Introdução
A psicologia histórico-cultural (que emerge no contexto soviético, em meados dos anos de 1920), chega de forma controversa na Alemanha Oriental (República Democrática Alemã [RDA]), apenas no final dos anos de 1950. O pedagogo e psicólogo alemão Joaquim Lompscher (1932-1955) trabalhou intensamente na introdução, divulgação e difusão da psicologia e da didática soviéticas na RDA. Apesar de seus esforços, ele só consegue publicar a tradução de dois dos seis volumes das “Obras escolhidas” (Vigotski, 1983,1991, 1993, 1995, 1996, 1997), de Vigotski, e o livro “Pensamento e linguagem” (Vigotski, 2008), de 1934, só foi publicado em alemão em 1964, trinta anos depois de seu lançamento. Ainda que sua publicação tenha ocorrido na RDA cinco anos antes do que na Alemanha Ocidental, as ideias do autor, sua obra e seus desdobramentos para a educação encontraram resistências e não se constituíram em sistema educacional alemão.
A atividade de estudo, que se edifica como teoria a partir do esforço conjunto de D. B. Elkonin, V.V. Davidov e várias equipes internacionais, chega à RDA nos anos de 1960 após a presença de V.V. Davidov e D.B. Elkonin na Alemanha Oriental e ganha força somente no final da década, no Instituto Alemão de Educação Central. O interesse por esses trabalhos se expande na década de 1970, quando ocupam a agenda de discussões do XXII Congresso Internacional de Psicologia, que ocorreu em 1980, em Leipzig. Nesse contexto, as contribuições de Lompscher e A. Kossakowski foram fundamentais, o primeiro por pautar o “conceito de atividade” e, o segundo, o de “atividade de estudo”, sob o enfoque do método de ascensão do abstrato ao concreto que orientava os estudos experimentais de D.B. Elkonin e V.V. Davidov.
Apesar desse contexto de efervescência das novas ideias, a RDA convive, contraditoriamente, com a tradição, a resistência à mudança e uma política voltada mais para a manutenção do que para transformações reais na educação alemã. Havia uma compreensão do Ministério da Educação e da Academia de Ciências Pedagógicas de que a perspectiva da atividade destoava das diretrizes e políticas educacionais do partido.
A disseminação da abordagem soviética em meio a essa conjuntura se deu pelo trabalho intenso do grupo de Berlim, com a participação, entre outros, de Lompscher, G. Hinz, B. Jülisch, I.P. Scheibe, P. Wagner, L. Komarowa, A. Kossakowski, L. Schröter, H.J. Duong, W. Jantos, E. Koester, G. Pippig, O. Küchle, P. Dienes, T. Jeeves, H. Götz, H. Schössler, G. Schulze, M. Fischer, H. Giest, J. Hoffmann e K. Irmscher e dos vietnamitas Le Khanh e Nhu Xuyen Doung.
O grupo contou com a importante liderança de Lompscher, defensor da aprendizagem desenvolvimental e, em particular, da atividade de estudo como impulsionadoras do desenvolvimento psíquico. Ao longo de toda sua carreira, Lompscher produz uma extensa obra que lhe traz reconhecimento internacional, com publicações em diferentes línguas2. Mesmo sabendo que sua produção é ainda maior, um levantamento inicial permitiu identificar, no período de 1968 a 2006, aproximadamente cinquenta e duas publicações, sendo trinta e sete em alemão (Artelt et al., 2005 (publicado originalmente em 1995); Giest; Lompscher, 2004, 2006; Bartl; Lompscher, 1996; Conferência Europeia de Aprendizagem e Ensino de Investigação, 1993; Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, 1994; Lompscher, 1968, 1971, 1972, 1977, 1979, 1980, 1982a, 1982b, 1983, 1988, 1989a, 1989b, 1992a, 1992b, 1993a, 1993b, 1993c, 1993d, 1994a, 2005 (publicado originalmente em 1994b), 1996a, 2005 (publicado originalmente em 1996b), 1997, 1998a, 1998b, 2005a, 2005b; Lompscher; Márkova; Davidov, 1982; Lompscher; Pippig, 1989; Rückriem; Lompscher, 2003); seis em russo (Kossakovski; Lompscher, 1990; Lompscher, 1998a (publicado originalmente em 1996); 1998b, 2005c (publicado originalmente em 2000); Lompscher; Márkova; Davidov, 1982); sete em inglês (Lompscher, 1982a, 1994c, 1999a, 2005 (publicado originalmente em 1999), 2005b; Lompscher; Giest, 2003; Lompsher, 2003); um em espanhol (Lompscher; Márkova; Davidov, 1987) e um em língua portuguesa (Lompscher, 1996d).
