Introdução
Nos últimos anos, a Educação a Distância (EaD) cresceu exponencialmente. Enquanto as matrículas presenciais de Graduação cresceram 43,5% entre 2005 e 2018, a modalidade EaD cresceu 1,693%, saltando de 114.642 matrículas, em 2005, para 2.056.511, em 2018. O Censo da Educação Superior de 2020 apresenta um dado especialmente revelador. Nos últimos dez anos (2010-2020), as matrículas de Graduação presenciais diminuíram 13,9%, e as da modalidade EaD aumentaram 428,2%. Em 2020, pela primeira vez na história da Educação Superior brasileira, as matrículas de ingressantes em EaD foram superiores às presenciais (53,4% em EaD e 46,6% presenciais) (BRASIL, 2022a; G1, 2022).
Em 2018, a modalidade EaD respondia por cerca de 24,3% do total de matrículas de Graduação no país. A oferta de cursos de Graduação EaD cresceu exponencialmente no período 2017-2018, um aumento correspondente a 50,7%. O número de vagas ofertadas na EaD superou, pela primeira vez, as presenciais (7,1 milhões em EaD e 6,4 milhões na modalidade presencial). Os dados demonstram também que a EaD já é hegemônica nos cursos de Licenciaturas. Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2018, cerca de 50,16% dos estudantes de Licenciaturas do país estavam matriculados em cursos EaD (BRASIL, 2019b; TREVISOL; TOLEDO 2021). Em Santa Catarina, esse percentual era de 77,5% (BRASIL, 2019b). A partir de 2015, a expansão da EaD veio acompanhada de uma tendência nunca antes observada no Brasil: a progressiva redução das matrículas da modalidade presencial (redução de 3,6% entre 2015 e 2018 (TOLEDO, 2020; TREVISOL; TOLEDO, 2021).
Esse conjunto de transformações na Educação Superior motivou a realização do presente estudo. Trata-se de uma pesquisa sobre as dinâmicas de desenvolvimento da EaD em uma unidade específica da federação: Santa Catarina. Neste estudo, procurou-se, de modo mais específico, analisar o papel da modalidade EaD na formação dos professores em Santa Catarina no período entre 1998 e 2018. A despeito de ser um Estado pequeno, com uma população estimada em 7.164.788 habitantes (IBGE, 2019), a Educação Superior expandiu de tal maneira que Santa Catarina responde, atualmente, pela sétima colocação no país quanto ao número de cursos presenciais de Graduação (DE BASTIANI; TREVISOL, 2018). Em 2018, Santa Catarina respondia por 9% do total dos cursos EaD do Brasil, 11% do total de matrículas e 7% do total de concluintes (BRASIL, 2019b).
O estudo foi desenvolvido entre agosto de 2018 e janeiro de 2022. Além da pesquisa bibliográfica e documental, a pesquisa envolveu um robusto levantamento de dados sobre a EaD no Brasil e, a partir disso, em Santa Catarina, nas últimas duas décadas (1998-2018), obtidos por meio de diversas bases de dados, como o Ministério da Educação (MEC), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Os microdados e as sinopses estatísticas do MEC/INEP, disponibilizados aos pesquisadores por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), foram de fundamental importância para a organização dos indicadores da EaD em Santa Catarina. A sistematização e a análise dos dados foram feitas por meio dos programas Statistical Package Social Sciences (SPSS) e Microsoft Excel. Tendo em vista o tamanho e a complexidade da base de dados do MEC/INEP, o trabalho de sistematização foi realizado a partir das principais categorias de análise. Os indicadores foram produzidos e tratados em duas etapas distintas (dados do Brasil e dados de Santa Catarina).
A pesquisa quantitativa apresentou vários desafios, obrigando os pesquisadores a fazer algumas escolhas. Decidiu-se, antes de tudo, analisar apenas os indicadores referentes aos cursos de Graduação. Os cursos sequenciais não foram incluídos na análise em virtude de imprecisão e de ausência de dados. Em relação aos dados sobre as Instituições de Educação Superior (IES) que ofertam EaD em Santa Catarina, optou-se por priorizar a análise sobre as instituições cujo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) está registrado em Santa Catarina. Algumas sinopses não oferecem informações completas sobre as instituições que ofertam EaD em Santa Catarina. A conferência das IES catarinenses, e suas respectivas naturezas jurídicas, foi realizada por meio do sistema e-MEC. Dessa forma, foi possível identificar a categoria administrativa de cada instituição: privada (com e sem fins lucrativos) e públicas (federais, estaduais e municipais).
Além disso, a pesquisa foi realizada por meio das sinopses confrontadas com os microdados mais completos da Educação Superior no Brasil, mais especificamente em Santa Catarina. Optou-se por analisar os dados de matrículas disponíveis até o mês de junho de cada ano e dos concluintes do mês de dezembro do ano anterior ao ano analisado, tendo em vista que nos microdados aparecem as matrículas do primeiro e do segundo semestres. Referente aos cursos de Licenciaturas em 2018, foram analisados os dados do primeiro e do segundo semestres. Em 1998, não aparecem os números da EaD de Santa Catarina ou, de forma mais geral, do Brasil. Os números apresentados nos microdados correspondem aos concluintes de modo geral, não separando concluintes de Graduação e apenas os diplomados de 1997. Nesse sentido, buscou-se identificar, na sinopse de 1997, os dados relevantes aos concluintes de Graduação. O mesmo foi feito para identificar a quantidade de cursos presenciais nesse ano.
