1 INTRODUÇÃO
A noção de que os animais podem afetar a vida e o comportamento humano é investigada em um campo de pesquisa conhecido como Interação Humano-Animal (IHA), utilizado neste contexto para descrever e compreender o resultado das diferentes qualidades e quantidades de interações entre humanos e animais não humanos (Fournier et al., 2016; Rodriguez et al., 2021). Esse termo tem sido usado na literatura de forma heterogênea, incluindo, mas não se limitando (a eles), a tutoria de animais de estimação, as Intervenções Assistidas por Animais (IAA) e o simples contato direto e/ou indireto entre um ser humano e um animal não humano (Fine et al., 2019; Fournier et al., 2016). Como um campo interdisciplinar, a IHA inclui especialistas de diversas áreas como Ciências da Saúde, Ciências Sociais, Naturais e Humanas. No campo das Ciências da Saúde, a Interação Humano-Animal é frequentemente estudada em contextos clínicos, sendo investigada a influência dos animais em tratamentos realizados com diferentes populações humanas, com diversas condições de saúde.
As IAA são modalidades terapêuticas contemporâneas que cada vez mais demonstram resultados significativos para a promoção da saúde humana (Muñoz Lasa et al., 2015). Diversos pressupostos teóricos tentam explicitar os efeitos positivos das IAA, como a hipótese da Biofilia, que parte do pressuposto de que os organismos vivos teriam uma capacidade inata de atrair e manter a atenção dos humanos (Joye, 2011); de hipóteses fisiológicas que envolvem o sistema de ativação e ação do hormônio oxitocina, promovendo redução de estresse e ansiedade, bem como o aumento da interação social e vínculo de afiliação em humanos (Menna et al., 2019); do pressuposto do aumento da motivação humana, pelo equilíbrio entre os sistemas motivacionais implícitos e explícitos, por meio de informações experienciais durante o contato com animais (Wohlfarth et al., 2013); além da teoria do apego, cuidado e redução do estresse, por meio do suporte social durante a interação humano-animal (Payne et al., 2015). É um consenso entre as diferentes perspectivas teóricas a capacidade de o animal facilitar vínculos sociais e aumentar o engajamento social humano-humano.
A International Association of Human-Animal Interaction Organizations (IAHAIO, 2019) classifica as IAA em três modalidades, por meio da metodologia empregada em cada uma delas, a saber:
(I) Atividade Assistida por Animais (AAA) - modalidade desenvolvida de forma casual e/ou esporádica, envolvendo o uso de animais para visitação de pessoas em situações variadas, como instituições hospitalares e de longa permanência. Nesse tipo de atividade, não é requerido o estabelecimento de objetivos prévios de ação, não existindo protocolo de trabalho anterior às intervenções. Embora, não seja dirigida por objetivos terapêuticos específicos, pode proporcionar aos participantes oportunidades motivacionais, educacionais e recreativas.
(II) Terapia Assistida por Animais (TAA) - intervenção que incorpora animais como ferramenta terapêutica em diversos contextos, sendo dirigida por profissionais da área da saúde que estruturam metas e objetivos específicos, adaptados a cada indivíduo ou grupo de indivíduos a serem tratados.
(III) Educação Assistida por Animais (EAA) - caracteriza-se pela utilização de animais como mediadores na promoção de estratégias educacionais e pedagógicas.
Historicamente, observa-se uma concentração de pesquisas sobre IHA na América do Norte e Europa (Muñoz Lasa et al., 2015; Yatcilla, 2021). Isso pode ser justificado pela influência direta dos estudos de William Tuke, na Inglaterra, visto que, desde 1792, ele já utilizava cães e outros animais no tratamento e na promoção da saúde humana (Laurindo et al., 2021). Igualmente, em 1961, o psicólogo americano Boris Levinson passou a utilizar seu cão de estimação como coterapeuta durante as sessões de psicoterapia, para aumentar a capacidade de comunicação de seus pacientes (Winkle et al., 2020). Outro fator importante que proporcionou a promoção e a consolidação das IAA nesses continentes foi sua regulamentação, sistematização e busca por resultados concretos, por meio de mensurações utilizando metodologias do campo das Ciências da Saúde (Galardi et al., 2020; Muñoz Lasa et al., 2015).
Desde o final dos anos de 1970, evidências científicas têm se acumulado demonstrando que o contato com animais de estimação pode ter efeitos positivos no bem-estar físico e mental das pessoas, sendo a temática amplamente reconhecida a partir da década de 1980, devido ao estabelecimento de sociedades científicas e a organização de conferências internacionais (Wells, 2019; Yatcilla, 2021). Embora a literatura de pesquisa sobre o assunto descreva a relação entre humanos e animais como geralmente favoráveis, diversos estudos de revisões sistemáticas e metanálises apresentam desfechos clínicos ambíguos, sendo destacado o design frágil dos estudos, amostras diminutas e tamanhos de efeito moderados, tornando a eficácia das IAA inconclusivas em determinados contextos e populações (Charry-Sánchez et al., 2018a, 2018b; Feng et al., 2021; Maujean et al., 2015; Srinivasan et al., 2018).