O autor também se constituiu em uma referência em estudos e investigações internacionais sendo citado, entre outras, na literatura alemã (Erdmann; Rückriem, 2010; Fichtner, 1992; Giest, 1992, 2016; Hascher; 2007; Henkel et al., 2003; Leitner, 2011; Matthes, 2011; Rückriem, 2012) russa (Davidov, 2019a, 2019b; Kotlyar, 2014; Rubtsov; Korepanova, 2007); inglesa (Bikner-Ahsbahs et al., 2016; Bruder; Schmitt, 2016; Kozulin, 2004; Schulz; Geithner, 2010); e portuguesa (Amaral, 2006; Freitas, 2016; Libâneo, 2012; Marzari; Moraes; Oliveira, 2016; Marzari; Ribeiro; Lopes, 2018; Peres; Freitas, 2014; Sforni; 2004).
Apesar da vasta obra, Lompscher ainda é pouco conhecido na América Latina e suas contribuições muitas vezes são ignoradas, inclusive no Brasil. Na literatura brasileira, só identificamos a citação de duas de suas publicações: “Aprendizagem, estratégias e ensino” (Lompscher, 1996d), que até 2022 era a única publicação do autor em língua portuguesa3 e “Learning activity and its formation: ascending from the abstract to the concret”, uma de suas publicações em inglês, realizada em 1999 (Lompscher, 1999b), na Dinamarca. O desconhecimento das contribuições do autor e do grupo de Berlim para a atividade de estudo é uma realidade e se apresenta como uma demanda para a academia brasileira.
Procedimentos Metodológicos
Diante da ausência de trabalhos sobre as contribuições do grupo de Berlim, o artigo se propõe a sistematizar os resultados de pesquisa teórica e documental realizada sobre a produção, o método experimental e as interpretações elaboradas no âmbito da aprendizagem desenvolvimental produzidas experimentalmente na Alemanha Oriental, de modo a analisar a inserção da psicologia histórico-cultural e da atividade de estudo em território alemão, com foco nas contribuições do pedagogo e psicólogo Lompscher.
A abordagem do tema orientou-se por um conjunto de perguntas que são tomadas como ponto de partida e problematizações para este e outros estudos: qual a natureza do trabalho experimental realizado na RDA? Em que contexto político, epistemológico e teórico emergem as ideias da psicologia e da didática desenvolvimental na Alemanha Oriental? Que tensões são produzidas? Que contribuições o trabalho experimental realizado na Alemanha Oriental trouxe para o campo educacional divergente das orientações oficiais do Ministério da Educação vigentes à época?
O artigo entremeia tais questões com ênfase no estudo da vida e do pensamento de Lompscher, precursor da psicologia histórico-cultural e da atividade de estudo na Alemanha Oriental; na análise das interpretações e contribuições do grupo de Berlim para a atividade de estudo; assim como na investigação da atividade experimental realizada na RDA. Tendo em vista contribuir para a difusão do trabalho do grupo de Berlim e para a problematização da teoria da atividade de estudo transversal à produção que tem sua gênese e desenvolvimento na antiga União Soviética.
Joaquim Lompscher: vida e obra do precursor da psicologia histórico-cultural e da atividade de estudo na RDA
Nascido em Chemnitz, em 1932, e falecido em Berlim, na Alemanha, em 2005, Joaquim Lompscher teve a vida marcada por uma história de luta. Seus pais, o chaveiro Paul Lompscher e a contadora Jenny Z. Lompscher, eram judeus, membros do Partido Comunista Alemão e foram “levados em ‘custódia protetora’ pelos nazistas em 1933, mas libertados [...] ‘por falta de provas’” (Deutsch Dutch Iscar Section, 2005, p. 1).