A Educação Superior EaD no Brasil: breve contextualização
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) - pode ser considerada o primeiro marco normativo da EaD no Brasil. Ela redefiniu o status da modalidade e criou as condições legais para a formulação e a implementação de uma série de políticas de expansão e de avaliação (GIOLO, 2010, 2018; MUGNOL, 2006, 2016; TOLEDO, 2020). De acordo com Niskier (2000 apud MUGNOL, 2016, p. 11), a LDBEN foi “[...] a primeira manifestação de apreço à modalidade”, possibilitando a reorganização e a ampliação da modalidade. O Art. 80 atribuiu ao poder público a tarefa de incentivar “[...] o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada” (BRASIL, 1996, n.p.). O referido artigo estabeleceu um conjunto de critérios e exigências para a oferta de EaD:
§1º A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
§2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.
§3º As normas para a produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.
§4º A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá:
I- custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II- concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;
III- reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. (BRASIL, 1996, n.p.).
A LDBEN/1996 incentivou a EaD em todas as modalidades e em todos os níveis, incluindo a educação continuada. No Art. 87, a LDBEN estabeleceu que os municípios e, supletivamente, os Estados e a União, deveriam “[...] prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados” (BRASIL, 1996, n.p.), assim como realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício. A LDBEN tornou possível a realização de programas de EaD em todos os níveis, inclusive na Educação Superior (MUGNOL, 2016).
O Art. 62 foi particularmente importante para o campo da formação de professores. Nesse artigo, a LDBEN tornou obrigatória a habilitação (Graduação plena) para o exercício da docência nas séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. As novas exigências impulsionaram o surgimento de instituições e a abertura de cursos voltados à formação de professores. Além da expansão dos cursos presenciais, as instituições públicas e privadas começaram a conceber os primeiros cursos de Licenciaturas em EaD com o propósito de atender o contingente de docentes sem curso superior, especialmente os residentes nos pequenos e longínquos municípios do país.
A partir da LDBEN, o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010 (Lei Nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001) incorporou a modalidade EaD como elemento central das políticas de expansão e democratização da Educação Superior (BRASIL, 2001). Como é possível observar a seguir, o PNE atribuiu à EaD um papel estratégico no esforço de matricular, até 2010, 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos. De acordo com o PNE 2001-2010:
É preciso ampliar o conceito de educação a distância para poder incorporar todas as possibilidades que as tecnologias de comunicação possam propiciar a todos os níveis e modalidades de educação, seja por meio de correspondência, transmissão radiofônica e televisiva, programas de computador, internet, seja por meio dos mais recentes processos de utilização conjugada de meios como a telemática e a multimídia.
[...].
No processo de universalização e democratização do ensino, especialmente no Brasil, onde os déficits educativos e as desigualdades regionais são tão elevados, os desafios educacionais existentes podem ter, na educação a distância, um meio auxiliar de indiscutível eficácia. Além do mais, os programas educativos podem desempenhar um papel inestimável no desenvolvimento cultural da população em geral (BRASIL, 2001, n.p.).
Na primeira metade dos anos 2000, foram publicados diversos atos normativos com o propósito de regulamentar a oferta e a avaliação das instituições e dos cursos de EaD, cabendo destaque para os Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância (BRASIL, 2007b), a Lei Nº 10.861, de 14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004a), a Portaria Nº 4.059, de 10 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004b), a Portaria Nº 4.361, de 20 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004c) e o Decreto Nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005). Tendo em vista as metas estabelecidas pela LDBEN/1996 e pelo PNE 2001-2010, o Governo Federal publicou, em 2006, o Decreto Nº 5.800, de 8 de junho (BRASIL, 2006), instituindo o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). De acordo com o Art. 1º do Decreto, o sistema UAB tinha como propósitos:
I - oferecer, prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica;
II - oferecer cursos superiores para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
III - oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento;
IV - ampliar o acesso à educação superior pública;
V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País;
VI - estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância;
VII - fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL, 2006, n.p.).
O sistema UAB estabeleceu metas ousadas de expansão e de interiorização da Educação Superior. A título de ilustração, a meta estabelecida para 2007 (primeiro ano do programa) era ofertar 60 mil vagas em todo o país, tanto em cursos de Graduação quanto de Pós-Graduação lato sensu, e implantar cerca de 300 polos presenciais (BRASIL, 2006; LEMGRUBER, 2009). As políticas de expansão estabelecidas pela UAB exigiram regulamentações específicas ao longo dos anos, cabendo destaque para a Portaria Normativa Nº 2, de 10 de janeiro de 2007 (BRASIL, 2007a), os Referenciais de Qualidade para a EaD (BRASIL, 2007b), o Decreto Nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007c), o Decreto Nº 6.320, de 20 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007d) e o Decreto Nº 7.480, de 16 de maio de 2011 (BRASIL, 2011).
