direito à Educação ao considerar processos educacionais relevantes à formação para a cidadania. Por fim, a inexistência de um padrão mínimo de qualidade da gestão das políticas públicas de Educação Infantil foi a problemática que instigou Klemann (2016) em sua dissertação, ressaltando a necessidade de que conheçamos a qualidade da Educação que está sendo ofertada nesse nível de Ensino antes que possamos avaliar seus resultados.
As dissertações de Silva (2013) , Schneider (2010) , Carvalho (2015) e Klemann (2016) corroboram as assertivas de Oliveira e Araújo (2005) que demonstram a importância de um custo mínimo por aluno para que se possa efetivar uma Educação de qualidade, representando um indicador de investimento que possibilita a ampliação das políticas de avaliação para que abordem não só o desempenho dos alunos em testes padronizados, mas também as condições reais oferecidas pelos sistemas de Ensino para a efetivação do direito à Educação. Vale enfatizar que a implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (Caqi), desde a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014 ( BRASIL, 2014 ), é uma obrigação legal para impulsionar o compromisso do Estado com a efetivação do direito à Educação e “[...] garantir um padrão mínimo de qualidade é um pressuposto desse compromisso” ( ARAÚJO, 2019 , p. 20).
Por fim, dois trabalhos abordaram a qualidade a partir do âmbito jurídico. A dissertação de Gomes (2006) discute a possibilidade de utilização de mecanismos legais para exigir a qualidade da Educação Básica, utilizando como base o princípio da eficiência na administração pública, de tratados e acordos internacionais de direitos humanos, bem como da Constituição Federal e legislação infraconstitucional. A dissertação de Junqueira (2011) , com foco na Educação Superior, parte da qualidade e função da Educação e do tratamento jurídico dado a ela para discutir o papel da Universidade como instituição social. Em comum, as pesquisas salientam o mérito da utilização dos recursos jurídicos existentes como mecanismos de exigência de uma Educação de qualidade em todos os níveis.
As pesquisas que adotaram a temática da qualidade como eixo articulador dos temas direito à Educação e avaliação se utilizam de várias dimensões de qualidade, se encaixando na definição de Mocarzel e Najjar (2020 , p. 37) de “[...] paradigma multidimensional” do conceito, que é aquele que assume qualidade como “uma construção plural, que envolve aspectos diversos e se constitui a partir de seus próprios objetivos, não importa se estamos falando de qualidade social, socialmente referenciada, total ou economicista”.
5 Concepções/práticas de avaliação
Dentre os trabalhos selecionados, três discutiram concepções e/ou práticas de avaliação como mecanismos de garantia do direito à Educação, como pode ser visto no Quadro 3 .
Ano | Autor | Tipo | Problemática |
---|---|---|---|
2008 | Sheyla Maria Fontenele Macedo | Dissertação | A prática avaliativa adotada no cenário da Educação de Jovens e Adultos em Escolas da Rede Pública de Fortaleza favorece o processo de permanência do aluno na escola, corrobora para sua inclusão no seio da sociedade e por sua vez, no exercício do direito à Educação? |
2016 | Paula Maria Zanotelli | Dissertação | Quais são as concepções de avaliação da aprendizagem no Ensino Médio presentes nos documentos do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina? |
2016 | Gloria Maria Anselmo de Souza | Tese | A possibilidade de a avaliação emancipatória, em diálogo com a gestão democrática, se constituir como alternativa de emancipação humana e escolar dos alunos que frequentam os anos iniciais do Ensino Fundamental. |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021
A tese de Souza (2016) busca uma avaliação emancipatória vinculada à gestão democrática, como possibilidade de promover a emancipação humana e escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A dissertação de Macedo (2008) investiga a existência de vinculação entre prática avaliativa na Educação de Jovens e Adultos da rede de Fortaleza e o exercício do direito à Educação presente na permanência do aluno na escola; o trabalho se propõe a investigar o caráter includente/excludente da avaliação da aprendizagem nessa modalidade de Ensino.
A dissertação de Zanotelli (2016) se propõe a investigar as concepções avaliação da aprendizagem presentes nos documentos dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tendo como referencial as categorias avaliação técnica-instrumental, avaliação dialógica e avaliação de controle.
Os trabalhos examinados desvelam a densa interface entre o direito à Educação e a avaliação que, se vinculada à defesa do direito à formação humana, tendo como referente a qualidade social, pode guiar a construção não só de um novo referente de avaliação, mas também de direito à Educação. Esse novo referente deve combater os processos de expansão e padronização das políticas de avaliação que estão vinculados à globalização e ligados à mercantilização da qualificação e à produtividade, e sobretudo à segregação que legitima a exclusão e o “[...] aumento da miséria, da pobreza, do subemprego, emprego descartável” ( ARROYO, 2017 , p. 12).
6 Processos de inclusão/exclusão
A importância da inclusão de pessoas com deficiência, como garantia do direito à Educação na sua relação com a avaliação, ( Quadro 4 ) foi destacada na dissertação de Fofano (2017) e na tese de Rigoldi (2017) , e os possíveis mecanismos de exclusão pelos processos de regulação na Educação na tese de Santos (2018) .