Em um cenário de opressão e perseguição, teve uma infância difícil, viveu sob o governo fascista alemão, obrigado a submeter-se às Leis de Nuremberg4 e precisou esconder-se com sua mãe para sobreviver ao Holocausto. Isso o fez assumir uma posição de enfrentamento ideológico à política repressiva e se apresentar como combativo, com comportamento crítico e revolucionário. Imbuído desse espírito, “[...] trabalhou como comunista comprometido para desenvolver uma nova pedagogia e psicologia baseadas na abordagem histórico-cultural e, sobretudo, no contexto da Teoria de Atividade de Aprendizagem [de Estudo]” (Fichtner, 2015, p. 88).
Sua sólida formação edificada na antiga União Soviética, no período de 1951 a 1958, se deu desde a graduação em Pedagogia e Psicologia (1951 a 1955), na Universidade Pedagógica do Estado de Moscou (o então Instituto Pedagógico V.I. Lenin), até seu doutoramento em Psicologia da Aprendizagem, defendido em 1958, pela Universidade de Leningrado/URSS. Depois de oito anos de permanência em Moscou e Leningrado, a volta de Lompscher da URSS no final dos anos de 1950, traz para a Alemanha uma importante porta de diálogo com a psicologia pedagógica soviética, depois fortalecida pela parceria que estabelece com Davidov e Elkonin, a partir dos anos de 1960. De volta à Alemanha Oriental, conclui sua livre docência em 1970, pela Universidade de Lípsia (Alemanha) e se estabelece como professor na Universidade de Potsdam (Alemanha), onde trabalhou durante anos. Diretor secundário do Instituto de Psicologia Pedagógica na Academia de Ciências Pedagógicas alemã, Lompscher foi duramente criticado, sobretudo nos anos de 1985 e 1986, por trabalhar com a Teoria da Atividade, e um de seus livros (“Atividade – Atividade de Estudo – Estratégias”) foi censurado, acusado de destoar das orientações e princípios do Ministério da Educação.
Suas primeiras iniciativas experimentais com atividade de estudo, na RDA, começam ainda na década de 1960 e se estendem até o final dos anos de 1980 e início de 1990, quando ocorre a reunificação da Alemanha (em 3 de outubro) com a incorporação do território da antiga República Democrática da Alemanha (RDA ou Alemanha Oriental) à República Federal da Alemanha (RFA ou Alemanha Ocidental).
O trabalho experimental é encerrado em 1990, mas a produção escrita permanece ativa. Mesmo depois de se aposentar como diretor do centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Instrução, da Universidade de Potsdam, em 1997, Lompscher permanece produzindo. A década de 1990, seguida da primeira metade dos anos 2000, é marcada por várias produções sob a forma de artigos, relatórios de pesquisa e comunicações em eventos científicos, alguns dos quais compõem o levantamento já mencionado. A última obra de Lompscher, “Lernkultur Kompetenzentwicklung aus kulturhistorischer Sicht: Lernen Erwachsener im Arbeitsprozess”, foi publicada pela International Cultural-historical Human Sciences, em 2005, ano de sua morte (Engeström; Lompscher; Rückriem, 2005).
A psicologia histórico-cultural e a atividade de estudo na Alemanha Oriental
A entrada da psicologia histórico-cultural e da atividade de estudo na Alemanha Oriental representa uma revolução para a psicologia da época e se expande pela via do intenso trabalho de estudo, assimilação e pesquisa experimental realizado pelas equipes interdisciplinares vinculadas a Lompscher e seu grupo; simultaneamente à disseminação das ideias de Elkonin, Davidov e outros soviéticos que se erguem com a ampliação das traduções desses autores, que aos poucos ganham espaço inclusive na Alemanha Ocidental.
Essa não foi uma tarefa fácil, em primeiro lugar pelo potencial inovador e inédito para a Alemanha dos fundamentos da nova psicologia e didática em franco desenvolvimento na ex-URSS, o que exigiu muito estudo teórico e metodológico. Em segundo, pelo contexto epistemológico e político prevalecente na Alemanha que fez desse processo exercício de resistência e luta para alçar novas abordagens.