Outro marco importante nas políticas de expansão da EaD foi o PNE 2014-2024 - Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014). Embora o PNE não tenha estabelecido políticas específicas para a EaD, as Metas 12, 14 e 16 serviram de referência para diversas políticas de expansão da modalidade nos últimos anos, cabendo destaque para a Resolução Nº 1, de 11 de março de 2016 (BRASIL, 2016), a Resolução Nº 7, de 11 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017a), o Decreto Nº 9.057, de 25 de maio de 2017 (BRASIL, 2017b), a Portaria Nº 275, de 18 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Decreto Nº 10.195, de 30 de dezembro de 2019 (BRASIL, 2019a) e a Portaria Nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, do MEC (BRASIL, 2019c). De acordo com o PNE, até 2024 o país precisa:
Meta 12: eelevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 45% das novas matrículas, no segmento público. (BRASIL, 2014, p. 5).
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores. (BRASIL, 2014, p. 6).
Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. (BRASIL, 2014, p. 7).
As políticas educacionais sinteticamente descritas anteriormente produziram profundas transformações na EaD nos últimos 20 anos. Na Tabela 1, apresentamos alguns indicadores que permitem compreender como os marcos regulatórios incidiram sobre as dinâmicas da expansão no Brasil e em Santa Catarina.
Unidade | 1998 | 2002 | 2006 | 2010 | 2014 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|
Nº de cursos de Graduação EaD | ||||||
Brasil | 0 | 45 | 349 | 930 | 1.365 | 3.177 |
Santa Catarina | 0 | 8 | 33 | 86 | 112 | 253 |
Nº de matrículas de Graduação EaD | ||||||
Brasil | 0 | 40.412 | 207.206 | 930.179 | 1.341.842 | 2.056.511 |
Santa Catarina | 0 | 14.255 | 22.846 | 81.098 | 114.350 | 228.931 |
Nº de concluintes de Graduação EaD | ||||||
Brasil | 0 | 1.712 | 25.804 | 144.553 | 189.788 | 273.873 |
Santa Catarina | 0 | 484 | 9.650 | 18.747 | 9.979 | 20.361 |
Nº de cursos EaD nas IES públicas | ||||||
Brasil | 0 | 36 | 240 | 424 | 427 | 495 |
Santa Catarina | 0 | 8 | 7 | 18 | 16 | 18 |
Nº de cursos EaD nas IES privadas | ||||||
Brasil | 0 | 9 | 190 | 506 | 581 | 2.682 |
Santa Catarina | 0 | 0 | 26 | 68 | 96 | 235 |
Nº de matrículas EaD nas IES públicas | ||||||
Brasil | 0 | 34.020 | 37.644 | 112.832 | 139.373 | 172.927 |
Santa Catarina | 0 | 14.255 | 14.590 | 5.519 | 9.539 | 2.692 |
Nº de matrículas EaD nas IES privadas | ||||||
Brasil | 0 | 6.392 | 169.562 | 748.577 | 1.202.469 | 1.883.584 |
Santa Catarina | 0 | 0 | 4.542 | 75.579 | 109.456 | 226.239 |
Nº de polos EaD | ||||||
Brasil | 0 | 44 | 146 | 5.367 | 4.912 | 12.112 |
Santa Catarina | 0 | 4 | 7 | 250 | 270 | 594 |
Fonte: Elaborada pelos autores a partir das bases de dados do Inep1 e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
Os resultados obtidos por meio da extensa pesquisa realizada sobre os indicadores da Educação Superior (presencial e a distância) permite apresentar, de forma sintética, as principais características e dinâmicas que a modalidade EaD assumiu nas últimas duas décadas no Brasil.
A pesquisa demonstra, em primeiro lugar, que, ao longo das décadas, a EaD foi deixando de ser uma modalidade exclusiva do campo da formação de professores. Em 2006, os cursos de Licenciaturas respondiam a cerca de 52% do total de cursos de Graduação em EaD no Brasil. Doze anos depois, em 2018, o percentual caiu para 31%. Os dados de 2018 demonstram uma significativa mudança na distribuição dos cursos entre as modalidades. A despeito de ter havido crescimento em todas as modalidades no período, chama atenção a forte expansão dos cursos Tecnólogos. Em 2006, eles correspondiam por 9% do total dos cursos. Em 2018, respondiam por 42%, seguidos das Licenciaturas (31%) e Bacharelados (27%) (BRASIL, 2019b; TREVISOL; TOLEDO, 2021).
Os dados evidenciam, em segundo lugar, que a expansão da EaD foi largamente capitaneada pelo setor privado. Enquanto no segmento público o crescimento do número de cursos de Graduação a distância, no período 2006-2018, foi de cerca de 106% (de 240 para 495 cursos), no setor privado foi de 2.360% (de 109 para 2.682). Em 2018, as instituições privadas respondiam por 84% dos cursos de Graduação e por 92% das matrículas de EaD (BRASIL, 2019b; TREVISOL; TOLEDO, 2021).