Devido à grande variedade de inovações na área da Saúde, a tomada de decisão dos profissionais e a escolha de tratamentos devem ser embasadas em princípios científicos como forma de selecionar a intervenção mais adequada para cada situação específica (Faria et al., 2021). As IAA incluem uma ampla gama de atividades destinadas à melhoraria da saúde e ao bem-estar das pessoas com a ajuda de animais de estimação, utilizados, nesse contexto, como coterapeutas, podendo ser empregada de forma heterogênea, com metodologias desenvolvidas para atender objetivos variados, em diferentes contextos e cenários, como ambientes educacionais, hospitalares e serviços de reabilitação. A literatura de pesquisa sobre as IAA descreve a relação entre humanos e animais de estimação como geralmente favoráveis; no entanto, a preocupação sobre a baixa qualidade dos dados obtidos tem levado a demandas por melhores estudos experimentais (Chur-Hansen et al., 2010; Fine et al., 2019).
A concentração de pesquisas sobre essa temática na América do Norte e Europa deixam em aberto questões sobre as produções científicas correlatas desenvolvidas em outros continentes. É essencial, portanto, a difusão do conhecimento sobre as IAA na América Latina. Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivos: (I) identificar o estado de arte das publicações sobre IAA na América Latina; e (II) realizar a avaliação crítica da qualidade metodológica dos estudos clínicos sobre IAA na América Latina.
2 MÉTODO
Trata-se de uma revisão de escopo, que tem por finalidade sintetizar evidências de pesquisa e mapear a literatura existente em determinado campo em termos de sua natureza, recursos e volume (Peters et al., 2015). Neste estudo, foram adotados os parâmetros recomendados por Peters et al. (2015) e Tricco et al. (2018) divididos em cinco etapas: I) definição das perguntas de pesquisa; II) identificação dos estudos relevantes por meio de diferentes fontes; III) composição da amostra final com base nos critérios de busca e inclusão/exclusão; IV) extração dos dados relacionados à pergunta de pesquisa, incluindo informações gerais sobre o estudo; V) descrição dos dados, análise numérica e temática/conceitual dos dados e discussão.
As perguntas norteadoras do estudo foram: Qual o estado da arte das produções científicas sobre as intervenções assistidas por animais na América Latina? Quais populações têm sido priorizadas no uso dessas intervenções? Quais os principais animais utilizados como coterapeutas? Quais os principais instrumentos de avaliação utilizados para mensurar os desfechos das intervenções assistidas por animais? Qual a qualidade dos estudos desenvolvidos, segundo o Método de Avaliação Crítica de Estudos da Colaboração Cochrane?
Sobre os procedimentos de coleta de dados, realizaram-se consultas ao Descritor em Ciências da Saúde (DECS) da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e ao vocabulário de terminologias uniformes da IAHAIO (2019), para a escolha das palavras-chave. Foram definidos os seguintes descritores nos idiomas português e espanhol em conjunto ao operador booleano (OR): “Intervenções Assistida por Animais” OR “Terapia Assistida com Animais” OR “Atividade Assistida por animais” OR “Educação Assistida por Animais” OR “Terapia Facilitada por Animais de Estimação” OR “Uso Terapêutico de Animais de Estimação” OR “Terapia Assistida por Cães” OR “Terapia Assistida por Cavalos” OR “Equoterapia” OR “Hipoterapia” OR “Equitação Terapêutica” OR “Intervenciones asistidas por animales” OR “Terapia Asistida por Animales” OR “Actividad asistida por animales” OR “Educación asistida por animales” OR “Terapia Facilitada por Mascotas” OR “Uso Terapéutico de las Mascotas” OR “Terapía Asistida por perros” OR “Terapía Asistida por Caballos” OR “Psicoterapia Asistida por Caballos” OR “Hipoterapia” OR “Equitación Terapéutica”. Os termos específicos em relação as IAA com cavalos e cães justifica-se pelo fato de que, no primeiro caso, existem muitos termos sinônimos, sendo a utilização de ambos os termos em artigos de revisão uma tendência internacional.
As buscas nas bases de dados ocorreram no período de dezembro de 2021 a janeiro de 2022, no Scientific Electronic Library Online (SciELO), Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Scientific Information System (Redalyc), Portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Periódicos CAPES, Base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Regional de Medicina (BIREME). Adotou-se como critério de inclusão artigos científicos desenvolvidos e publicados na América Latina nos idiomas português, espanhol e/ou inglês, disponíveis para leitura completa. A escolha pelo terceiro idioma justifica-se pelo fato de muitos periódicos latino-americanos adotarem a língua inglesa como padrão para publicação. Foram excluídos artigos que associavam a temática ao uso de remédios elaborados a partir de partes do corpo de animais ou produtos de seu metabolismo, e aqueles que analisavam os efeitos de simuladores ou animais robóticos e/ou virtuais. Não houve delimitação de campos nos quais os termos de busca foram inseridos e delimitação temporal para a seleção dos artigos, visto que nosso intuito foi compreender como a temática se desenvolveu ao longo dos anos na América Latina.