As lideranças do Ministério da Educação e da Academia de Ciências Pedagógicas não gostaram da divulgação e aplicação da teoria da atividade, que supostamente não correspondia às diretrizes e política educacional do partido, impedindo a introdução de “novos” currículos
(Lompscher, 2005c, p. 102)5.
As atividades experimentais na Alemanha Oriental se edificaram em meio às contradições políticas, epistemológicas e teórico-metodológicas que emergiam na gestão pública, nos centros científicos e nas academias de pesquisa. Apesar disso, os psicólogos e pedagogos da RDA, liderados pelo grupo de Lompscher, realizaram um importante trabalho experimental que trouxe contribuições para a consolidação e ampliação da teoria da atividade de estudo e suas teorias auxiliares6 produzidas no processo de edificação do sistema didático Elkonin-Davidov-Repkin7. Em particular, com foco no método de ascensão do abstrato ao concreto e na teoria da generalização que se constituíram objeto do interesse investigativo deste grupo, nas várias áreas do conhecimento escolar.
Essa perspectiva na Alemanha começa com Lompscher, que inicia esse trabalho a princípio sozinho e logo o faz com a criação de um grupo. Seus trabalhos seguem, inicialmente, influências de N.A. Menchinskaya, embora logo perceba os limites de sua abordagem atrelada à descrição de situações de aprendizagem, sem impactos à abstração necessária ao desenvolvimento do pensamento teórico. Segue, então, influências dos trabalhos de Galperin, a quem exalta por sua contribuição para a compreensão dos processos de formação das ações mentais. Contudo, aos poucos, ele reconhece que sua teoria e método se constituem em uma abordagem estreita, focada apenas na ação separada.
Posteriormente, quando conhece Davidov, em 1960, e Elkonin, em 1963, ele se depara com uma perspectiva que considera mais ampla e integrada (Lompscher, 1998b)8. Lompscher se surpreende logo em seu primeiro contato com Davidov, no simpósio sobre psicologia do desenvolvimento no Instituto de Psicologia da Universidade Humboldt, em Berlim, pela forte crítica que faz à didática tradicional e à psicologia educacional da época em que a dialética do abstrato e do concreto são ignoradas. Impressiona--se, igualmente, pelos estudos de Elkonin sobre a atividade pedagógica com leitura, quando o conhece tanto por meio de seus trabalhos científicos que passam a ganhar expressividade internacional, quanto de forma presencial, em 1963, ocasião em que esteve na RDA realizando atividades junto a professores e cientistas-pedagogos.
Nas décadas de 1960 e 1970, predominavam na psicologia e pedagogia alemã o behaviorismo e o cognitivismo piagetiano. Lompscher e seu grupo, contrários à interpretação vigente e seguindo os fundamentos histórico-culturais, defendem a aprendizagem (учение) como o principal dispositivo impulsionador do desenvolvimento psíquico e a conceituam como “[...] a assimilação da cultura humana no processo de atividade, em condições de cooperação social e comunicação, como uma unidade de interiorização e exteriorização” (Lompscher, 2005c, p. 100)9. Nessa linha interpretativa, assumem enquanto atividade de estudo, um conceito mais amplo, se comparado ao de Davidov, e a concebem como um tipo especial de atividade dirigida à automodificação e ao autodesenvolvimento do aluno, na qual o meio para tal processo encontra-se no material de estudo. Ressaltam, no entanto, que “[...] os objetos externos se tornam meios de atividade de estudo apenas quando entram na estrutura desta própria atividade” e assim se constituem “[...] apenas no processo em que eles próprios se tornam o sujeito dessa atividade” (Lompscher, 2005c, p. 103).
Essa leitura do grupo de Berlim chama a atenção especialmente porque põe em evidência o papel do sujeito da atividade e enfatiza a constituição humana como processo de unidade. Ainda que o trabalho experimental realizado pelo grupo de Berlim tenha se apoiado nos fundamentos da teoria da atividade em que se predomina uma interpretação dos processos psíquicos como processos de interiorização socialmente determinados, espelha aqui influências das ideias rubinstainianas10 que se constituem em oposição a qualquer tipo de determinação social e salientam dimensões subjetivas do sujeito em atividade. Assim, embora Lompscher tenha trabalhado com a atividade de estudo em referência à trajetória experimental e teórica do grupo moscovita liderado por Elkonin e Davidov (sob o aporte do conceito e da estrutura da atividade desenvolvidos por Leontiev), percebe-se a influência de S.L. Rubinstein (no enfoque do grupo que lidera).