A privatização da EaD, em terceiro lugar, consolidou-se nos anos recentes, especialmente no último biênio (2016-2018). Enquanto no setor público houve um crescimento de 50.326 novas matrículas de EaD, no segmento privado o crescimento foi de 511.767. A expansão das matrículas do setor público, tanto na modalidade presencial quanto EaD, está estagnada desde 2012.
Os dados evidenciam, em quarto lugar, uma progressiva redução do número de matrículas da modalidade presencial a partir de 2012. Enquanto as matrículas presenciais de Graduação reduziram cerca de 2,4% entre 2006 e 2018, a modalidade EaD saltou de 207.206 mil, em 2006, para 2.056.511, em 2018, representando um crescimento de mais de 892%. Apenas nos últimos dois anos (2016 e 2018), as matrículas de EaD cresceram cerca de 37%. Em 2018, o número de vagas ofertadas na EaD superou, pela primeira vez, as presenciais (7,1 milhões em EaD e 6,4 milhões presenciais) (BRASIL, 2019b).
A Educação Superior EaD em Santa Catarina
As tendências descritas anteriormente podem ser observadas na Educação Superior de Santa Catarina. O crescimento do número de cursos de Graduação tem sido constante ao longo dos anos, tanto na modalidade presencial quanto na EaD. Os primeiros cursos de Graduação EaD foram registrados em 2002. O Gráfico 1 evidencia um expressivo crescimento a partir de 2016. Nos últimos dois anos (2016-2018), a modalidade EaD em Santa Catarina cresceu cerca de 100%, passando de 127 cursos para 253.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O ritmo da expansão da modalidade EaD fica mais evidente no Gráfico 2. Nos últimos dois (2016-2018), o crescimento foi de aproximadamente 96%. Além disso, observa-se uma mudança importante na distribuição das matrículas. Em 2018, as matrículas na modalidade EaD superaram, pela primeira vez, as presenciais. O percentual em Santa Catarina é significativamente superior ao verificado no âmbito nacional. Enquanto a EaD respondia, em 2018, por 24% do total de matrículas de graduação do país, em Santa Catarina, a modalidade era responsável pela oferta de 59% do total das matrículas.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O número de concluintes reflete a expansão das matrículas. Em 2018, a modalidade EaD formou 20.361 estudantes em Santa Catarina (38% do total). O Gráfico 3 evidencia um expressivo aumento de concluintes da EaD, sobretudo a partir de 2014.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O Gráfico 4, a seguir, detalha a natureza jurídica das IES que ofertam EaD em Santa Catarina. Os dados evidenciam, antes de tudo, a hegemonia do setor privado. O segmento público foi hegemônico apenas na fase inicial. A partir de 2004, a oferta passou a ser amplamente capitaneada pelas IES privadas. O protagonismo do setor privado acentuou-se nos últimos dois anos. No período entre 2016 e 2018, o crescimento foi de aproximadamente 108%. As IES privadas criaram 122 novos cursos EaD nesses dois anos.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O Gráfico 5 apresenta dados mais detalhados sobre a distribuição dos cursos de Graduação EaD. Chama atenção o protagonismo que o segmento “sem fins lucrativos” vem exercendo nos últimos anos. Até 2014, o segmento ofertava 31 cursos EaD. Nos quatro anos seguintes (2014-2018), o segmento criou 84 novos cursos. Em 2018, as IES “com fins lucrativos” e “sem fins lucrativos” ofertavam praticamente o mesmo número de cursos (115 e 120, respectivamente). O segmento público, por sua vez, manteve-se estável. Em 2018, as IES públicas ofertaram apenas 18 cursos, sendo 13 em IES públicas federais, quatro em IES públicas estaduais e um em IES pública municipal.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
A hegemonia do setor privado “com fins lucrativos” fica mais evidente no Gráfico 6 que segue. As IES “com fins lucrativos” ofertavam, em 2018, cerca de 42% dos cursos de Graduação EaD e respondiam por 94% do total das matrículas. A EaD é, nesse sentido, uma modalidade dominada pelo setor privado. A expansão reflete as políticas educacionais implementadas nos últimos anos e, particularmente, as estratégias que as IES “com fins lucrativos” têm adotado para consolidar a liderança. Diversos grupos empresariais, a exemplo da Kroton e da Anhanguera Educacional, têm investido fortemente na aquisição de instituições educacionais em todo o país e na captação de recursos junto à Bolsa de Valores. Como destaca Leher (2015, n.p.), “[...] esse processo levou, por exemplo, os fundos Advent e Pátria a constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes”.