A busca foi realizada por duas alunas de iniciação científica de forma independente, após capacitação e treinamento. Possíveis divergências e discordâncias na seleção dos artigos foram resolvidas por consenso após discussão e análise com o primeiro autor. A presente pesquisa utilizou como referência para descrição do processo de seleção dos artigos o guia para relatório de revisão de escopo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) Checklist (Tricco et al., 2018). Todo o processo de coleta e organização das referências foi realizado utilizando-se o software EndNote Web®. A partir da seleção e leitura dos artigos, foram desenvolvidos fichamentos, sendo registradas informações como o ano da publicação, periódico onde o estudo foi publicado, métodos e tipo de estudo, objetivo, população e amostra, instrumentos de avaliação utilizados, resultados e conclusões. Esse processo foi conduzido com o auxílio do software Microsoft Office Excel®.
Para alcançar o objetivo II desta pesquisa - realizar a avaliação crítica da qualidade metodológica dos estudos clínicos sobre IAA na América Latina -, foi utilizado o Método de Avaliação Crítica de Estudos da Colaboração Cochrane (Clarke & Horton, 2001). Esse método consiste na avaliação quantitativa de estudos clínicos quanto à presença (ou ausência) de fatores essenciais para sua compreensão e replicação. O método estabelece cinco critérios para a classificação do estudo, listados a seguir: (A) Descrição do tratamento: I. Processo totalmente esclarecido = 2 pontos; II. Com algumas dúvidas ou confuso = 1 ponto; III. Não descreve o tratamento = 0 ponto. (B) Presença de quatro características na amostra: número de participantes, idade, gênero e qualquer outra característica (ex.: quantidade de indivíduos, idade, gênero, onde foi selecionada a amostra). I. Quando foram descritas as quatro características = 4 pontos; II. Foram descritas três = 3 pontos; III. Duas caraterísticas descritas = 2 pontos; IV. A descrição contém uma caraterística = 1 ponto; V. Nenhuma característica descrita = 0 ponto. (C) Presença de medições ou avaliações: I. Antes e após a intervenção = 2 pontos; II. Antes ou após a intervenção = 1 ponto; III. Nenhuma das duas = 0 ponto. (D) Especifica o tipo de desenho de investigação: I. Sim = 1 ponto; II. Não = 0 ponto. (E) Informação sobre o número de sessões efetuadas: I. Descreve o número de sessões efetuadas claramente = 2 pontos; II. Descreve o número de sessões efetuadas com informação confusa = 1 ponto; III. Não informa o número de sessões = 0 ponto.
O método da Colaboração Cochrane classifica os estudos em “A”, “B” ou “C”, de acordo com baixa, moderada ou alta chance de viés dos estudos, respectivamente. As classes correspondem à soma de pontos obtida: (A) De 0 a 5 pontos: contempla estudos que não fornecem informação suficiente para sua compreensão, deixando lugar para a dúvida em relação ao processo geral. (B) De 6 a 8 pontos: estudos que fornecem informações suficientes para sua compreensão, mas carecem de esclarecimentos específicos sobre o processo. (C) De 9 a 11 pontos: estudos que fornecem toda a informação pertinente necessária para a compreensão deixando esclarecido o procedimento geral. Todo o processo de análise dos artigos selecionados por meio do método da Colaboração Cochrane foi realizado pelo primeiro autor, que apresenta experiência em metodologia de pesquisa e formação em saúde baseada em evidências.
3 RESULTADOS
A Figura 1 ilustra o processo de busca e identificação dos artigos, exclusão das duplicidades, exclusão por não cumprimento dos critérios de elegibilidade e composição da amostra final, segundo os critérios PRISMA-ScR. O processo resultou na seleção de 146 artigos para a construção deste estudo.
Em relação à distribuição geográfica das produções, apenas seis países da América Latina apresentaram estudos publicados sobre a temática. Observa-se, na Tabela 1, o percentual de publicação em cada um deles, sendo evidente a centralidade das produções no Brasil (85,6%). Em relação ao aspecto temporal das produções, estas se concentram no período de 1997 a 2021. Na Tabela 2, pode-se verificar uma constância maior de produções nos anos de 2016, 2018 e 2019. Além disso, observa-se que o número de produções tende a aumentar ao longo dos anos, mas esse crescimento não se apresenta uniforme.
País de publicação | Artigos | % |
---|---|---|
Brasil | 125 | 85,6% |
Chile | 8 | 5,5 % |
Argentina | 5 | 3,4 % |
Cuba | 4 | 2,7% |
Colômbia | 3 | 2,1 % |
México | 1 | 0,7 % |
Total | 146 |
Ano de publicação | Artigos | % |
---|---|---|
2021 | 5 | 3,4% |
2020 | 12 | 8,2% |
2019 | 15 | 10,3% |
2018 | 17 | 11,6 % |
2017 | 8 | 5,5% |
2016 | 16 | 11,0 % |
2015 | 5 | 3,4% |
2014 | 6 | 4,1% |
2013 | 6 | 4,1% |
2012 | 9 | 6,2 % |
2011 | 11 | 8,2% |
2010 | 9 | 6,2 % |
2009 | 9 | 6,2 % |
2008 | 3 | 2,1% |
2007 | 4 | 2,7% |
2006 | 3 | 2,1% |
2005 | 3 | 3,4% |
2002 | 1 | 0,7% |
1997 | 1 | 0,7% |
Total | 146 |
Sobre os delineamentos dos estudos desenvolvidos na América Latina sobre as IAA, constatou-se um predomínio de estudos de revisão com 26,7% da amostra (n = 39), sendo 19,2% classificada pelos autores como revisão bibliográfica, 4,1% sistemática, 2,7% integrativa e 0,7% de escopo. Em seguida, predominaram estudos de caso com 13% (n = 19), estudos descritivos 10,2% (n =15), estudos sem descrição do método 8,2% (n = 12), relatos de experiência 7,5% (n = 11), ensaios teóricos 7,5% (n = 11), estudos experimentais 4,1% (n = 6), ensaios clínicos 2,7% (n = 4), estudos de intervenção 2,7% (n = 4), estudos quase-experimentais 0,6% (n = 1) e outras metodologias 16,4 % da amostra (n = 24).