Ano | Autor | Tipo | Problemática |
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2017 | Carla Fofano | Dissertação | Quais as fronteiras encontradas pelo candidato surdo no momento da realização da prova do Enem? |
2017 | Vivianne Rigoldi | Tese | Analisa os aspectos formais e materiais da Educação inclusiva, identificando a realidade escolar das pessoas com deficiência, uma vez que é do desenvolvimento das habilidades e das competências desses alunos que depende a verdadeira inclusão social. |
2018 | Marizete Santana dos Santos | Tese | De que forma os contextos que influenciam e produzem os processos regulatórios de avaliação intensificam as tensões entre a garantia do direito à Educação e os processos de exclusão? |
Fonte: Elaboração pelas autoras, 2021
Enem: Exame Nacional do Ensino Médio
A dissertação de Fofano (2017) buscou investigar as fronteiras encontradas pelo candidato surdo na realização da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Já a tese de Rigoldi (2017) aborda a Educação especial na perspectiva inclusiva em ambiente escolar comum, analisando a realidade escolar das pessoas com deficiência a partir dos aspectos formais e materiais.
A abordagem dos trabalhos encontram eco na pesquisa do Observatório Nacional da Educação Especial no Estado do Rio de Janeiro (Oeerj) de Santiago, Santos e Melo (2017) que buscaram refletir sobre os processos de avaliação e inclusão em Educação e obtiveram relatos de professores da Educação Básica sobre a não-participação dos alunos nas avaliações em larga escala, questionando a cultura do exame, que padroniza e estimula a uniformização de processos e resultados e que reduz as possibilidades de estímulo às diferenças. Focando no ambiente escolar, as pesquisas enfatizam participação dos alunos em todas as atividades escolares como prerrogativa do processo de inclusão em Educação.
A tese defendida por Santos (2018) , traz como problemática o questionamento sobre de que forma os contextos que influenciam e produzem processos regulatórios de avaliação podem intensificar as tensões entre a garantia do direito à Educação e os processos de exclusão.
7 Considerações finais
Este artigo teve o objetivo de desvelar as interfaces temáticas entre direito à Educação e avaliação produzidas pelas pesquisas acadêmicas realizadas entre 1988 e 2020 e disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, por meio da apresentação e análise das tendências problematizadas nos trabalhos.
O exame das problemáticas neles apresentadas, indicou a amostra de 31 trabalhos acadêmicos que foram analisados, por meio da leitura dos seus resumos e, em alguns casos, pela leitura também da introdução, e agrupados em quatro tendências temáticas: programa/política educacional (14); qualidade (11); concepções/práticas de avaliação (3) e processos de inclusão/exclusão (3). O material obtido e estudado permitiu engendrar importantes achados.
Em relação aos trabalhos que privilegiaram a temática programas e políticas públicas5 como eixo de análise da interface entre direito à Educação e avaliação, é possível afirmar a validade do argumento de Duarte (2007 , p. 710) de que “[...] o direito à Educação só se efetiva mediante o planejamento e a implementação de políticas públicas” e, portanto, sua materialização “[...] não se esgota na realização do seu aspecto meramente individual (garantia de uma vaga na escola, por exemplo), mas abrange a realização de prestações positivas de natureza diversa por parte do poder público, num processo que se sucede no tempo”. Ainda que seja essencial assegurar vaga nas escolas para toda a população, a garantia do direito à Educação não se esgota nessa iniciativa, uma vez que as desigualdades sociais e econômicas no país, que implicam em desigualdades educacionais, são abissais.
O princípio do conceito qualidade como polissêmico, conforme já consagrado na literatura sobre o tema ( DOURADO; OLIVEIRA, 2009 ; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005 ), esteve presente nos trabalhos que usaram essa temática para articular direito à Educação com avaliação. Neste sentido, é plausível afirmar a utilização do conceito qualidade a partir de um “paradigma multidimensional” ( MOCARZEL; NAJJAR, 2020 , p. 37; GOMES, 2020 ), conforme explicitado anteriormente.
Também foi possível observar a compreensão da qualidade como um conceito histórico. Tanto no sentido de resultado de certa “[...] concepção de mundo, de sociedade e de Educação” que pode evidenciar “[...] os elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social” ( DOURADO; OLIVEIRA 2009 , p. 202) como, também, na perspectiva de Oliveira e Araújo (2005) que apresentam três formas distintas por meio das quais a qualidade foi percebida no Brasil ao longo do tempo. A primeira delas estava determinada pela oferta insuficiente e se caracterizava pelo acesso à escola; a segunda, fruto das disfunções no fluxo escolar, representava a busca pela permanência; a terceira se vincula à generalização de testes padronizados e é representada pela capacidade cognitiva dos estudantes aferida por tais avaliações.
Os trabalhos que se debruçaram em estabelecer interface entre direito à Educação e avaliação, por meio da análise das concepções e práticas de avaliação, advogaram pela construção de um novo referente, tanto para avaliação como, também, para direito à Educação, que deve ser pautado no direito à formação humana como princípio.
As pesquisas que investigaram os processos de inclusão e exclusão na/da Educação como articulação entre direito à Educação e avaliação denunciaram os escassos instrumentos colocados à disposição da inclusão daqueles que necessitam de apoio para as atividades educativas e as possíveis formas de exclusão provocadas pelo tensionamento entre os processos de avaliação e os mecanismos de regulação das políticas educacionais. Vale ressaltar a atualidade da conclusão destes trabalhos, dois são de 2017 e um de 2018, o que pode indicar uma temática de recente preocupação entre pesquisadores/as.
Com base na análise dos trabalhos acadêmicos que, ao longo do interstício entre 1988 e 2020, articularam direito à Educação e avaliação por meio das temáticas ou de programa/política educacional, qualidade, concepções/práticas de avaliação e processos de inclusão/exclusão, é legítimo reconhecer o empenho de pesquisadores/as em investigar o potencial de políticas e práticas na garantia e efetivação da Educação como um direito social, conforme disposto na norma constitucional. As investigações lançaram luzes e iluminaram o debate sobre as condições necessárias para a materialização do direito à Educação, tanto na perspectiva das políticas públicas como, também, das práticas educativas.