Como é possível observar a seguir, a hegemonia do segmento privado consolidou-se a partir de 2008. O crescimento do número de matrículas tem sido constante na última década. No período entre 2008 e 2018, o crescimento foi de 2.800%. No mesmo período, as matrículas de EaD nas IES públicas reduziram cerca de 133%, passando de 6.657, em 2008, para 2.692, em 2018.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O número de concluintes reflete as dinâmicas de expansão descritas anteriormente. O Gráfico 7 evidencia inúmeras variações no quantitativo de concluintes. As oscilações devem-se a vários fatores, especialmente o elevado percentual de evasão. Além disso, cabe chamar atenção para a disparidade entre os segmentos público e privado. Em 2018, as IES públicas formaram 566 estudantes. As IES privadas titularam 19.795, cerca de 97% do total de concluintes.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
De acordo com a base de dados do Inep, em 2018, cerca de 97 IES (Gráfico 8) ofertavam cursos de Graduação presenciais EaD em Santa Catarina, sendo 89 privadas, quatro públicas federais, três públicas municipais e uma pública estadual.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do INEP e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
Como mostra o Gráfico 9, do total das IES que ofertavam cursos presenciais e EaD em 2018 (de 97 ao todo), 22 estavam sediadas em Santa Catarina e ofertaram as duas modalidades. Das IES que ofertavam EaD, uma instituição era pública municipal, duas públicas federais, uma pública estadual, oito privadas “sem fins lucrativos” e dez privadas “com fins lucrativos”. Das IES que ofertam EaD em Santa Catarina, 81% são privadas.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
Como é possível observar na Tabela 2, a seguir, o Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi) foi responsável pela oferta de 89% do total das matrículas EaD (203.889 estudantes matriculados) e por 86% do total de concluintes em 2018 (17.549 titulados).
IES | Nº de Cursos | Nº de Matrículas | Nº de Concluintes | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Presencial | EaD | Presencial | EaD | Presencial | EaD | ||
Centro Universitário Estácio de Santa Catarina | 20 | 40 | 6.756 | 4.464 | 863 | 228 | |
Centro Universitário Facvest | 31 | 14 | 5.658 | 7.424 | 681 | - | |
Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi)2 | 7 | 55 | 1.131 | 203.889 | 260 | 17.549 | |
Faculdade Avantis | 17 | 2 | 3.204 | 517 | 363 | 32 | |
Faculdade Capivari | 10 | 3 | 1.250 | 38 | 217 | - | |
Faculdade Cesusc | 7 | 1 | 1.877 | 34 | 309 | - | |
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp) | 36 | 7 | 2.991 | 141 | 382 | - | |
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) | 47 | 11 | 6.518 | 315 | 1.222 | 40 | |
Universidade da Região de Joinville (Univille) | 42 | 8 | 6.661 | 36 | 1.237 | - | |
Universidade do Contestado (UnC) | 62 | 15 | 5.937 | 715 | 936 | 227 | |
Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) | 48 | 1 | 9.364 | 6 | 1.729 | 3 | |
Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) | 94 | 4 | 14.199 | 159 | 2.362 | 79 | |
Universidade do Sul de Santa Catarina (UniSul) | 81 | 35 | 15.407 | 4.668 | 2.026 | 1.000 | |
Universidade do Vale do Itajaí (Univali) | 85 | 6 | 17.463 | 911 | 2.863 | 203 | |
Centro Universitário - Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul | 13 | 13 | 1.851 | 215 | 369 | - | |
Centro Universitário de Brusque (Unifebe) | 20 | 1 | 2.238 | 16 | 474 | - | |
Centro Universitário Sociesc | 41 | 18 | 5.031 | 2.586 | 853 | 427 | |
Faculdade Refidim | 1 | 1 | 45 | 105 | 13 | 7 | |
Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) | 53 | 4 | 11.322 | 994 | 1.370 | 270 | |
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) | 108 | 12 | 27.815 | 1.488 | 3.310 | 296 | |
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) | 50 | 1 | 5.753 | 204 | 398 | - | |
Universidade Regional de Blumenau (Furb) | 49 | 1 | 7.833 | 6 | 1.516 | - | |
Total | 922 | 253 | 160.304 | 228.931 | 23.753 | 20.361 |
Fonte: Elaborada a partir das sinopses históricas e microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
A expansão dos polos é outro aspecto que ajuda a compreender as dinâmicas de desenvolvimento da EaD (Gráfico 10).
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
De acordo com o Gráfico 10, a expansão acentuou-se a partir de 2008, cabendo destaque para o expressivo crescimento nos últimos dois anos. Entre 2016 e 2018, o segmento das IES privadas abriu 329 novos polos. O setor privado respondia, em 2018, por mais de 90% dos polos existentes em Santa Catarina.
As Licenciaturas EaD em Santa Catarina
Um aspecto importante a ser observado é que a EaD, ao longo das décadas, foi deixando de ser uma modalidade exclusiva do campo da formação de professores (Gráfico 11). Em relação aos cursos por grau acadêmico, é possível perceber um crescimento dos cursos Tecnólogos entre 2010 e 2012. Enquanto não havia cursos Tecnólogos em Santa Catarina em 2008, dois anos depois eram 264 cursos (contra 223 cursos de Licenciaturas e 125 Bacharelados). Em 2012, os Tecnólogos correspondiam a 46,6% dos cursos EaD (508 Tecnólogos, 353 Licenciaturas e 229 Bacharelados).