Para avaliar a qualidade metodológica dos estudos de intervenções, foram selecionados 34 artigos da amostra para análise por meio do Método de Avaliação Crítica de Estudos da Colaboração Cochrane, sendo escolhidos aqueles do tipo: ensaio clínico (4), estudo de caso (19), de intervenção (4), experimental (6) e quase-experimental (1). No Quadro 1, a seguir, são detalhadas as informações registradas sobre as publicações que compuseram a análise.
Autores e ano | População/ delineamento | Grupo controle | Intervenção e animal | Instrumentos de avaliação | Principais descobertas |
Critérios Cochrane | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A | B | C | D | E | Total | Classe | ||||||
Araujo et al. (2011) | 17 idosos/ Estudo experimental | X | TAA/cavalo | Teste de estabilometria através de Plataforma de Força AMTI (Force Measurement Systems); Teste Timed Up and Go (TUG). | O tratamento foi preditor de menor risco de quedas em idosos. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C |
Barbosa e Munster (2019) |
3 crianças entre 4 e 9 anos de idade com TEA/estudo de caso | TAA/cavalo | Anamnese familiar; Protocolo de Avaliação de Habilidades Básicas de Aprendizagem (ABLA); diário de campo; Lista de checagem para registro. | Aumento da aprendizagem de posturas sobre o cavalo com auxílio exclusivamente verbal após intervenção. | 1 | 4 | 1 | 1 | 1 | 8 | B | |
Beinotti et al. (2010) | 20 indivíduos pós-acidente vascular encefálico/estudo experimental | X | TAA/cavalo | Ambulation Category Scale (FAC); Fugl-Meyer Scale subitens de membros inferiores e equilíbrio; Berg Balance Scale e avaliação funcional da marcha (cadência). | Melhora nos padrões de marcha. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C |
Castilho et al. (2018) | 1 criança com 10 anos com TEA/ estudo de caso | TAA/cavalo | Childhood Autism Rating Scale (CARS); Escala de Desenvolvimento Motor (EDM); Inventário Portage Operacionalizado. | Aumento dos escores da EDM nas áreas motricidade global, equilíbrio e organização espacial. | 1 | 4 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Cechetti et al. (2016) | 9 idosos entre 68 e 79 anos/ ensaio clínico | TAA /cão | Teste Miniexame do Estado Mental (MEEM); Escala de Equilíbrio de Berg; Teste de equilíbrio de Tinetti, Teste de Alcance Funcional; Teste de caminhada de seis metros. | Aumento do equilíbrio, controle postural e da marcha. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Coimbra et al. (2006) | 1 criança com 5 anos de idade com Paralisia Cerebral tipo diparético espástico/ estudo de caso | TAA/cavalo | Gross Motor Function Measure (GMFM); Teste de equilíbrio de Tinetti. | Aumento do equilíbrio funcional estático e dinâmico. | 0 | 4 | 2 | 1 | 1 | 8 | B | |
Copetti et al. (2007) | 3 crianças com média de 5 anos com Síndrome de Down/ estudo de caso | TAA/cavalo | A análise da marcha pelo Sistema Peak MotusTM. | Alterações positivas no comportamento angular da articulação do tornozelo. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Costa et al. (2019) | 8 jovens adultos e adultos entre 16 e 45 anos com gagueira/ ensaio clínico | X | TAA /cão | Perfil da Fluência da Fala; Stuttering Severity Instrument - 3 (SSI-3). | A análise comparativa indicou que o grupo que realizou o tratamento sem a presença do cão alcançou melhores índices de performance, evolução e eficácia. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C |
Costa et al. (2018) | 1 adulto com 52 anos, com doença de Huntington/ estudo de caso | TAA/cavalo | Escala de Equilíbrio de Berg (EEB). | Melhora das atividades que envolvem o uso do equilíbrio estático, nos aspectos relacionados a alcançar, girar, transferir-se e permanecer em pé. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Oliveira et al. (2016) | 1 criança com 11 anos com atraso no processo de aprendizagem/ estudo de caso | AAA /cão | Não utiliza instrumentos de avaliação. | Redução das condutas agressivas e de isolamento. | 1 | 4 | 0 | 1 | 1 | 7 | B | |
Sousa e Navega (2012) | 18 crianças com média de 8 anos com paralisia cerebral/ ensaio clínico | X | TAA/cavalo | Medida de amplitude de movimento de todas as articulações dos membros superiores e inferiores. | Melhora na amplitude de movimento. | 1 | 4 | 2 | 1 | 2 | 10 | C |
Nascimento et al. (2010) | 12 crianças de 3 a 5 anos com Paralisia Cerebral/ estudo experimental | TAA/cavalo | Gross Motor Function Classification System (GMFCS); Gross Motor Function Measure (GMFM). | Melhora na capacidade de sentar. | 2 | 2 | 2 | 1 | 2 | 9 | C | |
Espindula et al. (2012) | 6 crianças entre 7 e 15 anos com deficiência intelectual/ estudo de caso | TAA/cavalo | Teste de flexibilidade no banco de Wells. | Aumento da flexibilidade em cadeia muscular posterior. | 1 | 4 | 2 | 1 | 1 | 9 | C | |