O esforço de todo o grupo não se erigiu com base na incorporação de uma teoria estrangeira e sua orientação metodológica, outrossim levou ao desenvolvimento experimental de atividades de estudo, inclusive com interpretações e produções próprias sobre o estudo, a atividade e seus componentes, assim como sobre o papel do sujeito da atividade. Nesse processo, foram estabelecidos componentes objetivos da atividade (conteúdo, meios, condições, tarefas, entre outros) e componentes subjetivos (motivos, objetivos, conteúdo psíquico da atividade – imagens dos objetos, condições, relação emocional e racional com objetos, condições e significado da atividade – e processualidade psíquica – processos cognitivos, emocionais e volitivos). Os componentes, mesmo que tenham tomado como ponto de partida a estrutura geral da atividade de Leontiev, em que subjaz uma relação sujeito-objeto, incluem claramente aspectos subjetivos e colocam em destaque uma abordagem que, de certo modo, se contradiz à visão objetal delineada no seio da teoria da atividade leontiviana.
Vê-se nessa estruturação uma importante contribuição do grupo liderado por Lompscher que traz, para a pauta da atividade de estudo e seus componentes, uma dimensão que põe em relevo aspectos subjetivos inerentes à unidade sujeito-atividade, com ênfase à condição do sujeito na situação de atividade; mesmo com a influência da relação sujeito-objeto proeminente na perspectiva leontiviana e na abordagem moscovita da teoria da atividade de estudo.
O método empregado (do abstrato ao concreto) compreende a abstração inicial como central na atividade de estudo, expressa não pela transmissão direta, mas pela orientação e colaboração com o outro, em situações que as ações de estudo sejam descobertas e formadas pelos próprios alunos. Dessa maneira, a abstração inicial se constitui ponto de partida da ascensão do abstrato ao concreto, enquanto resultado da atividade dos alunos; representa, portanto, uma etapa fundamental na concepção desenvolvimental, negligenciada no ensino tradicional.
Sob essa perspectiva, Lompscher vai distinguir estratégias de ensino e estratégias de aprendizagem. Mesmo quando as compreende enquanto unidade na atividade de estudo, destaca especificidades segundo as quais, as estratégias de ensino presumem: 1) a formação de objetivos de estudo; 2) a formação de ações de estudo; 3) a formação de modelos de estudo; 4) o trabalho com séries de concretização; 5) a resolução de problemas; 6) a reflexão e verbalização; e 7) a interação social. Enquanto as estratégias de aprendizagem “[...] podem ser definidas como procedimentos complexos e generalizados, usados consciente e inconscientemente, para atingir objetivos de aprendizagem a fim de dominar tarefas de aprendizagem [estudo]” (Lompscher, 1996d, p. 100) e: (1) se referem ao meio individual de desempenhar as ações de estudo; (2) fazem parte de uma estrutura e de uma atividade que contêm motivos, meios e condições concretas; (3) são resultados e pré-requisitos (subjetivos) de processos de estudo; (4) enquanto extremos de um processo contínuo, surgem tanto como adaptação inconsciente às condições de uma determinada atividade, quanto como orientação consciente para objetivos e tarefas; (5) podem se desenvolver em diferentes direções-generalização (expansão ou redução, emergir do conhecimento ou automatização), a depender das condições de seu surgimento e de sua realização; (6) se constituem enquanto componente que regula a atividade psíquica e interagem com componentes motivacionais, volitivos e cognitivos; e (7) podem ser promovidas ou restringidas, a depender do que foi planejado enquanto atividade dos alunos.
Uma vez postas as particularidades de ambas estratégias, como delimitadas por Lompscher, cabe colocar esse enfoque em debate. A abordagem que particulariza estratégias de ensino e de aprendizagem compõe a identidade do grupo de Berlim e essa interpretação chama a atenção por duas razões. Primeiro, a ideia de “estratégia” estrangula, de certo modo, o conceito central de “atividade de estudo”. Segundo as divisões em estratégias de ensino e de aprendizagem acentuam esse estrangulamento e se distanciam do conceito de aprendizagem defendido, no qual se tem a comunicação e colaboração como essência, na unidade interiorização-exteriorização. A especificação de estratégias no sentido colocado contradiz a unidade que caracteriza o processo de aprendizagem.