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O Gráfico 12 evidencia uma significativa mudança na distribuição das matrículas entre as modalidades de cursos. Em 2018, os cursos de Licenciaturas respondiam por 40% das matrículas (56.846), contra 34% dos Tecnólogos (49.022 matrículas), 26% dos Bacharelados (37.977 matrículas). A despeito de ter havido crescimento em todas as modalidades no período, chama atenção a progressiva expansão dos cursos Tecnólogos.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
As Licenciaturas, por conseguinte, respondem pelo maior número de concluintes. Em 2018, os cursos de formação de professores respondiam por 43% dos concluintes, seguidos pelos Tecnólogos (40%) e pelos Bacharelados (17%). O Gráfico 13 evidencia também um expressivo crescimento de egressos formados nos cursos Tecnólogos. Entre 2012 e 2016, os Tecnólogos superaram as Licenciaturas. Isso provavelmente se deve ao fato de que os cursos Tecnólogos são, em geral, mais curtos.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
As Licenciaturas estão na origem da EaD no Brasil e, por conseguinte, em Santa Catarina. Tendo em vista as exigências estabelecidas pelos Arts. 62 e 87 da LDBEN (Lei No 9.394/1996), a partir da segunda metade dos anos de 1990, os governos implementaram os primeiros cursos a distância com o propósito de formar os professores em serviço, especialmente os que residiam em pequenos municípios das longínquas regiões do país. A falta de docentes habilitados para atuar no magistério motivou o governo do estado de Santa Catarina a criar o Magister, um programa destinado à formação dos professores da rede estadual e das redes municipais de Educação Básica que não tinham habilitação (Licenciatura) nas suas respectivas áreas de atuação (HENTZ, 2013). O Magister mesclava atividades presenciais e a distância. A Udesc e a UFSC exerceram um papel importante na implementação do Magister. A Udesc foi a primeira IES catarinense a implantar cursos de Graduação (Licenciaturas) na modalidade EaD.
No Gráfico 14, é possível observar as dinâmicas da expansão dos cursos, das matrículas e dos concluintes dos cursos de Licenciatura na modalidade EaD em Santa Catarina no período entre 1998 e 2018. Ele evidencia um expressivo crescimento a partir de 2006, decorrente da implantação dos primeiros cursos do Programa UAB. Em 2018, o número de matrículas em cursos de Licenciaturas EaD era de 102.064. Chama atenção o descompasso entre o número de matrículas e concluintes. Em 2018, por exemplo, o percentual de concluintes foi correspondente a 8,77% do total de matrículas. A evasão e a reprovação são alguns dos fatores que explicam a distância entre o número de concluintes e o total de matrículas.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
De acordo com os dados, as Licenciaturas EaD em Santa Catarina têm sido, predominantemente, ofertadas pelo segmento privado, especialmente pelas IES “com fins lucrativos”. Em 2018, as IES privadas ofertavam 98% das matrículas em Licenciaturas em EaD no estado. Observa-se, também, uma progressiva redução do número de matrículas nas IES públicas.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-Sic, pelo Inep, em 2019.
As IES privadas respondem pela quase totalidade dos concluintes em cursos de Licenciaturas em Santa Catarina. Em 2018, o setor privado formou 8.599 licenciados (97,22%), contra 355 das IES públicas (2,78%). O Gráfico 16 evidencia uma progressiva redução do número de concluintes nas IES públicas a partir de 2014.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
O estudo permitiu identificar algumas características quanto ao perfil dos estudantes e concluintes dos cursos de licenciatura em EaD em Santa Catarina. O Gráfico 17 apresenta a evolução das matrículas a partir do quesito sexo. Em 2018, as mulheres respondiam por 81% das matrículas no estado.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
A maioria dos concluintes é, por conseguinte, do sexo feminino (cerca de 84%). A evasão também é mais acentuada entre os estudantes do sexo masculino (Gráfico 18).
Fonte: Elaborado a partir das bases de dados do Inep e dos microdados disponibilizados aos pesquisadores no e-SIC, pelo Inep, em 2019.
Embora o sexo masculino respondia, em 2018, por 44,3% das matrículas de licenciaturas a distância, o percentual de concluintes homens nesse ano foi de apenas 16%. A evasão tem sido mais acentuada entre os estudantes do sexo masculino.
Conclusão
Em Santa Catarina, assim como no Brasil, a EaD foi inicialmente proposta como uma modalidade complementar de formação de professores. A partir da segunda metade dos anos de 1990, ela foi introduzida e regulamentada no bojo das políticas de universalização da educação básica e de expansão da Educação Superior. As políticas educacionais legitimaram e impulsionaram a modalidade sob o argumento de que o país precisava ampliar o número de professores habilitados, sobretudo os professores em exercício que não haviam concluído os cursos de Licenciaturas nas suas áreas de atuação. Santa Catarina foi, por meio do programa Magister, um dos primeiros estados da federação a implantar os cursos de Licenciaturas semipresenciais com o propósito de atender as exigências estabelecidas pela LDBEN/1996. Nos anos 2000, a modalidade foi fortemente impulsionada pelo Programa UAB. Ao longo das décadas, a EaD deixou de ser complementar e passou a formar uma parte significativa dos professores. Em 2018, cerca de 50,16% dos estudantes de Licenciaturas no país estavam matriculados em cursos EaD. Em Santa Catarina, esse percentual era ligeiramente superior. Em 2018, a modalidade EaD respondia por 77,5% do total das matrículas em Licenciaturas em no estado (BRASIL, 2019b).