Faraco et al. (2009) | 28 crianças e adolescentes com transtornos mentais diversos/ estudo de intervenção | TAA/cão, tartaruga, periquito, peixe, cabra e roedores | Escala de Avaliação Global de Crianças (CGAS); Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ), versões para pais e jovens. | Diminuição dos escores de dificuldades emocionais do SDQ. | 1 | 4 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Fosco et al. (2009) | 2 crianças entre 2 e 3 anos com paralisia cerebral/ estudo de caso | X | TAA /cão | Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI). | Aumento das habilidades funcionais nas áreas de autocuidado, mobilidade e função social. | 2 | 2 | 2 | 1 | 2 | 9 | C |
Gonçalves et al. (2019) | 2 idosos com demência/ estudo de caso | TAA /cão | Miniexame do Estado Mental (MEEM); Testes de Alcance funcional; Timed up and Go (TUG); Índice de Barthel; Escala de depressão geriátrica. | Melhora do equilíbrio e da capacidade funcional nos resultados dos testes de Alcance funcional e TUG, mantiveram o desempenho funcional pelo Barthel e houve piora do humor. | 1 | 4 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Gregório & Krueger (2013) | 1 criança com 2 anos com paralisia cerebral/ estudo de caso | TAA/cavalo | Gross Motor Function Measure (GMFM). | Aumento da simetria corporal, controle cervical e torácico, da motricidade dos membros superiores e inferiores. | 2 | 3 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Holanda et al. (2017) | 1 adulto com 23 anos com TEA/ estudo de caso | TAA/cavalo | Montreal Cognitive Assessment (MOCA). | Não apresentou melhora significativa nos aspectos avaliados. | 0 | 3 | 2 | 1 | 2 | 8 | B | |
Ichitani et al. (2021) | 1 adulta com 45 anos com gagueira/ estudo de caso | TAA /cão | Não utiliza instrumentos de avaliação. | O cão fez contato físico, deu suporte, motivou e acolheu o sujeito em situações de demonstração de conflitos psíquicos. | 1 | 4 | 0 | 1 | 2 | 8 | B | |
Ichitani e Cunha (2016) | 17 crianças e adolescentes hospitalizadas com queixa de dor/ estudo de intervenção | AAA /cão | Escala numérica de dor. | Diminuição da sensação de dor autorreferida pelos pacientes após a intervenção com o cão e melhora nos aspectos emocionais sobre a hospitalização. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Jiménez et al. (2012) | 15 adolescentes com média de 18,7 anos, com problemas emocionais/ estudo de intervenção | TAA /cão | Escala de Autoestima de Rosenberg; Escala Triat Meta Mood Scale (TMMS-24); Autoavaliação em cada sessão; Questionário de avaliação dos benefícios da TAA. | Aumento da atenção emocional dos adolescentes e na capacidade de reconhecimento das suas emoções. | 2 | 3 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Mata et al. (2020) | 80 crianças de 5 a 6 anos/ estudo quase-experimental | X | AAA /cão | Achievement Emotions Questionnaire - Elementary School; Scale of Emotional Responses to Reading; questionário desenvolvido para os pais e professores. | A presença dos cães aumentou o prazer a satisfação e o interesse das crianças pela leitura | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C |
Menezes et al. (2013) | 11 pessoas com esclerose múltipla/ ensaio clínico | X | TAA/cavalo | Avaliação antropométrica e da estabilidade postural utilizando uma plataforma de força (para calcular o deslocamento do centro de pressão - COP). | Melhora na estabilidade postural. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C |
Negri et al. (2010) | 24 crianças (12 com desenvolvimento típico e 12 com paralisia cerebral)/ estudo experimental | X | TAA/cavalo | Gross Motor Function Classification System (GMFCS); Comportamento da frequência cardíaca (FC) de repouso e sua variabilidade utilizando-se o software Nerve-Express®. | TAA não promoveu influência sobre as respostas da FC e sua variabilidade nas crianças com paralisia cerebral. | 1 | 4 | 2 | 0 | 2 | 9 | C |
Porto e Quatrin (2014) | 1 adolescente com paralisia cerebral quadriparética espástica/ estudo de caso | TAA/cães | Medição da Função Motora Grossa (GMFM); Entrevista semiestruturada adaptada com responsável do adolescente. | Identificou-se melhora no desenvolvimento motor pós-intervenção e nos aspectos socioafetivos relatados pelo responsável. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Ribeiro et al. (2016) | 5 indivíduos com média 12 anos com Síndrome de Down/ estudo de intervenção | TAA/cavalo | Avaliação por fotogrametria utilizando o Software de Avaliação Postural (SAPO). | Mudanças posturais e melhora do alinhamento de membros inferiores após as sessões de equoterapia. | 2 | 4 | 2 | 0 | 2 | 10 | C | |