A atividade experimental realizada pelo grupo de Berlim
Na primeira metade dos anos de 1960, Lompscher, após o contato que teve com V. Davidov e Elkonin, elabora e desenvolve um experimento num curso preparatório sobre leitura, utilizando a metodologia de Pantina (Galperin, 1967). A aprendizagem da leitura ocorre com uma rapidez que o surpreende, apesar de reconhecer que esse primeiro experimento não produziu os impactos esperados. Isso se dá em meio a um ambiente hostil, caracterizado pelo ceticismo dos metodólogos em relação às novas proposições e o coloca frente a duras críticas (Lompscher, 2005c).
De todo modo, tinha clareza de que ainda não dominava com profundidade as bases e métodos desenvolvimentais em construção no contexto soviético. O jovem Lompscher, que à época tinha cerca de 30 anos, demonstrava entusiasmo e um espírito inquieto e inovador que o leva a transitar experimentalmente por práticas que expressavam influências de diferentes abordagens. O sincretismo que marca a natureza dos experimentos em desenvolvimento nesse período conduz Lompscher à Escola 91, em Moscou, onde acompanha aulas de matemática, gramática, pintura etc. Faz um mergulho no laboratório experimental de Elkonin, Davidov e seus grupos, debruça-se nos estudos produzidos por eles e busca o diálogo com autores de vários programas experimentais.
Com base nas contribuições e avanços que o grupo de Davidov alcançou, Lompscher considerou improdutivo repetir o que já havia sido realizado e comprovado em termos da atividade de estudo em escolas primárias (o correspondente às séries iniciais do Ensino Fundamental) e focou seus experimentos em outro nível, a partir dos 4os anos. A trajetória experimental do grupo de Berlim revelou que o ciclo dos experimentos com alunos dos 1os, 2os e 3os anos do Ensino Fundamental nem sempre se constituía suficiente para solucionar todas as questões que emergiam no contexto da educação experimental. O que os leva a desenvolver, nas décadas de 1970 e 1980, trabalhos experimentais a partir dos 4os anos, com crianças de 10 a 12 anos de idade, com o objetivo de “[...] encontrar meios e mostrar as possibilidades de promover o pensamento teórico elementar e a motivação cognitiva numa idade que é [...] caracterizada ainda por operações concretas” (Lompscher, 1996d, p. 92).
Nesse universo, os experimentos buscavam apreender, “em primeiro lugar, a mudança de um estado para outro, em segundo, as consequências dessa mudança e, em terceiro, as condições em que este processo ocorre” (Lompscher, 1998a, p. 1)11. O trabalho experimental partiu de um conjunto de ações de estudo, incluindo pequenos experimentos de modo a se formar uma abstração inicial e o modelo correspondente, de onde vários outros processos relacionados à ciência em estudo puderam ser estudados e explicados. Uma vez formado esse modelo correspondente se obtinha uma espécie de “célula” que poderia ser utilizada em outras situações.
A experiência investigativa na Alemanha Oriental teve seu auge no período de 1978 a 1985-1986, incluindo experimentos nas várias disciplinas escolares. Foram realizados, entre outros, experimentos sobre o papel dos métodos gerais de análise e modelos para o domínio de fenômenos gramaticais complexos de língua estrangeira-russo (por Schulze); sobre as exigências que se colocam à atividade de estudo (por Lompscher); sobre as premissas fundamentais das pesquisas experimentais e sobre o uso do experimento de laboratório para a análise da atividade de estudo (por Jülisch e Götz); sobre a representação interna e a origem dos conceitos científicos (por Pippig); sobre a formação de estratégias de busca de informação nos estudantes (por E. Köster); sobre a estruturação de hipóteses durante a solução de tarefas de identificação (por Götz); sobre a formação do pensamento teórico e dos interesses cognitivos nos estudantes na área de física (por Lompscher, Le Khanh e Nhu Xuyen Doung); e sobre a solução conjunta de problemas por parte dos alunos (por Jantos)12.