A EaD iniciou como uma modalidade pública e gratuita. Alguns anos depois, em 2004, as IES privadas superaram as públicas em todos os quesitos. A privatização consolidou-se como uma característica marcante da modalidade. Em 2018, as IES privadas ofertavam 84,4% dos cursos e respondiam por 91,6% do total das matrículas EaD do país. A privatização em Santa Catarina é ainda maior. As IES privadas respondiam, em 2018, por 92,9% dos cursos e por 98,8% das matrículas EaD.
As políticas educacionais implementadas ao longo dos anos, sobretudo a partir de 2016, flexibilizaram os marcos regulatórios referentes ao credenciamento e ao recredenciamento das instituições, criação de cursos de Graduação e Pós-Graduação, abertura de novos polos etc. Por meio de inúmeras Resoluções, Portarias e inúmeros Decretos (Resolução Nº 1/2016, Resolução Nº 7/2017, Decreto Nº 9.057/2017, Portaria Nº 275/2018, Decreto Nº 10.195/2019, Portaria Nº 2.117/2019), o Estado brasileiro promoveu claras políticas de privatização. De orientação neoliberal, as referidas políticas criaram as condições legais para a ampliação da presença e do poder das médias e grandes instituições empresariais de Educação Superior. A EaD consolidou-se como um gigantesco mercado em que as instituições privadas concorrem entre si em busca da maximização dos lucros. A EaD ampliou a privatização da Educação Superior, consolidando o Brasil como um dos países mais privatizados do mundo.
Os dados evidenciam, por conseguinte, uma estabilização do setor público. A expansão da EaD pública e gratuita em Santa Catarina foi irrisória na última década. De certa forma, não houve fortalecimento da proposta de manutenção de cursos EaD públicos no Brasil, e isso refletiu na maioria dos estados. Em 2008, em Santa Catarina, as IES públicas ofertavam 14 cursos e 6.288 matrículas no estado. Dez anos depois, eram 18 cursos e 2.692 matrículas. Assim, embora tenha aumentado o número de cursos, as matrículas e os concluintes diminuíram consideravelmente ao longo da década: de 1.071, em 2008, para 566, em 2018.
O setor privado é predominante em todas as modalidades de cursos de EaD em Santa Catarina (Licenciaturas, Bacharelados e Tecnólogos). Chama particularmente atenção a presença das IES privadas no campo da formação de professores. De acordo com os dados, os cursos de Licenciaturas EaD em Santa Catarina têm sido, predominantemente, ofertados pelo segmento privado. Em 2018, as IES privadas ofertavam 98% das matrículas de EaD em cursos de Licenciaturas e formaram 97,2% dos licenciados em EaD no estado. A partir de 2014, houve uma progressiva redução do número de concluintes de EaD nas IES públicas. Em 2018, o setor privado formou 8.599 licenciados (97,3%) e as IES públicas 355 (2,7%).
As Licenciaturas continuam sendo o grau de formação que apresenta o maior número de cursos, matrículas e concluintes. A despeito disso, é importante observar que a EaD deixou de ser uma modalidade predominantemente de formação de professores. Os Bacharelados e os Tecnólogos também têm crescido exponencialmente ao longo dos anos. Os dados recentes refletem um relativo equilíbrio entre os graus acadêmicos. Em 2018, os cursos de Licenciaturas em Santa Catarina respondiam por 40% das matrículas e 43% dos concluintes; os Tecnólogos respondiam por 34% das matrículas e 40% dos concluintes, e os Bacharelados, por 26% das matrículas e 17% dos concluintes.
Os cursos de Licenciaturas têm sido tratados como um nicho de mercado pelo setor privado. O crescimento do número de matrículas tem sido constante. O aumento do piso salarial dos docentes, decorrente da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) - Emenda Constitucional Nº 108, de 26 de agosto de 2020 (BRASIL, 2020a) e Lei Nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020 (BRASIL, 2020b) -, também tem estimulado a procura pelos cursos de Licenciatura a distância. A título de ilustração, o processo seletivo para a contratação de docente Admitido em Caráter Temporário (ACT) em Santa Catarina, realizado em 2021, teve 75.995 mil inscritos, cerca de 39.783 inscrições a mais do que o verificado em 2018 (SANTA CATARINA, 2021a). A expressiva procura deve-se, entre outras razões, à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição do Estado No 0007.5/2021 - de autoria do Poder Executivo e aprovada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina -, que estabeleceu uma remuneração mensal mínima de R$ 5 mil aos docentes da rede estadual (SANTA CATARINA, 2021b). Similar ao que ocorre no mercado de bens e serviços, o aumento da oferta tem desencadeado uma crescente competitividade entre os professores que buscam ingressar, como docentes ACTs, na rede estadual de educação. As IES, por conseguinte, têm ofertado mais cursos EaD, inclusive os destinados a oferecer uma segunda Licenciatura, cujo tempo de duração varia entre seis meses e um ano.