Rigoni et al. (2017) | 20 indivíduos jovens saudáveis com média de 22,4 anos/ estudo experimental | TAA/cavalo | Avaliação da frequência cardíaca (FC) e pressão arterial (PA) utilizando monitor cardíaco digital. | A montaria a cavalo ao passo e ao trote foi capaz de promover alterações significativas na FC e PA de indivíduos jovens saudáveis. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Rosa et al. (2011) | 5 adultos com média de idade de 33,4 anos, com lesão raquimedular/ estudo de caso | TAA/cavalo | American Spiral Injury Association (ASIA); Estabilometria; Teste Clínico de Integração Sensorial e Equilíbrio (CTSIB). | Diminuição da velocidade média de oscilação corporal após as sessões de equoterapia. | 2 | 4 | 2 | 1 | 2 | 11 | C | |
Sanches e Vasconcelos (2010) | 1 criança de 3,5 anos com meningoencefalocele/ estudo de caso | TAA/cavalo | Escala de avaliação do equilíbrio de Tinetti; Escala de equilíbrio de Berg; Inventário de avaliação pediátrica de incapacidade (PEDI). | Melhora no equilíbrio, na coordenação motora e nas habilidades funcionais. | 2 | 3 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Montealegre Suárez (2018) | 4 crianças entre 3 e 12 anos com lesões no sistema nervoso central/ estudo de caso | TAA/cavalo | Avaliação fisioterapêutica qualitativa e amplitude articular passiva de MMII (goniometría). | Aumento da mobilidade articular, flexibilidade, controle postural e reações de equilíbrio. | 1 | 3 | 1 | 1 | 1 | 7 | B | |
Toigo et al. (2008) | 10 idosos entre 60 a 74 anos saudáveis/ estudo experimental | TAA/cavalo | Estabilometria. | Aumento do equilíbrio estático. | 1 | 4 | 2 | 1 | 2 | 10 | C | |
Valdiviesso et al. (2005) | 1 criança com paralisia cerebral espástico-atetóide/ estudo de caso | TAA/cavalo | Gross Motor Function Measure (GMFM); Registros fotográficos. | Não houve melhora significativa no desempenho motor, porém é relatado melhora qualitativa no alinhamento postural. | 1 | 3 | 2 | 0 | 2 | 8 | B | |
Zago et al. (2011) | 1 criança de 6 anos diplégica do tipo espástica/ estudo de caso | TAA/cavalo | Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI); Entrevista semiestruturada. | Aumento das habilidades funcionais nas áreas de autocuidado, mobilidade e função social. | 2 | 4 | 4 | 1 | 2 | 11 | C | |
Zago et al. (2012) | 3 indivíduos hemiparéticos com distúrbios de equilíbrio/ estudo de caso | TAA/cavalo | Escala Funcional de Equilíbrio de Berg; Questionário de Qualidade de Vida (SF-36). | Houve melhora significativa do equilíbrio apenas em um dos participantes do estudo. | 2 | 3 | 2 | 1 | 2 | 10 | C |
Observa-se no Quadro 1, um predomínio da utilização das IAA na população infantil 58,8% (n = 20) com diferentes condições de saúde, principalmente aquelas com diagnóstico de paralisia cerebral 23,5% (n = 8), transtorno do espectro autista (TEA) 5,8% (n = 4) e síndrome de Down 5,8% (n = 4). Sobre o tipo de intervenção, constatou-se um volume maior de publicações que utilizam cavalos como coterapeutas 67,6% (n = 23), seguido dos cães 29,4% (n = 10), apenas um estudo utilizou um programa com diferentes espécies animais (Faraco et al., 2009). Em relação aos instrumentos de avaliação, foram observadas uma variabilidade de testes, avaliações e inventários. Todavia, em alguns casos, a escolha do instrumento extrapola sua possibilidade de uso. Um exemplo disso é a adoção de instrumentos de triagem e rastreio sendo utilizados para mensurar eficácia de intervenção (Gregório & Krueger, 2013). Observou-se, também, a ausência do uso de instrumentos em dois estudos (Ichitani et al., 2021; Oliveira et al., 2016). A análise dos instrumentos utilizados nos estudos também aponta ausência de diferentes medidas para avaliação de um mesmo domínio e/ou construto, além da inexistência de instrumentos construídos e validados especificamente para mensuração da interação humano-animal. Essas ocorrências denotam fragilidade na utilização das IAA na América Latina.
A avaliação crítica dos estudos evidenciou que a maioria deles 79,4% (n = 27) apresentaram classificação C, fornecendo informação pertinente necessária para a compreensão, deixando esclarecido o procedimento geral. O restante dos estudos 20,6% (n = 7) apresentaram classificação B, fornecendo informações suficientes para sua compreensão, porém carecem de esclarecimentos específicos sobre o processo. Esses achados apontam que as pesquisas desenvolvidas na América Latina apresentam elementos que permitem sua replicação. Apesar disso, chama-se atenção para as amostras diminutas utilizadas nos estudos, a carência de estudos com grupo controle e de ensaios clínicos controlados randomizados. Tais características dificultam generalizações dos resultados para populações maiores.