Esses experimentos foram sendo realizados enquanto um processo gradual de apreensão da essência dos conceitos científicos e de construção de um modelo generalizável e contemplaram: 1) uma análise crítica dos conteúdos e métodos de aprendizagem; 2) o desenvolvimento de representações alternativas baseadas em uma concepção teórica geral; 3) a realização de experiências formativas e diagnósticas apropriadas; 4) o tratamento de dados; e 5) o processamento e a repetição dos experimentos. No que concerne à regulação psíquica e à formação da atividade de estudo, foram investigadas 1) a formação da cooperação de estudo; 2) a motivação cognitiva, as estratégias heurísticas e o pensamento teórico; 3) os conceitos e a memória semântica; e 4) a compreensão dos textos.
Essa foi uma atividade conjunta, realizada com a participação direta de pesquisadores, metodólogos, professores especialistas das diferentes áreas do conhecimento e alunos de pós-graduação que precisaram repensar suas experiências práticas com a educação e os fundamentos teóricos já consolidados. Foi preciso a apreensão de outras bases, com os princípios e as orientações teórico-metodológicas necessárias à perspectiva desenvolvimental, muitas vezes novas.
As condições objetivas pelas quais viviam a psicologia e a pedagogia na Alemanha Oriental levaram a limitações em relação à abrangência e aos impactos dos experimentos. Os quais na maioria dos casos se restringiam a microciclos13, realizados em períodos aproximados de 3 a 6 meses e que, por isso, levavam a resultados parciais em relação ao que potencialmente os experimentos poderiam revelar.
A atividade experimental realizada pelo grupo de Berlim viveu altos e baixos e, apesar das dificuldades efetivas de se implementar uma escola desenvolvimental e das objeções e críticas que teve de enfrentar, ela conseguiu realizar vários experimentos em diferentes disciplinas escolares. Esse foi um trabalho engajado e de resistência que o grupo conseguiu sustentar até os anos de 1990, quando a Academia de Ciências Pedagógicas da RDA e suas escolas experimentais foram extintas com a reunificação da Alemanha.
Considerações Finais
A psicologia histórico-cultural e a atividade de estudo tiveram uma entrada na Alemanha Oriental marcada por processos controversos de resistência política, epistemológica e teórico-metodológica. Essa abordagem se efetivou graças ao empenho do psicólogo e pedagogo Lompscher que se debruçou no estudo teórico da aprendizagem desenvolvimental, introduziu esse campo conceitual na academia e na escola alemã, dedicou-se intensamente à tradução das obras dos principais representantes dessa abordagem e criou um grupo experimental que inaugura essa perspectiva na RDA.
O trabalho hercúleo que realizou se expande e consolida interpretações que marcam a atividade do grupo de Berlim com uma identidade própria. O grupo não se restringiu a repetir a experiência já realizada, mesmo quando tenha tomado como aporte o projeto comum que orientou as várias repúblicas soviéticas, com base na trajetória do laboratório experimental de Elkonin e Davidov; em especial, em referência à Escola 91 de Moscou. Porque, em primeiro lugar, trabalhou com classes de alunos em idade escolar superior (turmas de 4os, 5os, 6os e 7os anos)14, quando o foco nas repúblicas soviéticas estava em classes de 1os, 2os e 3os anos. A opção por esse segmento escolar se deu com o objetivo de analisar aspectos e questões não respondidas nos experimentos realizados até os 3os anos. Esses estudos progressivos foram importantes, mesmo quando Lompscher reconhece que os avanços aí obtidos não tenham abarcado toda problemática a ser investigada e sinalize para a necessidade de pesquisas futuras, dada a realidade da Alemanha em meados dos anos de 1990 e considerando que a crise psicológica tem seu marco nos 7os anos, período escolar pouco estudado pelo grupo.