A expansão da EaD está estreitamente relacionada à flexibilidade, customização, baixos custos e menor tempo de duração dos cursos. Os estudantes podem realizar os cursos de acordo com as suas preferências e disponibilidade de tempo e horários. A flexibilidade e a democratização do acesso são, a propósito, alguns dos argumentos apresentados para a defesa das políticas de expansão da EaD, especialmente pelos organismos internacionais.
O argumento da democratização do acesso tem sido amplamente utilizado para o credenciamento de cursos de formação de professores em EaD ofertados por IES privadas. Os dados da pesquisa evidenciam que a formação de professores em Santa Catarina está, majoritariamente, dominada pelo setor privado. Em 2018, as IES privadas formaram 97,2% dos licenciados em EaD no estado. Sob a égide do setor privado, a modalidade está permeada pelos interesses mercadológicos. Como destacam Evangelista (2016), Evangelista et al. (2019), Leher (2015), Mandelli (2014), Malanchen (2015), Patto (2013), a mercantilização tem comprometido a qualidade da formação. Os cursos de formação de professores em EaD oferecem, em geral, uma formação rápida, superficial, técnica e voltados para o exercício profissional (MANDELLI, 2014; PATTO, 2013). As políticas de democratização do acesso, a despeito de sua importância, têm representado também aligeiramento e redução da qualidade dos processos formativos. Como destacam Silva (2001) e Patto (2013), a vocação mercadológica que move a maioria das IES e dos conglomerados empresariais que atuam na EaD compromete a qualidade da formação dos professores. O ideário pedagógico acaba sendo substituído pelo senso de oportunidade comercial e pela lógica do lucro. A sobrevivência e a lucratividade tendem a nivelar por baixo a formação científica e didático-pedagógicas.
Os dados de Santa Catarina evidenciam que a EaD não é apenas uma modalidade de ensino. Ela se consolidou como a principal estratégia de formação de professores em Santa Catarina e, também, no país. Está-se diante de um fenômeno novo, denominado por Evangelista (2016, p. 11) como “professor eadeizado”. A expansão tem sido contínua desde a década de 1990 do século passado, independentemente da linha ideológica dos governos. A privatização do segmento foi impulsionada pelas inúmeras políticas de regulação e de desregulação. Por meio dessas políticas, o Estado brasileiro tem reduzido o seu compromisso com a formação dos professores do país, repassando essa tarefa às IES privadas. Como destacado anteriormente, em 2018, o setor privado formou, em Santa Catarina, 97,3% dos professores, contra 2,7% das IES públicas. A estagnação do número de cursos e de matrículas nos cursos de formação de professores nas IES públicas nos últimos anos indica uma mudança significativa no papel do Estado brasileiro. Em vez de ampliar a presença formadora do Estado, as políticas têm fortalecido as funções de regulação e de avaliação. A reduzida presença estatal na formação acaba aprofundando as desigualdades historicamente presentes na formação de professores. Os estudantes mais pobres tendem a buscar os cursos de Licenciaturas mais baratos e rápidos. Como destaca Malanchen (2015), a modalidade EaD tem sido uma política compensatória destinada a suprir a ausência de cursos presenciais nas IES públicas.
Trata-se da materialização de uma concepção neoliberal de Estado e de educação superior, claramente alinhada às orientações dos organismos internacionais. Como demonstram inúmeros estudos, elaborados desde a década de 1990 por vários pesquisadores (CORAGGIO, 1995; EVANGELISTA, 2016; LEHER, 1998; MALANCHEN, 2007, 2015; MANDELLI, 2014; TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1995), o Banco Mundial tem influenciado fortemente a definição das políticas educacionais nos países periféricos como o Brasil. Em documento publicado em 1995, o Banco Mundial afirma que
[...] la educación a distancia puede ser eficaz para aumentar a un costo moderado el acceso de los grupos desfavorecidos, que por lo general están deficientemente representados entre los estudiantes universitarios e de esa forma a educación a distancia puede ser una forma eficaz de promover también la educación permanente y de mejorar los conocimientos. (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 36-37).
Os países têm sido pressionados a ampliar o acesso sob o argumento de que a educação superior é fundamental para elevar a competitividade econômica das nações e preparar os jovens para os ambientes de trabalho cada vez mais automatizados e tecnológicos. Com o intuito de democratizar o acesso, os governos têm estimulado o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para a oferta de cursos EaD e de cursos de Graduação híbridos (presencial e a distância). Como destaca Evangelista (2021), as IES - especialmente as universidades públicas - têm sido forçadas a reorganizarem os seus cursos a fim de atenderem ao competitivo mercado de Educação Superior e aos interesses econômicos subjacentes. No bojo desse processo, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Capes deram novo impulso ao uso das novas tecnologias digitais nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação. Em 2022, as referidas instituições aprovaram, por meio do Parecer No 14, de 5 de julho de 2022 (BRASIL, 2022b) e da Portaria No 315, de 30 de dezembro de 2022 (BRASIL, 2022c), da Capes, a modalidade “híbrida de ensino e de aprendizagem”. Com base nessas normativas, as IES brasileiras podem implantar cursos que integram o ensino presencial às diferentes modalidades semipresenciais e a distância. E assim, por meio do emprego das novas tecnologias digitais, a formação pode ser desenvolvida em diferentes tempos e espaços.