4 DISCUSSÃO
O objetivo inicial deste estudo foi identificar o estado de arte das publicações sobre IAA na América Latina. Os resultados demonstram que o tema em questão começa a ser trabalhado de forma embrionária a partir de meados dos anos de 1990, ganhando maior notoriedade durante os anos 2000; todavia, o número de produções só passou a aumentar de forma expressiva e heterogênea ao longo dos anos posteriores. Esse aumento na última década seguiu uma tendência internacional descrita em outros estudos; no entanto, é evidente o atraso do início das publicações sobre IAA em relação à América do Norte e à Europa, onde são encontradas publicações desde a década de 1970 (Winkle et al., 2020; Yatcilla, 2021).
A América Latina é composta por 20 países, porém, em relação à distribuição geográfica, apenas seis deles apresentam estudos publicados sobre a temática, sendo predominantemente produções brasileiras. Acredita-se que essa concentração está associada ao fato de o Brasil ser apontado como líder da produção científica na América Latina, a partir do ranking da qualidade científica medida em periódicos de impacto pela Nature Index Global (May & Brody, 2015), e, por ser considerado em âmbito mundial, o segundo com maior população de animais de estimação (Projeto de Lei no 6590, 2019).
Sobre os tipos de estudos desenvolvidos, nossos resultados evidenciam um predomínio de estudos de revisão, seguidos de estudos de caso, descritivos e, inclusive, estudos sem a descrição do método, sendo diminuta a quantidade de produções que privilegiam abordagens experimentais, uso de grupos controle e ensaios clínicos. Esses achados vão ao encontro de estudos internacionais que criticam as metodologias empregadas na pesquisa em IAA, visto a característica amplamente descritiva, frequentemente na forma de estudos de caso, ao uso restrito de pequenos grupos de participantes sem condição de controle, e ao número incipiente de estudos que utilizam desenhos controlados randomizados padrão-ouro (Charry-Sánchez et al., 2018a, 2018b; Maujean et al., 2015).
Em relação ao segundo objetivo deste estudo, realizar a avaliação crítica da qualidade metodológica dos estudos clínicos sobre IAA na América Latina, foi constatada uma concentração de pesquisas com a população infantil, principalmente em condições de saúde como paralisia cerebral e transtorno do espectro autista. No entanto, de forma geral, as populações descritas nos estudos selecionados demonstraram heterogeneidade, levando em consideração idade, condições clínicas e variáveis sociodemográficas dos participantes. Além disso, percebeu-se, também, variabilidade nas terapias utilizadas quanto à duração geral das sessões, nas interações entre participantes e animais e nos objetivos atribuídos a cada intervenção.
Sobre o tipo de animal utilizado como coterapeuta, constatou-se um volume maior de publicações que utilizam cavalos, seguido dos cães, e apenas um estudo adotou um programa com diferentes espécies animais. Associa-se a predominância da utilização de cavalos à Associação Nacional de Equoterapia (ANDE), instituição que, desde 1989, possui critérios de certificação nacionais de qualidade e referência no ensino, na pesquisa, no desenvolvimento e na aplicação das atividades de Equoterapia (ANDE, 2022).
Essa instituição tem influenciado, por décadas, a formação de profissionais e a difusão das IAA com cavalos em âmbito nacional. Esse efeito foi observado em outros países, como a Itália, que, após a criação e a adoção de diretrizes oferecidas por agências nacionais, apresentaram um aumento da utilização das IAA (Galardi et al., 2020). A utilização de cães domésticos pode estar associada à facilidade de acesso ao treinamento desses animais. A limitação nas espécies utilizadas nas IAA Latino-americanas é contrastante com a literatura internacional, na qual são encontradas maior diversidade de coterapeutas, como peixes de aquário (Clements et al., 2019), coelhos e lhamas (Sams et al., 2006), elefantes (Satiansukpong et al., 2016) e gatos (Tomaszewska et al., 2017). Em detrimento de algumas espécies serem naturalmente mais interativas do que outras, ressalta-se que a possibilidade de utilização de animais diferentes em um mesmo programa de IAA pode ser vantajosa em determinados contextos, dependendo dos objetivos terapêuticos previamente estabelecidos.
Em relação aos instrumentos de avaliação utilizados nos estudos selecionados, observou-se variabilidade de testes, de avaliações e de inventários, sendo estes adotados com propósitos condizentes a esse tipo de instrumentação. Todavia, observou-se, também, estudos em que mensurações quantitativas não foram realizadas e aqueles que utilizaram o instrumento de forma não indicada. A escolha de um teste, seja para fins clínicos ou de pesquisa, deve se basear nos objetivos do profissional e/ou pesquisador, no perfil da população a ser avaliada e nas propriedades psicométricas do instrumento (Damásio & Borsa, 2017). Utilizar uma medida de mensuração com propósitos que excedam suas possibilidades de uso deve ser evitado, pois podem gerar resultados não confiáveis. Instrumentos que não foram desenvolvidos para medir resultados de intervenção, quando utilizados nesse contexto sem estudos prévios de validação, podem gerar informações tendenciosas, ou que não oferecem suporte ao planejamento e à validade de um tratamento (Damásio & Borsa, 2017). Sem a adoção de mensurações apropriadas, mesmo um ensaio clínico bem desenhado poderá não fornecer informações válidas sobre a efetividade de um tratamento ou os resultados obtidos em curto, médio e longo prazo com uma população.