Em segundo lugar, não se limitou à reprodução dos grupos soviéticos porque trouxe para os experimentos uma interpretação singular da teoria, ao menos em relação a alguns aspectos em particular: 1) pensada a constituição humana enquanto unidade dos processos inter e intrapsíquicos; 2) introduzidos componentes subjetivos na estrutura da atividade (motivos, objetivos, conteúdo psíquico da atividade e processualidade psíquica); 3) destacados os aspectos subjetivos que compõem a própria unidade sujeito-atividade, com ênfase à condição do sujeito na situação de atividade; e 4) demarcadas as particularidades das estratégias de ensino e de aprendizagens. Em suma, o grupo de Berlim produziu interpretações específicas sobre a constituição humana, o estudo, a atividade e seus componentes, bem como sobre o papel do sujeito da atividade.
Sobressalta-se a importante contribuição do trabalho experimental na RDA para comprovar o potencial desenvolvedor do método do abstrato ao concreto, com a especificação dos elementos que o compõe nas várias disciplinas escolares; pela via do estudo dos processos de abstração e generalização, bem como a produção, junto com os alunos de modelos gerais para a solução de problemas.
Sem dúvida, a extensão dos estudos experimentais em território alemão, particularmente no contexto da RDA, representou uma importante contribuição para a edificação da Teoria da Atividade de Estudo, seja por seu potencial de continuidade, seja pelas interpretações realizadas.
Não obstante, o estudo teórico e documental aqui em discussão produziu um conjunto de dados e sinaliza para alguns aspectos que se sobressaem em face dos estudos já realizados sobre a temática15. Tais pontos, mais do que se apresentarem como marcas conclusivas, se anunciam como pontos de partida (hipóteses) para outras investigações, com perguntas e indagações que merecem novos estudos, quais sejam: 1) As escolas experimentais na RDA, encerradas em 1990 com a reunificação da Alemanha, não se constituíram do mesmo modo que as escolas experimentais soviéticas. As escolas não estavam integralmente organizadas, de modo que os trabalhos experimentais realizados acompanhassem todas as turmas de estudantes, com todas as disciplinas escolares e abrangendo o ciclo escolar completo, em macrociclos, conforme experimentado em várias escolas na URSS, a exemplo das escolas 91 de Moscou e 4 e 17 de Kharkiv. De que modo estavam organizadas as escolas experimentais na RDA? O que lhes garantia a qualificação de escolas experimentais? Poderíamos identificá-las, de fato, como escolas laboratórios? Por quê? 2) A interpretação teórica e a produção experimental do grupo de Berlim consideram a constituição humana na unidade interiorização-exteriorização, tratada também a dimensão subjetiva do homem, a partir da qual o grupo introduz componentes subjetivos à estrutura da atividade. Apesar de todo trabalho ter sido edificado à luz do escopo teórico davidoviano e elkoniano em que impera a relação sujeito-objeto subjacente à abordagem de Leontiev, encontra--se aqui influências rubinstainianas que sinalizam para uma perspectiva crítica da constituição e do desenvolvimento humano. Como se articulam compreensões distintas da constituição humana como as de Leontiev e Rubinstein na atividade de estudo, no trabalho experimental realizado na RDA? De que modo ambas as abordagens coadunam e quais tensões são geradas? Como as contradições inerentes a elas mobilizam para a superação e abrem perspectivas para a ciência em sua continuidade? (3) A sistematização teórica que emerge da produção experimental do grupo de Berlim traz a discriminação de especificidades de estratégias de ensino e de aprendizagem. Embora essa elaboração teórica venha acompanhada da ressalva de que ambas as estratégias se constituem em unidade, sua apresentação as coloca de forma particularizada. Sobre esse ponto em especial, depreende-se uma aparente contradição entre a especificação de estratégias de ensino e aprendizagem e a própria concepção de atividade de estudo, incluindo o processo de assimilação assumido pelo grupo. Se a comunicação e a colaboração são nucleares no processo de assimilação, enquanto unidade interiorização-exteriorização, em si, expressam unidade. Se assim se constituem, o que fundamenta a existência de estratégias de ensino e de aprendizagem? Como a unidade pode ser assegurada em face de sua concepção particularizada? Poderia essa ser uma abordagem que surge no grupo de Berlim como necessidade de um alinhamento com o discurso vigente?
Cada um dos pontos apresentados emerge do estudo realizado, se objetiva em dados que se lançam como conclusões hipotéticas e em novas perguntas que exigem outros olhares e se configuram em aspectos a serem investigados.