Na mesma linha, constatou-se que, de forma geral, os estudos usaram apenas uma ferramenta de avaliação para mensuração de domínios específicos, como desfecho das intervenções. Existem recomendações clínicas que orientam que, sempre que possível, os profissionais devem adotar uma combinação de instrumentos (por exemplo: questionários de relato familiar, testes padronizados, codificação de vídeos e teste de desempenho real) para mensurar o impacto das intervenções assistidas em um mesmo domínio específico, possibilitando, assim, a compreensão com maior detalhe dos efeitos do tratamento no domínio avaliado (Srinivasan et al., 2018; Wilson & Netting, 2012).
Um aspecto que merece destaque é que nenhum estudo utilizou instrumentos construídos e validados especificamente para mensuração da interação humano-animal, denotando grave fragilidade na utilização das IAA na América Latina. É imprescindível que as medidas selecionadas para avaliar os resultados das intervenções sejam teoricamente alinhadas com os objetivos e o escopo da intervenção (Laurindo et al., 2021; Maujean et al., 2015). O pressuposto teórico fundamental das IAA assenta-se sobre a capacidade das interações humano-animal promoverem efeitos positivos na saúde e no bem-estar (Maujean et al., 2015; Rodriguez et al., 2021; Wilson & Netting, 2012). Dessa forma, a utilização de medidas de comportamento e atitudes, níveis de apego ou vínculo e empatia, que sejam psicometricamente sensíveis a mensurar mudanças durante e após a interação com animais, são primordiais nas IAA.
A avaliação crítica dos estudos selecionados evidenciou que a maioria deles apresentou classificação C e B, demonstrando que, de forma geral, as pesquisas clínicas desenvolvidas na América Latina têm potencial para serem replicadas. Todavia, o Método de Avaliação Crítica de Estudos da Colaboração Cochrane analisa a presença (ou ausência) de fatores essenciais para a compreensão e a replicação dos estudos, não sendo um instrumento para avaliar risco de viés (por exemplo, no recrutamento, na avaliação de desfechos ou na análise dos dados). Os artigos avaliados quanto a esse aspecto foram predominantemente do tipo estudo de caso, sendo indispensável salientar que esse método científico não foi projetado para ser comparável, devido ao alto risco de viés e a limitações amostrais. Nesse sentido, o uso dessa metodologia inviabiliza generalizações para populações maiores.
Embora seja frequente encontrar pesquisas que forneçam uma descrição adequada dos procedimentos adotados nas IAA, como local do estudo, equipe e animais envolvidos, e as atividades realizadas, surpreendentemente, é escasso o quantitativo de estudos que avaliam a efetividade desses tratamentos (Srinivasan et al., 2018). Fine et al. (2019) reforçam a necessidade de mais esclarecimentos sobre a efetividade das IAA na vida das pessoas, por meio de evidências cientificamente fundamentadas. Os relatos imprecisos e a falta de rigor metodológico encontrados nos estudos selecionados nesta revisão de escopo dificultam a compreensão e a avaliação da eficácia das IAA, podendo impedir futuros investimentos na área e sua consolidação na América Latina.
Nossos achados por meio do presente estudo estão em consonância com a literatura internacional, que aponta que as IAA como campo do saber devem apresentar maior credibilidade, por intermédio da intencionalidade no design de seus estudos, priorizando o desenvolvimento de ensaios clínicos controlados. Recomenda-se, também, o uso de amostras homogêneas, que sejam comparáveis entre intervenções, emprego de grupos de controle e atribuição aleatória dos participantes, adoção de medidas de mensuração válidas e confiáveis, ocultação dos avaliadores e controles rigorosos sobre a fidedignidade do tratamento (Charry-Sánchez et al., 2018a, 2018b; Feng et al., 2021; Fine et al., 2019; Maujean et al., 2015; Srinivasan et al., 2018).
5 CONCLUSÕES
Nesta revisão de escopo, tentamos ir além do fornecimento de uma síntese qualitativa da literatura atual sobre as IAA na América Latina, analisando criticamente a qualidade metodológica dos estudos clínicos desenvolvidos nesse continente. Nossos achados apontam um aumento das produções ao longo dos anos e um predomínio de publicações brasileiras. As práticas clínicas analisadas, apesar de apresentarem critérios de replicabilidade, são desenvolvidas de forma heterogênea, com amostras reduzidas, desenhos metodológicos frágeis e não utilizam instrumentos de avaliação específicos para mensurar as interações humano-animal. Sugere-se como recomendações para pesquisas futuras o desenvolvimento de estudos com maior rigor metodológico, que utilizem métodos experimentais como ensaios clínicos controlados randomizados, que permitam avaliar com maior precisão os resultados que podem ser alcançados por meio da utilização de animais em contextos de promoção da saúde humana.